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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE

PRÓ-REITORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO E PESQUISA


COORDENAÇÃO DE PESQUISA

PROGRAMA INSTITUCIONAL DE BOLSAS DE INICIAÇÃO


CIENTÍFICA – PIBIC

VIOLÊNCIA NO CONTEXTO DOMÉSTICO E FAMILIAR, SEGURANÇA


PÚBLICA E SAÚDE: TECNOLOGIA SOCIAL À SERVIÇO DAS
MULHERES DO SEMIÁRIDO SERGIPANO

VIOLÊNCIA NO CONTEXTO DOMÉSTICO E FAMILIAR, SEGURANÇA


PÚBLICA E SAÚDE

Relatório Final
Período da bolsa: de 01/09/2022 a 31/08/2023

Este projeto é desenvolvido com bolsa de iniciação científica


PIBIC/CNPq
SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO 1
1.1 Políticas Públicas: rede de enfrentamento às violências contra as mulheres
no estado de Sergipe 6
1.2 Etapas de denúncia das violências 7
2. OBJETIVOS 11
2.1 Geral 11
2.2 Específicos 11
3. METODOLOGIA 12
3.1 A análise do discurso aplicada aos laudos médicos 12
4. RESULTADOS E DISCUSSÕES 13
5. CONCLUSÕES 24
6. PERSPECTIVAS DE FUTUROS TRABALHOS 26
7. REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICAS 27
8. OUTRAS ATIVIDADES 31

1
1 INTRODUÇÃO

O presente relatório tem como objetivo analisar como são construídos os


laudos médicos que complementam os Inquéritos Policiais (IPs) dos sete municípios
do Alto Sertão de Sergipe - entre os anos de 2020 a 2022, e entender como o
discurso médico contribui para investigação realizada pelos operadores do direito na
construção dos IPs. Pretende-se também verificar como as Políticas Públicas
existentes para o acolhimento às mulheres vítimas de Violências Doméstica e
Familiar são acionadas para o atendimento às vítimas, quando solicitadas.
Para iniciar os debates sobre a Violência Doméstica, é imprescindível
analisarmos as discussões sobre o conceito de gênero e como os paradigmas
sociais influenciam nesse fenômeno. O conceito de gênero é instituído e
complexificado por pesquisadoras feministas norte-americanas que propuseram uma
leitura da sociedade, considerando, as relações de poder que se estabelecem entre
homens e mulheres. Tais relações, muitas vezes, acentuam as desigualdades
sociais provocando violências de vários tipos, que atingem em potencial as
mulheres. (SCOTT, 1990; GROSSI,1998)
Piscitelli (2009) em Gênero: a história de um conceito, discute sobre a
importância dos debates acerca dos conceitos de gênero, sexo e outras discussões
que lapidaram os estudos feministas e seus fenômenos. Para a autora, o termo
gênero necessitou, no passado, ser desvinculado da dúbia ideia de diferenciação
atribuídas a homens e mulheres como algo inato, derivado de distinções naturais.
Roberto Stoller, psicanalista estadunidense teria formulado o conceito de identidade
de gênero para distinguir entre natureza e cultura. Dessa forma, sexo está vinculado
à biologia - hormônios, genes, sistema nervoso, morfologia - e gênero tem relação
com a cultura, ou seja, com todas as questões de ordem social.
As teorias de gênero, no contexto da teoria social, ganham força a partir do
fortalecimento do movimento feminista, pautado na busca de direitos iguais para
homens e mulheres, nesse momento, as feministas introduzem a preocupação com
as desigualdades vivenciadas pelas mulheres. Scott (1990) afirma que as cientistas
da década de 70 utilizavam o termo gênero para justificar a importância do enfoque
ao universo feminino. Assim, quando o termo “gênero” era empregado, o discurso se
tornava mais científico, generalizado e neutro.

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Scott (1990) ainda expõe em sua obra a relevância da participação efetiva
das mulheres na construção política, econômica, histórica e social da sociedade,
porém comprovar a importância dessa participação feminina não parecia suficiente
para mudar a situação de desigualdade entre homens e mulheres. Afinal, como
descreve a autora, a história das mulheres está associada à história de homens:

Para os/as historiadores/as das mulheres, não têm sido suficiente provar
que as mulheres tiveram uma história, ou que as mulheres participaram das
principais revoltas políticas da civilização ocidental. (SCOTT, 1990, p.5)

Nesses estudos e processos de luta, as reivindicações feministas marcam


toda a história do movimento, embasando as noções teóricas da diferença entre
masculino e feminino, além de expor a dominação masculina. Butler (2003) em sua
obra Problemas de Gênero: feminismo e subversão da identidade, aborda incisivas
inflexões a dois pontos do movimento feminista e dos movimentos sociais em geral:
a identidade e a categoria “mulher”. Segundo a autora, não há uma identidade como
a metafísica ocidental define e expõe que o sexo e a sexualidade são convenções
sociais, assim como o gênero. Ambos são construídos a partir da prática e não o
oposto. Definir a identidade dos indivíduos pode aprisioná-los em categorias ilusórias
em vez de libertar, como os movimentos político-sociais preconizam. Butler ainda
levanta críticas ao movimento feminista sobre a insistência nos binarismos de
gênero – mulher e homem, feminino e masculino, homo e heterossexual etc. – isto é,
o feminismo valida as verdades estipuladas sobre a sexualidade, e acaba
reproduzindo o que deveria desmontar: a opressão e a desigualdade.
As posições que os indivíduos ocupam na sociedade podem explicar alguns
fenômenos recorrentes por meio dos papéis que estes desempenham, segundo
Piscitelli (2009), o termo “papel sexual” e “papel feminino ou masculino” teve seu uso
corriqueiro na década de 1930 com protagonismo da antropóloga estadunidense
Margaret Mead. Conforme a autora, Mead em seus estudos aborda as diferentes
formas de lidar com a diferença sexual em culturas distintas.
Os estudos de gênero são de extrema relevância, pois através dessas
ferramentas, é possível identificar a transição de dominação-exploração. Miriam
Grossi (1998) destaca a imagem da masculinidade predadora, a necessidade de
comprovação da “macheza” e a inerência da pornografia entre os grupos
masculinos, análises que contribuem para a explicação das práticas violentas,
3
através da imposição da virilidade pela socialização masculina, como define
Welzer-Lang (1994).

Uma das Políticas Públicas mais importantes para o combate à Violências


Doméstica no Brasil, foi a instituição da Lei n° 11.340 de 07 de Agosto de 2006
conhecida nacionalmente por Lei Maria da Penha (BRASIL, 2006). Além de abordar
a definição de violências e suas tipificações, a Lei determina estratégias de
prevenção, assistência e proteção às mulheres, com articulação dos poderes
Executivo, Legislativo e Judiciário. Nesse sentido, é importante entendermos os tipos
de Violências Doméstica e como se apresentam no Brasil. De acordo com a Lei
11.340/2006 estão previstos cinco tipos de Violência Doméstica e Familiar contra a
mulher: física, psicológica, moral, sexual e patrimonial (BRASIL, 2006). Conforme
especifica a lei entende-se por essas violências:

Art. 7º: São formas de violência doméstica e familiar contra a mulher, entre
outras:
I – a violência física, entendida como qualquer conduta que ofenda sua
integridade ou saúde corporal;
II – a violência psicológica, entendida como qualquer conduta que lhe cause
dano emocional e diminuição da auto-estima ou que lhe prejudique e
perturbe o pleno desenvolvimento ou que vise degradar ou controlar suas
ações, comportamentos, crenças e decisões, mediante ameaça,
constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, vigilância
constante, perseguição contumaz, insulto, chantagem, ridicularização,
exploração e limitação do direito de ir e vir ou qualquer outro meio que lhe
cause prejuízo à saúde psicológica e à autodeterminação;
III – a violência sexual, entendida como qualquer conduta que a constranja a
presenciar, a manter ou a participar de relação sexual não desejada,
mediante intimidação, ameaça, coação ou uso da força; que a induza a
comercializar ou a utilizar, de qualquer modo, a sua sexualidade, que a
impeça de usar qualquer método contraceptivo ou que a force ao
matrimônio, à gravidez, ao aborto ou à prostituição, mediante coação,
chantagem, suborno ou manipulação; ou que limite ou anule o exercício de
seus direitos sexuais e reprodutivos;
IV – a violência patrimonial, entendida como qualquer conduta que configure
retenção, subtração, destruição parcial ou total de seus objetos,
instrumentos de trabalho, documentos pessoais, bens, valores e direitos ou
recursos econômicos, incluindo os destinados a satisfazer suas
necessidades;
V – a violência moral, entendida como qualquer conduta que configure
calúnia, difamação ou injúria (BRASIL, 2006, p.16-17).

