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FACULDADE DE LETRAS E CIÊNCIAS SOCIAIS

DEPARTAMENTO DE SOCIOLOGIA

Teorias Contemporâneas I
3o Ano/Pós-Laboral

Resumo do livro “A representação do eu na vida quotidiana” de Erving Goffman

Docente: Dr. Adriano Maurício

Discente:

Irene Mucumbe

Maputo, Junho de 2021

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Parte I

a) Qual é o contexto no qual Goffman produz o seu trabalho?

R: Touraine faz parte de uma linha teórica denominada pós-moderna, e produz seu trabalho nos
finais do século XX e no fim das duas guerras mundiais. As suas pesquisas, teve suas raízes na
prática defendida pelos precursores da Escola de Chicago, principalmente Robert Park, baseada
na imersão da realidade social a fim de elaborar suas próprias análises. Para Goffman os alunos
deveriam abandonar a biblioteca e ir a campo, centralizando seus interesses em fontes primárias

b) Com que autores ele discute/dialoga?

R: Touraine, trava diálogos com os autores clássicos da sociologia como Émile Durkheim,


George Simmel, George Mead, Everett Hughes, Alfred Schutz, Talcott Parsons.

c) O que o autor pretende teoricamente com o seu trabalho em termos gerais?

R:Do ponto de vista teorica, o seu interesse centra-se na perspectiva estruturalista e funcionalista
que colocam a enfâse na estrutura e na sociedade sobre o indivíduos. De acordo com este autor,
os indivíduos não são impostos pela estrutura social, antes eles interiorizam diversos quadros
sociais dos quais participam, constituindo aquilo que o autor chama de Self, ou seja, o actor
social demonstra a capacidade de agir de acordo com as diferentes situações uma vez que possui
a capacidade de interpretar os diferentes elementos que constitui essas situações, interiorizando-
os passando assim, a agir de acordo com eles.

d) Quais são as ideias centrais com as quais o autor trabalha?

R: As ideias centrais da abordagem de Goffman, é de ter se dedicado ao estudo da interacção


social em situações de co-presença entre os indivíduos, demonstrando o carácter reflexivo com
que os indivíduos orientam as relações em situações de presença física mútua sem intermediação
de qualquer outro meios de comunidade que não seja a linguagem corporal e a voz.

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Parte II: Resumo dos capítulos da obra

Prefácio

Goffman recorre à perspectiva das representações teatrais para descrever as relações sociais que
ocorrem num espaço circunscrito, tal como um prédio, uma fábrica ou uma empresa. Ele parte de
princípios dramatúrgicos para examinar como um determinado indivíduo representa seu papel de
modo a regular as impressões que os outros têm dele. Na vida real, o papel social não é
representado diante de uma plateia que está separada dos actores, mas é “talhado de acordo com
os papéis desempenhados pelos outros presentes”. A vida social é constituída de actores-
espectadores, sendo uma fusão de plateia e palco.

Introdução

Chegar a presença de outros implica, geralmente, obter ou reiterar informações a respeito do


outro. Para Goffman, a despeito de algumas dessas informações serem procuradas quase como
um fim em si mesmas, existem razões para obtê-las: a informação assumida inicialmente
(primeiras impressões) a respeito do outro serve para definir a situação que vai se apresentar,
constituindo/fornecendo um contexto inferencial onde as pessoas são capazes de antecipar
expectativas mútuas, compreendendo a melhor condução para as respostas desejadas do outro.

Para o autor, muitas fontes de informação se apresentam como “veículos de indícios” –


aparência, conduta, estereótipos, suposições baseadas em experiências anteriores com pessoas
parecidas, generalidade de traços psicológicos, mas poucas delas oferecerão directamente a
informação conclusiva de que precisarão (verdadeiras crenças e emoções do indivíduo, por
exemplo, não se apresentam em um contexto de primeiro encontro).

