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SAÚDE MENTAL DE LÉSBICAS, GAYS E BISSEXUAIS: Reflexões pertinentes às políticas

públicas
Paula Montenegro Euzébio1
Cinthya Ferreira Bastos2
Paolla Magioni Santini3

RESUMO: Este estudo tem como centralidade a realização de


um entrelace teórico entre saúde mental – pelo referencial dos
determinantes sociais de saúde –, diversidade sexual e
políticas públicas. Utilizou-se para coleta de dados um
questionário online dirigido a pessoas que se reconhecem
enquanto lésbicas, gays e bissexuais. Adotou-se a análise
estatística descritiva, a fim de elucidar a recorrência e sentido
das respostas. Como resultado, ressalta-se que a orientação
sexual se configura como um fator que afeta a saúde mental da
amostra e indica a necessidade de implementação e
monitoramento de políticas públicas voltadas a esse grupo.
Palavras-chave: Orientação sexual; heteronormatividade;
saúde mental; políticas públicas.

ABSTRACT: This study aims to achieve a theoretical link


between mental health – through social determinants of health
–, sexual diversity and public policies. An online questionnaire
was used for collecting data purposes, it was oriented to people
who recognize themselves as lesbian, gay and/ or bisexual. A
descriptive statistical analysis was used to elucidate the
recurrence and orientation of the answers. As a result, it
showed that sexual orientation configures a factor that affects
the mental health of the sample and indicates the need for
implementation and monitoring of public policies for this group.
Keywords: sexual orientation; heteronormativity; mental health;
public policy.

1 INTRODUÇÃO

O Brasil é um dos países que apresentam os piores índices de violências contra


Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais e Transgêneros (LGBTs) em uma escala
mundial. Este fenômeno tem em suas raízes o ódio baseado na orientação sexual e

1
Graduada em Psicologia. PUCMinas. E-mail: montenegropaula95@yahoo.com
2
Graduada em Psicologia. PUCMinas. E-mail: Cinthya_bastos2yahoo.com.br
3
Psicóloga, Professora e Doutora em Psicologia. PUCMinas. E-mail: paollams@gmail.com
identidade de gênero que fogem aos padrões sociais estabelecidos ao longo do tempo,
englobando a chamada LGBTfobia. Segundo dados do Grupo Gay da Bahia (2017), a cada
19 horas um LGBT é barbaramente assassinado ou se suicida no Brasil, vítima da
LGBTfobia, o que faz do país o campeão mundial de crimes contra as minorias sexuais. Em
2017 foi registrado o maior número de mortes desde os 38 anos que o grupo coleta e
divulga tais estatísticas.
A LGBTfobia pode ser refletida a partir da estrutura histórico-social patriarcal
presente na sociedade contemporânea, sendo o patriarcado um sistema de domínio dos
homens sobre as mulheres, filhos e servos, e o qual atribui uma divisão de papeis desiguais
para homens e mulheres, que se relacionam ao sexo biológico do indivíduo (SAFFIOTI,
2015), e culminam no chamado sexismo. Quanto a isso, às mulheres foi destinado o âmbito
privado e atribuída a maternidade, o cuidado; aos homens, a vida pública, âmbito político, e
atribuída a virilidade, força. Homens e mulheres que negam estes papeis, desafiando o
patriarcado, enfrentam a violência advinda dessa sociedade (SMIGAY, 2013). Neste sentido,
concebe-se a chamada “heteronormatividade”, ou “norma heterossexual”, nas relações.

Para Welzer-Lang (1994) a homofobia é, de fato, a interiorização do


sexismo nas relações com os outros: erige fronteiras distintas e estanques
entre os gêneros, organiza a discriminação face àqueles que escapam às
imagens estereotipadas que se constroem sobre os gêneros, sobretudo
quando se pensa que eles, gêneros, são imutáveis. (SMIGAY, 2013, p.38).

