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MENTES

ABERTAS AO DEBATE
o pluralismo de ideias, a convergência e a divergência de

modos de pensar, assim como a multiplicidade de crenças


caracterizam a sociedade do conhecimento e da informação.
O Fronteiras do Pensamento constitui um foro incomparável
e adequado para conhecer, compreender e debater temas con-
temporâneos com autores destacados e influentes nas mais
diversas expressões da ciência e da cultura. O diálogo, método
de longa tradição na busca da verdade, reúne, no mesmo ce-
nário acadêmico, docentes, profissionais, amantes e curiosos
de diferentes áreas do saber. A diversidade ideológica, própria
do século 21, transforma-se em unidade nem sempre estável
e harmonizada, ávida de conhecimento inovador.
A Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul,
em sintonia com a sociedade, com as ideias e as novas tec-

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) nologias, situa-se na vanguarda da inovação, assumindo
uma atitude receptiva, criativa e, ao mesmo tempo, crítica,
alinhada com o respeito, a tolerância e a liberdade.
L533 Leituras PUCRS : Fronteiras do Pensamento / Pontifícia
Universidade Católica do Rio Grande do Sul. – N. 1 Com esse espírito, a contribuição dos docentes e pesqui-
(out. 2014)- . – Porto Alegre : EDIPUCRS, 2014- . sadores da PUCRS na presente publicação busca esclarecer
incertezas, fomentar o saber e nutrir o imaginário.
Anual.
ISSN 2358-7385 O horizonte das utopias transforma-se paulatinamente
quando as mentes se abrem ao debate. Esse tem sido e
1. Cultura - Aspectos Sociais – Periódicos.
continuará sendo o marco do Fronteiras do Pensamento.
2. Antropologia Cultural. I. Pontifícia Universidade
Católica do Rio Grande do Sul. A todos os participantes, o meu desejo de que sigam
em frente, com ânimo decidido, pelo caminho das ciências
CDD 301.2
e das artes, orientados pelo imperativo de um dos nossos
Ficha Catalográfica elaborada pelo Setor de Tratamento da Informação palestrantes: “Be fearless and innovate”.
da BC-PUCRS
JOAQUIM CLOTET
Reitor
SALMAN RUSHDIE E RICARDO PIGLIA:
LITERATURA COMO
EXPERIÊNCIA VIVIDA
NO MUNDO
piglia, no “último conto de borges”, afirma o início da
que a leitura é “a arte de construir uma me- escrita de
Janaína de
mória pessoal a partir de experiências e um célebre
Azevedo Baladão
lembranças alheias” e que “recordar com uma diário. Salman
Regina memória alheia é uma variante do tema do Rushdie tornou-se
Kohlrausch duplo, mas é também uma metáfora perfeita mundialmente famoso
da experiência literária”, explicitando que após a publicação de Versos
essa construção da memória pessoal se satânicos, no final da década de
deve à literatura. Considerando a afirma- 1980. Como é de público conhecimento,
ção da mãe do narrador de “Alvo noturno”, foi obrigado a viver por muitos anos em reclusão,
também de Piglia, “ler é pensar”, ou seja, a assumindo alguns nomes fictícios, tal como
leitura da literatura é descobrir “o livro onde Joseph Anton, pseudônimo que daria nome a do, colocando no centro do debate o fato de
está claramente expresso o que estivera, um de seus livros. Nessa combinação de vida, que os romances podem ter impacto na vida
confusamente, ainda não pensado por nós”. morte e literatura, o autor não se calou. Ao das pessoas nos mais variados lugares. Ainda
É dessa construção de experiências e lem- contrário, para a sorte de seus leitores, cada nesta edição do Fronteiras do Pensamento, em
branças alheias e da expressão do “ainda não vez mais se pode contar com as publicações e novembro, encerrando o ciclo, temos Ricardo
pensado por nós” que o leitor das obras de com a presença de Rushdie. Como diria o anjo Piglia no mesmo palco.
Piglia e Rushdie se conforma. Gibreel Farishta, personagem de Versos satânicos, Para ele, a literatura pode adquirir tamanha
Piglia veio de Adrogué, cidade localizada na ao despencar do céu: “Para nascer de novo [...] força que é até possível imaginá-la em um
área metropolitana de Buenos Aires; Rushdie é preciso morrer primeiro”. primeiro momento para depois deduzir uma
nasceu em Mumbai, na Índia. Podemos aproxi- Entre suas aparições públicas, destaca-se realidade correspondente, em um jogo de
má-los tendo como ponto de interseção a ideia o dia 12 de maio de 2014, em Porto Alegre, espelhos no qual essa realidade seria aquela
de que a literatura assume um ponto central na quando se postou tranquilamente diante do que a literatura imaginou. Dessa forma, tudo
vida de ambos os autores. Ricardo Piglia ingres- público para discorrer sobre como a literatura pode ser ficcionalizado, a ficção passaria a ter
sou no mundo literário aos 16 anos, marcando pode transformar-se em uma leitura do mun- relação específica com a verdade, ou seja, a re-