Para Goffman, a expressividade do indivíduo sua capacidade de dar impressão – parece conciliar
duas formas de comunicação: i) a expressão que ele transmite (símbolos verbais, comunicação);
e ii) a expressão que emite (acções que podem se apresentar como sintomáticas, levadas a efeito
por razões outras da informação transmitida).

Goffman inaugura assim, uma abordagem promissória da comunicação em dois sentidos: amplo
e estrito – que parece ter habitado um ponto cego das teorias clássicas: o interesse principal do
indivíduo será o da regulação e controle da conduta do outro durante a interacção.

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Neste sentido, ressalta que o seu trabalho observa sobretudo, a forma de comunicação do tipo (i)
teatral e contextual, (ii) de natureza não-verbal e (iii) por conjectura não-intencional – quer a
comunicação seja organizada propositalmente ou não.

Na abordagem promissória inaugurada, Goffman sublinha um aspecto fundamental da resposta


dos outros: considerando que o indivíduo irá certamente apresentar-se favoravelmente, onde os
demais interlocutores poderão analisar o que notam a partir de duas perspectivas: i) o indivíduo
facilmente manipulará quando quiser, através das afirmações verbais e ; i) o indivíduo terá pouco
domínio a partir das expressões emitidas, através da dimensão não-verbal).

Dessa forma, o autor destaca uma assimetria fundamental do processo comunicacional,


destacando que o indivíduo geralmente só racionaliza e pondera uma das duas formas
apresentadas. Acrescenta ainda que, os indivíduos podem usar os aspectos considerados não-
governáveis do comportamento expressivo como reforço e legitimidade dos aspectos
considerados governáveis.

Sobre o modus vivendi interacional, considera que as pessoas, em conjunto, contribuem para
uma única definição geral da situação baseado num acordo real quanto às pretensões que serão
momentaneamente consentidas e a conveniência de evitar possíveis conflitos. Sobre este
consenso implícito, o autor qualifica como um “consenso operacional”.

Como uma questão de ordem, Goffman destaca algumas definições implícitas, fundamentais
sobre este trabalho: a interacção é definida como “a influência recíproca dos indivíduos sobre as
acções uns dos outros, quando em presença física imediata”. Um desempenho é a actividade de
um participante de uma interacção que sirva para influenciar outro participante. Um movimento
ou prática é formado a partir de um padrão de acções que se desenvolvem durante a
representação, e que pode se repetir outras vezes. Um indivíduo que representa o mesmo
movimento para o mesmo público diversas vezes estabelece um relacionamento social. Um papel
social envolve um ou mais movimentos.

Capítulo I: Representações

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Goffman inicia o estudo das representações perguntando não sobre a crença dos indivíduos nos
papéis representados por outros, mas a crença do indivíduo no papel que ele mesmo representa,
ou na impressão que ele pretende passar aos outros. Um actor compenetrado no próprio número
pode estar sinceramente convencido de que passa uma impressão que corresponde à realidade.
Num outro extremo, um actor pode não crer na sua própria actuação e não se importar em
convencer seu público. Ainda que costumemos a chamar o primeiro de sincero e o segundo de
cínico, o sincero não está necessariamente em contacto com a realidade. Um cínico pode passar a
acreditar na sua própria encenação, e o caminho inverso também pode ser seguido.

Considerando o desempenho de um papel por um indivíduo, propõe ser conveniente observar,


apriori, a própria crença do indivíduo na impressão de realidade que tenta dar aos outros entre os
quais se encontra. Nesse sentido, a partir do grau de convencimento do indivíduo da sua própria
prática, o autor oferece duas situações opostas para ilustrar um ciclo contínuo de crença-
descrença: de um lado, o indivíduo que encontra-se focado no seu desempenho pode estar
sinceramente convencido que a impressão de realidade encenada é a própria realidade, por outro
lado, quando o actor não encontra-se plenamente convencido da sua prática e por tanto, descrente
da sua própria actuação e desinteressado pelo seu público, o indivíduo pode ser cínico. Dessa
forma, os actores podem oscilar naturalmente entre cinismo e sinceridade ou ainda, misturar
essas duas dimensões ao longo do seu espectáculo.

