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Ethos, política e mídia: uma análise do discurso de posse

da ex-presidente Dilma Rousseff

Resumo: Com base nos estudos de Perelman e Olbrecths-Tyteca (2005) e Charaudeau


(2008), neste artigo tem-se como objetivo fazer uma análise do primeiro discurso de posse
da ex-presidente Dilma Rousseff, proferido em 2011. A finalidade é trazer à tona algumas
estratégias enunciativas adotadas pela ex-mandatária, em seu discurso, a fim de convencer
e persuadir o seu público. Para fundamentar este trabalho, discorre-se sobre as noções de
ethos, cenografia e contrato no intuito de analisar como se dá a construção da imagem da
ex-presidente no discurso mencionado. Por fim, destaca-se a ação das mídias no campo
político.
Palavras-chave: Argumentação. Discurso político. Ethos. Mídia.

Abstract: Based on the studies of Perelman and Olbrecths-Tyteca (2005) and Charaudeau
(2008), this article aims to analyze the first inaugural speech of the ex-president Dilma
Rousseff, delivered in 2011. The purpose is to bring to light some enunciative strategies
adopted by the ex-agent in her speech in order to convince and persuade her audience. To
base this work, the notions of ethos, scenography and contract are discussed in order to
analyze how the construction of the image of the ex-president in the mentioned discourse
takes place. Finally, media action in the political field is highlighted.
Key-words: Argumentation. Political speech. Ethos. Media.

Resumen: Con base en los estudios de Perelman y Olbrecths-Tyteca (2005) y Charaudeau


(2008), en este artículo se tiene como objetivo hacer un análisis del primer discurso de
posesión de la ex-presidente Dilma Rousseff, pronunciado en 2011. La finalidad es traer a la
superficie algunas estrategias enunciativas adoptadas por la ex-mandataria, en su discurso,
a fin de convencer y persuadir a su público. Para fundamentar este trabajo, se discurre
sobre las nociones de ethos, escenografía y contrato con el intuito de analizar cómo se da la
construcción de la imagen de la ex-presidente en el discurso mencionado. Por fin, se
destaca la acción de los medios en el campo político.
Palabras-clave: Argumentación. Discurso político. Ethos. Media.

Introdução

A noção de ethos tem sido um dos temas mais discutidos e explorados dentro
dos estudos retóricos e da análise do discurso nas últimas décadas; no que se
refere ao discurso político, este conceito tem servido como ponto de partida de
diversos trabalhos em ambos os campos, gerando discussões frutíferas. Com a
finalidade de contribuir de alguma maneira nesses debates, neste artigo tem-se
como objetivo analisar como se dá a construção da imagem (ethos) da ex-presidente
Dilma em seu discurso de posse de governo (do 1º mandato), proferido na TV no dia
01 de janeiro de 2011. Analisa-se o discurso da ex-presidente do Brasil porque esta
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se trata de uma protagonista de um acontecimento histórico no país, por ser a