Para um debate acerca da saúde mental da comunidade LGBT, é necessário indicar


os determinantes sociais de saúde (DSS), que “são os fatores sociais, econômicos,
culturais, étnicos/raciais, psicológicos e comportamentais que influenciam a ocorrência de
problemas de saúde e fatores de risco na população” (BUSS, PELLEGRINI FILHO, 2007, p.
78). Dessa forma, tendo como base que os modos de organização societária afetam a
constituição subjetiva e a vivência material dos sujeitos nos diversos
espaços/territorialidades e interações, podendo engendrar tanto fatores protetores quanto de
vulnerabilidade, questiona-se, aqui, como o existir de pessoas lésbicas, gays e bissexuais
se circunscreve em uma sociedade marcadamente heteronormativa e quais os impactos
desses fatores na saúde mental dos aludidos grupos.
Ao longo das últimas décadas, situações de violência e discriminação vêm sendo
abordadas com maior frequência no âmbito da saúde pública e coletiva no Brasil. Seja do
ponto de vista dos encargos que representa para os serviços de saúde, seja do ponto de
vista das conexões entre vulnerabilidade social, discriminação e processos de adoecimento,
a violência tornou-se importante objeto de reflexão na área da saúde (MINAYO, 1994,
2006). Nesse sentido, o entendimento ampliado dos processos de saúde e doença, para
além de seus aspectos biológicos e individuais, possibilita politizar o campo da saúde,
alargar seu objeto de análise/atuação e, consequentemente, suas estratégias de
intervenção.
Por sua vez, as políticas públicas podem ser compreendidas como um campo de
conhecimento que busca “colocar o governo em ação” para a solução de problemas
(SOUZA, 2006), de modo que se trata de respostas a problemas coletivos e entendidos
como relevantes socialmente. Ainda, as decisões e análises sobre política pública implicam
responder às seguintes questões: quem ganha o quê, por quê e que diferença faz
(LASWELL apud SOUZA, 2006, p. 24).
Neste sentido, Souza (2015) aborda a necessidade da existência de políticas
públicas para LGBTs no Brasil, e ressalta o desafio de transformar as incipientes políticas
públicas, gestadas ao longo dos últimos anos (especialmente a partir de 2004, com a
publicação do Programa Brasil sem Homofobia, e em 2009 a criação do Plano Nacional
LGBT), em efetivas políticas de Estado, que não estejam à mercê da boa vontade de
governantes e das incertezas decorrentes da inexistência de marco legal de combate à
homofobia e de promoção da cidadania LGBT. Souza (2015) ao citar Bachrach e Baratz,
reflete acerca do conceito de “não-decisão”, o qual se refere a ausência de decisão sobre
uma questão que foi incluída na agenda política, como acontece no legislativo brasileiro no
qual toda e qualquer proposição pró-LGBT é vetada ou embargada pela bancada religiosa e
conservadora da câmara. Assim, é necessário disputar ideologicamente a consciência das
massas e pressionar o poder público no sentido de combater a “não-decisão” do poder
legislativo, sendo o movimento LGBT, demais grupos organizados e a comunidade
acadêmica importantes agentes neste processo.
Posto isso, o presente trabalho se propõe a realizar um entrelace teórico entre
concepções de saúde mental – a partir dos determinantes sociais de saúde – e a vivência
da diversidade sexual – em específico dos sujeitos e sujeitas que não se enquadram na
norma heterossexual –, apontando, pois, para a necessidade de políticas públicas que
atendam a este grupo, em busca de maior bem-estar e qualidade de vida para seus e suas
integrantes. Portanto, espera-se que este trabalho incentive e contribua com o planejamento
de políticas públicas para lésbicas, gays e bissexuais, a partir de dados iniciais coletados
por meio de uma pesquisa virtual, descrita no tópico seguinte.
2 DESENVOLVIMENTO