Fachada: como sendo “a dimensão do desempenho do indivíduo, que funciona regularmente de


forma geral e fixa com o objectivo de definir a situação para os observadores de uma
representação”. E reitera: “fachada é o equipamento expressivo de tipo padronizado intencional
ou inconscientemente empregado pelo indivíduo durante sua representação”. Sobre as relações
entre as várias partes da fachada social, destaca uma característica particularmente importante da
informação transmitida, o seu carácter abstracto e sua generalidade.

Para Goffman, a fachada pessoal ou os itens de equipamento expressivo que identificamos como
próprio do actor e que os segue onde quer que o actor vá possui dois principais estímulos:
“aparência” e “maneira”. Sobre as partes tradicionais da fachada, temos: i) Cenário: partes
cénicas de equipamento expressivo; ii) Aparência: estímulos que funcionam no momento, para
nos revelar o status social do actor e iii) Maneira: estímulos que funcionam no momento, para
nos informar sobre o papel de interacção que o actor espera desempenhar na situação.

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Para o autor, as fachadas tendem a ser seleccionadas e não criadas, o que implica directamente
um dilema de escolha (da mais adequada), dentre tantas fachadas possíveis. Acrescenta ainda
que, embora diferentes práticas possam adoptar a mesma fachada, devemos observar que uma
fachada social tende a se institucionalizar em termos de expectativas estereotipadas abstractas. O
autor tenciona ainda, a relação entre papéis sociais e fachada, quando um actor assume um
determinado papel social e geralmente verifica que uma determinada fachada já foi estabelecida
para este papel.

Cenário: este conceito reflecte todo um conjunto de elementos que constituem uma situação
mais são de ordem física que não são inerentes a constituição corporal do indivíduo, como a
mobília, o palco. Raramente, o cenário tende a acompanhar o indivíduo.

Representação dramática: é a realização do actor social na qual tende a agir para além do se
expressa dele, enfatizando e tornando mais visíveis algumas aspectos da sua representação que,
talvez, seria invisíveis. Isto é, a dramatização torna o invisível visível, ou visível destacado.
Assim, o actor chama atenção do seu público para alguns aspectos da sua actuação. Contudo,
esta tem de ser feita de forma controlada de modo a não conduzir ao desvio do papel que se está
a representar.

Idealização: refere a umas imagens tipificadas, padronizadas e aceites nas sociedades que
servem de base para orientação da representação do indivíduo na medida em que procura, cada
vez, se aproxima a essa imagem ou ideia. Assim, os indivíduos procuram, ao longo da sua
representação se aproximar dessa idealização, sendo apenas uma existência que não se
materializa na sua totalidade mas que é um esforço tentar materializar.

O desempenho de um indivíduo tende a incorporar valores oficialmente reconhecidos pela


sociedade. O exemplo mais concreto são os símbolos de status social. Para representar
efectivamente uma determinada classe social, o actor precisar causar impressões que combinem
com os estereótipos dos observadores. Directores de empresa, por exemplo, podem conservar
seus empregos por parecerem directores, mais do que por terem a capacidade de agir
efectivamente como directores.

Controlo expressivo: é a capacidade que o indivíduo possui e procura demonstra no sentido de


manter todos os elementos aos quais a plateia tem acesso dentro do quadro da sua representação,
concorrendo para que seja percebido da forma como pretende ser percebido. Mesmo quando

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ocorrem contingências (incidentes na previstos) o actor pode procurar corrigir ou fazer com que
não seja percebido pelos outros, de modo a manter a sua representação social dentro dos limites
aceites por ele.

Para entender como é feita a manutenção do controle expressivo, Goffman sugere analisar as
representações de acordo com uma analogia artística, e não com sistemas mecânicos, nos quais
um grande ganho pode compensar uma pequena perda. Na arte, uma pequena perda pode quebrar
toda a harmonia da representação. O actor-jogador precisa observar a sua conduta nos mínimos
detalhes, para não deixar aparecer um ponto fraco que possa ser explorado pelo seu oponente.