primeira mulher a alcançar este cargo, após 200 anos de história republicana.
Dilma Rousseff nasceu no Estado de Minas Gerais em dezembro de 1947, é
graduada em Ciências Econômicas, foi militante de esquerda no período do regime
militar e atualmente é filiada ao Partido dos Trabalhadores (PT). No governo do ex-
presidente Luís Inácio Lula da Silva – seu então companheiro nas causas políticas –,
Dilma assume alguns cargos importantes como o Ministério de Minas e Energia, a
chefia da Casa Civil, até alcançar o posto máximo do governo brasileiro. Ela exerceu
o cargo de presidente de 2011 até o seu afastamento por um processo de
impeachment em 2016. Após assistir o discurso na TV, levantou-se a seguinte
pergunta: como Dilma Rousseff constrói sua imagem – ethos – a partir de seu
discurso de posse?
Neste trabalho, adota-se a noção de gêneros textuais apresentada por
Marcuschi (2005, p. 22), que os define como “textos materializados que
encontramos em nossa vida diária e que apresentam características sócio-
comunicativas definidas por conteúdos, propriedades funcionais, estilos e
composição característica”. Em outras palavras, os gêneros textuais se manifestam
através de práticas sociais e históricas relacionadas, de maneira intrínseca, com a
vida cultural e social de um determinado povo. Entendem-se domínios discursivos −
expressão utilizada pelo mesmo autor − como a especificação dos espaços onde se
dão os discursos, na atividade humana. Esses espaços, por suas características,
favorecem ao surgimento de práticas comunicativas específicas, que diversas vezes
são inerentes a eles. Alguns exemplos de domínios discursivos são o jornalístico, o
jurídico, o religioso, entre outros. Deste modo, por seus atributos, o discurso político
se enquadra nas noções citadas neste parágrafo.
O discurso de posse consiste no ato de elocução que tem como função a
detenção de um cargo que está sendo assumido pelo sujeito político naquele
momento. Em linhas gerais, estes discursos apresentam os mesmos conteúdos que
são as necessidades de reformas sociais, os problemas sociais e econômicos do
país e as metas para o futuro da nação. Ainda que cada sujeito político tenha seu
próprio estilo e as instâncias discursivas sejam diferentes, de certa forma, pode-se
afirmar que o discurso de posse tem a mesma essência: é uma carta-aberta no que
se refere a sua composição e pode ser mais ou menos informal, a depender do
orador e do auditório. Geralmente, começa com as saudações (desde as
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autoridades máximas até o povo em geral), em seguida apresenta-se o conteúdo


(assunto) a ser transmitido e, por último, as despedidas finais.
Este artigo está estruturado em quatro partes: Nesta seção – Introdução −,
contextualiza-se o trabalho proposto. Na seção 2, Discurso político e argumentação,
trata-se sobre o conceito de discurso político. Na seção 3, Ethos, cenografia e
contrato, discorre-se acerca de três definições relevantes no âmbito do discurso
político, que são as noções de ethos, cenografia e contrato. Na seção 4, A análise
do discurso de Dilma, examinam-se e apreciam-se os resultados alcançados neste
estudo. Nas considerações finais, aborda-se sobre a ação das mídias no campo
político e sua interrelação com as estratégias de comunicação dos políticos.

