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41º Encontro Anual da


Anpocs

GT17 Mídias, política e eleições

A construção da imagem pública de Dilma Rousseff


durante o impeachment: uma análise preliminar

Laura Antônio Lima


Paula Guimarães Simões
2

Introdução

Após um ano completo do impeachment de Dilma Rousseff, em 31 de agosto de


2017, já se pode afirmar que o acontecimento político ficará na memória coletiva e na
história do país. Não só por ser um procedimento político pouco utilizado, mas pela
visibilidade e pelas repercussões em torno do governo e da imagem pública da ex-
presidenta, do envolvimento do Legislativo e do Executivo no processo, da participação
da sociedade em manifestações contra e a favor, construindo uma polarização muito
marcante no contexto brasileiro contemporâneo.
Tendo em vista esse cenário, o objetivo deste texto é analisar a construção de uma
imagem pública de Dilma Rousseff naquele contexto. Entendemos que a imagem pública
de um sujeito é constituída a partir de um conjunto de representações que emergem em
diferentes discursos – incluindo os midiáticos. Assim, partimos da ideia de que a mídia
constrói redes de sentido que atuam na consolidação da imagem pública de um indivíduo.
Tais sentidos envolvem valores, características, traços que são evidenciados em ações e
discursos e se agregam a uma face pública, permitindo compreender a inserção de tal
sujeito no contexto social mais amplo em que se inscreve.
Dessa forma, o texto está dividido em duas partes. Na primeira, discutimos o papel
das representações na constituição da imagem pública, construindo uma compreensão
desse conceito capaz de orientar a análise. Destacamos alguns estudos realizados acerca
de políticos e da própria Dilma Rousseff, os quais trazem contribuições para a realização
da análise aqui proposta. É esse estado da arte traçado na primeira parte que permite
apreender a dimensão relacional, multifacetada e contextual da imagem pública,
construindo uma grade analítica composta por três eixos interligados: a) ações e discursos
de Dilma Rousseff: a presidenta por ela mesma; b) ações e discursos de Dilma Rousseff:
um olhar de outros agentes sobre a presidenta; c) valores, papéis sociais e a inserção no
contexto social. É a partir desses três eixos que realizamos a análise de representações que
atuam na configuração da imagem pública de Dilma Rousseff – realizada na segunda parte
do artigo.
3

1 O papel das representações na construção da imagem pública

A imagem pública de um sujeito, um grupo ou uma instituição é construída a partir


de um universo de representações que emergem sobre cada um/a em diferentes espaços.
Na sociedade contemporânea, a mídia pode ser vista como um lugar central na produção
de tais representações, que se articulam na constituição das imagens públicas. Assim, é
preciso discutir tais noções, bem como o modo como elas se entrelaçam na constituição de
uma grade analítica profícua para apreender a construção da imagem pública de Dilma
Rousseff durante o processo do impeachment – começando pelo conceito de representação.

1.1 Alguns sentidos de representação

Quando falamos em representação, algumas possibilidades vêm à mente:


representação política, legal, pictórica, midiática. Essas interpretações do substantivo
mantêm relação com as várias definições que o próprio verbo representar possui. Segundo
o dicionário Aurélio1, algumas acepções do termo são: 1) ser a imagem ou reprodução de;
2) significar, denotar; 3) desempenhar papel em espetáculo teatral, em filme; 4) reproduzir;
descrever; 5) desempenhar o papel, as atribuições, a função de.
Empregamos o termo, cotidianamente, quando algo ou alguém está no lugar de
alguma coisa ou pessoa. Uma figura política que nos representa ao ser votada e assumir o
cargo, um/a advogado/a que nos representa perante a Justiça, um familiar que vai à reunião
de condomínio representando toda a família, uma placa de trânsito com um “e” cortado
representando a proibição de estacionamento naquele local. Esses exemplos configuram
algumas representações diárias com as quais temos contato.
Mas qual o sentido de representação que ajuda a compreender a imagem pública?
Há dois sentidos principais que gostaríamos de destacar aqui: 1) como performance; 2)
como universo simbólico.
Para compreender a representação como performance, é preciso recuperar algumas
contribuições de Erving Goffman. Em A representação do eu na vida cotidiana, o
sociólogo desenvolve a ideia de que “a vida é uma encenação dramática” (GOFFMAN,
1985, p.71) e estamos todos/as, portanto, desempenhando e encenando papéis sociais nas

1
FERREIRA, Aurélio. Minidicionário da Língua Portuguesa. 3 ed. – Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1993.
4

diferentes interações em que estamos engajados/as. O desempenho de um papel implica a


observação de direitos e deveres implicados nas ações dos/as agentes – encarnar o papel
de mãe de dois filhos em casa, por exemplo, é muito diferente do papel de professora em
uma sala de aula na universidade. Há expectativas sociais que regem a realização de cada
um desses papéis na vida cotidiana e que direcionam as atitudes dos sujeitos nas interações.
Nesse sentido, Goffman usa o termo representação para se referir “a toda atividade
de um indivíduo que se passa num período caracterizado por sua presença contínua diante
de um grupo particular de observadores e que tem sobre estes alguma influência”
(GOFFMAN, 1985, p. 29). Nessas atividades, os sujeitos organizam a fachada que
desejam apresentar, ou seja, edificam a face visível da encenação, deslocando para o fundo
aqueles elementos que querem esconder naquela interação. É nesse processo de elaboração
e preservação da face, assim, que Goffman situa a noção de representação.
Através de metáforas do teatro, o sociólogo constrói uma análise sobre, em suas
palavras, “os elementos rituais da interação”. Para ele, os encontros são ritualizados pois
seguem determinadas regras de conduta, expectativas de ambas as partes e, quando algo
foge do esperado, rapidamente as pessoas agem para retornar ao equilíbrio, à ordem, para
preservar a fachada. Essa manutenção é uma responsabilidade durante as interações
(GOFFMAN, 2012, p.17).
Alguns elementos dessa ordem expressiva que deve ser mantida durante os
encontros são o orgulho, a honra e a dignidade. O autor caracteriza o orgulho como o
“dever a si mesma” (GOFFMAN, 2012, p.17) de manter a fachada; a honra como a
manutenção da fachada “por causa do dever a unidades sociais mais amplas” (GOFFMAN,
2012, p.17) e finalmente, a dignidade como a necessidade de manter a fachada “quando
[...] têm a ver com coisas de postura, com eventos expressivos derivados da forma pela
qual a pessoa lida com seu corpo, suas emoções e as coisas com as quais ela tem contato
físico” (GOFFMAN, 2012, p.18).
Nesse primeiro sentido, a noção de representação nos ajuda a compreender como a
organização da fachada por uma figura pública se realiza – o que é feito em inúmeros
discursos midiáticos. Assim, ao olhar para a performance de Dilma Rousseff narrada nas
revistas, será possível apreender alguns dos elementos que participam da construção de sua
imagem pública, tais como os modos de ser e se portar, os papeis atribuídos a ela, bem
como os valores e características que se destacam.
5

O segundo sentido que nos interessa discutir aqui diz respeito à representação como
um universo simbólico, ou seja, como uma rede de significados que emergem na
experiência dos sujeitos no mundo.2 Nessa abordagem, devedora das contribuições de
Berger e Luckmann (1985), a representação é entendida como uma construção que se
realiza através da linguagem. É uma perspectiva, portanto, construtivista, tal como
discutido por Stuart Hall (2016).
Hall (2016) distingue três abordagens no estudo das representações: a reflexiva, a
intencional e a construtivista. A abordagem reflexiva é a que compreende a linguagem
como mimese da realidade. Através da fala e da escrita, estaríamos refletindo o mundo real
na íntegra. A crítica de Hall (2016, p.47) é à falta da ideia de signo na abordagem e à falta
de explicação para nossa compreensão de coisas que não existem, mas sobre as quais
podemos falar.
O segundo grupo, que aborda a representação como intencional, credita aos
indivíduos a intenção ao pensar e falar o real, de modo que cada pessoa se expressaria de
forma única. As críticas seguem no sentido de que deve haver no mínimo algum senso de
compartilhamento na linguagem, ou se não, não nos faríamos entender nem entenderíamos
outras pessoas. Para o autor, cultura pressupõe algum grau de sentidos que sejam coletivos.
A terceira linha, a construtivista, é a que o autor defende e a que considera tanto o
mundo material como o mundo simbólico comunicado pelos indivíduos como partes do
processo de construção de representações. Segundo o autor,

São os atores sociais que usam os sistemas conceituais, o linguístico e os


outros sistemas representacionais de sua cultura para construir sentido,
para fazer com que o mundo seja compreensível e para comunicar sobre
esse mundo, inteligivelmente para outros (HALL, 2016, p.48).