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De acordo com as especificações acima pode-se perceber o quanto a
violência doméstica possui características peculiares e complexas, principalmente
por envolver relações de afetos e dependência, e muitas vezes, implica as mulheres
num ciclo de difícil ruptura. As características dinâmica e cíclica das violências
doméstica foram estudadas pela psicóloga estadunidense Lenore Walker (2000) em
sua obra intitulada “The battered woman syndrome”, neste livro, a autora debate
sobre os efeitos psicológicos das Violência Doméstica na vida das mulheres e
explica a ocorrência e permanência delas em episódios de violência.

A autora conceituou o ciclo em 3 fases: A primeira é caracterizada pela


acumulação de tensões, onde o agressor expressa mudanças bruscas de humor,
fica irritado com coisas insignificantes e se mostra muito tenso; a segunda fase
contempla episódios agudos de agressão. Nesses casos, observa-se uma falta de
controle absoluto e posteriores agressões físicas, psicológicas e/ou sexuais. A vítima
sente-se descrente, ansiosa, tende a se isolar e sentir-se impotente diante do que
aconteceu; já a última fase caracterizada pela construção do amor e do perdão,
estágio onde o agressor usa estratégias de manipulação psicológica para tentar
fazer com que o relacionamento não termine e manipula a vítima para que acredite
que nunca sofrerá abusos novamente (WALKER, 2000, pp. 126-127).
FIGURA 1— CICLO DA VIOLÊNCIA DOMÉSTICA

Fonte: Elaborado pelo autor com base em estudos de Walker (2000).

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O conteúdo teórico apresentado no decorrer desta escrita é de fundamental
importância para conduzir os/as leitoras a compreender o contexto e o marco
temporal sobre o qual esse trabalho estrutura suas análises. A construção e
compreensão da categoria analítica de gênero, das especificações dadas pela Lei
Maria da Penha e das características que conformam as Violências Domésticas e
Familiares dão subsídio para compreender o aumento expressivo de tais violência
durante a pandemia.

Com o advento da pandemia da COVID-19 compreendido entre 2020 a 2023,


segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), as mulheres de todo o mundo
estavam expostas com maior frequência aos seus possíveis agressores em seus
lares abusivos pela necessidade de instauração do isolamento social (OMS, 2023).
No Brasil, algumas organizações não governamentais, movimentos feministas,
estudiosas, ativistas dos direitos humanos, dentre outras entidades, alertaram para a
possibilidade de agravamento das violências contra mulheres (COSTA, 2020).

Segundo dados do Anuário Brasileiro de Segurança Pública (BRASIL, 2020),


no primeiro semestre de 2020 - período que inicia a pandemia - , no estado de
Sergipe houve a redução em quase 30% da notificação dos casos de violência
doméstica com lesão corporal dolosa, acompanhando a queda percentual em todo o
Brasil de 9%. Essa diminuição dos números reflete as dificuldades e obstáculos que
as mulheres enfrentaram na pandemia para denunciar a situação de abuso ao invés
da diminuição de ocorrência dessa violência.

Esse fato pode ser confirmado pela observação do Fórum Brasileiro de


Segurança Pública no anuário de 2022, através do aumento de registros de violência
letal contra as mulheres neste mesmo período. Além disso, a convivência com os
agressores intimida a busca por recursos de proteção, conforme descreve o anuário:
“A presença mais intensa do agressor nos lares constrange a mulher a realizar uma
ligação telefônica ou mesmo de dirigir-se às autoridades competentes para
comunicar o ocorrido”. Essa queda no número de registros também é observada no
ano de 2022 no estado de Sergipe, ano em que a pandemia chega ao fim, com 25%
de casos a menos que o ano anterior, em 2021 (BRASIL, 2023). Em contrapartida, o

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Brasil teve aumento dos registros em 2,9% em comparação com o ano anterior.
Neste documento, o Fórum ressalta alguns desafios enfrentados para a execução de
políticas públicas para coibir essas ocorrências.
“Em primeiro lugar, o desfinanciamento das políticas de proteção à mulher
por parte da gestão de Jair Bolsonaro, que registrou a menor alocação
orçamentária em uma década para as políticas de enfrentamento à violência
contra a mulher (BRASIL, 2022); 2) chamamos a atenção para o impacto da
pandemia de covid-19 nos serviços de acolhimento e proteção às mulheres,
que em muitos casos tiveram restrições aos horários de funcionamento,
redução das equipes de atendimento ou mesmo foram interrompidos; 3) por
fim, não há como dissociar o cenário de crescimento dos crimes de ódio da
ascensão de movimentos ultraconservadores na política brasileira, que
elegeram o debate sobre igualdade de gênero como inimigo número um.
(BRASIL, 2023, p. 137)
Assim, é possível denotar que a violência doméstica foi mais um dos desafios
durante o período pandêmico no Brasil e em Sergipe. Apesar dos avanços nas
políticas públicas e em diversas medidas de combate, situações de calamidade
pública exigem ferramentas inovadoras para driblar as dificuldades que o isolamento
social gerou no combate à violência doméstica.

1.1 Políticas Públicas: rede de enfrentamento às violências contra as


mulheres no estado de Sergipe

A rede de enfrentamento surge a partir da urgência em efetivar quatro eixos


estabelecidos na Política Nacional de Enfrentamento à Violência Contra as
Mulheres: combate, prevenção, assistência e garantia de direitos, a fim de coibir o
fenômeno das violências contra as mulheres. Segundo manual emitido pela
Secretaria de Políticas para as Mulheres (2011), a rede de enfrentamento deve ser
composta por: agentes governamentais e não-governamentais formuladores,
fiscalizadores e executores de políticas públicas voltadas às mulheres e para a
responsabilização dos agressores; universidades; órgãos federais, estaduais e
municipais responsáveis pela garantia de direitos (habitação, educação, trabalho,
seguridade social, cultura) e serviços especializados e não-especializados de
atendimento às mulheres em situação de violência (que compõem a rede de
atendimento às mulheres em situação de violência).

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Em conjunto à rede de enfrentamento, há a rede de atendimento reunindo
diferentes setores de ações e serviços como assistência social, justiça, segurança
pública e saúde que objetivam à ampliação e à melhoria da qualidade do
atendimento, ao adequado cuidado com as mulheres em situação de violência e à
integralidade e à humanização do atendimento. Dessa forma, entende-se que a rede
de atendimento é uma parte da rede de enfrentamento e juntas propõem o mesmo
objetivo: coibir as Violências Doméstica e acolher as vítimas.

Quadro 1— Principais características da rede de enfrentamento e da rede de atendimento às


mulheres em situação de violência.