Discurso político e argumentação

Charaudeau (2008), em seu livro Discurso Político, traz a discussão sobre o


discurso político em particular, a questão do poder, e a palavra política no espaço
social. A política, segundo o autor, é um fenômeno complexo que relaciona fatos
políticos, sociais, morais e jurídicos que se entrecruzam. O discurso político tem sido
abordado como objeto de análise em diferentes áreas de conhecimento como, por
exemplo, o Direito, a Sociologia e as Ciências da Linguagem, da maneira que lhes
interessa. Em resumo, o discurso em foco é multidisciplinar. Charaudeau (op. cit.)
também explica, em sua obra, como a linguagem se articula com a ação do discurso
político e que implicações isso tem para as diferentes estratégias discursivas que
ocorrem nesse campo.
Charaudeau (2006, p. 252) assevera que “o discurso político (bem como todo
tipo de discurso) não tem sentido fora da ação, e que a ação busca, para o sujeito
político (mas também para todo sujeito), o exercício de um poder”. Para explicar a
relação linguagem-ação no discurso em questão, o autor afirma que existem
diferentes pontos de vista sobre poder, como os de Weber (as relações humanas
estão baseadas na relação dominante/dominado), Arendt (o poder político é fruto da
vontade dos seres humanos de viver em comunidade) e Habermas (que tenta
reconciliar os dos pontos de vista mencionados anteriormente, a partir das noções
de poder comunicativo e administrativo). Entretanto, Charaudeau (2008) adota a
última concepção e acrescenta alguma coisa − como o próprio diz − ao afirmar que a
linguagem política é resultante de dois eixos que motivam dois tipos de atividades
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sociais que são o dizer político e do fazer político; cada um deles se define segundo
relações de força e através de um jogo de dominação próprio, onde a linguagem se
liga à ação, mostrando as incidências de sua conjetura (linguagem-ação) sobre a
apreciação do discurso político. Entretanto, nesta reflexão, é importante recordar
que a noção de argumentação está relacionada também de forma intrínseca ao
discurso político.
Argumentar é a arte de convencer e persuadir utilizada pelo orador a fim de
gerenciar a informação e relação com o auditório. Perelman e Olbrecths-Tyteca
(2005, p. 21) citam que, “com efeito, como a argumentação visa a obter a adesão
daqueles a quem se dirige, ela, é, por inteiro, relativa ao auditório que procura
influenciar”. Os autores propõem uma nova retórica a partir da obra de Aristóteles e
discorrem em seu tratado sobre os âmbitos da argumentação, explicando como se
desenvolvem as relações entre orador e auditório.
O auditório é o conjunto de indivíduos que o orador quer exercer influência
por meio de sua argumentação. Entretanto, para que uma argumentação se
desenvolva, é necessário que os indivíduos que são alvos do que está sendo
emitido prestem atenção. Deve-se considerar que existem funções que possibilitam
o orador (e só elas) a assumir a palavra em certos casos, ou diante de certos
auditórios. O contato entre orador e auditório é fundamental durante todo o
desenvolvimento da argumentação (PERELMAN; OLBRECHTS-TYTECA, 2005). Os
autores asseveram que o auditório presumido é em geral, para quem argumenta,
uma construção mais ou menos ordenada, isto é, sistematizada. A construção do
auditório adequada à experiência é essencial para quem pretende persuadir de fato
a seus destinatários, ou seja, a argumentação eficaz tem que conceber o auditório
presumido tão próximo quanto o provável da realidade. O conhecimento sobre
aqueles que se pretende a adesão é, pois, uma condição anterior de qualquer
argumentação que produz um efeito. Portanto, para influenciar o auditório, é
necessário conhecer os meios para tal e aplicar a regra de adaptação do discurso ao
auditório, seja ele qual for, pois os argumentos são relativos aos ouvintes e são
conforme as suas opiniões. Em síntese, os discursos devem ajustar-se ao auditório.
Sobre o sujeito político, Charaudeau (2006) assevera que, a depender da
situação de enunciação e da posição que ocupa, este agirá e utilizará estratégias
diferenciadas a fim de alcançar seus objetivos. Em outras palavras, este sujeito deve
ser um indivíduo que se mostre confiável e que convença o maior número de
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pessoas de que ele compartilha determinados valores, e, ao mesmo tempo, articula


opiniões a fim de estabelecer um acordo. Alguns exemplos de estratégias
enunciativas que estão à disposição do sujeito político são as palavras de promessa,
de justificação, de decisão, de dissimulação, etc. Em seguida − Seção 3 −, abordam-
se os conceitos de ethos, cenografia e contrato.