Essa ideia de representação faz parte do circuito da cultura desenvolvido por Hall
(2016). O circuito é a concepção da cultura como um processo integrado por vários
componentes e que tomaria forma na sociedade. Ele foi ilustrado como um círculo
composto por cinco elementos interligados e que se afetam mutuamente: produção,
consumo, regulação, representação, identidade. Através desses entrecruzamentos e

2
Para uma discussão acerca da centralidade da experiência na construção das representações, cf. Simões,
2010.
6

afetações, estaria constituído o processo pelo qual a cultura se materializa na vida cotidiana
e na sociedade.
Assim como Hall coloca, as representações podem ser várias e multifacetadas e não
conseguimos captar seu sentido de forma completa imediatamente:

quando falamos de representação, não falamos de algo claro, objetivo e


identificável, mas, ao contrário, de um fenômeno que, na sua dupla
natureza (instauração de sentidos, inscrição material), sofre permanentes
alterações tanto na sua dimensão simbólica quanto nas suas formas
concretas de manifestação (aparição sensível) (FRANÇA, 2004, p.18).

Dessa forma, entendemos que os sentidos produzidos pelos discursos midiáticos


conformam representações em torno de Dilma Rousseff – e tais representações, edificadas
em espaços diversificados, ajudam a compor uma imagem pública da ex-presidenta. Mas
que sentidos são esses que conformam a face pública de Dilma? Ou seja, quais são os
elementos que instituem uma imagem pública? É o que discutiremos a seguir.

1.2 Discutindo a imagem pública

A imagem pública pode ser compreendida a partir da perspectiva de Wilson Gomes


(2004), para quem a “imagem pública de um sujeito qualquer é, pois, um complexo de
informações, noções, conceitos partilhados por uma coletividade qualquer, e que o
caracterizam. Imagens públicas são concepções caracterizadoras” (GOMES, 2004, p.254).
Para o pesquisador, “o termo ‘imagem pública’ se refere ao conjunto de características ou
propriedades estáveis que se reconhece publicamente compondo uma personalidade”
(ibidem, p. 256).
John Thompson (2008) também traz a personalidade como um dos elementos
através dos quais é possível perceber as imagens de homens e mulheres políticos. Ao tratar
dos novos regimes de visibilidade provenientes dos avanços técnicos e tecnológicos, o
autor caracteriza a interação mediada (seja por veículos tradicionais, seja pela internet)
como uma interação que dispensa a co-presença: “Gradualmente, a visibilidade dos líderes
políticos e de outras pessoas, a visibilidade de suas ações, de seus feitos e, na verdade, de
suas personalidades, foi desvinculada de sua aparição diante de outras pessoas reunidas na
mesma situação espácio-temporal” (THOMPSON, 2008, p.23). O autor considera que a
personalidade e as atividades das/os líderes são cada vez mais visibilizadas através da
7

circulação das imagens e discursos que alcançam pessoas situadas nos mais diversos locais.
E esse alcance diz de algo que é público, além de fazer referência a pessoas que almejam
ou ocupam cargos públicos.
A imagem pública alude, assim, à imagem atrelada a algo ou alguém que é público.
Público no sentido de visível, conhecido ou de interesse da coletividade. Existem imagens
públicas de pessoas, figuras públicas3, celebridades4, políticos, atletas; e existem imagens
públicas de instituições, empresas, marcas, governos, países. É a face visível, que está em
contato permanente com os públicos, que é reportada midiaticamente, que se expõe nas
redes sociais digitais.
Ela pode ser constituída por vários elementos: textos, discursos, conversações,
opinião pública5, imagens, ações e não pode ser vista como única. Pessoas e instituições
sempre estão em disputa pela imagem que querem projetar. Gomes (2002) aponta que esse
jogo é um dos mais importantes na atualidade: “Parece até mesmo que todo o complexo
jogo de papéis, status, posições relativas e valores sociais [...] se resolva no mundo
contemporâneo em termos do jogo da imagem pública” (GOMES, 2004, p.243).
O que o autor chama de política da imagem diz respeito justamente a essa
competição pela produção de imagens e pelo controle sobre essas criações. É preciso ter
essa complexidade em mente para entendermos por que as imagens públicas não são
uniformes, homogêneas ou fechadas em si mesmas. Elas são construídas na relação entre
os múltiplos vetores que participam dessa disputa política ou “competição pela construção,
controle e determinação da imagem dos indivíduos, grupos e instituições participantes do
jogo político” (GOMES, 2004, p. 239-240).
No mesmo sentido de Gomes, Thompson (2008) destaca essa impossibilidade de
controlar as imagens projetadas: “Embora muitos líderes políticos busquem manejar sua
visibilidade, eles não podem controlá-la completamente. A visibilidade mediada pode fugir
ao seu comando e, ocasionalmente, trabalhar contra eles próprios” (THOMPSON, 2008,

3
De acordo com Vera França, figuras públicas são “[...] pessoas que ocupam cargos ou posições que dizem
respeito à vida coletiva de uma sociedade e, nesse sentido, devem se ater à ideia de bem comum e interesse
público, necessitando dar transparência às suas ações e delas prestar contas à coletividade” (FRANÇA, 2014,
p.16-17).
4
O termo celebridade “Diz de alguém que se torna conhecido por muitas pessoas, reconhecido por aquilo
que é ou faz, cultuado enquanto uma certa excepcionalidade digna de admiração e reverência” (FRANÇA,
2014, p.19).
5
O conceito será discutido mais à frente no texto.
8

p.28). Para o autor, essa dificuldade surge a partir do momento em que outras pessoas são
atingidas pela circulação de informações:

O ambiente de informação é menos controlável no sentido de que, dada


a proliferação das formas mediadas e das redes de comunicação é muito
mais difícil para que os atores políticos encubram suas atividades, muito
mais difícil controlar as imagens e as informações levadas ao domínio
público e muito mais difícil de prever as conseqüências dessas aparições
e divulgações (THOMPSON, 2008, p.36).