Fonte: Secretaria de Políticas para as Mulheres (2011)

1.1 Etapas de denúncia das violências

Para a construção da legalidade dos fatos ocorridos, deve-se seguir alguns


fluxos jurídicos. O Boletim de Ocorrência (B.O) é a ferramenta inicial para apuração
da investigação e finalização do Inquérito. Ele é produzido nas Delegacias de Polícia
com o objetivo de concretizar os fatos narrados das ações de conflito relatados pelas
vítimas, oficializando a queixa. Após formulação da queixa e tipificação do crime,
ocorre a abertura do IP que envolve uma imersão nos casos denunciados (COSTA,
2016). Esse documento pode ser definido como "uma instrução provisória,
preparatória, informativa, em que se colhem elementos por vezes difíceis de se obter
na instrução judiciária, como autos de flagrante, exames periciais, dentre outros"
(JÚLIO MIRABETE, 2004, p. 82 apud COSTA, 2016).

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É nesse contexto que se localiza o depoimento da vítima, a oitiva das
testemunhas e interrogatório do acusado, além dos laudos periciais - objeto de
estudo deste trabalho - e outras provas que podem ser recolhidas para a
comprovação do fato. Concluído o IP, este é encaminhado ao Fórum para a abertura
de vistas pelo promotor e os devidos encaminhamentos que julgar necessários
(COSTA, 2016).

Para melhor entendimento, faz-se necessário entender os diferentes tipos de


documentos médicos. Existem 4 tipos de laudos: Laudo Médico para Pessoa com
Deficiência, Laudo médico com CID, Laudo Médico Ocupacional e Laudo Médico
Pericial Judicial. Este último trata-se de um documento restrito ao médico perito
(CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA, 2008).
O Relatório médico-legal é a descrição minuciosa de perícia médica e
responde à requisição do delegado de polícia ou do juiz para fins de subsidiar o
inquérito policial ou o processo penal. O relatório pode ser um laudo ou um auto. O
laudo é realizado pelos próprios peritos, conforme art. 160 do CPP (BRASIL, 1941).
O relatório possui sete partes, a saber: preâmbulo, quesitos (perguntas), histórico ou
comemorativo, descrição , discussão, conclusão e resposta
aos quesitos.
Art. 160. Os peritos elaborarão o laudo pericial, onde
descreverão minuciosamente o que examinarem,
e responderão aos quesitos formulados.
(Redação dada pela Lei nº 8.862, de 28.3.1994) (BRASIL, 1941, p.307)
Um laudo médico é um documento que descreve exames e perícias médicas,
além do diagnóstico do paciente para fins jurídicos, administrativos ou
governamentais. Dessa forma, o Laudo Técnico ou Pericial é restrito ao
perito/especialista, enquanto o médico assistencialista pode fornecer prontuários,
relatórios, atestados ou pareceres, quando solicitado por autoridade competente.
De acordo com a Lei Maria da Penha “Art. 12.§ 3º Serão admitidos como meios de
prova os laudos ou prontuários médicos fornecidos por hospitais e postos de saúde.”
(BRASIL, 2006, p.5).

Mediante a denúncia de violência contra a mulher, a autoridade policial que


tomar conhecimento da ocorrência lavrará termo circunstanciado e o encaminhará
9
imediatamente ao Poder Judiciário - setor que processa, julga e executa as causas
decorrentes de violência doméstica-, com o autor do fato e a vítima, para as
requisições dos exames periciais necessários (BRASIL, 1941). No caso de lesões
corporais, o exame deve ser realizado logo que o fato se torna conhecido da
autoridade policial, porque sempre há o risco de desaparecerem os vestígios.

Sendo assim, colocadas a parte ética e a legal, é importante frisar: o relatório


médico é o relato simples e objetivo das lesões e dos atos profissionais praticados
que pode ser emitido por um médico assistencialista/generalista. Porém, o fato de
ser simples não justifica ser omisso, pois sem um relatório médico adequadamente
elaborado, o paciente terá imensa dificuldade para obter a concessão dos direitos
que a lei lhe garante. Por sua vez, o Laudo Médico Pericial é um relatório médico
minucioso e conclusivo, descrevendo o ato pericial. Trata-se de um exame acurado
e objetivo, que deve ser realizado por profissional devidamente treinado - médico
perito - e que visa comprovar ou descaracterizar uma situação concreta, no caso de
natureza médica, para o enquadramento normativo no âmbito do processo.
O Conselho Federal de Medicina, CFM (2008) estabelece que, a pedido do
paciente ou de seu representante legal, o médico deve atestar em relatório médico o
diagnóstico, os resultados dos exames complementares, a conduta terapêutica, o
prognóstico, as consequências à saúde do paciente (inclusive sequelas que geram
limitações e deficiências), o provável tempo de repouso estimado necessário para a
sua recuperação. Além disso, o profissional pode sugerir o afastamento,
readaptação ou aposentadoria, ponderando ao paciente, que essa decisão caberá
ao médico perito.
De acordo com o artigo n° 161 do Decreto Lei nº 3.689 de 03 de outubro de
1941 do Código de Processo Penal (BRASIL, 1941) o exame de corpo de delito
poderá ser feito em qualquer dia e a qualquer hora. Isso significa dizer que sempre
que haja obrigatoriedade da realização de perícia, ela deverá ser realizada, pouco
importando o dia, a hora e o local. Logo, a obstaculização feita, em hospitais
públicos, além de não ter o menor valor legal, pode levar a se entender a obstrução
como crime de desobediência ou de prevaricação, como prevê o artigo n° 275 do
Decreto Lei nº 3.689 de 03 de outubro de 1941 do Código de Processo Penal: “O

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perito, ainda quando não oficial, estará sujeito à disciplina judiciária.” (BRASIL, 1941,
p.237)

A emissão de atestados/laudos médicos está regulamentada pela Resolução CFM


nº 1.851 de 18 de agosto 2008:

Artigo 1º - Na elaboração do atestado médico, o médico assistente


observará os seguintes procedimentos:
I - especificar o tempo concedido de dispensa à atividade, necessário para a
recuperação do paciente;
II - estabelecer o diagnóstico, quando expressamente autorizado pelo
paciente;
III - registrar os dados de maneira legível;
IV - identificar-se como emissor, mediante assinatura e carimbo ou número
de registro no Conselho Regional de Medicina (CFM, 2008, p. 2)

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2 OBJETIVOS

2.1 Geral

Analisar como são construídos os laudos médicos que complementam os


Inquéritos Policiais de Violência Doméstica e Familiar registrados nas delegacia de
Polícia Civil dos sete municípios que compõem o Alto Sertão de Sergipe (Canindé
de São Francisco, Gararu, Monte Alegre de Sergipe, Nossa Senhora da Glória,
Nossa Senhora de Lourdes, Porto da Folha, Poço Redondo) - entre Janeiro de 2020
a Julho de 2022, e entender como o discurso médico contribui para a investigação
realizada pelos operadores de segurança na construção dos IPs.

2.2 Específicos

a) Quantificar os processos registrados entre os anos de 2020 a 2022;


b) Analisar como os operadores do direito solicitam os laudos;
c) Entender como os laudos médicos são elaborados;
d) compreender como os laudos médicos expõem os tipos de violências e os
impactos na saúde da vítima.

