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17/10/2023

OLHARES DA PSICOLOGIA ACERCA DA VIOLÊNCIA


CONTRA AS MULHERES: INCURSÕES SOB A PERSPECTIVA
DE GÊNERO
CENTRO UNIVERSITÁRIO ALVES FARIA
PROFª ARIANA FERREIRA CARNEIRO

ONDE ESTÃO AS MULHERES NA


PSICOLOGIA?
17/10/2023

NARRATIVAS SOBRE MULHERES NA PSICOLOGIA: SEC 19 E INÍCIO


DO SÉCULO 20
 Diferenças biológicas entre homens e mulheres: diferenças cerebrais como prova da inferioridade da mulher.

 Teoria da maior variabilidade dos homens: os mais e menos geniais seriam homens, às mulheres ficaria relegada a
mediocridade. Esta teoria justificava porque homens seriam mais merecedores de estarem em posições de poder que
mulheres.

 Wooley: Homens são treinados para individualidade e independência, mulheres são treinadas para obediência e
dependência.

 Menstruação e maternidade: mulheres gastam muita energia no período menstrual e não conseguem ser intelectuais; seu
propósito de vida seria a maternidade.

 Diferenças intelectuais deram lugar à diferenças de personalidade.

 Mesmo com as diferentes abordagens, o que se via em comum é: as diferenças são estáveis, universais, situam-se no
indivíduo e remetem a mulher para uma posição de inferioridade.

A PSICOLOGIA DA MULHER (A PARTIR DOS ANOS 70)

 Perspectivas feministas no interior da ciência: questionamentos sobre a neutralidade e objetividade do conhecimento.

 Esforço para reconhecimento social e político das mulheres.

 Novas questões: em que medidas homens e mulheres são iguais e diferentes?

 Argumentos sobre a igualdade entre os gêneros, críticas sobre a maneira como as investigações aconteciam, valorização
das diferenças entre os gêneros.

 Propostas de construir modelos de investigação científicas que englobassem as experiências das mulheres.

 Problema da abordagem individualizada, focada nas diferenças de personalidade e abordagens essencialistas: a


socialização nega às mulheres a possibilidade de adquirir as mesmas habilidades que homens, portanto a solução seria
treinar estas habilidades.
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A PSICOLOGIA FEMINISTA (A PARTIR DOS ANOS 90)


 Mudança de perspectiva: gênero como princípio que organiza as relações entre homens e mulheres, ou como princípio
de organização das relações de poder entre homens e mulheres.

 Diferenças entre gêneros não são características essenciais que estruturam a personalidade, mas são construídas social e
situacionalmente.

 Construcionismo social: gênero não existe nas pessoas, e sim nas relações sociais; enfatiza-se como as categorias sociais
são construídas a partir da linguagem.

 “Os processos relacionados com o género influenciam o comportamento, os pensamentos e os sentimentos dos
indivíduos, afectam as interacções sociais e ajudam a determinar a estrutura das instituições sociais. Como o género é
uma ideologia dentro da qual as diferentes narrativas são criadas, as distinções de género encontram-se disseminadas na
sociedade. Assim se explica que o discurso do género tenha construído a masculinidade e a feminilidade como pólos
opostos e tenha essencializado as diferenças daí resultantes.” (Saavedra e Nogueira, 2006).

E HOJE?

 Sobre a questão de gênero e violência no Brasil: muitos estudos que tratam da violência contra as mulheres são
realizados na Psicologia hoje. Porém, nem todos estes estudos afirmam sobre a necessidade de compreender questões
de gênero como influências nesse fenômeno.

 Dados da violência: Até o ano de 2013, o Brasil era o 5º país no mundo em violência contra mulheres. 29% das mulheres
afirmam ter sofrido violência, e 43% dessas violências ocorreram dentro de casa.

 Disque 180: atendimento de 1.133.345 no ano de 2016, com 67.962 relatos de violência.

 No Brasil, temos “um estupro a cada onze minutos”, “uma mulher assassinada a cada duas horas”, “503 mulheres vítimas
de agressões a cada hora”, e “cinco espancamentos a cada dois minutos”.

