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Philippe Aries da Crianca e da Familia Dora Flaksman Segunda eigao Oc eoiroRs 2 A Descoberta da Infancia [AM por volts do século XII, a arte medieval devco- hacia a infineia ou no tentava representia. E difell exer que ‘essa ausEncia se devesse A incompeténcia ou & fata de habilidade, & ‘mais provavel que alo houvesse lugar para a infinca nesse mundo. ‘Uma miniatura otoniana do séeulo XI' nos dé uma idéia impresso- ante da delormagio que 0 artista impinha entio aot corpos 33s riangas, num sentido que nos parece muito distante de nosso senti- mento e de nossa visio. O tema ¢a cena do Evangelho em que Jesus pede que se dee vr a ele as eriancinhas, sendo o text latino claro: ‘paral. Ora, 0 miniaturista agrupou em torno de Jesus oito verdadei- os homens, sem nenhuma das caracersticas da Infancia: eles foram, | Evangel de Ot Manigu [A DESCOBERTA DA INFANCIA st simplesmente reproduzidos nume escala menor. Apenes seu tams- ‘nho of dstingue dos adultos. Numa miniatura francesa do fim do st tulo X17, as tts eriangas que Sdo Nicolau ressuscita esto represen {das numa eseala mais reduzida que os adultos, sem nenhuma dife- Feng de expresso ou de tagos.O pintor ndo hesitava em dar & mu ‘der das criameas, nos rarissimos casos em quceraexposta, amuscul ture do adulto: asim, no lio desalmos de Sto Luls de Leyde, ds {ado do fim do séeulo X11 ou do inlcio do XI, Ismael, pouco depois de seu nascimento, tem 0s misculos abdominais petorsis de um hhomem, Embors exibsse mais sentimento ao retratar a infinca © seulo XIII continuou fel a esse procedimento. Na Biblia moraliz- da de Sio Luis, a riangas slo representadas com maior freqiénca, ‘mas nem sempre slo earacterizadas por algo além de seu tamanho. Num episédio da vida de Jae, Isaque est sentado entre suas duas rlheres, ceeado por uns 15 homenzinhos que batem aa cintura dos ‘dultots to teusflhos Quando JO 6 recompensado por sua é © Fiea novamente rico, o luministeevoca sua fortuna coloeando 36 en- ‘iqueza. Numa outa ilustragio do Tivro de J6, as eriangas aparece ‘escalonadas por ordem de tamanho. [No Evangelirio da Sainte-Chapelle do século XIIT', no mo- ‘mento da multipicagdo dos ples, Cristo e um apéstolo ladeiam um Nomenzinho que bate em sua cintura: sem divida, a erianea que tr 25a 08 peites. No mundo das férmulas romanicas,e até o fim do sé ula XI, no existem eviangas caracterizadas por uma expressfo, particular ¢sim homens de tamanho reduzido. Essa tecuss em sce {far na arte a morfologia infantil €enconirada, als, a maiora das clvllzagdes arcaicas. Um belo bronze sardo do séeulo IX a, C."re- presenta uma espécie de Pits: una mie tegurando em seus bragos 0 Corpo bastante grande do filo; mas talvez se tratasse de uma crian~ fh, como observa a nota do catdlogo: “A pequena figura masculina Dovderia muito bem ser uma cianga que, segundo a formula adotada 2 Ye made int Ni ihe Nae 4 Copa acim Osta iam sania do Ego de et Irae pit ‘Engel de bronzer sro, Bibctigue Nato, 154, #25, pr XI 2 HISTORIA SOCIAL DA CRIANCA EDA FAMILIA 1 €poca arcaica por outros povos, estara representada como um adulto.” Tudo indica, de fato, que a representaio realista da crian- (a, ou a idealizagdo da inflincia, de sua graga, de sua redondeza de Formas tenham sido préprias da arte grega, Os pequenos Eros poli feravam com exuberdncia na 6poca helenisticea. A infin desapare- c2u da iconografa junto com os outros temas helensticos, © romf> nico retomou essa recusa dos tragos especficos da infincia que c= ‘acterizava as épocusarcaicas, anteores ao heleniemo. Ha al algo, ‘ais do que uma simples eoincidenea, Partimos de um mundo dere- Dresentagio onde a inflncie€ desconhecidi: ot bistoriadores da lite ‘ature (Mgr. Cal) fizeram a mesma observagio a propésito da epo- pe, em que crianeas-progigio se conduziam som a bravara ea forea fsica‘dos guerreios adultos. Iso sem divide