É importante ressaltar que imagens públicas podem estar associadas a imagens


visuais, mas não dependem destas para existirem. Elas são concepções construídas por
vários elementos, inclusive visuais em alguns casos, mas não necessariamente, segundo
Gomes (2004). Para o autor, é necessário argumentar nesse sentido, reforçando a
independência da imagem pública de elementos pictóricos (GOMES, 2004, p.250-1).
O conceito de imagem pública está associado à outra noção importante quando se
discute a política da imagem: a de opinião pública. Para Gomes, eles são muitas vezes
intercambiáveis: “[...] frequentemente substituímos imagem por opinião pública, numa
clara demonstração de que as fronteiras não são nada definidas” (GOMES, 2004, p. 253),
pois podem ser pensados como “qualquer conjunto de juízos acerca de causas ou questões”
(ibidem, p.255). Além disso, a imagem pública também pode ser pensada como fama,
renome ou reputação, sem grandes prejuízos. Nesse sentido, é preciso esclarecer o que é
essencial na definição de tal conceito. Para o autor, são três os eixos para pensá-lo: imagens
públicas fazem parte de e constroem um repertório coletivo; o repertório é público;
imagens públicas são elementos cognitivos, são concepções.
Mas como apreender essas imagens compartilhadas coletivamente, que dizem de
instituições, países, celebridades, políticos? É preciso olhar para os elementos
constituidores da personalidade, segundo Gomes (2004). Isso significa observar
propriedades estáveis que estruturam o sujeito, éthe no sentido
aristotélico do termo, isto é, caráter. Chegamos a definição ou
compreensão da personalidade [...] porque atribuímos os atos e
expressões que vemos a uma disposição estável interior, porque as
reconhecemos como suas marcas duradouras, literalmente, como o seu
caráter (GOMES, 2004, p.254).

Não basta observar o que é passageiro, fugaz, específico, anormal. É preciso


entender as regularidades, o que é habitual, o que se repete nas ações e nas palavras, o que
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compõe a personalidade daquele sujeito, o que compõe o caráter: “conjunto de atitudes, de


pensamentos e de expressões” (ibidem, p.254) e compreender que “[f]ormar uma imagem
é, portanto, reconhecer um conjunto de propriedades como características de determinadas
instituições e atores políticos – um ‘reconhecimento’ que, a bem da verdade, é uma
atribuição” (ibidem, p.255, grifo do autor).
Além de observar o que o autor chama de discursos e ações, outro elemento
importante para captar vislumbres das imagens públicas de atores políticos é o contexto:

o contexto e as circunstâncias – que funcionam como chave hermenêutica


para as nossas tentativas de chegar a um juízo sobre a personalidade
servindo-nos para tanto da observação dos atos e discursos dos sujeitos –
podem mudar constantemente, gerando novas condições interpretativas,
ou seja, novas imagens (GOMES, 2004, p.258).

Para nosso trabalho, é fundamental considerar que o contexto de análise é um


processo de impeachment contra a presidenta Dilma e que, por esse motivo, muitos
discursos e ações reverberam em torno desse acontecimento – como será discutido em
seção posterior deste artigo.
Gomes (2004, p.268 e 279) também diz que a imagem pública política é constituída
por três elementos: mensagens, fatos e apresentação. As mensagens podem ser ditas pela
própria figura política ou por outrem; os fatos têm relação com as ações da figura e a
capacidade de fazer; a apresentação diz respeito às configurações significativas ou os
elementos visuais que aparecem publicamente (da aparência física aos símbolos que
representa).
O pesquisador divide a construção da imagem pública em três esferas: na emissão,
no circuito da comunicação e na recepção (GOMES, 2004, p.282), corroborando sua teoria
de que as imagens, mesmo que pensadas estrategicamente, sofrem com a reação dos
públicos e dos processos pelos quais é atravessada. Apesar de Thompson (2008) não
construir uma tipologia sobre imagens públicas, sua elaboração sobre as novas
visibilidades se aproxima de Gomes (2004) quando ele também afirma que o processo de
construir personalidades políticas possui uma dimensão estratégica e uma dimensão
incontrolável, quando outros sujeitos entram na equação (instituições, meios de
comunicação, públicos).
Na intercessão entre estudos comunicacionais e políticos, outra pesquisadora
brasileira se debruça sobre a temática da imagem pública. Maria Helena Weber afirma que
10

“a Imagem Pública será o resultado de disputas simbólicas exibidas ao imaginário coletivo


em busca de respostas” (WEBER, 2009, p.12) e também a caracteriza como um processo:
“Como processo, a constituição da imagem pública é mantida como fator vital à
visibilidade e reconhecimento de ‘instituições e sujeitos da política’ (partidos, governos,
políticos, ideologias, governantes)” (WEBER, 2004, p.260).
A pesquisadora desenvolve uma ideia de que as representações dessas figuras
públicas envolvem vários elementos, entre eles, “a aparência, o carisma, a teatralização, o
espetáculo e o simulacro” (WEBER, 2009, p.13) e é consequência de todas as ações
orientadas ao fazer político, ou seja, ações que façam referência ao trabalho quando
eleitos(as). O contexto midiático descrito pela pesquisadora é o da sociedade do espetáculo,
conceito cunhado por Guy Debord (1997)6.
Maria Helena Weber retoma o conceito de imagem pública sempre numa chave
agonística, ressaltando o contexto de disputa entre os poderes e entre os atores no jogo
político: “As práticas políticas ocorrem no espaço de tensões. Neste jogo, as negociações
estão impregnadas de opiniões, conceitos e representações, que funcionam como senha de
ingresso nas disputas pelo poder” (WEBER, 2004, p.274). E na confluência de tensões do
campo, as imagens públicas servem de alguma forma para sustentar discursos e gerar
visibilidade:
As disputas e pactos ideológicos, econômicos, eleitorais e conceituais,
engendrados entre mídia e política abrangem, também, a defesa e a
imposição de imagens, quando estes embates e acordos se tornam
visíveis; quando é necessário que a representação das idéias e sujeitos
envolvidos propicie imagens favoráveis (WEBER, 2004, p.275).

A pesquisadora compreende o processo de formação da imagem pública através da


seguinte sequência “ações de instituições e sujeitos públicos = informação de interesse
público = participação da mídia = repercussão pública” (WEBER, 2004, p.262).
A partir das contribuições aqui resgatadas (GOMES, 2004; WEBER, 2004, 2009;
THOMPSON, 2008), algumas considerações podem ser feitas acerca da noção de imagem
pública: ela diz da personalidade/caráter das figuras públicas, ela não é unívoca, é

6
Debord (1997) entende a sociedade contemporânea através de dois eixos: o primeiro eixo faz uma crítica
ao capitalismo, o qual aliena os sujeitos e falseia a realidade, quando o espetáculo se torna uma expressão
dos seres humanos; o segundo eixo fala da separação entre o real (autêntico) e a representação, que
descaracteriza o mundo através da espetacularização da imagem. O espetáculo faria com que não
percebêssemos a realidade na qual estamos inseridos. Essa perspectiva pode ser criticada por considerar os
sujeitos completamente subjugados, alienados pelos processos midiáticos.
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multifacetada, é heterogênea e contextual; ela se constitui como um processo. Apesar de


apresentar elementos estrategicamente pensados, a imagem pública não pode ser
controlada, está sempre em disputa.
É importante agora retomar alguns trabalhos que utilizam o conceito de imagem
pública no campo político, a fim de agregar outras contribuições que ajudem a
compreender o conceito e seu modo de operacionalização.

1.2.1 As imagens públicas de políticos

A atividade política sempre apresenta um componente de aparição pública. Ao


longo do tempo, os significados de ser governante e os regimes foram se alterando, os
meios de comunicação e as tecnologias se desenvolvendo e a noção de homens e mulheres
políticos/as começou a ser mais parecida com o que chamamos de figuras públicas. A
importância de ter uma imagem pública, construir uma imagem pública identificável pode
ser pareada com o desenvolvimento desses meios de comunicação. Afinal, sem
dispositivos e suportes que reproduzam e alcancem muitas pessoas, não é fácil realizar essa
tarefa. Thompson (2008) nos introduz essa ideia de imagem construída:

Os mandantes utilizaram-se dos novos meios de comunicação não só


como um veículo para promulgar decretos oficiais, mas também como
meio de construir uma imagem de si que poderia chegar a pessoas em
regiões afastadas. Os monarcas do início da Europa moderna, como Luís
XIV da França ou Filipe IV da Espanha, eram bem versados nas artes da
elaboração de uma imagem. Suas imagens foram construídas e
celebradas não somente pelos meios tradicionais, como a pintura, o
bronze, pedra e tapeçaria, mas também pela nova mídia que era a
imprensa, incluindo xilogravuras, entalhamentos, gravuras, panfletos e
periódicos (THOMPSON, 2008, p.22).