Ethos, cenografia e contrato

Dentro dos estudos do discurso político, a noção de ethos tem sido


amplamente discutida. De fato, essa noção já vem sendo desenvolvida desde o
trabalho de Aristóteles e reaparece recentemente em trabalhos voltados à
argumentação e à análise do discurso. Segundo Charaudeau (2006, p. 113), o ethos
é um dos meios discursivos que diz respeito ao domínio da emoção e torna possível
emocionar o auditório e que está voltado para o orador. Para compreendê-lo, o autor
retoma as categorias da antiga retórica e afirma que “enquanto tekhnê, ele é o que
permite ao orador parecer ‘digno de fé’, mostrar-se fidedigno, ao fazer prova da
ponderação (a phonésis), de simplicidade sincera (a arétê), de amabilidade (a
eunóia)”. Em outras palavras, para construir uma imagem positiva de si mesmo, o
orador joga com estes três elementos essenciais.
Ainda sobre o ethos, há duas vertentes que são amplamente discutidas
desde a Antiguidade, que são as noções de ethos pré-discursivo e ethos discursivo;
alguns teóricos defendem que o ethos é um dado preexistente ao discurso, porém
outros são partidários de uma concepção discursiva que inscrevem o ethos no ato
da enunciação, isto é, no próprio discurso do sujeito orador. Maingueneau (2008,
p.71) apresenta a definição de ethos efetivo e explica que este, num discurso, é
resultado do intercâmbio de diferentes fatores como o ethos pré-discursivo, ethos
discursivo, que ele intitula de ethos mostrado, e o ethos dito, que “são fragmentos do
texto em que o enunciador evoca sua própria enunciação, de forma direta ou
indireta”. O autor também afirma que o ethos efetivo (aquele que o auditório
constrói) é fruto da interação dessas diferentes instâncias, cujo peso respectivo
altera de acordo com os gêneros do discurso.
Dentro dessas discussões nasce a questão do sujeito linguageiro, bem como
a necessidade de se pensar sobre a identidade do sujeito falante. Esta pode
desdobrar-se, conforme Charaudeau (2006, p.115), em dois componentes que
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merecem uma reflexão que são a identidade social de locutor e a identidade


discursiva de enunciador atrelada aos papéis que este assume no ato da
enunciação. Portanto, estas duas identidades se entrecruzam.
Maingueneau (2008, p. 70) afirma que através do ethos o destinatário (neste
caso, o cidadão brasileiro) assume um lugar na cena de enunciação que o texto o
implica, a qual o autor chama de “cena da enunciação”. Esta está formada por três
cenas que são a cena englobante, cena genérica e cenografia: a primeira integra o
discurso em um grupo, (neste caso, ao discurso político); a cena genérica (tem a ver
com a relação entre o e um gênero ou a um subgênero de discurso – neste caso, o
discurso de posse) e cenografia. A cenografia é elaborada pelo próprio texto,
definida pelo autor mencionado como “a cena de fala que o discurso pressupõe para
poder ser enunciado e que, por sua vez, deve validar através de sua própria
enunciação” (MAINGUENEAU, op. cit.). Ela é, por tanto, aquilo que a enunciação
estabelece, de forma gradual, como seu próprio dispositivo de fala.
Ethos e cenografia aparecem interligados. Conforme Maingueneau (op. cit.) a
cenografia é simultaneamente o lugar de origem do discurso e aquilo que esse
discurso cria. Ela torna um enunciado legítimo e este, por outro lado, deve legitimá-
la, ou seja, é uma via de mão dupla. O autor também explica que são os conteúdos
desenvolvidos pelo discurso que permitem especificar e validar o ethos, assim como
a sua cenografia, por meio das quais estes conteúdos brotam.
A noção de contrato é um conceito relevante também para compreender
nossa análise. Souza (2008), em seu texto Interdiscursividades: base conceitual
para análises críticas do discurso aborda de forma breve o termo contrato. A autora
explica que toda ação comunicativa de um indivíduo direcionada ao seu interlocutor
possui em si recursos e meios específicos para alcançá-lo e fazer com que este
continue interessado pelo diálogo. Souza (op. cit.) se baseia nas reflexões de
Charaudeau que afirmam que o contrato de comunicação é o resultado da relação
entre um campo de ação um campo de enunciação, cujos parceiros são grupos
abstratos, desencarnados e destemporalizados definidos pela postura que estes
assumem na comunicação (dispositivo). Ainda de acordo com a autora, “o
dispositivo é o que estrutura a situação na qual se desenvolvem as trocas
linguageiras e que dispõe lugares para que os parceiros possam se instalar, em
função da natureza de suas identidades. O dispositivo é, assim, um lugar social de
interação apto para materializar seus próprios modos de comunicação”. (SOUZA,
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2008, p. 93). Entretanto, como as instâncias de produção e recepção caminham


interligadas constantemente, elas só têm sentindo dentro de um contexto social e
geram as formas de contrato de comunicação. O dispositivo é que assegura que
espaços discursivos se materializem, com suas cenografias e ethé associados às
suas formações discursivas. Em seguida – Seção 4 –, discorre-se acerca dos
resultados analisados neste estudo.