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3 METODOLOGIA

3.1 A análise do discurso aplicada aos laudos médicos

Segundo Costa (2016), o Sistema de Justiça Criminal - Polícia Judiciária,


Ministério Público e Poder Judiciários- possuem incumbência determinada para
produzir diversos documentos penais como a denúncia enquanto responsabilidade
do Ministério Público, o processo sendo este de competência do Poder Judiciário, e
o boletim de ocorrência e o inquérito policial são documentos produzidos pela Polícia
Judiciária. Este trabalho detém-se na análise dos laudos médicos anexados aos
Inquéritos Policiais, sejam estes emitidos anexos ao Boletim de Ocorrência ou cópia
do prontuário ou documento fornecido pelo perito não oficial. O IP tem como função
servir de base para a construção do processo penal, e os laudos periciais é um dos
elementos que direciona para o recolhimento de provas para traçar os fatos
ocorridos e as devidas providências a serem tomadas diante ou não da
materialidade e autoria do crime. Os laudos periciais caracterizam-se como peça
fundamental dos I.P na reconstrução dos fatos ocorridos por meio da inspeção
técnica baseada na Medicina Legal para comprovar ou não a ocorrência das ações,
mensurar os danos causados e as devidas penalidades conforme legislação vigente.
Estudar os laudos médicos significa entender o exame de corpo de delito,
como meio material que comprova a existência do fato típico, materializado e que
classifica a gravidade da ação, consequentemente, mediando a pena a ser aplicada
nos casos. O exame de corpo de delito consiste na verificação de todos os
elementos sensíveis, passíveis de exames que o cercam e que com ele tenham
relação. É considerado um exame pericial aqueles que contemplam os seguintes
aspectos avaliados:
Sugestões de quesitos:
a) Há ofensa à integridade corporal ou à saúde do periciando?
b) Qual a natureza do agente, o instrumento ou o meio que a produziu?
c) Foi produzida por meio de veneno, explosivo, asfixia ou tortura ou por
outro meio insidioso ou cruel?
d) Resultará incapacidade para as ocupações habituais por mais de 30
dias?
e) Resultará perigo de vida?
f) Resultou debilidade permanente de órgão, sentido ou função?
g)Resultará incapacidade permanente para o trabalho ou enfermidade
incurável ou perda ou inutilização de membro, sentido ou função?
(INSTITUTO MÉDICO LEGAL, 2018, p.75).

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Para a análises dos laudos, foram selecionados ao todo um conjunto de 20
laudos médicos de um total de 196 que estavam presentes nos Inquéritos Policiais,
dentre eles 10 foram considerados os mais completos, ou seja, atendiam as
exigências de um exame adequado conforme orientações do Instituto Médico Legal
(IML) (2018) e outros 10 considerados incompletos ou insuficientes. Os laudos
transcritos são referenciados com números fictícios para garantir o sigilo dos
processos. A amostra foi extraída do número total de laudos, considerando as
demandas diferentes entre as delegacias, impactando e diferenciado
consideravelmente a quantidade de inquérito e laudos por municípios, como mostra
a tabela abaixo:

Tabela 1 - Quantidade de laudos médicos selecionados para análise por município

Total de laudos
Município
selecionados

Canindé de São Francisco 7

Gararu 1

Monte Alegre de Sergipe 2

Nossa Senhora da Glória 3

Nossa Senhora de Lourdes 2

Poço Redondo 2
Porto da Folha 3
Total de laudos
20
selecionados
Fonte: Dados da pesquisa. Autoria própria (2023)

Além disso, pode-se observar que no município de Gararu, por exemplo, em três
anos o número de laudos foi de apenas 1. Assim, na análise, optou-se por
considerar ao menos um laudo por município, buscando deixar a pesquisa mais
homogênea.

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4 RESULTADOS E DISCUSSÕES
Os documentos estudados são frutos de Inquéritos Policiais oriundos de 7
municípios do Alto Sertão Sergipano, são eles: Canindé de São Francisco, Porto da
Folha, Gararu, Nossa Senhora de Lourdes, Nossa Senhora da Glória, Monte Alegre
de Sergipe e Poço Redondo. Essa região abrange 4.908,20 Km² de expansão e é
caracterizada pela vegetação de caatinga e possui a pecuária leiteira como atividade
em comum. Esse projeto é fruto de mais de 5 anos de pesquisa voltada para o
combate à violência doméstica no contexto do semiárido sergipano por meio de
ações e estudos de campo protagonizados pelo Campus Sertão da Universidade
Federal de Sergipe e grupos de Pesquisa como o Xique-Xique. O acesso aos
documentos jurídicos se deu por meio da pesquisa de campo em delegacias
responsáveis pelos municípios acima mencionados.
Foram acessados 572 IPs enquadrados na Lei Maria da Penha emitidos entre
Janeiro de 2020 a Julho de 2022 nos sete municípios do Alto Sertão de Sergipe
(Tabela 2). Destes, 196 possuíam laudos médicos (Tabela 3), o objeto de estudo
deste trabalho. Importante destacar que esta região está distante da capital
sergipana entre 195 km e 114 km, dificultando acesso à alguns órgãos judiciais que
fortalecem o combate às Violências Domésticas como o IML e a Delegacia de
Atendimento à Grupos Vulneráveis (DAGV).
As estruturas disponíveis na área visam garantir os direitos das mulheres, de
acordo com sua capacidade e suporte disponível, dentre elas possuem grande
relevância na rede formal de atendimento e acolhimento as Unidades Básicas de
Saúde (UBSs), Unidades de Pronto Atendimento (UPAs),Hospital Regional,
Delegacias Civis municipais, Delegacia Civil Regional, vinculada à esta última,
também uma DAGV Regional, e os CRAS e CREAS municipais. No âmbito desse
estudo, o acesso das vítimas às UPAs, UBSs, Hospital Regional e delegacias
torna-se interesse particular da investigação proposta.
Vale ressaltar que os documentos médicos aqui analisados foram elaborados
exclusivamente por médicos assistencialistas/não peritos das Unidades de Saúde da
região por meio da nomeação da autoridade policial a fim de agilizar a coleta de
provas periciais para tomada das providências cabíveis

15
Tabela 2 - Quantitativo de Inquéritos Policiais emitidos nos 7 municípios do Alto Sertão Sergipano
entre 2020 e 2022

ANO I.P.

2020 236

2021 219

2022 117

Total nos 3 anos 572

Fonte: Dados da pesquisa. Autoria própria (2023)

A quantidade de laudos por município está descrita conforme tabela abaixo:

Tabela 3 - Quantidade de laudos médicos acessados nos sete municípios do Alto Sertão de Sergipe
entre 2020 a 2022.

Total de laudos
Município
acessados

Canindé de São Francisco 62

Gararu 1

Monte Alegre de Sergipe 8

Nossa Senhora da Glória 46

Nossa Senhora de Lourdes 9

Poço Redondo 25
Porto da Folha 45
Total de laudos
196
acessados
Fonte: Dados da pesquisa. Autoria própria (2023)