Um trabalho importante sobre imagem pública de figuras políticas é o do


historiador Peter Burke (2009), que realiza uma pesquisa extensa sobre, em suas palavras,
a “fabricação da imagem do Rei Sol”, focando no “lugar que Luís XIV ocupa na
imaginação coletiva” (BURKE, 2009, p.13). O autor pretendia contribuir para o campo da
história sob a ótica da comunicação como circulação e recepção de produtos midiáticos,
aproximando-se de uma formulação clássica da Mass Communication Research
desenvolvida por Lasswell (1978, p.105): “quem diz o quê em que canal para quem com
12

que efeito?”7. Burke se propõe a responder a essas proposições através de uma análise dos
vários anos de reinado de Luís XIV, atentando-se para as audiências do Rei e como elas se
comportavam, além de como a construção da imagem pública era gerida nos anos de
reinado por um sistema centralizado no próprio Luís XIV, que decidia o que seria veiculado
e como. Há também algumas comparações com políticos que viveram no mesmo período,
políticos que o precederam e que foram posteriores, no século XX.
Outro historiador, Zvi Yavetz (1983), também aborda a imagem pública de um
importante político, Júlio César. Yavetz desenvolve questões referentes à vida na Grécia e
Roma antigas, enquanto compara a imagem de Júlio César em vários momentos históricos.
Já Vanessa Puyadas Rupérez (2016), também historiadora, analisa a construção da imagem
pública de Cleópatra VII como um ícone histórico capaz de evocar imagens múltiplas,
utilizando fontes históricas greco-romanas, dados arqueológicos, produção artística e
propagandas políticas da época na obra Cleopatra VII: la creación de una imagen.
Representación pública y legitimación política en la Antigüedad. Nas conclusões sobre
uma das rainhas mais conhecidas da antiguidade, Puyadas Rupérez observa a
multiplicidade de imagens da rainha, de “monstro fatal” a governante perfeita e, com sua
obra, “pretende dar uma imagem o mais realista possível da personagem histórica, além da
máxima de que a história é escrita pelos vencedores” (CALLE, 2016, p.494)8.
Assim como Noble E. Cunningham (1981), outro historiador, que analisa a
iconografia de Thomas Jefferson durante seus anos de presidência dos Estados Unidos. O
autor compila as imagens disponíveis em circulação pública da época: gravuras, medalhas
e moedas, silhuetas em esculturas por exemplo, a fim de caracterizar a imagem de Jefferson
durante seu mandato.
O historiador Douglas Bukowski, em 1998, escreve sobre William Hale "Big Bill"
Thompson, um dos prefeitos da cidade de Chicago e muito reconhecido por alterar sua
imagem pública com maestria. Na obra Big Bill Thompson, Chicago, and the Politics of
Image, o autor escreve uma biografia do político que passava de anti-catolicismo a pró-

7
O modelo desenvolvido por Lasswell já foi bastante criticado nos estudos do campo por perpetuar uma
ideia transmissiva, linear e unidirecional de comunicação (QUÉRÉ, 1991; FRANÇA; SIMÕES, 2016). A
superação desta concepção vem através do modelo relacional ou interacional de comunicação que entende o
processo como circular, menos hierárquico e construído pelas duas – ou mais – partes (QUÉRÉ, 1991).
Apesar da visão ultrapassada utilizada por Burke, seu livro traz contribuições para analisarmos a imagem
pública de figuras políticas.
8
No original: “no quiere sustituir una imagen por otra, consciente de que Cleopatra no es la perfecta
gobernante[...], ni el fatale monstrum, que transmiten sus enemigos. Ella pretende dar una imagen lo más
realista posible del personaje histórico, más allá de la máxima de que la historia la escriben los vencedores.”
13

catolicismo (entre outras posições) com extrema facilidade, “corrigindo representações


populares ou jornalísticas não acuradas do prefeito mais interessante de Chicago”9
(SIMPSON, 1998)10.
Contemporaneamente, a imagem pública de políticos é associada à fabricação por
meio do marketing, assessorias políticas, agências de publicidade e todo o arsenal
necessário às campanhas políticas. Walter Poyares (1997) é uma referência brasileira neste
quesito com sua obra Imagem pública: glória para uns, ruína para outros, na qual
desenvolve uma espécie de manual de comunicação e relações públicas, dando exemplos
de imagens consolidadas (Antônio Carlos Magalhães e Roberto Marinho) ao lado de
imagens que ruíram, como a de Brizola e do Brigadeiro Eduardo Gomes.
Uma compilação de artigos sobre Tancredo Neves foi publicada em 2011. A obra,
organizada por Nair Prata e Wanir Campelo (2011), explora aspectos da “travessia
midiática” de um político de sucesso como Tancredo e as relações de elementos
biográficos com os meios de comunicação. Entre os 17 textos relacionados, um
especificamente sobre a construção da imagem de Tancredo na revista Veja nos parece
importante retomar. Gesner Duarte Pádua (2011) sintetiza em artigo os resultados de sua
dissertação de mestrado sobre a cobertura da revista durante um longo período: da eleição
de Tancredo ao governo de Minas Gerais até sua morte, baseando-se nos conceitos de
discurso político e hegemonia de Ernesto Laclau e Chantal Mouffe. Segundo o autor, uma
das imagens do governante, a de herói conciliador, era composta por outras características
que também apareciam no veículo: “Veja cristaliza algumas imagens de Tancredo: a de
defensor da ordem, sábio, competente, astuto e líder, condensadas em uma outra maior: a
de herói conciliador” (PÁDUA, 2011, p.155). Não só um herói que lutou pela democracia
e pela liberdade, mas que atingiu sua missão ao morrer por esses ideais, segundo Pádua.
Outro presidente brasileiro, Jânio Quadros, tem sua imagem analisada pelo
historiador Jefferson Queler (2014). O pesquisador busca demonstrar como a imagem de
Jânio é cheia de significados políticos, além da consolidada de personalista e demagogo,
nos meios acadêmicos e populares. Observando duas revistas da época e imagens
amplamente divulgadas de Jânio Quadros, Queler defende que a imagem de Jânio é bem

9
Do original: “sets out to correct popular and journalistic misrepresentations of Chicago's most colorful
mayor”.
10
SIMPSON, Dick. Simpson on Bukowski, 'Big Bill Thompson, Chicago, and the Politics of Image'. H-Pol,
mai/1998. Disponível em: <https://networks.h-net.org/node/9997/reviews/10461/simpson-bukowski-big-
bill-thompson-chicago-and-politics-image>.
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mais multifacetada do que pensamos, sendo composta de mensagens políticas referentes