Análise do discurso de Dilma

Neste trabalho, considera-se que o discurso de posse da ex-presidente Dilma


Rousseff não foge aos conceitos abordados nas seções anteriores. Deste modo,
realizou-se uma breve análise de como se dá a construção da sua imagem no
discurso1 mencionado, proferido na TV no dia 01 de janeiro de 2011, a partir do que
Charaudeau (2008, p.119) intitula de ethé.
A credibilidade é um dos conceitos fundamentais que o discurso político
maneja, uma vez que seu objetivo é tentar convencer e persuadir um determinado
público. Entretanto, deve-se recordar que a credibilidade não é um atributo ligado à
identidade social do sujeito, senão o resultado da construção de uma identidade
discursiva, pelo orador, realizada de tal maneira que o auditório seja conduzido a
julgá-lo digno de credibilidade. Charaudeau (2006, p. 119) resume afirmando que “a
credibilidade repousa sobre um poder fazer, e mostrar-se crível é mostrar ou
apresentar a prova de que se tem esse poder”. É algo complexo que deve satisfazer
três condições para que o desafio do orador se concretize que são a de sinceridade,
performance e eficácia. A fim de atender a estas condições, Dilma constrói por meio
2
de seu discurso o ethos de “séria” ao mencionar o seu sentimento pela família, o
que poderia indicar sua intenção de afirmar que ela não é indiferente aos laços
familiares. Trata-se, portanto, de uma estratégia utilizada para reforçar a imagem de
credibilidade. Inclusive observa-se, também, que a ex-presidente coloca o povo
brasileiro – em seu discurso – no mesmo patamar de igualdade que sua família no
que se refere a seus afetos, como se pode ler no seguinte trecho:

1
Para este artigo, acessou-se o vídeo do discurso de Dilma Rousseff, proferido no Congresso
Nacional, disponível na íntegra na seguinte página: https://www.youtube.com/watch?v=QxFBT3piuwk.
2
É importante destacar que ao longo do texto forma mantidas as aspas utilizadas por Charaudeau
(2006) nas palavras utilizadas para classificar os ethé.
8

Excerto 1: Carinho que dedico a minha filha e ao meu neto. Carinho com
que abraço a minha mãe que me acompanha e me abençoa. É com este
mesmo carinho que quero cuidar do meu povo, e a ele − só a ele −
dedicar os próximos anos da minha vida. Que Deus abençoe o Brasil! Que
Deus abençoe a todos nós! (Rousseff, 2011, Informação verbal, grifo
nosso).

O ethos de “competência”, presente também no texto, exige de seu detentor,


ao mesmo tempo, saber e habilidade. Dilma, de certa forma, tenta demonstrar que
tem conhecimento e domínio profundo necessário para exercer sua atividade, além
de tentar convencer e persuadir − por meio de seu discurso − de que possui a
experiência necessária para assumir o cargo de presidente, desenvolvê-lo e
alcançar resultados positivos. Para isso, ela cita em alguns momentos o ex-
presidente Lula para fortalecer seu discurso, pois este se trata de uma figura política
popular e de prestígio no cenário nacional e internacional (naquele período), que
encerrou seu mandado com um índice de aprovação considerado bom por parte do
público. Em síntese, o grau de competência de um político pode ser julgado, pelo
auditório, a partir da análise de sua trajetória política:

Excerto 2: Venho para consolidar a obra transformadora do presidente


Luis Inácio Lula da Silva, com quem tive a mais vigorosa experiência
política da minha vida e o privilégio de servir ao país, ao seu lado, nestes
últimos anos. De um presidente que mudou a forma de governar e levou o
povo brasileiro a confiar mais em si mesmo e no futuro do país. (Rousseff,
2011, Informação verbal, grifo nosso).