As reflexões que se seguem baseiam-se nos dados obtidos a partir de um


questionário disponibilizado em plataforma online. Este instrumento foi voltado para pessoas
que se identificam e se autodeclaram enquanto lésbicas, gays e bissexuais, respeitando seu
anonimato. Optou-se por utilizar especificamente estas três categorias, não englobando
outras possíveis, mesmo reconhecendo outras existências.
O questionário foi desenvolvido a partir da vivência pessoal das próprias
pesquisadoras enquanto LGBs, além de estudos referentes à estrutura social vigente. O
instrumento contou com 41 perguntas, sendo duas destas abertas, constituindo um
compilado de informações englobando relações familiares e amorosas, convívio social,
dificuldades enfrentadas enquanto LGB, percepção sobre a sociedade na qual estão
inseridos e como são afetados por ela. Por constituir um instrumento amplo, apenas alguns
dos dados serão analisados como objetos deste artigo.
A fim de explicitar aos (às) participantes os objetivos do questionário, este contou
com uma introdução que explicitava a origem do questionário (relativo a um trabalho de
estudantes de Psicologia acerca da saúde mental especificamente de lésbicas, gays e
bissexuais), e o objetivo (traçar reflexões acerca da estrutura histórico-social
heteronormativa, a partir de como pessoas que se orientam sexualmente enquanto lésbicas,
gays e bissexuais são afetadas por esta). Também foi apresentado o caráter sigiloso da
pesquisa, garantindo o anonimato das e dos participantes, e as pretensões das
pesquisadoras de utilizarem os resultados para auxiliá-las em estudos futuros mais amplos.
Na eventualidade de que algum aspecto do questionário trouxesse incômodo às
participantes, foi disponibilizado o e-mail de uma das pesquisadoras para que pudesse ser
realizada orientação ou oferecido suporte/acompanhamento caso houvesse necessidade,
porém não houve procura.
O questionário ficou disponível por uma semana e foi enviado virtualmente a pessoas
próximas das pesquisadoras, apresentando um recorte específico do meio social no qual as
mesmas estão inseridas: um meio majoritariamente pautado pela militância e vida
acadêmica. Assim, as respostas obtidas não representam uma amostra real da sociedade
brasileira, mas um grupo específico, mais familiarizado com as pautas LGBTs e feministas,
jovem e com um nível educacional superior.
Participaram da pesquisa 65 pessoas, com idade entre 17 e 32 anos, sendo a maior
parte entre 21 e 22 anos. Quanto à escolaridade, a maioria dos (as) participantes
apresentaram ensino superior incompleto (63%), variando de ensino médio incompleto
(3,1%), ensino médio completo (10,8%), ensino superior completo (20%), pós-graduação
completa (3%). A maioria das respondentes foram mulheres que se identificam enquanto
bissexuais (27), seguido de lésbicas (24), gays (11) e bissexuais homens (2). Uma pessoa
indicou ser pansexual, apesar desta não ter sido uma opção no questionário, demonstrando
insatisfação por isso. Quanto à idade de reconhecimento da orientação apresentada, as
respostas variaram de 9 a 25 anos, sendo que a maior parte se localizou entre 16 e 19 anos.
Para a análise dos dados, foi realizada uma análise estatística descritiva (frequência,
média, desvio padrão), ou seja, objetivou-se apresentar os fenômenos de modo a obter uma
visão global da variação e distribuição desses, para que se tenha maior compreensão dos
dados e do que eles representam. Para fins didáticos, os aspectos analisados foram
divididos em categorias, descritas a seguir: 2.1 O processo de se assumir; 2.2 Círculo social;
2.3 Discriminação; 2.4 Sentimentos, crenças e comportamentos; 2.5 Violências.

2.1 O processo de “se assumir”

Das pessoas que responderam ao questionário, as famílias de 33,8% sabiam sobre


sua orientação sexual, 13,8% não sabiam, sendo que a maior parte das respostas indicaram
que apenas alguns familiares sabiam (49,2%), e duas pessoas deram outras respostas,
sendo elas: “Toda família, com exceção de meus avós”; “Algumas pessoas sabem, mas
estou em um relacionamento com um homem, acham que era uma fase”. Assim, indica que,
para a maior parte dos respondentes, apenas algumas pessoas da família sabiam sobre sua
orientação.
A relação com os familiares foi analisada a partir do aspecto de “se assumir”,
nomenclatura comumente utilizada para se referir ao processo de contar para as pessoas do
círculo social, como familiares e amigos, a respeito da sua orientação sexual. Para tal, foi
perguntado se houve apoio dos familiares na época, e se hoje há apoio (GRÁFICO 1).
Assim, 27,6% responderam ter obtido apoio, e este número aumenta em 9,3% quanto ao
apoio que tem hoje. Da mesma forma, o índice de que não obtiveram apoio de início
diminuiu de 19% para 13,8%. Os dados demonstram que o apoio por parte dos familiares
modificou ao longo do tempo, entretanto a maior parte das respostas em ambos os casos
indicou que obtiveram e obtém apoio “apenas por parte de alguns”.
Gráfico 1: Apoio dos familiares ao longo do processo de “se assumir”

