GOFFMAN, Erving. A representação do eu na vida cotidiana: capítulo I.
São Paulo: Perspectiva, 1989.
RESENHA CRÍTICA Maria Luíza Almeida Barroso
Através de metáforas sobre o teatro e a dramaturgia, Erving Goffman busca retratar as
relações sociais de uma perspectiva microssociológica. O indivíduo é colocado pelo autor como um ator que representa papéis diferentes adequados à situação social a fim de retirar do outro as respostas desejadas. O ponto de partida do Capítulo I, contudo, não é a crença do outro na “máscara” que utilizamos, mas a própria crença do indivíduo na imagem que ele pretende passar. Para Goffman, existem dois extremos: momentos nos quais um indivíduo crê no papel que está interpretando (chamado de “sincero”) e o momentos em que o indivíduo é seu próprio diretor e interpreta um papel falso conscientemente como meio para determinados fins (chamado de “cínico”). Essas categorias são apenas descritivas e não carregam em si um juízo de valor, não é necessariamente bom ser sincero, nem necessariamente ruim ser cínico, nem mesmo somos sempre um ou sempre outro, estamos sempre oscilando. Os exemplos dados pelo autor são próximos da realidade e facilitam a compreensão, além de buscar em outros autores a reafirmação da sua tese, como é o caso de Robert Ezra Park, um dos principais pensadores da Escola de Chicago, que diz: “Não é provavelmente um mero acidente histórico que a palavra ‘pessoa’, em sua acepção primeira, queira dizer máscara. (...) Entramos no mundo como indivíduos, adquirimos um caráter e nos tornamos pessoas”. A partir daqui o capítulo é dividido em sete partes nas quais são apresentados importantes conceitos para a teoria de Goffman. Primeiramente, fachada, que é definida como “a parte do desempenho do indivíduo que funciona regularmente de forma geral e fixa com o fim de definir a situação para os que observam a representação”. Outros subitens são explanados: o cenário, os suportes do palco, uma espécie de mobília social que é mais ou menos fixa; a aparência, os elementos que seguem o indivíduo em diferentes cenários, como a raça, idade ou gênero; e a maneira, referente à postura que o sujeito adota, como humildade ou agressividade. É geralmente esperado que esses três elementos estejam em concordância, o que nem sempre acontece. O autor afirma que nem sempre é possível escolher uma fachada qualquer, observando uma série de normas sociais e restringem a gama de possibilidades. “Em presença de outros, o indivíduo geralmente inclui em sua atividades sinais que acentuam e configuram de modo impressionante fatos confirmatórios que, sem isso, poderiam permanecer despercebidos ou obscuros.” É assim que Goffman inicia sua explicação sobre a realização dramática. Diversos papéis sociais possuem tarefas atribuídas a eles muito mais dispendiosas do que o indivíduo pode aparentar ser. Uma ilustração disso é o caso de pessoas da elite, que gastam uma quantidade enorme de energia para performar coisas que os distinguem de outras pessoas: o modo de falar, de se vestir e até de comer. Uma das possíveis consequências na vida social é que nem sempre alguém que tem as habilidades para performar tais atividades consegue ter energia suficiente para mostrar que as está performando bem. Goffman afirma que a representação não é livre, pelo contrário, é “socializada, moldada e modificada para se ajustar à compreensão e às expectativas da sociedade em que é apresentada”, introduzindo o conceito de idealização. Portanto, as pessoas ajustam suas atuações de acordo com como elas acham que os outros vão compreendê-las (sem necessariamente acreditarem ou quererem atuar daquela maneira). A idealização pode ser positiva ou negativa: dependendo da interação em que esteja, alguém pode ressaltar ou atenuar determinada maneira para que seja mais bem aceito naquele determinado contexto. Além disso, para ser acolhido pela audiência, o ator pode esconder alguns aspectos sobre ele a fim de atingir seus objetivos, mas pode ter um custo quando ele não pratica a chamada “segregação de audiência”, ou seja, garantir que ele não reproduza papéis diferentes diante do mesmo público. Como ferramenta performática, o indivíduo pode lançar alguns sinais para audiência para que estes sejam lidos como algo importante, mesmo que não seja de fato, o que o Goffman chama de manutenção do controle expressivo. É um recurso ambíguo, já que sinais não-intencionais podem igualmente adquirir significado diante do público, acabando por minar a imagem que o ator pretende passar. Associado a este instrumento, o autor nos apresenta o conceito de representação falsa, que diz respeito à possibilidade do ator manipular a sua audiência através do uso de sinais que manifestam coisas que não correspondem à realidade. As representações falsas não são necessariamente mentiras deliberadas, por vezes, têm mais a ver com não mostrar tudo que temos no momento de interpretar determinado papel social já que existem pouquíssimos papéis nos quais podemos ser completamente abertos. “Se considerarmos a percepção como uma forma de contato e participação, então o controle sobre o que é percebido é o controle sobre o contato feito, e a limitação e a regulação do que é mostrado é a limitação e a regulação do contato” é a forma que Erving Goffman escolhe expor o conceito de mistificação. Para o autor, é essencial que o indivíduo mantenha uma distância segura entre ele e sua audiência para que a imagem idealizada seja conservada. Quanto maior for essa distância, mais segura é sua representação. Na seção posterior, o autor explana sobre a dinâmica de realidade e artifícios. Em nossa cultura geralmente pensamos as representações de forma dicotômica: a sincera, que é real e pura; e a inventada, que é falsa e enganosa. Para Goffman, entretanto, existe um mundo de possibilidades entre essas duas realidades, que inclusive, é onde a maioria das representações se encaixam. Efetivamente, na vida social, é necessário que o indivíduo saiba interpretar determinados papéis sociais em nome de sua sobrevivência, mas quase nunca essa atuação é sincera ou inventada por completo. Com este capítulo, o autor fornece ao leitor recursos que introduzem sua teoria e facilitam a sua compreensão, repleto de exemplos palpáveis e referências à grandes nomes da Teoria Social. O ponto fundamental de sua obra é apresentado: a ideia do mundo social como um grande palco onde todos os indivíduos estão constantemente atuando.