Observa-se, do mesmo modo, que Dilma recorre aos ethé de “identificação”


para construir a sua imagem. Conforme Charaudeau (2006), as imagens de
identificação são extraídas do afeto social: o auditório constrói sua identidade na do
político por meio de um processo de identificação considerado pelo autor como
irracional. Ditas imagens – consideradas difíceis de classificar devido a vários
fatores – visam a alcançar a adesão do maior número possível de indivíduos.
Entretanto, apesar de seu caráter polivalente, neste texto apontam-se algumas mais
recorrentes que caracterizam o discurso de posse da ex-presidente.
O ethos de “potência” se apresenta em alguns trechos do discurso de posse.
Para conseguir a adesão de seu auditório ao seu discurso, Dilma evoca a figura
feminina como uma energia física essencial para animar e impulsionar o crescimento
da nação. A ex-presidente constrói uma imagem, em seu discurso, de que o poder
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jamais é uma propriedade individual, mas que ele compete a um grupo e continua a
pertencer-lhe durante o período em que este permanecer unido, conforme se nota
no seguinte excerto:

Excerto 3: Para assumi-la, tenho comigo a força e o exemplo da


mulher brasileira. Abro meu coração para receber, neste momento, uma
centelha de sua imensa energia. [...] Venho para abrir portas para que
muitas outras mulheres, também possam, no futuro, ser presidenta; e
para que − no dia de hoje − todas as brasileiras sintam o orgulho e a alegria
de ser mulher. Não venho para enaltecer a minha biografia; mas para
glorificar a vida de cada mulher brasileira. Meu compromisso supremo é
honrar as mulheres, proteger os mais frágeis e governar para todos!
(Rousseff, 2011, Informação verbal, grifo nosso).

O ethos de “caráter” também se apresenta no texto, o qual de certa forma


está relacionado ao imaginário de força. Entretanto, este não dever ser confundido
com o que se abordou anteriormente. Segundo Charaudeau (2006, p. 139), “o ethos
de ‘caráter’ trata mais de uma força do espírito que do corpo, como quando se diz
que alguém ‘tem caráter’”. Para construir uma imagem positiva e alcançar a adesão
a seu discurso, Dilma recorre a uma das figuras que caracteriza o ethos de “caráter”,
que é a de “orgulho”; figura necessária ao político. Em alguns trechos, observa-se
que a ex-presidente constrói uma imagem de alguém que deseja defender os
valores e a integridade identitária do país, como se pode verificar neste exemplo:

Excerto 4: A partir deste momento, sou presidenta de todos os brasileiros,


sob a égide dos valores republicanos. Serei rígida na defesa do interesse
público. Não haverá compromisso com o erro, o desvio e o malfeito. A
corrupção será combatida permanentemente, e os órgãos de controle e
investigação terão todo o meu respaldo para aturem com firmeza e
autonomia. (Rousseff, 2011, Informação verbal.).

Em outros momentos do mesmo discurso, percebe-se o ethos de


“humanidade”, o qual constitui um imaginário importante para a imagem do sujeito
político. Acredita-se que, por meio de seu discurso, a ex-presidente constrói a
imagem de uma oradora que tem a capacidade de demonstrar sentimentos,
compaixão para com aqueles que sofrem, mas sem expressar fraqueza ou
desânimo, com se pode notar no seguinte excerto:

Excerto 5: Não vou descansar enquanto houver brasileiros sem alimentos


na mesa, enquanto houver famílias no desalento das ruas, enquanto
houver crianças pobres abandonadas à própria sorte. O congraçamento
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das famílias se dá no alimento, na paz e na alegria. E este é o sonho que


vou perseguir! (Rousseff, 2011, Informação verbal).