Mistificação: A partir da acepção de distância social, também citando Durkheim, que considera
a personalidade humana uma coisa sagrada, inviolável, Goffman afirma que as inibições do
público em acessar o actor em determinados momentos, oferecem-no um certo campo livre de
ação para formar uma impressão escolhida e que funcionam como protecção (ou ameaça) que
uma aproximação mais apurada destruiria.

Realidade e Artifícios: De modo geral, há para Goffman dois modelos de bom senso: o de
representação falsa e o da representação verdadeira, entendendo-se a primeira como algo
completamente ensaiado e a segunda como algo completamente espontâneo; Acrescenta que, no
dia-a-dia, o actor, sincero ou não, bom ou não, representa e convence sua plateia com base na
troca de informações recíprocas (“deixas” e “pontas”).

O autor ressalta ainda: “uma condição, uma posição ou um lugar social não são coisas materiais
que são possuídas e, em seguida, exibidas; são um modelo de conduta apropriada, coerente
adequada e bem articulada. Representando com facilidade ou falta de jeito, com consciência ou
não, malícia ou boa-fé, nem por isso deixa de ser algo que deva ser encenado e retratado que
precise ser realizado.”

Por fim, Goffman afirma que “uma condição, uma posição ou um lugar social não são coisas
materiais que são possuídas e, em seguida, exibidas; são um modelo de conduta apropriada,
coerente, adequada e bem articulada”.

Capitulo II: Equipes

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O autor descreve a ideia de equipes de representação como mais um conceito importante a ser
tido para sua perspectiva analítica dos processos interacionais. Para Goffman, a equipe é descrita
como um conjunto de indivíduos em cooperação quando da encenação de uma rotina particular.
Essa ideia está situada entre dois extremos do processo interacional: num patamar, o indivíduo e
sua representação pessoal e, em outro, os participantes e a interacção em geral. Mas nem todas as
observações possíveis lidam apenas com essa divisão – a qual pode servir para uma festa num
salão, por exemplo, em que nenhum dos atores ganha destaque de modo individual, mas não
funciona para as situações em que algum grupo consegue actuar de forma emergente.

Quando esse agrupamento passa a impressão de que há uma sinergia ou um ajuste entre as
actuações dos indivíduos, vêm a tona a equipe como um terceiro nível entre os dois extremos.
Goffman novamente frisa que o que interessa são os processos formais pelos quais se dão tais
ajustes e conluios em equipe:

Poderíamos mesmo dizer que se nosso interesse especial é o assunto do maneio das impressões,
das contingências que surgem na promoção de uma impressão, e das técnicas para satisfazer tais
contingências, então a equipe e sua representação podem ser as melhores para se tomar como
ponto fundamental de referência.

Em virtude dessa actuação para um público ou uma plateia específicos, a equipe funciona diante
de um acordo de que ela vai agir em cooperação e em relativo segredo – o que nos leva ao nível
do acordo. Isso nos coloca diante de dois pontos em torno dessa estruturação.

Há um vínculo de dependência recíproca, segundo o qual os actores de uma equipe estão


coadunados segundo aquele propósito. Essa relação de dependência inclusive pode atravessar
extractos sociais e estruturas institucionais, já que é uma dada realidade daquela situação que
está valendo.

ao passo que precisam estipular os contratos de manutenção da equipe, toda a estrutura


representacional não irá se sustentar diante da queda ou do término da situação. Os atores dessa
equipe se definem como “a par dos fatos”, o que lhes dá a liberdade de actuar fora dos papéis
quando findada a situação.

Um ponto importantíssimo do capítulo diz respeito à ideia de “panelinha”. Uma equipe não é um
agrupamento desse tipo, o qual se refere a um nível de intimidade baseado em amizade e

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informalidade. A panelinha apresenta fronteiras simbólicas que agem como protecção de pessoas
do mesmo nível que aqueles membros, segregando indivíduos escolhidos para “ficarem do lado
de fora”.

