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CONCEITOS FUNDAMENTAIS DA HISTORIA DA ARTE © PROBLEMA DA EVOLUGAO DOS ESTILOS NA ARTE MAIS RECENTE Heinrich W6lfflin Tradugao: JOAO AZENHA JR ‘Sao Paulo 2006 1. rez, Plaza. Bea er cap ’ by Martins Fe | vy ‘ontes Fig2. van Goyen, Paisagem Huial Introdugao 1. A dupla origem do estilo Em suas Memérias, Ludwig Richter lembra uma passagem de sua juventude, quando vetta ver, em Tivoli, cle © mais trés com panheiros resolveram pintar um fragmento de paisagem, todos firmemente decididos a nao se afastarem da natureza no menor detalhe que fosse. E embora 0 modelo tivesse sido 0 mesmo € cada um tivesse sido fiel 20 que seus olhos viam, o resultado foram quatro telas completamente diferentes ~ tao diferentes quanto as personalidades dos quatro pintores. O narrador con- ‘luiu, entdo, que ndo havia uma maneira objetiva de se verem as coisas, e que formas € cores seriam sempre captadas de maneira diferente, dependendo do temperamento do artista 2. CONCEITOS FUNDAMENTALS DA HISTORIA DA ARTE Para o historiador da ane nada ha de sur- preendente nesta ob- servagao, Ha muito sa- be-se que todo pintor seu proprio san. gue” para pintar. A dis: tincao que se faz entre fos mestres, entre as ‘maos" reside, em tilt ma anélise, no reco: nhecimento desses ti- pos de criagao indi- vidual, Com 0 gosto orientado na mesma di- recao (para nés, aque las quatro paisagens de Tivoli pareceriam bastanie semelhantes, ow seja, algo proximo do estilo dos Nazare- nos), num dos qua dros 0 tragado & mais anguloso, no outro, mais arredondado; seu Fig. Bottcelh, Venus (etalhe) eee weary mais lento € interrom: pido, ora mais fluido e impetuoso. E assim como as proporsdes tendem ora para a esbelteza, ora para a largura, também a mode- lagdo do corpo se mostrar4 plena e abundante para algun: enquanto que essas mesmas saliéncias reentrancias serio vista por outros com maior reserva, com maior economia. © mesmo se verifica com relagao a luz e a cor. Mesmo a mais séria intengo de se observar perfeitamente 0 objeto nao pode impedir que a cor se mostre ora mais quente, ora mais fria; que uma sombra se apresente ora mais, ofa menos pro- nunciada; ou ainda, que um raio de luz apareca ora Kinguido, ora mais vivo € jocoso, Quando nossa atengdo se concentra num mesmo modelo dda natureza, esses estilos indivi- duais se evidenciam de maneira mais flagrante. Botticelli ¢ Lo- renzo di Credi so pintores con- temporineos e de mesma proce- déncia: ambos sao florentinos, da fase final do Quattrocento. Quando Botticelli* desenha um corpo feminino, a estatura ea forma da figura s40 concebidas de uma maneira absolutamente peculiar a este artista; seu dese- rho distingue-se de um nu femi- nino de Lorenzo" to inequivo- camente quanto um carvalho de uma tilia, A impetuosidade com que Botticelli conduz as linhas faz com que cada forma ganhe ‘uma agitagdo © uma animacio peculiares, Na modelagao mais cautelosi de Lorenzo a visi esgota essencialmente no objeto em repouso, Nada mais elucida- tivo do que comparar a curvatu: ra do brago em um e em outro caso, O cotovelo pontiagudo, © traco acentuado do antebraco, a forma irradiante com que os dedos se abrem sobre o peito, cada linha carregada de energia: isto € Botticelli. O efeito suscitado pela obra de Credi é muito mais estitico. Modelada de forma bas- ante convincente, ou seja, concebida em volumes, a forma de Credi ainda nfo possui a impetuosidade dos contornos de Botticelli, Trata-se de uma diferenca de temperamento, que se tra- duz tanto no todo como nas partes da obra dos dois pintores. No desenho de uma simples narina pode-se reconhecer o cardter essencial de um estilo. Fig.4.Credh. Venus

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