100,00%
80,00%
60,00% 43,10% 41,40%
40,00% 37,90%
27,60%
19,00%13,80%
20,00% 10% 7%
0,00%
Sim Não Apenas por parte de Outros
alguns

Obteve apoio Obtém apoio

Fonte: Dados da pesquisa

2.2 Círculo social

Quanto ao círculo social dos participantes, relativo às pessoas e espaços em que


convive e frequenta (GRÁFICO 2), as pessoas sabiam sobre a orientação de quase a
totalidade das que responderam (98,4%), sendo que a maior parte (87,3%) se consideravam
respeitadas nos espaços que frequentavam. Entretanto, algumas respostas quanto a este
último quesito indicaram que não se sentiam respeitadas (3,2%), ou: “Depende dos
espaços, geralmente só entre amigos” se sentiam respeitadas; “Alguns espaços sim, outros
não tanto”; “Existe no dia-a-dia o preconceito incubado através de “brincadeiras”, mas para
as pessoas isso é respeito. Acredito ser desrespeito”; “Sim, pois na maioria é LGBT. Mas
nos espaços familiares não sabem”; “Tenho dúvidas quanto a isso”; “Sim, mas isso não
impede de deslizes esporádicos por parte de amigos”.
Além disso, as respostas demonstram que mais da metade (58,1%) sentia a
necessidade ou gostaria que as pessoas de seu círculo social soubessem, 30,2%
responderam que não sentiam tal necessidade ou gostariam, e 11,5% deram outras
respostas, sendo elas: “Todas de meu convívio social sabem, mas caso não soubessem não
veria a necessidade de me expor assim”; “Indiferente”; “Não se aplica”; “Não
necessariamente gostaria que outras pessoas soubessem, mas que eu não precisasse
esconder”; “Quando entro em um novo círculo social onde as pessoas não sabem sobre
minha orientação, sinto a necessidade de falar, pois evita comentários do tipo “ele parece
meio gayzinho, né?” e também situações embaraçosas como “você ainda vai arrumar uma
mulher que vai te fazer feliz””.
Estes dados demonstram que a maior parte das pessoas gostariam que seu círculo
social soubesse sobre sua orientação, podendo indicar descontentamento e/ou desconforto
nestes espaços por não saberem. Algumas, inclusive, indicaram não se sentirem
respeitadas.

Gráfico 2: Círculo social


98,40%
100,00%
87,30%
80,00%
60,00% 58,10%

40,00% 30,20%
20,00% 9,60% 11,50%
1,60% 3,20% 0
0,00%
Sim Não Outros

As pessoas sabem sobre sua orientação dentro do seu círculo social


Caso saibam, considera ser respeitada (o) nos espaços que frequenta
Caso não saibam, sente a necessidade ou gostaria que soubessem