às temáticas que ele apoiava enquanto governante (democracia cristã, programa de política
externa independente).
A imagem pública do ex-presidente Lula foi analisada por Luna e Maia (2005) com
base em três elementos “(1) a apresentação da identidade de Lula e da trajectória de sua
vida; (2) as ideias de Lula e seu projeto político; (3) a relação de Lula com os candidatos
adversários, aliados e as manifestações de apoio” (LUNA; MAIA, 2005, p.95) durante dois
momentos diferentes, as campanhas presidenciais de 1989 e 2002. Entre as conclusões das
autoras está o marketing político como ferramenta essencial na construção das imagens de
candidatos e candidatas.
Entre políticos brasileiros, Aécio Neves também já foi objeto de pesquisa, que
enfocou a campanha presidencial de 2014. Oliveira, Leal e Mira (2014) identificam,
através de uma análise do discurso das peças de propaganda eleitoral gratuita, elementos
identitários que evocavam a mineiridade: as lembranças de infância do então candidato em
São João del Rey, a valorização do passado com o avô Tancredo Neves, a constituição de
uma família tradicional, entre outros aspectos são acionados para construir uma imagem
política forte.
Hugo Chávez também tem sua imagem pública analisada durante as eleições
presidenciais na Venezuela em 2012 pelas pesquisadoras Érica Baptista e Mariana Passos
(2014). Elas argumentam que a imagem pública de Chávez foi construída nos moldes
populistas e apoiada em elementos discursivos de duas fontes: a religiosa e a mística. Dessa
forma, o presidente encarnava as características do herói, do salvador do povo, do líder
exemplar, do mártir. Outro ponto explorado é a extrema midiatização do governo Chávez
que acabou por interferir na tomada de decisões e influenciar nos processos democráticos,
além de contribuir para a formação da imagem pública do presidente.
A imagem pública enquanto conceito operador não é um conceito fechado,
claramente delimitado. Mas, através desse panorama, é possível identificar alguns eixos
que constroem a noção de imagem pública que defendemos neste trabalho:
1) a imagem pública é relacional, é construída na interação entre os sujeitos
públicos e a sociedade, as instituições, os meios de comunicação, outros
políticos, a família;
2) a imagem pública não é unívoca, é multifacetada, composta por diferentes
representações e sentidos;
15

3) a imagem pública é contextual, ou seja, é localizada temporal, histórica e


socialmente.

No próximo item, retomaremos algumas pesquisas que abordam a imagem pública


de Dilma Rousseff especificamente.

1.2.2 As imagens públicas de Dilma Rousseff

“Dilma, como figura pública, vem ganhando expressão na mídia internacional, e


podemos dizer que sua fama tem se ampliado – mas não se tornou uma celebridade”
(FRANÇA, 2014, p.19). Várias pesquisas se voltam para essa figura pública, com
diferentes objetivos e resultados: seja pelo seu apelo político, por ser a primeira presidenta
mulher do país, pelos ataques que sofreu na internet, pelos erros durante o governo, pela
sua relação com os meios de comunicação. Algumas dessas pesquisas serão apresentadas
a seguir.
Gadret (2010) desenvolve um artigo sobre a formação dos enquadramentos
noticiosos durante um período em 2009, no qual Dilma foi acusada de pedir para acelerar
as investigações sobre empresas da família Sarney. O enquadramento hegemônico,
segundo Gadret, é o da suspeição. Essas suspeitas que recaíram sobre a presidenta
influenciaram na formação da imagem pública da mesma e do governo (GADRET, 2010,
p.9). A pesquisadora identifica outros dois enquadramentos de Dilma no Jornal Nacional,
além da suspeição: competência e humanização (GADRET, 2011).
Na mesma linha, Vaz (2013) desenvolve um trabalho sobre os enquadramentos
midiáticos de Dilma Rousseff, utilizando a perspectiva de Bateson e Goffman, em colunas
de Dora Kramer (O Estado de São Paulo) e Eliane Catanhêde (Folha de São Paulo) de
janeiro/2011 a março/2012. O pesquisador identifica três quadros temáticos mais
recorrentes: estilo e gestão de Dilma; Lula e Dilma; crise e relacionamento com a base
aliada. A partir disso, o pesquisador analisa o posicionamento da então presidenta
conferido pelas jornalistas. Entre as considerações finais estão a forte presença de Lula
como contraexemplo e comparativo; o silêncio das questões de gênero e a corrupção como
temática insistente das colunas analisadas.
França e Corrêa (2012), por sua vez, falam da transição que marca a imagem de
Dilma para sua candidatura e eleição em 2010, especialmente aspectos que foram
trabalhados midiaticamente. As autoras concluem que a
16

a cobertura midiática se mostrou fortemente marcada por uma


perspectiva de gênero. A ênfase em aspectos pessoais, o tipo de
apadrinhamento que lhe tem sido conferido, a cobrança normativa de um
papel feminino apontam não apenas uma cobertura crítica (depreciativa),
como um fundamento sexista na redução e caracterização da pré-
candidatura de Dilma Rousseff à presidência do Brasil (FRANÇA;
CORRÊA, 2012, p.332).

Um trabalho que analisou comentários na página do Facebook da Folha de São


Paulo também revelou o viés de gênero nos xingamentos contra Dilma Rousseff
(STOCKER; DALMASO, 2016). Nos mais de mil comentários analisados referentes a um
dia de coleta (após um pronunciamento oficial da então presidenta depois das
manifestações pró-impeachment do dia 15 de março de 2016), mais da metade continha
ofensas relativas a preconceito de gênero.
Outro trabalho que enfoca determinadas representações atribuídas a Dilma pelos
meios de comunicação durante o período de 2002 a 2010 tem entre os achados alguns
estereótipos que a então ministra e depois candidata recebe: guerrilheira, subversiva e líder
radical (FERNANDES, 2012). Sua eleição trouxe algumas considerações dos meios de
comunicação, segundo a pesquisadora, por ela ser muito diferente do presidente anterior e
ser a primeira mulher eleita para o cargo. Além disso, a estereotipia revelada pela análise
demonstrou que outros aspectos da trajetória de Dilma no contexto político foram apagados
pela ênfase no lado militante de sua imagem.
As representações de Dilma também já foram analisadas na mídia impressa, através
da linguística (BARBARA; GOMES, 2010). Partindo dos estudos discursivos políticos e
de uma metodologia derivada da linguística sistêmico-funcional, as autoras analisam três
revistas semanais (Veja, Época, IstoÉ) de 2003 a 2009, orientadas pelas questões relativas
aos processos verbais e à linguagem: quem fala de Dilma, o que Dilma diz e como ela é
representada verbalmente. Entre as conclusões, as autoras apontam o fato de a construção
da imagem da ex-presidenta Dilma se constituir como sujeito-político-mulher, ou seja, ter
uma identidade performativamente construída reconhecendo ser mulher num espaço de
poder. Também consideram que

os veículos midiáticos analisados constroem representações hegemônicas


sobre Dilma Rousseff, pelo fato de ela não ter atributos e características
do que seja uma “mulher tradicional, conservadora, aquela que atende ao
modelo binário, biológico”, mas dura, com tom firme, comportamento
inflexível (BARBARA; GOMES, 2010, p.89).
17

A imagem pública da ex-presidenta também já foi abordada por Mont’Alverne e


Marques (2013) a partir dos editoriais do jornal O Estado de São Paulo. São 24 editoriais
de 2012 analisados sobre três temáticas: economia, política e questões sociais, a fim de
observar como os enquadramentos dados pelo veículo a Dilma nestas situações constroem
sua imagem. Alguns apontamentos mostram que a administração de Dilma é criticada nos
editoriais e ela é caracterizada como uma “gestora pouco confiável”. Além disso,
Mont’Alverne e Marques reconhecem a importância dos meios de comunicação como um
dos elementos constituidores das imagens públicas, que pode ser bem utilizado gerando
credibilidade e visibilidade.
Um trabalho específico sobre a construção da imagem pública de Dilma na internet,
com foco antropológico, também já foi feito, buscando olhar para publicações após a
reeleição de 2014 (LIMA; OLIVEIRA, 2016). O que as pesquisadoras identificam é como
a mídia atua na construção e desconstrução das imagens públicas e o modo como o
ciberespaço adiciona complexidade a esse processo quando permite que haja maior
interação entre os candidatos e os públicos. Especialmente a desconstrução é favorecida
no ciberespaço e há um recorte de gênero que impulsiona dificuldades maiores para
candidatas mulheres face aos candidatos homens.
A construção da imagem pública de Dilma Rousseff através da fotojornalismo foi
objeto de análise de Grassi de Miranda (2014), enfocando desde o período da ditadura
militar até a campanha de 2010, incluindo o período de junho de 2013, especificamente no
Facebook. Ela conclui:
A memória social coletiva interage com o imaginário social e os
elementos do passado são resgatados para fins de articulação e renovação
de sentidos. [...] A “Mãe do Povo” não deixará de ser aquela que iniciou
sua militância política em meio aos conflitos armados do regime militar
brasileiro, mas as suas leituras serão feitas com base nos acontecimentos
presentes (GRASSI DE MIRANDA, 2014, p.137).