Como regra geral, a designação para realização de laudo pericial ou de


perícia médica, por Juiz de Direito, deve ser obrigatoriamente acolhida pelo médico.
Isto é o que consta no art. 277 do Código de Processo Penal “o perito nomeado pela
16
autoridade será obrigado a aceitar o encargo” e no art. 146 do Código de Processo
Civil “o perito tem o dever de cumprir o ofício”. Portanto, sendo designado como
perito, o médico deve fornecer um laudo circunstanciado respondendo aos quesitos
indagados pelo poder judiciário, incluindo, se for o caso, as lesões corporais
encontradas, através de exame físico e exames complementares, na periciada.
É importante destacar que os médicos executores dessa análise podem não
deter habilidades técnicas para provas periciais, pois estes não são peritos e na
estrutura curricular dos cursos de Medicina no Brasil não é exigido formação técnica
para essa atividade, conforme consta na Diretriz Curricular Nacional do curso de
Medicina (BRASIL, 2014). Assim, conhecimentos teórico-práticos dessa atividade
tendem a ser específicas de médicos que se tornam peritos de Institutos Médicos
Legais, já que os componentes curriculares são pouco articulados com as mudanças
nos parâmetros e contextos sociais, além de divergirem das Políticas de saúde
recém publicadas.
A principal prova pericial é o exame de corpo delito, pois é o conjunto de
elementos que materializam o crime, podendo ser direto (quando a ação criminosa
deixa vestígios) ou indireto (quando não os deixa e deve ser suprida por outra prova,
normalmente a testemunhal). Segundo Manual Operacional elaborado pela
Secretaria de Segurança Pública de Sergipe (2019), no caso de lesões corporais, o
laudo pericial deverá definir o tipo de lesão, o instrumento que a produziu e o tempo
em que o ofendido ficará incapacitado para as suas ocupações habituais. Na
ausência do Exame de Corpo de Delito, este pode ser suprido pelo Relatório de
atendimento médico ou mesmo o prontuário de atendimento hospitalar conforme a
Lei Maria da Penha (BRASIL, 2006).
O laudo médico precisa atender aos seguintes quesitos:
Sugestões de quesitos:
a) Há ofensa à integridade corporal ou à saúde do periciando?
b) Qual a natureza do agente, o instrumento ou o meio que a produziu?c)
Foi produzida por meio de veneno, explosivo, asfixia ou tortura ou por outro
meio insidioso ou cruel? d) Resultará incapacidade para as ocupações
habituais por mais de 30 dias? e) Resultará perigo de vida?
f) Resultou debilidade permanente de órgão, sentido ou função?
g) Resultará incapacidade permanente para o trabalho ou enfermidade
incurável ou perda ou inutilização de membro, sentido ou função?
(INSTITUTO MÉDICO LEGAL, 2018, p.75)

Observa-se que nem todas as solicitações de Exame de Corpo de Delito por


Médico não Perito possuem esse guia, guia este presente somente nos inquéritos do
17
município de Canindé de São Francisco. O documento anexo ao Boletim de
Ocorrência possui espaço de preenchimento exclusivo para médicos
assistencialistas/não peritos, visando direcionar o atendimento de acordo com as
exigências do Código Penal e garantir a coleta de provas em tempo hábil. Nesse
anexo, o médico tem acesso a identificação da vítima e da autoridade requisitante e
deve preencher itens como:
a) Conclusão: breve anamnese do paciente, história do ocorrido, instrumento de
ação, comorbidades, além de informações como sinais vitais e outras, desde
que tenha relevância para o quadro do paciente;
b) Resposta aos seguintes quesitos de maneira sucinta:
1. Há ofensa à integridade corporal ou à saúde do periciando?
2. Qual a natureza do agente, o instrumento ou o meio que a produziu?
3. Foi produzida por meio de veneno, explosivo, asfixia ou tortura ou por
outro meio insidioso ou cruel?
4. Resultará incapacidade para as ocupações habituais por mais de 30
dias?
5. Resultará perigo de vida?
6. Resultou debilidade permanente de órgão, sentido ou função?
7. Resultará incapacidade permanente para o trabalho ou enfermidade
incurável ou perda ou inutilização de membro, sentido ou função?

Foi observado que dentre 196 laudos analisados neste trabalho, somente 36
destes possuíam anexados esse guia que direciona o exame. Dentre os laudos
analisados, um deles chama a atenção por ser o único que o profissional médico
documenta a violência psicológica.
Paciente de 27 anos com relato de agressão física há cerca de 01 hora.
Refere outros episódios semelhantes pelo mesmo agressor, desde os 15
anos de idade, digo, 12 anos de idade. Ao exame, apresenta-se em bom
estado geral, lúcida e orientada, eupneica, normocorada, com MV+ em AHT,
sem RA. Ritmo cardíaco regular, sem sopros. Escoriações superficiais e em
braço esquerdo e em 3º quirodáctilo direito, edema em face. apresenta-se
chorosa ao exame.
História da doença atual: Violência doméstica
Quesitos:
Presença de ofensa à integridade corporal ou à saúde da paciente? sim,
agressão física + psicológica
Instrumento: agressão física
Emprego de tortura, asfixia, explosivo? não
18
Resultou em incapacidade para ocupações habituais por 30 dias? não
Resultou em perigo a vida? não. obs ameaça de morte (I.P. 1)

É importante lembrar que toda violência física possui um teor de agressão


psicológica, porém esse tipo de acometimento pode passar despercebido na
presença de lesões físicas que causem risco a vida da vítima ou instabilidades
hemodinâmicas. A ameaça verbal, constrange a mulher e a deixa em condição de
alerta o tempo todo, na medida em que, põe a vida da vítima em risco constante.
Este fato pode ser constatado quando Almeida (1998) declara que “...o exercício da
violência visa a fragilizar ou solapar a relativa autonomia da mulher, que representa
ameaça ao exercício legítimo do poder masculino” (ALMEIDA, 1998, p.34).
Em estudo realizado por Lettieri (2011) acerca das Violências Domésticas em
uma perspectiva das mulheres amparadas, foi constatado que distúrbios
psicológicos não são acolhidos pelos profissionais como esperado. Lettiere ainda
observou a busca de ajuda inicial nos prontos-socorros como busca de resolução de
agravos físicos e psicológicos, para posteriormente acionar as ferramentas jurídicas.
Nesse sentido, é evidente a necessidade de capacitação dos profissionais de saúde
para acolhimento e manejo das demandas das Violências Domésticas e a
identificação de sinais como ansiedade e depressão após as violências sofridas.
Ainda nesse contexto, a antropóloga Miriam Grossi (1996) alerta para a
psicologização da violência e como esse fenômeno revela a estagnação do
enfrentamento dessa questão nos serviços de saúde. Quando o profissional
medicaliza o corpo da mulher agredida, corrobora a ideologia médica que cuida
daquilo que lhe é visível, negligenciando as questões sociais, políticas e culturais
das Violências Domésticas. Além disso, essa prática difere da abordagem centrada
na pessoa que valoriza o subjetivo, o psicossocial, diferente do modelo biomédico
focado em resultados práticos imediatos, como o caso do laudo abaixo:

Declaro para os fins legais que a paciente acima esteve em atendimento


médico nesta unidade com queixa de dor em mão direita após relato de
agressão física. Teve alta com analgesia + orientações (I.P 2).

Outro fato observado nos documentos é a inelegibilidade do conteúdo


descrito. O CFM e o Código de Ética Médica sinalizam desde 1973 sobre a
necessidade de letras legíveis em quaisquer documentos médicos “III – registrar os

19
dados de maneira legível;” (CFM, 2008, p. 2), e que o descumprimento é passível de
implicações nas áreas cível, administrativa e criminal, em razão de sua conduta
antiética.

Em alguns laudos o profissional apenas documenta a anamnese de forma


breve do evento, sem abordar questões como integridade física, perigo a vida e
outras situações que são relevantes para a mensuração da gravidade da ação
contra a vítima

Paciente deu entrada neste regional no dia 08/03/21 vítima de mordedura


na mão direita pelo próprio marido, fato ocorrido na própria residência do
casal por volta das 19h do dia 07/03/21 (I.P. 3)

Informa ter sido vítima de agressão física pelo próprio companheiro na


residência (I.P. 4).