Fonte: Dados da pesquisa

2.3 Discriminação

Quanto à categoria discriminação fora de casa, o maior índice foi encontrado no fator
discriminação na fase escolar (43,1%), seguido de discriminação nas redes sociais (41,5%),
discriminação no trabalho (24,2%), e discriminação na Universidade (15,4%). Apesar da
maior parte das pessoas não identificaram ter sofrido algum tipo de discriminação nestes
espaços, os dados representam altos índices de discriminações sofridas em diversos
ambientes. Quanto ao quesito trabalho, 4,8% relatou já ter tido dificuldade de obter emprego
devido sua orientação e 12,9% não tem certeza sobre. A maior parte considera não ter
sofrido discriminação nem dificuldades de obter emprego. Apesar disso, representa que a
orientação sexual pode influenciar o ambiente de trabalho e a possibilidade de conquista e
permanência no emprego. O fato de que nem todos os participantes já tiveram um emprego
pode representar uma limitação dos dados obtidos.
Entretanto, quanto à discriminação no ambiente familiar, o índice superou os
anteriores, sendo que 57,1% das pessoas responderam já ter sofrido discriminação neste
espaço e 34,9% acreditavam não ter sofrido. Outras respostas (8%) também foram dadas a
este fator, indicando suas percepções de que não sofreram discriminação na família por não
terem se assumido ainda, e que a discriminação ocorre indiretamente, de forma velada. O
fato de que nem toda a família sabe sobre a orientação de grande parte das participantes
pode influenciar os dados coletados.
Assim, o âmbito familiar se apresentou novamente como espaço de sofrimento para
o grupo, corroborando o analisado do tópico 2.1. Além disso, os dados indicam a
necessidade do espaço escolar estar compromissado com o combate a LGBTfobia, tanto
pelo alto índice de discriminação vivenciadas pelos sujeitos nesta fase, quanto pelas
potencialidades que o ambiente escolar apresenta para as transformações sociais. As redes
sociais, muito utilizadas na atualidade, também se apresentam como espaço possível de
intervenção, no sentido de difusão de informações e campanhas que almejam o respeito à
diversidade.

Gráfico 3: Discriminação

100,00%
57,10%
50,00% 31,05%

0,00%
Sim

Discriminação fora de casa Discriminação no ambiente familiar

Fonte: Dados da pesquisa

2.4 Sentimentos, crenças e comportamentos

Quanto aos sentimentos, crenças e comportamentos relativos à orientação sexual


das participantes (TABELA 1), a maior parte indicou que já teve medo ou receio de falar
abertamente sobre a sua orientação (92,3%) e já escondeu ou mentiu sobre sua orientação
(90,8%). Em relação à primeira questão, duas respostas foram coletadas no quesito
“outros”, sendo elas: “Somente com a família, que foram os últimos a ouvirem diretamente
de mim”; “Me assumi aos 14 anos. Hoje com 18 ainda sinto dificuldade em falar abertamente
a frase “Eu sou gay” sem sentir um turbilhão de emoções vindo à tona”.
Também foi perguntado se já tiveram medo de andar na rua com a (o) companheira
(o), sendo que a grande maioria afirmou que sim (75,4%) e o mesmo quantitativo de
pessoas já soltou a mão da (do) companheira (o) por se sentir intimidada (o). Em relação ao
segundo aspecto, 3% das respostas compreenderam o quesito “outros”, sendo elas: “Nunca
andei de mãos dadas em público”; “Não costumo demonstrar muitos sentimentos por
pessoas no geral em público. Talvez seja resultado de anos tentando esconder quem eu
sou”. Tal aspecto deve ser analisado em consonância com os altos índices de violência
contra LGBTs no Brasil (GRUPO GAY DA BAHIA, 2017), e demonstram a necessidade da
constituição de espaços seguros para este grupo.
Também foi identificado que a maior parte das participantes (58,5%) já teve conflitos
entre valores que tem/tinha ou religião que segue/seguia após se reconhecer lésbica, gay ou
bissexual, podendo indicar o papel da sociedade patriarcal heteronormativa na constituição
das crenças e valores dos sujeitos, e como estes sujeitos são afetados por estas.
Ademais, em relação à saúde mental, a maioria das pessoas (86,2%) afirmou
acreditar que tem a saúde mental afetada negativamente devido à orientação sexual que
tem, entretanto, 12,3% afirmaram que não, e uma pessoa afirmou que “hoje em dia não me
afeta mais, porém já afetou”.

Tabela 1: Sentimentos, crenças e comportamentos relativos à orientação sexual


Pergunta Sim
Receio de falar abertamente sobre a sua orientação 92,3%
Já escondeu ou mentiu sobre sua orientação 90,8%
Medo de andar na rua com a (o) companheira (o) 75,4%
Já soltou a mão da (do) companheira (o) pois se sentiu intimidada (o) 75,4%
Já teve conflitos entre valores que tem/tinha ou religião que segue/seguia 58,5%
Acredita que tem a saúde mental afetada negativamente nesta sociedade 86,2%
devido a orientação sexual que apresenta
Fonte: Dados da pesquisa