É possível perceber, nestas pesquisas, semelhanças com os trabalhos sobre outros


políticos apresentados na subseção anterior que colaboram para consolidar nossa
compreensão de imagem pública: ela é relacional, contextual e composta por inúmeros
elementos. Uma contribuição destes trabalhos é se deter de maneira mais sistemática nas
18

questões relativas ao gênero e trazer os papeis sociais e os valores como componentes da


imagem de Dilma.
A partir da compreensão do conceito de imagem pública – e sua articulação com a
noção de representação – que a análise será aqui realizada. Na próxima seção,
apresentamos a operacionalização de tais conceitos em uma grade capaz de apreender uma
imagem pública de Dilma Rousseff a partir do processo do impeachment.

2 Apontamentos metodológicos

No referencial teórico acima construído, destacamos que a imagem pública é


construída por um conjunto de representações que emergem em diferentes discursos – entre
estes, os midiáticos. Assim, é na mídia que iremos buscar o material a ser analisado neste
texto, particularmente, em duas revistas semanais: Veja e Carta Capital. As duas
publicações apresentam linhas editoriais distintas e podem trazer uma maior diversidade
de elementos na composição das representações que edificam a imagem pública de Dilma.
Vale destacar que o objetivo não é perceber as diferenças na construção das representações
por tais revistas, mas apreender as redes de sentido em torno da presidenta que são
construídas por elas. Certamente, conseguiremos alcançar uma imagem pública apenas
parcial de Dilma Rousseff, já que ela se constitui a partir de inúmeras outras representações
que emergem no cenário midiático-social. Apesar desses limites, acreditamos que a análise
poderá revelar aspectos importantes da imagem pública da ex-presidenta naquele contexto.
A coleta procedeu da seguinte maneira: no acervo digital disponibilizado no site
das revistas, buscamos todas as ocorrências da palavra-chave “impeachment” no período
de 29 de agosto a nove de setembro de 2016. A justificativa dessa escolha reside no fato
de este período compreender a votação final do processo, que culminou na saída de Dilma
e na posse de Temer, e as repercussões após esse ato final. Além desse mecanismo de
busca, observamos se outros textos contidos na revista não faziam referência ao processo
mesmo sem utilizar a palavra e os coletamos também. Assim, são quatro edições, duas de
cada revista.
Após a coleta e a sistematização dos dados, procedemos à análise que procura levar
em conta os discursos e as ações da presidenta, a partir dos quais será possível apreender
os modos de ser e de portar de Dilma, os papeis sociais atribuídos a ela, bem como os
valores e características que se destacam no processo de impeachment. Isso é apreendido
19

a partir das redes de sentido construídas pelas revistas. Assim, a grade analítica que orienta
esta investigação é composta por três eixos articulados:

a. Ações e discursos de Dilma Rousseff: a presidenta por ela mesma


Nesse eixo, procuramos perceber: como Dilma se posiciona? Como ela fala de si mesma
nesse processo? Que ações ela destaca nesse posicionamento?

b. Ações e discursos de Dilma Rousseff: um olhar de outros agentes sobre a


presidenta
Nesse eixo, destacamos os discursos e as ações de Dilma na perspectiva de outros sujeitos.
Como ela é posicionada e construída por outros agentes nos textos das revistas? Que ações
são destacadas por tais agentes na trajetória dela?

c. Valores, papéis sociais e a inserção no contexto social


Tendo em vista a análise nos dois primeiros eixos, procuramos aqui resgatar quais são os
valores que se destacam na construção das representações que edificam uma imagem
pública de Dilma – bem como os papéis sociais atribuídos a ela. A partir disso, como
refletir sobre tal imagem no contexto social contemporâneo? Ou seja, o que as redes de
sentido em torno de Dilma Rousseff podem revelar acerca da sociedade brasileira?

Acreditamos que essa grade nos permite apreender traços configuradores da


imagem pública de Dilma que se destacaram nas representações construídas por Veja e
Carta Capital.

3 Análise

a. Ações e discursos de Dilma Rousseff: a presidenta por ela mesma

Para apreender a imagem pública de uma personalidade, é preciso perceber as ações


que ela mesma realiza, bem como os discursos que constrói. Antes da consolidação do
impeachment, Dilma discursa no Senado utilizando um tom forte, denuncia o golpe em
curso e termina com Maiakovski: “Não estamos alegres, é certo, mas também por que razão
haveríamos de ficar tristes?”. Assim, ela se posiciona num momento extremamente
20

delicado, lembrando que momentos históricos turbulentos acontecem e sempre


acontecerão, não há porque tristeza nem alegria exagerados. Há a luta.
É a luta e a militância de Dilma que são muito destacadas por ela ao retomar sua
história de vida naquele contexto do impeachment:

“Na luta contra a ditadura recebi no meu corpo as marcas da tortura.


Amarguei por anos o sofrimento da prisão, vi companheiros e
companheiras sendo assassinados. Na época eu era jovem e tinha medo
da morte, mas não cedi, não mudei de lado. Apesar de receber o peso da
injustiça nos meus ombros, continuei lutando pela democracia”, disse.
“Aos quase 70 anos de idade, após ser mãe e avó, não seria agora que
abdicaria dos princípios que sempre me guiaram.”11

Nessa postura de Dilma, podemos perceber a lealdade e a confiança como valores


que ela própria quer agregar à sua imagem: ela fala do orgulho que sente por ter mentido
sob tortura a fim de proteger as(os) companheiras(os).12 São valores que guiam suas
condutas tanto como política e militante quanto como mãe e avó – papeis sociais
destacados por ela mesma na passagem destacada pela revista acima.
Esse lugar da mulher Dilma Rousseff é destacado na fala da presidenta, ao criticar
o golpe e as violências a que esteve submetida durante esse processo:

O golpe é contra o povo e contra a nação. O golpe é misógino, é


homofóbico, é racista. É a imposição da cultura da intolerância, do
preconceito, da violência. As futuras gerações de brasileiras saberão que,
na primeira vez em que uma mulher assumiu a Presidência, o machismo
e a misoginia mostraram suas feias faces.13

Dilma reivindica aqui um lugar ao lado de grupos que sofrem preconceitos em


nossa sociedade: o grupo das mulheres, do qual ela é parte, mas também dos negros e dos
LGBTs. Assim, na elaboração de sua fachada (GOFFMAN, 1985, 2012), ela procura
associar a sua imagem a esses grupos, evidenciando a luta pela própria democracia que
estava em jogo naquele contexto.

b. Ações e discursos de Dilma Rousseff: um olhar de outros agentes sobre a


presidenta

11
ESTAMOS..., 29 de agosto de 2016, s/p.
12
BARROS, 31 de agosto de 2016, p.53.
13
DILMA..., 31 de agosto de 2016, s/p.
21