Chama-se atenção para laudos que contém apenas o dano físico visível
baseado na ideologia biomédica centrada nos aspectos visíveis em detrimento de
aspectos biopsicossociais das pacientes atendidas. Informações como instrumento
de agressão, impacto nas atividades laborais e perigo à vida devem estar evidentes
para compreensão dos profissionais jurídicos que traçam as penalidades e devidas
providências.
Paciente supracitada apresenta lesão no couro cabeludo devido agressão
física (corto-contuso) (I.P 5)

Paciente apresenta escoriações em face, hematoma em braço direito,


escoriações em região cervical (I.P. 6)

Apresenta escoriações na região cervical (I.P. 7)

Apresenta edema e escoriação no joelho esquerdo (I.P. 8)

Paciente apresenta escoriações em face, hematoma em braço direito,


escoriações em região cervical (I.P 18)

Observou-se a ausência de informações quanto ao relato da paciente sobre


quem a agrediu, dado importante para a caracterização de violência de gênero:

Paciente relata ter sido espancada por outra pessoa causando as seguintes
lesões: escoriações e hematomas na região dorsal. lesões leves (I.P 10)

20
No laudo abaixo, o profissional médico relata com detalhes a narrativa da
vítima e corrobora as lesões evidentes com a cinética da agressão. Ainda neste
caso, é ratificada a recorrência da agressão sofrida, fator que alerta para a
necessidade de medidas protetivas de urgência e outras ações que favoreçam a
quebra do ciclo da violência (WALKER, 2020). Observe:

Paciente foi vítima de agressão física por parte do seu companheiro e


segundo informa já é a segunda vez que ocorre. Segundo relato, o agressor
usou as mãos para atingi-la no braço direito, a chinela para bate-la na face
esquerda, puxou os cabelos com as mãos após derrubá-la no chão a
imobilizou com o joelho e comprimiu a mão no pescoço para evitar que ela
gritasse. Ao exame: a vítima apresenta escoriações devido as unhas do
agressor, foi atingido o braço direito, sem evidências de hematomas
presença de ofensa à integridade corporal ou à saúde da paciente? sim
instrumento: mãos e unhas do agressor e “chinelo” desferido um golpe
na face esquerda
resultou em incapacidade para ocupações habituais por 30 dias? não
resultou em perigo a vida? não (I.P 11).

Segundo Vasconcelos et al. (2000), “a força física do homem em relação à


mulher é notoriamente superior. Como consequência desta ‘diferença anatômica’, a
mulher, muitas vezes por medo de pôr em risco a própria vida e a dos filhos,
submete-se a permanecer na relação violenta.” Além disso, observa-se a
dependência financeira e ameaças relacionadas a filhos/questões familiares como
intimidadores das vítimas, dificultando a quebra do ciclo da violência. No laudo
abaixo, o profissional médico destaca a presença de tortura conforme relata a
paciente em seu consultório:

Paciente relatando que seu companheiro a agrediu no dia de hoje. Informa


que o fato se repetiu várias vezes.
ao exame físico: paciente agitada, lúcida, orientada, observa-se hematomas
em nádega direita. corte em antebraço esquerdo. Sem outros sinais de
agressão
presença de ofensa à integridade corporal ou à saúde da paciente? sim
instrumento: as mãos bem como o emprego da força física
emprego de tortura, asfixia, explosivo? pelo relato da periciada, a
agressão ocorreu em meio a tortura
resultou em incapacidade para ocupações habituais por 30 dias? não
resultou em perigo a vida? não (I.P 12 ).

No laudo abaixo é notória a diferença de força física entre homem e mulher


conforme afirma Vasconcelos et. al (2000):

21
Paciente relata ter sofrido agressão física por seu ex-parceiro. Agressão na
cabeça em região parietal esquerda e hipocôndrio esquerdo
instrumento: pedras
resultou em incapacidade para ocupações habituais por 30 dias? Não
resultou em perigo a vida? Não
emprego de tortura, asfixia, explosivo? não
resultou em incapacidade para ocupações habituais por 30 dias? não
resultou em perigo a vida? não (I.P 17)

Nesse sentido, é relevante entender que a consumação do crime de tortura se dá no


momento em que a utilização de violência ou grave ameaça, ou seja, os meios
utilizados causem o intenso sofrimento a vítima, independendo se ela realize a
pretensão do agente ou não (CAPEZ, 2021). Nas contatações registradas no laudo
descrito a seguir, a presença de tortura também foi comprovada, porém o
profissional alertou para o perigo à vida desta situação:
Paciente refere agressão física pelo ex-esposo há 3 horas. Relata que
estava numa festa e o ex-companheiro tentou enforcá-la e arranhou
pescoço com unhas
no momento nega queixas
nega alergia medicamentosa e comorbidades
ao EF: BEG, AAA. lote, eupneica, presença de escoriações em região
cervical esquerda.
presença de ofensa à integridade corporal ou à saúde da paciente? sim,
escoriações e tentativa de enforcamento(sic)
instrumento: mãos / unhas
emprego de tortura, asfixia, explosivo? sim
resultou em incapacidade para ocupações habituais por 30 dias? não
resultou em perigo à vida? sim, asfixia (I.P. 13).

Os/as profissionais tendem a identificar as violências sofridas pelas mulheres


a partir de suas referências com visões técnicas e/ou morais e não devem limitar-se
às condutas hospitalocêntricas. Portanto, a tortura trata-se de um crime formal, o
qual independe do resultado, basta a conduta. O estabelecimento de provas
periciais para esse crime é de suma importância na busca da reparação simbólica da
vítima e familiares, além de contribuir com a sociedade, através da garantia de
verdade, justiça, memória e a perspectiva de se atuar na quebra do ciclo das
Violências Domésticas. Veja a descrição feita no laudo a seguir:
Paciente vítima de agressão física
1 pequena escoriação de +/- 1cm em coxa direita
2 pequena escoriação ocasionada por unhas do agressor em região
posterior do pescoço de aproximadamente 2 cm
presença de ofensa à integridade corporal ou à saúde da paciente? sim
instrumento: as mãos do próprio agressor
resultou em incapacidade para ocupações habituais por 30 dias? não
22
resultou em perigo a vida? não (I.P. 14).

Já no laudo abaixo, a vítima relata a ocorrência de agressão por cinco


pessoas do seu conhecimento além de companheiro:
agressor: esposa da mulher
paciente vítima de agressão +/- 3 dias por 5 pessoas do seu conhecimento
ao exame: dor leve em região lombar por pedras de construção acometendo
braço, nádega esquerda e joelho direito. escoriações em antebraço e
cotovelo esquerdo e região facial.
consciente, orientada, verbalizando, deambulando, acianótico, eupneico.
presença de ofensa à integridade corporal ou à saúde da paciente? sim
instrumento: socos
resultou em incapacidade para ocupações habituais por 30 dias? não
resultou em perigo a vida? não (I.P. 15).

A violência doméstica pode surgir de outros homens que as cercam, desde que a
masculinidade e o machismo estejam vigentes, conforme laudo abaixo:
A vítima de agressão física relata que foi esmurrada por seu irmão e seu
compadre. Ao exame, observou-se presença de marcas no pescoço da
vítima com as próprias mãos (tentativa de sufocamento), escoriações em
região frontal (testa) devido às unhas do agressor e fratura no pé esquerdo
pela força dos golpes dados por parte do seu irmão e seu compadre.
presença de ofensa à integridade corporal ou à saúde da paciente? sim
instrumento: as mãos do agressor
emprego de tortura, asfixia, explosivo? não
resultou em incapacidade para ocupações habituais por 30 dias? Não
resultou em perigo a vida? Não (I.P 9)

Piscitelli (2009) comenta sobre o desenvolvimento de instituições patriarcais


de acordo com a dominação masculina. Comunidades e meios coletivos podem ter a
presença da dominação masculina perpetuadas através do tempo e dificultando a
queda do patriarcado. Assim, as relações de poder podem se estender às diversas
pessoas de uma mesma comunidade, disseminando o machismo e a violência de
gênero. A ideologia de dominação masculina não é só reproduzida por homens, mas
também por mulheres que acreditam em sua subalternidade, ao passo que o
fenômeno histórico caracteriza as ações de omissão, agressões e negligências
individuais ou coletivas.
Nesta pesquisa foi observada a presença de violência doméstica contra
gestante:
Paciente relata agressão física pelo ex esposo há 1 dia em um bar no
povoado capim grosso. Relata dor torácica, mialgia, lombalgia, dor no olho
esquerdo. Nega alergia medicamentosa. Refere funções fisiológicas
preservadas. Refere G3A0P2, IG 20s 5d. Ao EF: beg, lote, aaa, eupneica,
normocorada, região orbicular esquerda com hematoma e edema (++/4+)
região do couro cabeludo. PA:100x60, FR 18 irpm, FC 75bpm, foi
administrado paracetamol
23
presença de ofensa à integridade corporal ou à saúde da paciente? sim,
corte contuso no couro cabeludo / hematoma e edema região orbicular
esquerda
instrumento: garrafa(vidro), mãos/pés
emprego de tortura, asfixia, explosivo? sim
não resultou em incapacidade para ocupações habituais por 30 dias? não
resultou em perigo a vida SIM TCE, cegueira, abortamento/morte (I.P 16).