A equipe estabelece nivelamentos diferentes e não necessariamente exclui: apenas não


compartilha informações básicas que possibilitem o acesso aos “segredos” da equipe – mesmo
porque a equipe precisa de uma plateia que a coloque num lugar relativo de observados.

“[…] numa fábrica, aquele que se isola e que se torna um sujeito importante nem por
isso deixa de fazer parte da equipe, mesmo se sua produtividade perturbar a
impressão que os outros operários procuram criar do que seja um estafante dia de
trabalho. Como objecto de amizade, ele pode ser cuidadosamente ignorado, mas
como ameaça à definição da situação da equipe não pode ser desprezado” (p. 81).

A necessidade de manutenção da situação por parte da equipe nos leva à adopção de estratégias
de compartilhamento de informação. Assim, até pode haver discordância entre os membros, mas
ela não pode ser levada a público. O exemplo dado por Goffman diz respeito ao concerto
musical, cuja “execução ideal” da música pode ser, por definição, uma obediência à risca das
orientações dada pelo compositor da peça. Ora, vocalistas e demais músicos podem ter uma
abordagem própria para as canções executadas. Numa situação delicada como essa, cuja
manutenção depende radicalmente de uma consonância e harmonia constante, os desacordos
entre os músicos quanto à forma de expressão não podem estar visíveis ou compreensíveis para a
plateia. O desacordo entre os membros da equipe, assim, incapacitam a ação e perturbam a
situação.

Interacções dramáticas (entre equipes): Goffman se refere à actuação dramática entre mais de
uma equipe. Nesse caso, o autor salienta que não temos uma simples multiplicidade de vozes
referente a cada um dos participantes, mas sim um “diálogo” entre as equipes – as quais se
constituem e ajustam suas acções. É curioso que ele não encontra uma razão para isso se dê dessa
forma, mas, na prática, é essa redução que parece ocorrer no geral.

A plateia também é uma equipe, mas isso por ora pode ser tratado fora dessa perspectiva, até por
uma conveniência analítica. De qualquer forma, Goffman frisa que um indivíduo só pode se
situar numa só equipe a um só tempo, e não pode transitar dentre equipes diferentes sem sanções
– uma possível seria a retaliação ou o isolamento do “intruso”.

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O controle do cenário, que pode ser descrito como um conjunto de procedimentos de protecção e
regulação do mesmo. Goffman dá o exemplo do barbeiro que, ao manter uma agenda pública,
pode fingir ter um horário marcado para um cliente quando, de fato, ele reservou a si mesmo –
para lanchar, por exemplo.

Todos esses procedimentos estão disfarçados e mantêm pessoas estranhas alheias à equipe –
ainda que fisicamente possam estar próximas ou no mesmo ambiente. Em qualquer caso de
controle do cenário, as pessoas encarregadas da direcção precisam encontrar um equilíbrio e
“manter as rédeas” da situação. Além disso, a directoria precisa também distribuir os papéis e
buscar manter equilíbrio entre suas escolhas e demandas.

Dominância dramática e directiva: A primeira expressão reflecte o centro das atenções de


dada situação, enquanto a directiva tem a ver com o controle das acções. Mas essas dominâncias
não necessariamente se cruzam e se acumulam sobre um certo sujeito. Em funerais e casamentos,
por exemplo, há sempre um grupo de profissionais encarregados das acções (pelo luto ou pelo
script do casório), tanto quanto há uma equipe de pessoas encarregadas pelas emoções (os
enlutados ou os convidados do casamento). Mas, em ambos os casos, a dominância directiva se
encontra nas mãos de algumas pessoas (que irão tocar o script da maneira adequada), enquanto a
dominância dramática se encontra com os noivos ou com o defunto.