significa que 0€ ho- mens dos séculos X-XI no se detinham diante da imagem da infén- ia, que ests alo tinha para ele interest, nem mesmo relidade ss0 faz pensar também que no dominio da vida real, ado mais apenas, ‘no de uma transposiio esdtica, a infincia era um perfodo de tansi- ‘fo, logo ultrapassado, eeuja lembranca também era logo perdi. Tal & nosso ponto de paride. Como daf chepamos is erlanc- nhas de Versalhes, as fotos de crancas de todas a5 idades de nossos Albuns de familia? Por volta do século XII, surgiram alguns tipos de eriangas um ppouco mais prdximot do sentimento modero, ‘Surg’o anjo, epresentado sob aparéncia de um rapaz muito jovem, de um Jovem adolescente: umm clergeon, como diz P. du Co- lombier. Mas qual era a idade do “pequeno clrigo”? Era a idade dgs eianeas mals ou menos grandes, que eram educedas para sjadat mises, € que eram destinadas as ordens, espécies de seminarista, fume época em que nfo havia seminarios, ecm que apenas a escola latina se destinava& formagdo dos clérigos. “Aqui”, diz um Miracle dde Noire-Dame*, “havia crianeas de pouca idade que sabiam um ‘pouco as letras e que prefeririam mamar no sti de sua me (mas a {riangas desmamavam muito tarde nessa Epocs: a Julieta de Shakes: limentada ao seo aos tres anos de idade) ater de ‘judar & missa”. O anjo de Reims, por exemplo, seria um meninoJ& {rande, mais do que uma crianga, mas os artistas sublishariam oom, Sfetacdo os tragos redondos e pracosos - e um tanto efeminedos ~ ‘dos meninos mal sados da infania. 4 estamos longe dos adultos em ‘scala reduzida da miniatura otoniana, Esse tipo de anjos adolecen- Pda Colombe, Laon Moron Aa, 1951 9 date Nae Bam, Westminae,o KF Warner, 185 | DESCOBERTA DA INFANCIA 3 tesse tornaria muito freqdente no séeulo XIV epersistria sinda até 0 Fim do quattrcenco italiano: s80 exemplos os anos de Fra Angelo, {de Botticelli « de Ghirlandaj. (© segundo tipo de cranca seria 0 modelo eo ancestral de todas as eriangas pequenas da historia da arte: 0 menino Jesus, ou Nossa Senhora menina, pos a inféncia aqui se ligava a0 misterio da mater- nidade da Virgem e ao culto de Maria. No inci, Jesus era, como as futras criangas, uma redugio do adulto: um pequeno Deus-pade majesioso, apresentado pela Theordkot. A evolucio em diregto 2 uma representagdo mals fealltae mais sentimental da erlanga come: ‘aria muito cedo ne pintura: numa miniatura da segunda metade do, Sie AI ss em vest uma cia eve dude anparnt {em os dois bragos em forno do pescogo de sua mie ese anna em seu cola, com orosto colado ao dela. Com a maternidade da Vigem, . Moralizada de ‘Sto Lis", encontramos cenas de fara em que o pas exo cerca dos por seus filhos, com o mesmo acento de ternura do ubéde Char- ‘nex, por exemplo, num retrato da familia de Moist, 0 marido ea mulher dio as mios, enquanto as eriangas (homenzinbos) que os cer- cam estendem @ mio para a mie, Eases esos, porém, eram raros: 0 Sentimento encantador da tena infindla permanecea limitado 0 ‘menino esus a6 oséeulo XIV, quando, come sabernos, a arte itl ‘a contibuiu para desenvolvé-o ¢ expandila. Um teresiro tipo de erianga apareceu na fase gotca: a crianga ‘nua, O menino Jesus quase nunca ere representado despido. Na ‘aforia dos casos, aparecia, como as outas criangas de sa idade tiam-nas, exceto quando se tratava dos Inocentes ou das criangas ‘moras cus mies seriam julgadas por Sslomfo, Sera slegoria da ‘morte da alma que introduaiia no mundo da formas a imagem a ‘hudez infantil J4 na iconografia prébizantina do séeulo V, em Ue -apatecem tracos da ftura are rominica,reduziam-se as dimensbes ‘dos corpor dos mortos. Os cadiverseram menore que os compos dos ‘vivos. Na Mada da Bibiotecs Ambrosiana 08 mottos das cenas de 10-Manussos pads dr sels Vl a0 XI", pnd a Biotique Natio- tate 1954 pres Teena’, ese opto. 12 fad da fines Ambrosans de Mao,

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