Estudos realizados no Brasil comprovaram a presença de violência doméstica


entre gestante no país. Okada et al. (2015) apud Araújo et al. (2020) em estudo
realizado com 385 puérperas que receberam assistência ao parto em uma
maternidade de São Paulo no ano de 2014 referiu que em média 13% das mulheres
relataram aumento da frequência ou da severidade da violência durante o período
gravídico. A prevalência de violência física e sexual durante a gravidez variou entre
1% e 20%, com índices igualmente altos nos primeiros seis meses após o parto,
atingindo 25% das mulheres entrevistadas.
A violência contra a mulher no período gravídico aciona um grave problema
de saúde pública devido ao elevado risco de morbimortalidade materna e neonatal.
Estas vítimas possuem maior risco relativo de infecções vaginais e cervicais, ganho
de peso insuficiente e infecção do trato urinário, além de maiores chances de evasão
do pré-natal ou adiarem o início do acompanhamento (ARAÚJO et al., 2020).
Dessa forma, é importante que os profissionais da saúde utilizem de
habilidades e competências aprimoradas de acordo com a necessidade de cada
paciente, com preparos legais e básicos. É preciso que os profissionais
desenvolvam um cuidado integral com o objetivo de garantir a assistência do ciclo
gravídico-puerperal e preservar o binômio mãe-bebê, uma vez que estes são
geralmente o primeiro e único ponto de amparo para as vítimas mais vulneráveis.
No seguinte laudo, apesar de não atender aos quesitos oficiais exigidos,
chama atenção para a prática de notificação compulsória ao Sistema de Informação
de Agravos de Notificação (SINAN):

Paciente refere ter sido vítima de agressão física na data de ontem. Refere
que o agressor foi seu companheiro. Apresenta dor em região temporal
esquerda no crânio + edema e hematoma em região de lábio superior.
Paciente acolhida pelo serviço social, feito sinan, encaminhamento creas,
liberada para delegacia para BO (I.P. 19).

O registro no SINAN é obrigatório em casos suspeitos/confirmados de


Violência Doméstica desde 2003 através da Lei nº 10778 de 24 de novembro de

24
2003 (BRASIL, 2003). A Ficha de Notificação/investigação individual violência
doméstica, sexual e/ou outras violências interpessoais é outra modalidade de
documento aplicado à apuração médico-legal da violência doméstica contra a
mulher, sem caráter pericial. Esse documento se mostra de grande importância para
a apuração do número de atendimentos de mulheres vítimas de violência doméstica
pelos estabelecimentos da rede pública e privada de saúde, sendo que muitos
desses atendimentos não se traduzem, necessariamente, em comunicações formais
às Delegacias Especializada em Atendimento a Mulher (DEAMs)(SILVA, 2012).
Há, ainda, laudos com espaços em branco na avaliação dos quesitos oficiais,
comprometendo a compreensão do exame:

paciente vítima agressão física +/- 15 horas pelo seu ex-marido. quadro:
dor no nariz c/ trauma causado pelo mão do agressor, escoriação e edema.
ferimento corto contuso em pavilhão auricular esquerdo e dor no ouvido
direito. paciente orientada, consciente, eupneica, glasgow 15/15
presença de ofensa à integridade corporal ou à saúde da paciente? sim,
dor, edema e suspeito fratura em osso do nariz
instrumento: usou as mãos
emprego de tortura, asfixia, explosivo? ESPAÇO EM BRANCO
resultou em incapacidade para ocupações habituais por 30 dias? não
resultou em perigo à vida? não (I.P. 20).

É importante que os profissionais da saúde tenham conhecimento do manejo


adequado no atendimento aos casos de Violências Doméstica contra as mulheres,
seja nas UPAs ou na UBS. O Ministério da Saúde dispõe de um material para
atendimento às demandas espontâneas na Atenção Primária à Saúde (principal
porta de entrada do Sistema Único de Saúde). Nele, é pontuado, de forma sucinta, a
necessidade em conhecer os fluxos previstos em protocolos e rede de atendimento
do município ou região para orientar a paciente. O conteúdo alerta que:

A condução do caso deve garantir que as intervenções se dêem


considerando o aspecto psicossocial da assistência. Um sistema eficaz de
referência e contrarreferência deve abranger os serviços de complexidade
necessários (BRASIL, 2012, p.240).

Esse documento orienta de forma breve sobre ações da equipe frente às


Violências Doméstica como acolhimento:

[...] Deve-se estar atento a achados comuns nesses casos como repetição
de acidentes, relatos discordantes entre responsáveis ou em relação ao da

25
vítima, bem como a compatibilidade entre lesões e relato. [...] No momento
da primeira escuta, o cuidado em garantir um espaço adequado à condução
da entrevista e o compromisso de confidência é fundamental para o
estabelecimento de confiança necessária para que a situação de violência
apareça no discurso. Nesse momento é imprescindível que haja respeito,
delicadeza e solidariedade por parte do profissional. Os casos podem
aparecer mais claramente quando a pessoa verbaliza a questão da violência
ou podem aparecer de forma indireta, levando a suspeita de violência.
Nesses casos, os profissionais de saúde podem realizar perguntas diretas e
indiretas para se aproximar da pessoa e verificar a suspeita. Alguns
exemplos dessas perguntas:
• Como é a convivência com seu companheiro(a)?
• Você está com problemas no relacionamento familiar?
• Você se sente humilhada(o) ou agredida(o)?
• Você acha que os problemas em casa estão afetando sua saúde?
• Você e sua família brigam muito?
• Já vi problemas como o seu em pessoas que são fisicamente
agredidas. Isso aconteceu com você?
• Alguém bate em você?
• Você já foi forçada a ter relações sexuais com alguém?
É muito importante avaliar o risco, identificando situações de maior
vulnerabilidade, como riscos de repetição ou agravamento. (BRASIL, 2012,
p.239-240).

Além disso, ratifica as orientações legais e sobre o direito à denúncia, se for


desejo da usuária em realizar registro policial, o valor judicial do exame de corpo de
delito e informá-la quanto aos órgãos que pode recorrer como Delegacia Policial,
DEAMs, Ministério Público, e Instituto Médico Legal (BRASIL, 2012, p. 241). Em
estudos para realização dessa pesquisa, foi observado no art. 35 da Lei Maria da
Penha que prevê a criação de programas e de núcleos, e a importância de cada
município deter desses programas e uma procuradoria atuante (BRASIL, 2006). De
acordo com o Tribunal de Justiça do Estado de Sergipe (TJSE), algumas cidades
sergipanas contam com políticas de combate à violência doméstica, com
predominância da capital sergipana e região metropolitana conforme indica a
Quadro 2 a seguir:

Quadro 2 – Cidades do Alto Sertão de Sergipe e suas leis de proteção às mulheres vítimas de
Violência Doméstica (continua)
Cidade Lei Ano Propositura

Porto da Folha Lei n° 376 2009 Dispõe da criação da


Coordenação
Municipal de Políticas
para as mulheres

26
Monte Alegre de Lei n° 46 2019 Criação do Conselho
Sergipe Municipal dos Direitos
das Mulheres (CMDM)

Poço Redondo Lei n° 324 2012 Cria o Conselho


Municipal dos Direitos
da Mulher(CMDM)

Lei n° 325 2012 Cria a Coordenação


Municipal de Políticas
Públicas para as
mulheres (CMPPM)

Fonte: TJSE (2022). Elaborada pelo autor.