Se entendemos que a imagem pública de um sujeito é relacional, como destacamos


acima, é preciso olhar não apenas para os posicionamentos da própria presidenta, mas para
o modo como ela é posicionada por outros agentes naquele contexto. Outros políticos,
celebridades, advogados estão entre os atores convocados a falar sobre Dilma Rousseff –
sobre suas ações, seus discursos, sua trajetória.
A falta de traquejo político de Dilma em sua rotina emerge em diferentes textos
que compõem o corpus. A senadora e ex-ministra da Agricultura Kátia Abreu, por
exemplo, retoma os problemas no campo econômico e a falta de maleabilidade da ex-
presidenta: “Em 2014 ela cometeu o erro de demorar a perceber que aquele modelo tinha
vencido”; ela “pode não dizer com todas as letras e da forma como as pessoas gostariam
que ela dissesse, mas ela reconhece isso”14. Assim, mesmo destacando a amizade a
confiança15 na postura de Dilma, Kátia Abreu fala sobre os erros cometidos por seu
governo.
Essa inabilidade política de Dilma é vista, assim, como uma das responsáveis pela
crise enfrentada pelo país: “a falta de habilidade de Dilma está na raiz da crise política
brasileira”;16 “A inapetência política de Dilma é um dos grandes fatores responsáveis por
essa crise, além da corrupção que houve em certas esferas do PT e o descolamento da
cúpula do partido com o eleitorado”17. As críticas sobre ações tomadas pela ex-presidenta
são abundantes e principalmente em relação a sua política econômica: “Em pouco mais de
cinco anos, Dilma jogou o país no atoleiro”18. Uma das justificativas para se apoiar o
processo inclusive passa por condenar as ações da ex-presidenta que, “ao promover o caos
econômico, está devidamente destituída com o impeachment”19.
A inflexibilidade é outro traço constitutivo da imagem da ex-presidenta, que
“deveria ter dialogado mais”.20 A representação que emerge de Dilma é de uma estadista
firme na condução dos assuntos administrativos, mas muito inflexível e autoritária nas
relações com os outros. Essa postura, em diversos momentos, gerou críticas de
companheiras(os) de trabalho e também da imprensa.

14
OYAMA, 07 de setembro de 2016, p.17.
15
OYAMA, 07 de setembro de 2016, p.13.
16
MATUOKA, 09 de setembro de 2016, s/p.
17
DIAS, 02 de setembro de 2016, s/p.
18
PEREIRA; BRONZATTO, 07 de setembro de 2016, p.52.
19
SAKATE; PEREIRA, 07 de setembro de 2016, p.58.
20
OYAMA, 07 de setembro de 2016, p.17.
22

Apesar das críticas a tais ações e características agregadas à imagem de Dilma, sua
história de luta pela democracia e contra a ditadura também é lembrada – resgatando outros
valores constitutivos das representações em torno da presidenta. O advogado de defesa da
ex-presidenta, José Eduardo Cardozo, faz um paralelo entre dois momentos – o
impeachment e a ditadura. Ele procura responder à fala de Janaína Paschoal, uma das
advogadas que protocolaram o pedido de impeachment e que dissera estar fazendo aquilo
pelo bem dos netos de Dilma.

Dilma foi torturada. É possível que, naquele momento, alguns de seus


acusadores, tomados por uma crise de sentimentalismo, tenham dito:
“Menina, nós estamos te prendendo pelo bem do País, nós estamos
pensando em seus filhos e netos. Estamos aniquilando sua vida, mas
estamos pensando em você. Estamos te destruindo e te arrasando, mas
pensando no seu bem”.21

É interessante perceber como a força de Dilma – tanto no contexto da ditadura


como ao enfrentar o processo do impeachment – é contraposta à personalidade de seus
oponentes em vários discursos. O escritor Gregório Duvivier destaca que ela “Preferiu
responder uma a uma a todas as perguntas, mesmo aquelas vindas de notórios bandidos,
por 14 horas seguidas. Ela caiu de pé, mas eu preferiria que caísse com uma metralhadora
giratória”22. Sua grandeza e sua coragem são contrapostos à mediocridade de seus
“algozes” em outro texto:

O espetáculo tragicômico oferecido pelo Senado, porém, revelou, em


toda a sua dimensão, a grandeza de estadista de Dilma Rousseff. Na
medida em que mais crescia sua imagem aos olhos da sociedade – sua
grandeza, sua coragem, sua força de vontade, seu desprendimento – mais
se tornavam irrelevantes para a História as figuras pequenas, medíocres,
covardes, de seus algozes de hoje. É a grande liderança que surge na
última cena do último ato da farsa.23

A força e a braveza da presidenta são destacadas também por Kátia Abreu, que diz
ter um “fraco por mulheres fortes” e “ uma identificação grande com a Dilma, inclusive na
braveza. Nós somos bem parecidas, da mesma estirpe”24. Kátia Abreu aponta para uma
dimensão importante na leitura das representações construídas sobre Dilma naquele

21
IMPEACHMENT..., 30 de agosto de 2016, s/p.
22
CARTA; BEIRÃO, 02 de setembro de 2016, s/p.
23
AMARAL, 31 de agosto de 2016, s/p.
24
OYAMA, 07 de setembro de 2016, p.17.
23

contexto: o fato de ser mulher. Ela é mulher, mas é forte; é mulher, mas é brava; é mulher,
mas “assinou o documento com um ar de indiferença”25 – negando a premissa de que as
mulheres são emotivas. O componente de gênero é acionado tanto para destacar valores
tradicionalmente associados ao masculino – como a força, a coragem – como para
diferenciá-la dos dois homens políticos que estão na mesma órbita: Lula e Temer.
Lula é o carismático26 e bom negociador, qualidades que faltam à Dilma. Temer,
apesar de não acionar o carisma, possui maior capacidade de articulação política – e muito
de sua indicação à vice se deveu ao que ele agregaria à chapa em termos de capital político.
Ela é constantemente comparada aos dois, mas suas ações são avaliadas em vistas do que
seria adequado aos ideais de mulher e características naturalizadas como femininas
(delicadeza, maleabilidade, jogo de cintura). A fala de José Eduardo Cardozo marca essa
posição durante o julgamento ao dizer “Mulheres íntegras podem ser duras. Quando essas
mulheres se igualam aos homens, são autoritárias. Não atinjam a honra de uma mulher
digna. Disseram que ela tomava remédios para desqualificá-la”.27 E ele completa que
“Dilma foi discriminada por ser mulher, e os crimes pelos quais é acusada também foram
cometidos pelos ex-presidentes Lula e Fernando Henrique Cardoso.”28 Uma carta dirigida
à Dilma também reforça esse posicionamento:

Eu vivi para ver o Estado Democrático de Direito sucumbir aos pés de


uma grandiosa mulher. Altiva e forte. A mesma fortaleza e energia que a
rodeava lá atrás em seu julgamento na Ditadura. [...] Olhe bem pra você,
olhe bem pra tudo o que nós, mulheres, podemos ser após o seu mandato.
Todas as relações se alteram porque uma Senhora ousou ser Presidenta.
E isso incomoda, é perturbador vê-la no poder. 29

A denúncia do processo do impeachment ser marcado pela disputa de gênero


também fica explícita na fala de um indígena:

Sobre esse negócio da política, o que eu consegui perceber é que aqueles


que estão lá no poder querem mudar tudo. Primeiro, queriam a Dilma
afastada. Depois, os homens, principalmente só os homens que querem
estar em cima das mulheres, eles querem mudar tudo. Isso eu também