Diante dessa divisão, é necessário perceber que, dentro da equipe, há “a cara” e “a engrenagem”,
e que essas correspondências não batem, necessariamente, com as representações postas a
público. Por vezes, actores de liderança são figuras decorativas, o que lhes coloca literalmente
como uma “decoração de fachada” – e, nesse caso, o real poder da equipe se situa num outro
patamar mais interno.

Goffman conclui o capítulo ressaltando que o êxito da cooperação entre os membros da equipe
depende da dissimulação dos mesmos e da manutenção em segredo dos acordos e dos
procedimentos tomados. Nos seus dizeres, “uma equipe portanto tem algo do carácter de uma
sociedade secreta.

A plateia apreciará certamente que todos os membros da equipe sejam mantidos unidos por um
vínculo do qual nenhum membro do público compartilha. Isso não quer dizer que haja
necessidade de segredos quanto aos laços – em geral, não se esconde quem são os membros de
uma equipe e quem não são; apenas não se sabem quais os acordos dentre eles. O que fica em

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segredo, assim, é o modo como os membros cooperam em vias de manter a definição da situação
– o que inclusive nos leva à possível criação de equipes apropriadas apenas para ajudar aquela
equipe principal.

Capitulo VI: A arte de manipular a impressão

Neste capítulo, Goffman aborda os atributos que um actor necessita para representar, com
sucesso, um personagem, mas antes, apresenta tipos de rupturas da representação (ou incidentes)
que podem ocorrer, pois as técnicas de manipulação da impressão buscarão evitá-las ou atenuá-
las:

1. Gestos Involuntários: O actor deve agir com expressiva responsabilidade, visto que, algumas
acções transmitem impressões inapropriadas ao momento.

2. Intromissões inoportunas: Quando um estranho entra numa região onde ocorre uma
representação ou a plateia tem acesso inadvertidamente aos bastidores, os actores presentes
podem ser vistas em uma actividade que é incompatível com a impressão que ela tem
“obrigação” de manter. Essas intromissões geram riscos de comprometer a projecção do actor e a
imagem da própria equipe.

3. Faux Pas (gafe, mancada ou ratas): são fontes de embaraços e dissonâncias que não estavam
nos planos da pessoa responsável por eles e que seriam evitados se a pessoa soubesse de antemão
as consequências de sua actividade.

4. Cenas: são situações nas quais o indivíduo age de modo a destruir ou ameaçar seriamente a
aparência de cortesia da convivência e mesmo sem o objectivo de gerar dissonância, age sabendo
que há a probabilidade dela ocorrer.

A fim de evitar os incidentes e o embaraço consequente, será necessário que os participantes da


interacção possuam certos atributos e os expressem em práticas empregadas para salvar o
espectáculo (interacção): 1. A lealdade dramatúrgica com a equipe. 2. A disciplina dramatúrgica
com se próprio papel. 3. A circunspeção dramatúrgica, que se refere à preparação antecipada
para possíveis contingências.

1. Lealdade Dramatúrgica: Se uma equipe quiser manter uma linha de acção que adoptou, os
membros desta equipe devem agir como se tivessem certas obrigações morais, ou seja, não
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devem trair os segredos da equipe nos intervalos das representações. Exemplos: crianças (pais) e
criados (patrões).

Uma técnica básica para a lealdade dramatúrgica é a solidariedade dentro da equipe. Uma vez
que a equipe está formada (comunidade social) e cada actor possui um lugar e apoio moral, todos
passam a agir de forma solidária defendendo e reforçando a actuação uns aos outros

2. Disciplina Dramatúrgica: É essencial para a manutenção da representação da equipe que


cada membro possua disciplina dramatúrgica e a exerça ao apresentar seu próprio papel. Ou seja,
o actor deve evitar ser levado pelo seu próprio espectáculo, a fim de que não destrua sua tarefa
de montar uma encenação bem-sucedida.