Quadro 2 - Cidades de Sergipe e suas leis de proteção às mulheres vítimas de Violência Doméstica
(conclusão)

Cidade Lei Ano Propositura

Canindé de São Lei n° 133 2017 Criação da


Francisco Coordenadoria
Municipal de Políticas
Públicas para as
Mulheres - CMPPM

Gararu Le n° 680 2019 Dispõe Sobre a


Obrigatoriedade do
Ensino de Noções
Básicas sobre a Lei
Maria da Penha de
demais leis que
versem sobre
Violência de Gênero
nas Escolas do
Município de
Gararu/SE

27
Nossa Senhora de Não há leis que tratem Acesso em 11/11/2022
Lourdes de proteção à mulher
violentada bem como a
ausência de
conselho/coordenadoria
específica para esse
público

Nossa Senhora da Lei n° 760 2009 Criação da


Glória Coordenadoria
Municipal de Políticas
para as Mulheres -
CMPM

Lei nº 866 2013 Dispõe sobre a criação


do Conselho Municipal
dos Direitos da Mulher
(CMDM)

Lei nº 1044 2019 Dispõe sobre a


obrigatoriedade do
ensino de noções
básicas sobre a Lei
Maria da Penha.
Fonte: TJSE (2022). Elaborada pelo autor.

28
Conclui-se que as Políticas Públicas no cenário estadual, nacional e
municipais têm evoluído ao passar do tempo, porém com a necessidade de
constantes manutenções e adequações a diversas situações como a pandemia. No
âmbito municipal, principalmente no Alto Sertão Sergipano, algumas políticas de
proteção à mulher não existem ou são deficitárias, dificultando o acesso a direitos. A
política é uma ferramenta de proteção à vida e aos Direitos Humanos que deve ser
assegurada.

Dessa forma, essa pesquisa buscou compreender como a violência


doméstica é documentada do ponto de vista médico, além de entender o papel dos
profissionais de saúde na garantia dos direitos através do discurso instaurado nos
laudos médicos. Por meio deste estudo, torna-se perceptível a necessidade de
integrar o cuidado à mulher vítima de violência doméstica para além do jurídico.
Envolver a saúde, assistência social e outros setores potencializam o cuidado
integral e auxilia na quebra de barreiras de acesso à justiça social.

5 CONCLUSÕES

Devido à ausência de IML na região do Alto Sertão, a dificuldade no


deslocamento da mulher, além da necessidade de colher evidências para o
andamento do inquérito podem acarretar a desistência desta vítima em prosseguir e
passar por inspeção do perito para detectar lesões ou vestígios causados pela
prática da violência. Assim, vítimas de violência procuram por atendimento médico
em hospitais ou UPA, nos quais conseguem um boletim médico ou laudo de
atendimento que pode ser adicionado ao processo, mas não traz o mesmo peso do
exame de corpo de delito realizado no IML por médico perito. Os médicos
assistencialistas podem não deter habilidades e competências técnicas necessárias
para a elaboração desta prova criminal.
Nesse sentido, compreende-se que o papel do profissional de saúde deve ir
além de ouvir a mulher e encaminhá-la a outro serviço. Deve-se construir em
conjunto um projeto de enfrentamento da violência que direcione a resolução dessa
problemática na sua vida, interrompendo o ciclo da violência. Uma das principais
29
dificuldades enfrentadas por esses profissionais que atendem mulheres em situação
de violência é a ausência de protocolos de atendimento e fluxo de encaminhamentos
a outros serviços especializados. Sem esse direcionamento, a violência doméstica
pode tornar-se invisível nas instituições de saúde que deveriam promover proteção e
cuidado.
Ademais, observa-se a necessidade de uniformizar e direcionar os
atendimentos médicos de violência doméstica para que todos os municípios possam
atender aos quesitos oficiais de exame de corpo de delito e garantir que as provas
periciais sejam realizadas de forma transparente, organizada e que garanta o
andamento do processo penal conforme legislação.

6 PERSPECTIVAS DE FUTUROS TRABALHOS

Com as informações colhidas a partir desse estudo, será possível


desenvolver outros trabalhos com o objetivo de melhor investigar a violência
doméstica, seu impacto na saúde feminina, no ofício laboral das vítimas, além de
contribuir para o melhor acolhimento das vítimas de violência doméstica pelos
agentes e instituições de proteção à mulher - DEAM, UPA, Hospitais, IML e UBSs.
Além disso, publicaremos esse relatório em formato de artigo científico para
divulgação do conhecimento produzido pela UFS, através do PIBIC.

30
7 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ALMEIDA, S.S. Femicídio: algemas (in)visíveis do público – privado. Rio de


Janeiro: Revinter, 1998.

ARAÚJO, DL, Barbosa TA, Coimbra NX, Costa CSC. Violência doméstica na
gestação: aspectos e complicações para mulher e o feto. Rev Cient Esc
Estadual Saúde Pública Goiás “Candido Santiago”. 2020;6(1):64-76. Disponível
em:<https://pesquisa.bvsalud.org/portal/resource/pt/biblio-1095987>. Acesso em
16 jul 2023.

BERNARDES, Darc, Genilda Resenha de: "A ordem do discurso" de Michel


Foucault. Sociedade e Cultura, vol. 7, núm. 2, julho-dezembro, 2004, pp.
247-250 Universidade Federal de Goiás Goiânia, Brasil

BRASIL. Código de processo penal. Decreto-lei nº 3.689, de 3 de outubro de


1941.

BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Políticas da Saúde. Violência


Intrafamiliar: orientações para prática em serviço. Secretaria de Políticas de
Saúde. Brasília: Ministério da Saúde, 2001

BRASIL. Lei nº 10.778 de 24 de novembro de 2003. Estabelece a notificação


compulsória, no território nacional, do caso de violência contra a mulher
que for atendida em serviços de saúde públicos ou privados. Presidência da
República, 2003. Disponível
em:<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2003/l10.778.htm>. Acesso em 16
de jul 2023.

BRASIL. Lei n.° 11.340 de 07 de agosto de 2006: Lei Maria da Penha. Coíbe a
violência doméstica e familiar contra a mulher. Presidência da República,
2006.

BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de


Atenção Básica. Acolhimento à demanda espontânea: queixas mais comuns
na Atenção Básica/ Ministério da Saúde, Secretaria de Atenção à Saúde,
31
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8 OUTRAS ATIVIDADES

❖ Liga acadêmica de Medicina de Família (2022)


❖ Grupo de Estudos Xique-Xique (CNPq/UFS) (2022)
Discussões de artigos sobre estudos de gênero e tecnologias sociais
❖ VIII SEMAC - 32º Encontro de Iniciação Científica da UFS (2022)
❖ Mesa redonda Pesquisa em Gênero e Sexualidade em contexto do Brasil e
Espanha(03/10/2022)
❖ Curso preparatório pré-PIBIC (2023)
❖ 8 de março: a luta das mulheres é cotidiana! (2023)
Ciclo de discussões em alusão ao dia da mulher com temas como: mulheres
nas ciências agrárias, mulheres na extensão rural e violência contra a mulher

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