25
PEREIRA; BRONZATTO, 07 de setembro de 2016, p.51.
26
O conceito de carisma é desenvolvido por Max Weber como a terceira forma de dominação, do poder de
alguns líderes sob outras pessoas, as quais obedecem porque acreditam em qualidades excepcionais do
mesmo: “a crença no líder é encarada como um dever” (SIMÕES, 2012, p.28, grifo da autora). Weber
também define o carisma como “dons específicos do corpo e do espírito, dons esses considerados como
sobrenaturais, não acessíveis a todos” (WEBER, 1982, p. 171).
27
IMPEACHMENT..., 30 de agosto de 2016, s/p.
28
IMPEACHMENT..., 30 de agosto de 2016, s/p.
29
COLPA, 01 de setembro de 2016, s/p.
24

percebi lá. Até a Constituição de 1988, eles querem mudar. Não sei
porque eles querem mudar tudo: tirando a presidenta, eles querem mudar
a lei.30

Essa oposição entre Dilma e os homens também emerge na fala de Janaína


Paschoal, que “diz ter sofrido mais por Dilma ser mulher”. Mas, segundo ela, “da mesma
forma que ninguém pode ser perseguido por ser mulher, ninguém pode ser ‘protegido por
ser mulher’”31. Essa questão do gênero nos conduz ao terceiro eixo da grade analítica,
discutido a seguir.

c. Valores, papéis sociais e a inserção no contexto social

Tendo em vista a análise nos dois primeiros eixos, procuramos aqui resgatar quais
são os valores que se destacam na construção das representações que edificam uma
imagem pública de Dilma – bem como os papéis sociais atribuídos a ela. A partir disso,
como refletir sobre tal imagem no contexto social contemporâneo? Ou seja, o que as redes
de sentido em torno de Dilma Rousseff podem revelar acerca da sociedade brasileira?
Entre os valores que permeiam a concepção caracterizadora (GOMES, 2004,
p.254) de Dilma destacados por ela mesma estão a lealdade e a confiança. Ela retoma em
seu discurso de saída da presidência essas características ao lado de um aspecto biográfico
muito importante: a luta contra a ditadura. Esse aspecto também é utilizado por outros
sujeitos ao lembrar da ex-presidenta, como componente de sua personalidade e
demonstrativo de sua força e sua garra. Ela aparece como corajosa, brava e resistente.
Ao lado de valores positivos, estão alguns negativos como a inabilidade política,
que é retomada para justificar a má-condução durante seus mandatos que culminaram no
afastamento. E a inflexibilidade quando não concordava com opiniões e sugestões alheias.
O papel de presidenta acaba confrontado pelo papel social de mulher, que é
marcado por várias expectativas de feminilidade e estereótipos de sensibilidade e traquejo
não correspondidos por Dilma. Esses elementos demonstram de alguma maneira que as
disputas em torno do que é definido como gênero feminino estão vivas e vêm à tona em
momentos de grande visibilidade midiática, especialmente se estamos falando de mulheres
políticas:

30
MILANEZ, 07 de setembro de 2016, s/p.
31
IMPEACHMENT..., 30 de agosto de 2016, s/p.
25

As marcas da feminilidade no discurso reduzem a legitimidade da


falante, mas a ausência delas é denunciada como uma falha da mulher
que não as tem: a emotividade excessiva não é pertinente num político,
mas a frieza e a racionalidade não cabem para o sexo feminino. Em suma,
o campo político impõe as mulheres alternativas sempre onerosas, de
forma bem mais pesada do que faz com seus competidores do sexo
masculino (MIGUEL, 2014, p.106-107).

Tanto é assim que no discurso de saída a ex-presidenta reclama o fato de ser mulher como
um dos elementos que levaram ao impeachment.
Lugar de mulher é ao lado do marido, cuidando da casa e sendo recatada? Diz Veja
em reportagem sobre Marcela Temer, primeira-dama atual, que sim.32 Dilma, entretanto,
não é nada disso e é mulher. As tensões entre o que se espera e o que é conformado
socialmente demonstram que o papel das mulheres não pode ser e não é um só. As
representações sobre ser mulher também não podem levar em conta somente uma mulher
ideal. O contexto social aparece marcado pelos valores machistas que esperam posturas
diferenciadas de um(a) governante a depender do sexo e reforçam determinados
estereótipos de gênero ao realizar críticas à Dilma:
Na cobertura dos meios de comunicação, em que visibilidade, atribuição
de competência política e adesão potencial dos eleitores podem andar
juntas e fazer diferença na construção de uma carreira política, as
mulheres são poucas e sua imagem ainda se mantém ligada aos
estereótipos de gênero convencionais (MIGUEL, BIROLI; 2014, p.12).

4 Apontamentos Finais

A análise que iniciamos neste texto possui caráter preliminar e teve como objetivo
analisar algumas representações de Dilma Rousseff durante o impeachment, em duas
revistas semanais, Veja e Carta Capital. Entendemos que tais representações colaboram
na construção de uma imagem pública da ex-presidenta no contexto do impeachment.
Para tanto, discutimos o conceito de imagem pública articulado a alguns sentidos
de representação, buscando delinear uma abordagem profícua para análise de uma figura
pública como Dilma. Dessa forma, destacamos que: 1) a imagem pública é relacional,
construída tanto por posicionamentos do próprio sujeito, como nas diferentes relações que
ele estabelece com outros agentes; 2) a imagem pública é multifacetada, é heterogênea,

32
A revista Veja de 18 de abril de 2016 trouxe um perfil de Marcela Temer intitulado Bela, recatada e “do
lar”.
26

composta por diferentes representações e sentidos, que podem entrar em disputa; 3) a


imagem pública é contextual; ou seja, é localizada temporal, histórica e socialmente; ela
se inscreve em um contexto, que ao mesmo tempo ajuda a construir.
Partindo dessa compreensão, analisamos ações e discursos da própria Dilma como
de outros agentes que a posicionam, a fim de apreender valores e papéis sociais agregados
à sua imagem que nos ajudam a compreender o contexto social contemporâneo.
Entendemos que tanto os sujeitos que aparecem nas duas revistas, como as falas de Dilma
e as próprias revistas contribuem para construir sentidos que formam uma imagem pública
da ex-presidenta. A análise mostrou algumas disputas simbólicas (WEBER, 2009) na
definição da imagem de Dilma: ela é posicionada como como brava, inflexível e inábil, ao
mesmo tempo que resistente, corajosa, “pulso firme”. Tais disputas demonstram a
heterogeneidade de sentidos que marcam a concepção caracterizadora (GOMES, 2004)
da ex-presidenta.
A análise também evidenciou que o momento do impeachment influencia na
construção dessa imagem pública, por exemplo, através da presença de argumentos
econômicos nas críticas a ex-presidenta. A economia é uma espécie de “termômetro” que
baliza todos os posicionamentos, sejam contrários ou favoráveis ao impeachment, ao
governo Dilma e ao governo Temer, e, portanto, se configura como elemento que constitui
a imagem pública de Dilma. Outro elemento importante do contexto revelado na análise
diz respeito à questão de gênero: a análise das representações das revistas trouxe marcas
do machismo persistente em nossa sociedade. Como nos diz Miguel (2014):
O acesso a posições formais na estrutura de poder não significa que se
esteja, automaticamente, em posição de igualdade em relação a outros
agentes que lá se encontram. A política se organiza na forma de um
“campo”, no sentido atribuído ao termo pela sociologia de Pierre
Bourdieu. [...] Constituído historicamente como um ambiente masculino,
o campo político trabalha contra as mulheres (bem como os integrantes
de outros grupos em posição de subalternidade), impondo a elas maiores
obstáculos para que cheguem às posições de maior prestígio e influência,
mesmo depois de terem alçado cargos por meio do voto (MIGUEL, 2014,
p.105).

Se o contexto é uma “chave hermenêutica para as nossas tentativas de chegar a um


juízo sobre a personalidade” (GOMES, 2004, p.258) de um sujeito, é preciso ler a imagem
pública de Dilma Rousseff inscrita no contexto de uma sociedade machista, na qual os
espaços de poder são predominantemente masculinos – e “uma Senhora ousou ser
Presidenta”.
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