Você está na página 1de 4

UNIVERSIDADE NOVA DE LISBOA

FACULDADE DE CIÊNCIAS SOCIAIS E HUMANAS

CIÊNCIAS DA COMUNICAÇÃO
Comunicação e Ciências Sociais
Prof.ª Doutorª Cristina Ponte

CONSTRUINDO
ONSTRUINDO UM G UIÃO

ANÁLISE DA OBRA: A Apresentação do Eu na


Vida de Todos os Dias, de Erving Goffman

JOANA F. F. DUARTE
1º Ano, Turma B, 22977
duartejff@hotmail.com

Lisboa, Abril 2008


Construindo um Guião
A Apresentação do Eu na Vida de Todos os Dias, Erving Goffman

I. Introdução
Na origem da palavra pessoa estende-se um significado dramático: máscara: aquilo que
vestimos em qualquer situação e através do qual nos apresentamos a nós e aos outros.
Reflecte aquilo que queremos ser e que desejamos que o outro pense de nós, e, assim, não é
possível separar o “eu” do ambiente social em que nos encontramos. É daqui que, em última
instância, advém o termo personalidade.

Erving Goffman (1922-1982), sociólogo e escritor canadiano, foi o primeiro a contribuir com
uma análise da interacção simbólica 1 inspirada na dramaturgia, que se destaca de outras
teorias sociológicas pois enfatiza não a causa do comportamento humano, mas o seu
contexto, e fê-lo através da obra A Apresentação do Eu na Vida de Todos os Dias i (The
Presentation of Self In Everyday Life, no original). O livro explora a multiplicidade das
interacções diárias e mundanas e providencia uma análise detalhada dos processos através dos
quais elas se processam.

II. Análise
Goffman utiliza, assim, a “a perspectiva […] da representação teatral; os princípios
correspondentes […] de ordem dramática” (Goffman 1993:9). Segundo a sua teoria, a
interacção entre os indivíduos é vista como um desempenho, moldado pelo ambiente e pela
audiência e construído para providenciar aos outros impressões correspondentes aos seus 2
objectivos, e é à exploração destes conceitos que se dedica o primeiro capítulo da obra em
questão.

O DESEMPENHO é algo que existe independentemente do estado mental do indivíduo e a sua


identidade individual desenvolve-se em função da interacção com o outro, através da troca de
informações que permite criar definições mais específicas de identidade e comportamento.
“O actor poderá ser completamente tomado pela sua acção” (Goffman 1993:29) ou pode,
pelo contrário, “não estar por completo convencido da realidade da sua prática de rotina”
(Goffman 1993:29), ou seja, pode ser sincero ou cínico, e apesar de poder tentar adivinhar
qual o seu estado de espírito, a audiência pode apenas analisar objectivamente os elementos
exteriores e “visíveis” do desempenho.

Assim, o estabelecimento de uma identidade social é feito através do desempenho, definido


como:
“qualquer actividade de um indivíduo que se verifique durante um período marcada pela sua
presença contínua perante um conjunto determindado de observadores e com alguma influência
sobre estes” (Goffman 1993:34)
e associa-se solidamente ao conceito de fachada:
“parte do desempenho do indivíduo que funciona regularmente de maneira genérica e fixa a
fim de definir a situação para os que observam o desempenho” (Goffman 1993:34).

A FACHADA corresponde, então, ao veículo de normalização da expressão, que permite ao


indivíduo controlar a forma como a audiência o percepciona. Ela estabelece e é constituída
primeiramente pelo “quadro”, a que correspondem todos os elementos cénicos presentes na

Comunicação e Ciências Sociais, FCSH-UNL


Construindo um Guião
A Apresentação do Eu na Vida de Todos os Dias, Erving Goffman

altura do desempenho e que actuam como o seu “pano de fundo” (Goffman 1993:34), e de
seguida pela “aparência” e pelo “modo”, que constituem a fachada pessoal. Estes elementos
vão ajudar a construir o papel social desempenhado pelo actor, e para ser bem sucedido este
tem de aliar, de forma consistente, as respectivas coacções ao comportamento interactivo.

Desta forma, o indivíduo está a proceder à REALIZAÇÃO DRAMÁTICA, mobilizando “a sua


actividade de modo a que esta expresse durante a interacção aquilo que ele pretende
transmitir” (Goffman 1993:43-44). Esta actividade pode apresentar dificuldades, uma vez que
podem dar-se conflitos ao nível da gestão entre a expressão e a acção.

Existe a tendência de que esta apresentação integre e ilustre as normas, leis e “valores
oficialmente reconhecidos pela sociedade” (Goffman 1993:49-50), ao contrário do que
aconteceria caso o indivíduo não se encontrasse perante uma audiência, a que o autor chama
de IDEALIZAÇÃO.

Como foi já referido anteriormente, para ser bem sucedido, o desempenho deve ser
consistente, sendo isto assegurado pela MANUTENÇÃO DO CONTROLO EXPRESSIVO. Na
construção da fachada, a informação é muitas vezes dada sob uma série de diferentes sinais e
recursos comunicativos, o que pode levar a mal entendidos, pelo que o indivíduo deve
proceder a um esforço de controlo, consonância e rigor para garantir que todos esses recursos
são correctamente compreendidos e que a impressão geral gerada no público é a desejada.

Uma possível FALSA REPRESENTAÇÃO refere-se aos perigos de passar a mensagem errada. A
audiência tende a classificar o desempenho como genuíno ou falso, e o indivíduo tenta evitar
que a audiência duvide ou não creia nele. 3
Informação perturbadora ou que possa penalizar a imagem do indivíduo é escondida ou
camuflada através da MISTIFICAÇÃO, tornando proeminentes as características legítimas ao
papel social e ao quadro do qual o desempenho decorre. Este processo pode também ser
utilizado para inflacionar o interesse da audiência.

III. Conclusão
Apesar de ter sido publicada em 1959, a obra de E. Goffman continua actual. Nos contextos
mais básicos ou complexos do dia-a-dia de cada um é possível aplicar a metáfora teatral para
explicar a forma como os seres humanos se apresentam de acordo com os valores culturais,
normas e expectativas.

Goffman sugere que a vida é um teatro, que a identidade de um indivíduo não é estável e
independente e que não corresponde exclusivamente a uma entidade ou estado psicológico,
mas que esta é constantemente alterada e reconstruída à medida que uma dada pessoa
interage com outros e desempenha uma série de papéis.
No entanto, no meu entendimento, uma pequena janela abre-se para questionar se é ou não e
até que ponto importante ter em conta aquilo que existe para além da sala de espectáculos e
que ultrapassa, é anterior, posterior ou extrapolado à interacção simbólica com outros
indivíduos e que se restringe ao espaço privado dentro de cada um.

Comunicação e Ciências Sociais, FCSH-UNL


Construindo um Guião
A Apresentação do Eu na Vida de Todos os Dias, Erving Goffman

Notas

1
É de assinalar que o interaccionismo simbólico é a corrente sociológica de que o trabalho
em estudo de Erving Goffman deriva, que tenta entender a vida social focando-se no modo
como a realidade é construída por actores activos e criativos através das suas interacções
com os outros.

Referências Bibliográficas

i
Goffman, Erving (1959). A Apresentação do Eu na Vida de Todos os Dias (pp. 29-95). Lisboa:
Relógio d’Água, 1993.

http://en.wikipedia.org/wiki/Goffman

Comunicação e Ciências Sociais, FCSH-UNL

Você também pode gostar