No texto também se observa o ethos de “solidariedade”. Dilma, por meio de


seu discurso, constrói a imagem de uma pessoa que não somente está atenta às
necessidades do povo brasileiro, mas que compartilha e se torna responsável pela
nação. Segundo Charaudeau (2008, p. 163), “a solidariedade caracteriza-se pela
vontade de estar junto, de não se distinguir dos outros membros o grupo e,
sobretudo, de unir-se a eles a partir do momento em que se encontrarem
ameaçados”. Sendo assim, a ex-presidente visa a ganhar a adesão do público ao
mostrar-se “solidária” aos que desejam uma educação de qualidade, aos que
dependem do serviço público e, em especial, aos que vivem em situação em
pobreza extrema e que desejam crescer em qualidade de vida, como se nota neste
último exemplo:

Excerto 6: Só assim poderemos garantir, aos que melhoraram de vida, que


eles podem alcançar mais; e provar, aos que ainda lutam para sair da
miséria, que eles podem, com a ajuda do governo e de toda sociedade,
mudar de patamar. Que podemos ser, de fato, uma das nações mais
desenvolvidas e menos desiguais do mundo – um país de classe média
sólida e empreendedora (Rousseff, 2011, Informação verbal).

Em linhas gerais, com respeito à construção da imagem de Dilma em seu


discurso de posse, avaliou-se que há − de certa forma − uma maior predominância
dos ethé de identificação sobre os de credibilidade. A propósito deste último, a ex-
presidente utiliza algumas estratégias para convencer e persuadir o seu público de
ser uma pessoa sincera e fiel. Seu discurso sugere que ela opta por não fazer
declarações a respeito de si mesma, a fim de conquistar a adesão do povo brasileiro
a seu discurso – estratégia comumente utilizada no discurso político – mas, por
outro lado, faz referências em diversos momentos a Lula (maior representante de
seu partido na atualidade) para legitimar sua condição de autoridade máxima do
país, naquele momento, e sua “competência” ao mencionar a importância de ter
caminhado lado a lado com Lula, em sua trajetória política.
Em linhas gerais, o discurso analisado apresenta quatro estratégias
argumentativas predominantes, intituladas por Charaudeau (2008) como os ethé de
identificação, que são a de “potência”, “caráter”, “humanidade” e “solidariedade”, as
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quais foram apontadas por meio de exemplos nos parágrafos anteriores. Dilma
constrói, por meio de seu discurso, a imagem de uma mulher lutadora, corajosa,
dedicada, responsável, solidária, obstinada e também humilde ao supostamente
reconhecer em sua fala a importância de algumas figuras políticas e do público em
geral em sua ascensão ao cargo, e na continuidade do desenvolvimento do país.
Nota-se, também, que a ex-presidente constrói a imagem de um ser solidário e
preocupado em querer atender a todas as classes, desde os movimentos sociais, os
profissionais liberais, os intelectuais e os que lutam pra superar diferentes formas de
discriminação como os negros, mulheres, índios e jovens. Além disso, se observa
que Dilma não deixa de lado, em seu discurso, temas amplamente debatidos na
sociedade e que interessam a seu auditório como a educação, saúde e segurança,
porém em todo momento dá ênfase aos êxitos alcançados pelo seu partido, em
diversos setores, no governo anterior.