2.5 Violência

Quando questionado às participantes se já haviam sofrido algum tipo de violência


devido a sua orientação sexual, 7,8% afirmaram que sofreram violência física, 12,3%
violência sexual, e 61,5% violência psicológica/emocional – definida como intimidação,
ameaça, humilhação, coação, chantagem, exclusão (GRÁFICO 4). Assim, o maior índice foi
encontrado no fator violência psicológica/emocional, representando a maior parte das
respondentes. Nesta questão, 4,5% das respostas se situaram no quesito “outros”, sendo
elas: “Principalmente de mim mesma”; “Fetichização, intimidação”; “Já sofri tentativas de
apagarem/tentarem mudar minha orientação sexual, o que também considero uma
violência”.

Gráfico 4: Já sofreu violência por sua orientação sexual?

100,00% 92,20% 86,60%


80,00%
61,50%
60,00%
40,00% 33,80%
20,00% 7,80% 12,30% 4,50% 1,50%
0
0,00%
Sim Não Outros

Violência física Violência psicológica/emocional Violência sexual

Fonte: Dados da pesquisa

3 CONCLUSÃO

A partir dos dados explanados, entrevê-se que a saúde mental do grupo – de


lésbicas, gays e bissexuais no Brasil – é afetada negativamente pela orientação sexual
divergente da norma estabelecida, especialmente se analisada a partir dos determinantes
sociais de saúde. O âmbito familiar foi percebido como grande agente e determinante na
vida das e dos participantes, apesar desta ocorrer nos mais diversos espaços de interação
do cotidiano do grupo, como no espaço escolar, no trabalho, e demais círculos sociais que
convivem. O medo ao andar na rua, receio de falar abertamente sobre sua sexualidade, e a
violência psicológica/emocional devido a orientação sexual que apresentam, também foram
aspectos indicados pela maioria.
Tais dados demonstram-nos que as poucas e incipientes políticas existentes que são
voltadas a esse público têm sido insuficientes. Assim, compreende-se a necessidade de
desenvolvimento de políticas públicas específicas e sistemáticas que atuem levando em
conta os determinantes sociais de saúde, em busca do bem-estar e qualidade de vida do
grupo, rompendo com a heteronormatividade vigente.
Posto isso, a presente pesquisa se apresenta como um estudo inicial a respeito da
temática, contando com limitações da amostra, como quanto ao baixo número de
participantes, faixa etária limitada e acesso à educação superior e à internet, através da qual
o material foi coletado. Pesquisas neste sentido podem e devem, mais que coletar dados,
influenciar nas transformações sociais, especialmente quando se refere a um grupo que é
historicamente subjugado das mais diversas formas, a fim de visibilizar esta pauta e auxiliar
na busca de mudanças.

REFERÊNCIAS

BUSS, P. M. PELLEGRINI FILHO, A. A saúde e seus determinantes. PHYSIS: Revista de


Saúde Coletiva: Rio de Janeiro, v. 17, n. 1, 2007, p. 77-93.

GRUPO GAY DA BAHIA. Mortes violentas de LGBT no brasil. Relatório 2017. Disponível
em: <https://homofobiamata.files.wordpress.com/2017/12/relatorio-2081.pdf>. Acesso em:
10 de janeiro de 2019.

MINAYO, M. C. de S. A inclusão da violência na agenda da saúde: trajetória histórica.


Ciência & Saúde Coletiva, v. 11, 2006, p. 1.259-1.276.

SAFFIOTI, H. Gênero, patriarcado e violência. 2ª ed. São Paulo: Expressão Popular:


Fundação Perseu Abramo, 2015.

SMIGAY, K. E. Sexismo, homofobia e outras expressões correlatas de violência:


desafios para a psicologia política. Psicologia em Revista: Belo Horizonte, v.8, n.11, jun.
2002, p. 32-46.

SOUZA, C. Políticas públicas: uma revisão da literatura. Sociologias: Porto Alegre, ano 8,
n.16, jun./dez. 2006, p.20-45.

SOUZA, C.C.C. Políticas públicas para população LGBT no Brasil: do estado de coisas ao
problema político. VII Jornada Internacional de Políticas Públicas. Universidade Federal
do Maranhão. 2015.

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