O actor disciplinado dramaturgicamente é aquele que se lembra do seu papel e não comete os
Faux Pas ao desempenhá-lo. Este consegue encobrir instintivamente um comportamento
inadequado por parte de seus companheiros de equipe, enquanto mantém a impressão de que está
simplesmente executando seu papel. Caso não consiga evitar ou encobrir uma ruptura na sua
representação, o actor disciplinado está preparado para dar uma razão plausível que justifique o
acontecimento da ruptura, diminuindo a importância dela, ou uma profunda desculpa e auto-
depreciação para reintegrar os responsáveis por ela.

Ele tem autocontrolo. Consegue suprimir sua resposta emocional a seus problemas pessoais. Ou
seja, consegue suprimir seus sentimentos espontâneos, a fim de dar a impressão de não
abandonar a linha emocional (o status quo expressivo) estabelecida pela representação de sua
equipe. Pois a demonstração de uma afectividade condenável pode por revelar uma transgressão
do consenso operacional.

3. Circunspecção Dramatúrgica: Goffman cita o interesse da equipe, deve-se exigir dos actores
que sejam prudentes e circunspectos ao representar o espectáculo, preparando-se para prováveis
contingências e explorando as oportunidades restantes. O actor prudente tentará seleccionar a
plateia que lhe cause o mínimo de dificuldades, em termos do espectáculo que quer encenar e do
espectáculo que não deseja representar. Goffman cita que quanto menor (equipe e plateia) menor
é a possibilidade de erros e dificuldades/traições. Contudo, pontua que há representações que não
podem ser executadas sem a assistência técnica de considerável número de companheiros de
equipe.

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Goffman fala sobre outro modo de circunspeção dramatúrgica, quando uma equipe chega à
presença imediata de outra e a impressão geral é incompatível com a impressão alimentada
(característica básica da relação face a face). Uma das estratégias é seleccionar companheiros de
equipe leais e disciplinados para que a interacção não fique desajeitada, ou seja, preparar-se para
as contingências expressivas possíveis.

4. Práticas Protectoras: Goffman apresentou 3 atributos para que os membros de uma equipe
representem com segurança: lealdade, disciplina e circunspecção. Para cada um apresentou uma
série de técnicas defensivas. O autor afirma que, a maioria destas técnicas defensivas de
manipulação da impressão geram uma tendência discreta do público e dos estranhos de agirem
de forma protectora, a fim de ajudar os actores a defenderem o seu próprio espectáculo e que
essas técnicas são apresentadas da seguinte maneira:

i) O acesso a região de fundo e de frente é controlado não só pelo autor, mas por outras pessoas.
As pessoas se afastam naturalmente das regiões as quais não foram chamadas. Se fazem isso, dão
algum sinal da intrusão (batida, licença etc.); ii) Quando a interacção tem que continuar mesmo
com a presença de estranhos, estes se mostram de forma desinteressada (desatenção discreta,
pode variar de sociedade/cultura).

iii) Uma vez que o público é admitido na representação, espera-se dele uma série de
comportamentos para manter o equilíbrio interacional, demonstração de atenção, interesse, boa
vontade para refrear o próprio desempenho para não introduzir demasiadas interrupções ou
pedidos de atenção. Ou evitar declarações ou actos que podem criar Faux Pas, acima de tudo, o
desejo de evitar uma cena; iv) Quando há alguma discrepância na impressão suscitada e a
realidade revelada, a plateia pode “não notar” o lapso ou aceitar prontamente a desculpa
oferecida para justificá-la.

v) Por fim, cita outro acordo tácito que é quando a plateia sabe que o actor é um principiante e,
por isso, mais sujeito a cometer erros embaraçosos. Em geral a plateia irá mostrar uma
consideração especial, abstendo-se de causar dificuldades.

Goffman cita que se os atores perceberem o tato da plateia (e a plateia perceber que os actores
perceberam suas práticas protectoras), momentaneamente, as linhas de divisão entre as equipes
podem sumir e a estrutura dramatúrgica da interacção social é subitamente posta a nu. Em
seguida, as equipes retornam para seus personagens determinados e respectivas linhas de acção.