 A maioria das vítimas são mulheres negras.

 Em Goiás, tivemos aumento do número de feminicídios por 4 anos seguidos, dobrando o número de ocorrências.
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AVANÇOS NO QUE DIZ RESPEITO AO COMBATE À VIOLÊNCIA


CONTRA AS MULHERES

 Lei Maria da Penha (11.340/06): ações de enfrentamento à violência,


políticas de assistência e acolhimento, tipificação de cinco tipos de
violência: física, psicológica, sexual, moral e patrimonial.

 Lei do Feminicídio (13.104/15): configuração da violência letal dirigida às


mulheres em razão de gênero.

QUESTIONAMENTOS À PSICOLOGIA

 Apontamentos sobre a necessidade de colocar a questão das construções sociais acerca do que significa ser
homem e ser mulher em nossa sociedade.

 Baseado no que vimos anteriormente sobre as enunciações da Psicologia sobre homens e mulheres, defendeu-se
diferenciações fixas entre os gêneros, baseadas em características biológicas, diferenças de personalidade, por
meio de visões essencialistas.

 Psicologia Social Crítica busca rebater estas visões, buscando explorar as dimensões sócio-histórico-políticas dos
fenômenos sociais, denunciando estruturas que mantêm o domínio de indivíduos e grupos sobre outros e causam
sofrimento e injustiças sociais.
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QUESTIONAMENTOS À PSICOLOGIA
 “Em concordância com a Psicologia Social na linha dos Estudos de Gênero, se as subjetividades são
tecidas nas interações sociais, problematizar as questões de gênero é preciso, tanto na identificação de
como padrões psicossociais condicionam as mulheres ao sofrimento, quanto para constatar como são
reforçados na sociedade.”

 A Psicologia se encontra preparada para atender as mulheres vítimas de violências levando em


consideração o sofrimento que estas geram? A Psicologia está compromissada em compreender a
diversidade das mulheres, levando em conta diferentes marcadores sociais (como raça, classe, idade,
sexualidade, religião, etc)?

 Número ainda inexpressivo de estudos dentro da Psicologia que coloquem a categoria de gênero
como centra no estudo das violências.

CONTRIBUIÇÕES DA PSICOLOGIA SOCIAL CRÍTICA

 Psicólogos tornaram-se mais preocupados em investigar os aspectos políticos, sociais e históricos que
moldam uma lógica social com dinâmicas de poder desiguais, e que sustentam diversas violências e
sofrimento psíquico.

 Compreender as diferenças entre os gêneros torna-se cada vez mais necessário para entender não só
os impactos da violência, mas também como é possível enfrenta-las e transformar esta realidade.

 Nos estudos da Psicologia sobre violência contra mulheres, ainda encontramos um número pequeno
de estudos que colocam as dinâmicas de poder desiguais entre os gêneros enquanto aspecto central
de análise.
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PSICOLOGIA E GÊNERO

 “Ao situar gênero enquanto um estruturante social e relacional construído historicamente, tal perspectiva revela
a formação de determinados padrões na concepção das ideias de feminino e masculino, demarcando
desigualdades reais entre mulheres e homens. Estas perspectivas denunciam como essas formações, ao serem
manipuladas por interesses de grupos hegemônicos, contribuem para instaurar regimes de violências de gênero
e outras correlatas, afetando principalmente as mulheres, em sua diversidade de contextos, raça, classe,
sexualidade e identidade de gênero.” (p. 6)

 Contribuições das teorias feministas para combater as narrativas hegemônicas sobre a diferença entre homens e
mulheres: críticas à neutralidade da ciência e à influência positivista.

PSICOLOGIA E GÊNERO

 Resistências no interior da Psicologia com relação às contribuições das teorias feministas: naturalização de
diferenças sexuais, individualização das questões de gênero em termos de diferenças biológicas ou de
personalidade, visões reforçando padrões estereotipados.

 Contribuições da Sociologia para a Psicologia Social, em que a categoria “gênero” já se encontra consolidada
enquanto um aspecto estruturante da sociedade.