Considerações finais

Ao viver em comunidades, os sujeitos fazem parte e criam formas de pôr


ordem em suas práticas sociais. E é por meio dos discursos que eles colocam em
ação as referidas práticas, dando valor a elas. Desta maneira, as convenções e
normas de comportamento são fundamentadas e estabelecidas, e a comunicação
tem um papel crucial neste caminho.
Conforme Charaudeau (2013, p. 181), a ação das mídias no campo político
é algo relevante e deve ser considerada, uma vez que elas exercem certo controle
sobre as opiniões e dos julgamentos dos indivíduos. Deste modo, as mídias estão
interligadas com as estratégias de comunicação dos políticos. Entretanto, o autor
ressalta que não é fácil dimensionar o valor das relações de influência entre as
mídias e os indivíduos.
É importante destacar, ainda, a importância das instâncias de informação,
como elas se organizam, bem como o papel que elas adotam no processo de
comunicação e informação midiática. As instâncias de informação são as de
produção e as de recepção, as quais juntas compõem o contrato de informação.
(CHARAUDEAU, 2013). Contudo, cada veículo midiático (TV, rádio, internet, etc.)
se constitui num meio que influencia de forma definitiva a construção do discurso
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nas mídias, sendo que cada dispositivo possui características próprias que vão
determinar aspectos distintos na veiculação da informação.
Há algumas décadas, as informações políticas (como, por exemplo, as
campanhas eleitorais e sobre os candidatos às eleições) eram divulgadas
principalmente em jornais impressos, folhetos (conhecidos como “santinhos”), etc...
Na atualidade, é possível contar com outros recursos como as mídias sociais, os
blogs, os jornais on-line, entre outros, que de fato têm se beneficiado destes novos
ambientes para fazer circular a sua opinião. Entretanto, deve-se considerar que
estas ferramentas sofrem censuras da instância de recepção.
As mídias, de fato, têm se beneficiado destes novos espaços pra fazer
circular a sua opinião. Concorda-se com Charaudeau (2013, p. 252) quando afirma
que, “as mídias manipulam de uma maneira que nem sempre é proposital, ao se
auto manipularem, e, muitas vezes, são elas próprias vítimas de manipulações de
instâncias exteriores”.
Á guisa de conclusão, destaca-se que o poder político mantém de certa
forma, em todo o tempo, uma relação com a mídia, e se interessa também pela
construção do jogo de manipulação. Há uma guerra entre políticos, jornalistas,
guerra simbólica, cujo ideal é conseguir a adesão da opinião pública ao seu
discurso.

Referências

CHARAUDEAU, Patrick. Discurso das Mídias. 2ª ed. Tradução de Ana Corrêa. São
Paulo: Contexto, 2008.

______ Discurso Político. Tradução de Dílson Ferreira da Cruz e Fabiana Komesu.


São Paulo: Contexto, 2010.

______ Linguagem e discurso: Modos de organização. São Paulo: Contexto, 2008.

DISCURSO de posse da presidente Dilma Rousseff (2011). Disponível em:


< https://www.youtube.com/watch?v=QxFBT3piuwk>. Acesso em: 2 de fev. 2019.

MAIGUENEAU, Dominique. Problemas de Ethos. In. POSENTI, Sírio; SOUZA-E-


SILVA, Maria Cecília Pérez de. Cenas da enunciação. São Paulo: Parábola, 2008.

MARCUSCHI, Luiz Antônio Gêneros textuais: definição e funcionalidade. In:


DIONÍSIO, Ângela Paiva; MACHADO, Anna Rachel; BEZERRA, Maria Auxiliadora
(Orgs.). Gêneros textuais e ensino. Rio de Janeiro: Lucerna, 2005.
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PERELMAN, Chaim; OLBRECTHS-TYTECA, Lucie. Tratado da argumentação: a


nova retórica. São Paulo: Martins Fontes, 2005.

SOUZA, Lícia Soares de. Interdiscursividades: bases conceituais para análises


críticas do discurso. Disponível
em:<http://www.tabuleirodeletras.uneb.br/secun/numero_02/pdf/artigo_vol02_05.pdf.
>. Acesso em: 2 de fev. 2019.

UMA BREVE história de Dilma Rousseff, da luta armada ao Palácio do Planalto.


Disponível em:< https://epoca.globo.com/tempo/eleicoes/noticia/2014/10/uma-
bbreve-historia-de-dilma-rousseffb-da-luta-armada-ao-palacio-do-planalto.html>

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