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5. O Tato com relação ao Tato: Goffman apresenta duas estratégias:

i) O actor deve ser sensível às insinuações e estar disposto a aceita-las, pois é mediante as
indicações que a plateia pode avisá-lo que seu espectáculo é inaceitável e que faria melhor em
modifica-lo rapidamente se quiser salvar a situação.

ii) Se o actor tiver de não representar devidamente os factos, deve fazer isso de acordo com a
etiqueta adequada às falsas representações. Ao dizer uma inverdade, por exemplo, o actor deve
guardar uma sobra de troça na voz, para caso seja apanhado possa negar qualquer pretensão de
seriedade e dizer que estava apenas gracejando.

Goffman finaliza com uma lista de elementos dramatúrgicos da situação humana: problemas de
encenação em comum; preocupação pela maneira como as coisas são vistas; sentimentos de
vergonha justificados e injustificados; ambivalência com relação a si mesmo e ao seu público.

Capitulo VII: Conclusão

O trabalho de Goffman apresenta uma estrutura geral na qual “qualquer estabelecimento social
pode ser proveitosamente estudado do ponto de vista da manipulação da impressão”. O
estabelecimento social é o lugar limitado por barreiras à percepção onde uma equipe de atores
coopera para apresentar à plateia uma definição da situação, algumas vezes na presença de
estranhos, que são o terceiro elemento.

Estabelecimentos sociais tradicionalmente são analisados de acordo com quatro perspectivas: a


técnica, a política, a estrutural e a cultural. Goffman sugere uma quinta: a dramatúrgica. Essas
perspectivas se entrecruzam de vários modos: A perspectiva técnica se cruza com a
dramatúrgica, por exemplo, em relação às condições de trabalho. A perspectiva política e a
dramatúrgica podem ser analisadas em conjunto quanto à capacidade de um indivíduo de dirigir
outros. A perspectiva estrutural e a dramatúrgica cruzam-se na análise da distância social. A
cultural e a dramatúrgica, na manutenção de padrões morais.

Esta perspectiva também oferece um método de análise da interacção social e da identidade de


um indivíduo em relação ao seu papel, instituição ou grupo, e “em seu conceito de si mesmo
como alguém que não rompe a interacção social ou desaponta as unidades sociais que dependem
dessa interacção”.

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Porém, o autor não pretende apresentar um quadro de referência que independe da cultura ou que
possa ser aplicado do mesmo modo em sociedades não ocidentais. Embora use alguns exemplos
de outras sociedades, seu foco é a sociedade anglo-americana. Uma das conclusões que podemos
tirar disto é que tal sociedade se caracteriza por indivíduos que, vivendo num mundo moral, não
se interessam realmente pela moral, mas pela produção de uma impressão convincente de que
realizam os padrões morais. “Somos mercadores de moralidade”.

Finalmente, sobre a representação do “eu”, cabe notar que o indivíduo é visto sob duas
perspectivas: a do actor e a do personagem. A própria estrutura do “eu”, na sociedade anglo-
americana, depende do modo como representações de nós mesmos são arranjadas. O “eu” não é
produto do indivíduo, mas da encenação que nos torna capazes de sermos interpretados pelos
observadores. Os atributos do actor são de natureza psicológica, mas parecem surgir da íntima
interacção com as contingências da representação no palco.

O autor não está simplesmente afirmando que o mundo é um palco e que somos todos atores, de
modo a colocar em descrédito o sentido das relações sociais. Não se trata de enumerar os
aspectos teatrais da vida quotidiana, mas de estudar a própria vida quotidiana e a estrutura dos
encontros sociais. A analogia com o teatro é interessante porque para uma encenação ser bem-
sucedida ela deve aplicar as mesmas técnicas com as quais as pessoas no quotidiano mantêm a
definição de situações sociais reais, revelando assim uma estrutura que está presente tanto na arte
quanto na vida social.

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