 Mudanças na perspectiva de um “espiricismo feminista” (o método científico que torna-se o problema para os
estudos de fato compreenderem as realidades das mulheres em sua diversidade, portanto se propõe um novo
método de estudo) para um “pós-empiricismo” (entendimento sobre gênero enquanto construção social e
estruturante das sociedades e relações, influenciando diretamente na construção de sujeitos homens e mulheres).
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PSICOLOGIA E VIOLÊNCIA CONTRA AS MULHERES

 Muitos estudos no interior da Psicologia abordam a questão das violências de gênero, porém a maioria não
colocam a análise de gênero enquanto categoria central na produção e sustentação destas violências.

 “Embora algumas discussões consigam relacionar a relevância de vincular o gênero às compreensões sobre a
temática, poucos de fato se predispõem a recorrer a esse caminho para embasamento nas análises dos seus
estudos. Se entendemos que a raiz do problema das desigualdades e violações dos direitos das mulheres está
justamente nas construções sociais acerca de gênero, que historicamente define papéis e lugares de poder, é
preciso concordar que o caminho central para enfrentamento dessas violências é a problematização e
desconstrução desses lugares, a partir dos estudos de gênero.” (p. 8)

DIFERENTES PERSPECTIVAS

 Construções de gênero a serviço de lógicas dicotômicas nas definições entre homens e mulheres, se apoiando nas
diferenças biológicas e sexuais para cristalizar diferentes papeis fixos para homens e mulheres. Considera-se as
relações de poder enquanto produto do machismo, patriarcado, racismo, heteronormatividade, como
condensadores para manter a condição de subordinação das mulheres.

 Enfoque interacional: homens e mulheres cometem violências e são responsáveis pela construção da dinâmica
relacional, e ambos podem assumir papeis de agressores e vítimas, dependendo da maneira como os vínculos
entre eles são construídos.

 Enfoque que coloca homens como potenciais agressores e mulheres como vítimas: foco mais privado da questão
das violências, concebendo apenas o que pode se caracterizar enquanto violência conjugal.
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DIFERENTES PERSPECTIVAS

 Base das violências enquanto produto das diferenças intrapsíquicas entre homens e mulheres: causas subjetivas
que colocam as mulheres enquanto mais predispostas a sofrerem violências, a terem algum tipo de transtorno
mental, patologizando também aqueles que cometem as violências. Não considera as dinâmicas sociais enquanto
produtoras destas diferenciações.

 Abordagem intergeracional: a violência seria um aprendizado que passa de geração em geração no interior das
famílias. Não considera que todas as instituições sociais – incluindo as famílias – estão sujeitas às socializações
baseadas nessas dinâmicas de gênero desiguais.

PERSPECTIVAS CRÍTICAS

 Desconstrução das formulações relativas à masculinidade e feminilidade. “Neste caso, o agressor é visto como
aquele que precisa serressocializado para compreender o status das disparidades e do pensamento social que
embasa suas práticas, independente e/ou em paralelo das devidas sanções decorrentes dos crimes de violências
praticados contra as mulheres. Implica a necessidade de conscientizá-los sobre elementos que permeiam o seu
comportamento e propiciar reflexão crítica permanente para superação das violências” (p. 9)

 Combate à formulações preconceituosas e estigmatizantes sobre homens e mulheres, inclusive na formação de


profissionais que atuarão diretamente no combate a essas violências.
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CONSIDERAÇÕES FINAIS

 É urgente a necessidade de aproximação entre a Psicologia e os estudos sobre gênero, para compreender as
raízes sociais, políticas, históricas e econômicas que sustentam as desigualdades entre homens e mulheres e
desencadeiam violências.

 Com o aumento dos índices de violência, é preciso retomar o compromisso da Psicologia de transformação da
realidade, já que as violências são responsáveis por profundos adoecimentos físicos, psíquicos e sociais e
sustentam uma lógica social desigual.

 O interesse de psicólogos em estudar o fenômeno só cresce, porém muito ainda precisa ser feito. As críticas
realizadas às narrativas sustentadas pela Psicologia ao longo dos anos é necessária e permanente, para que este
campo de estudo, pesquisa e prática torne-se cada vez mais compromissado no combate às diversas violências
sem cair na revitimização e estigmatização.

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