4 LEITUR A S PUCRS – FRONTEIR A S DO PENSAMENTO, PORTO ALEGRE, n. 1, p. 4-6, 2014 LEITUR A S PUCRS – FRONTEIR A S DO PENSAMENTO, PORTO ALEGRE, n. 1, p. 4-6, 2014 5
É no momento em
alidade seria “tecida
de ficções”, para mencionar- que recontamos
mos uma imagem do autor argenti- e expomos essa
no. A literatura, portanto, passaria a ser
uma experiência tão intensa, uma forma de
narrativa, que está
transformação súbita, que não se diferenciaria viva dentro de nós,
muito da vida, já que seria possível enfrentar
que passamos a
as questões similares em ambos os lados,
um mundo cindido no qual se pode passar de entender o que
uma a outra direção. Em um sentido amplo, o significa a liberdade.
escritor escreve para poder responder o que
é literatura. Como disse Piglia, “a escrita tem
uma vantagem sobre a vida, porque na escrita
é possível fazer rascunhos”.
Por sua vez, Rushdie chama a atenção para repensar nossas histórias, haverá liberdade, pois
a ideia de que a literatura pode responder a per- é no momento em que recontamos e expomos
guntas que vão além do que se tem acesso por essa narrativa, que está viva dentro de nós, que
meio dos noticiários e das redes sociais. Certo é passamos a entender o que significa a liberdade.
que as notícias circulam com uma rapidez com
a qual o livro não pode competir. Porém, a lite-
A literatura é poderosa, pois resiste à tirania. Em
última instância, como disse Rushdie em sua
SANDEL , RAWLS

E O FUTURO DAS
ratura, em sua visão, apresenta a “experiência conferência, a arte busca abrir o universo, expan-
vivida no mundo”, que também circularia entre dindo tudo o que sentimos e o que pensamos.
uma e outra direção: um romance visto sob

DEMOCRACIAS
esse ângulo seria capaz de revelar a realidade
de lugares distantes e inacessíveis no tempo ou PIGLIA, Ricardo. Crítica y ficción. Buenos Aires: DeBol-
no espaço. Por esse viés, como complementa sillo, 2014.
Piglia, “os grandes textos são os que transfor-
mam o modo de ler”, que dão uma ideia de que
é possível outra vida e outra realidade.
PIGLIA, Ricardo. Alvo noturno. São Paulo: Cia. das Le-
tras, 2011. LIBERAIS EM o mundo do capitalismo globalizado assiste
hoje a grandes conflitos de interesses entre

NOSSO SÉCULO
No entendimento de Rushdie, o ser humano PIGLIA, Ricardo. Formas breves. São Paulo: Cia. das
grupos sociais que reivindicam concepções de
Letras, 2004.
é um contador de histórias, aliás, em resumi- bem totalmente incompatíveis entre si, tais
das contas, nossas vidas seriam compostas e RUSHDIE, Salman. Eventos públicos e vida privada: como os movimentos nacionalistas na Europa
estariam entrelaçadas de histórias. Para ele, literatura e política no mundo moderno. Fronteiras do Leste e as organizações islâmicas funda-
somos verdadeiramente seres plurais, sempre do Pensamento, Porto Alegre, 2014.
mentalistas que não hesitam em recorrer ao
em mutação constante. Mas não apenas isso: RUSHDIE, Salman. Versos satânicos. São Paulo: Cia. uso irrestrito da violência, ao terrorismo e à
Nythamar de
se conseguirmos contar, recontar, descrever, das Letras, 1988. Oliveira guerra para levar a cabo seus intentos revolu-

6 LEITUR A S PUCRS – FRONTEIR A S DO PENSAMENTO, PORTO ALEGRE, n. 1, p. 4-6, 2014 LEITUR A S PUCRS – FRONTEIR A S DO PENSAMENTO, PORTO ALEGRE, n. 1, p. 7-9, 2014 7
cionários. Com o advento das novas tecnologias rosto humeano” inerente à teoria rawlsiana de
da informação e da comunicação, das redes um “liberalismo deontológico” combinado com
mundiais de usuários da Internet e de telefo- um “empirismo razoável”.3 A fim de obter uma
nia celular, a propagação exponencial de tais “política liberal sem constrangimento metafísi-
conflitos ocorre de forma rápida e imprevisível, A crítica de Sandel ao co”, Sandel exortava Rawls, em última instância,
transpondo barreiras territoriais e identitárias. liberalismo mostra-nos a abandonar a argumentação deontológica
Segundo o filósofo político Michael Sandel, o de um “eu desimpedido” (unencumbered self ),
século 21 assiste hoje não mais a embates
que nossa identidade “incapaz de autorrespeito” e de “autoconheci-
ideológicos entre a esquerda e a direita, mas (social, cultural, étnica) mento, em qualquer sentido moralmente sério”.
entre os que ainda defendem direitos, valores
é determinada por fins É sabido que Rawls foi levado a reformular seu
e escolhas individuais e aqueles que sustentam liberalismo político, partindo do contexto do
e promovem uma política do bem comum, ar- descobertos e desvelados pluralismo razoável e afastando-se de uma
raigada em crenças morais compartilhadas por pela nossa inserção teoria moral abrangente de justiça. Embora
um grupo social, um povo ou uma nação. Sandel essa possa ter sido uma mudança estratégica, reformulação teórico-política do ideal repu-
ficou famoso nos Estados Unidos e no mundo num determinado da parte de Rawls, na ordem de apresentação blicano de comunidade enquanto fundamento,
inteiro pelas suas aulas e conferências sobre a contexto social. da sua teoria (não mais do abstrato ao concreto), princípio ou justificativa racional da sociabilidade
justiça, na Universidade de Harvard, culminando foi a crítica de Sandel ao liberalismo e ao seu inerente a uma teoria da justiça, numa rejeição
com um livro que se tornou um dos maiores individualismo metodológico que o motivou a explícita do ideal de autonomia individual. Em
best-sellers da filosofia moral contemporânea, partir da perspectiva democrático-deliberativa última análise, a crítica de Sandel ao liberalis-
abordando temas tão polêmicos e diversos de uma teoria não ideal da justiça, da cultura mo mostra-nos que nossa identidade (social,
quanto a ação afirmativa, o casamento entre da Justiça, suscitou infindáveis debates sobre política de uma sociedade concreta, em direção cultural, étnica) é, na verdade, determinada por
pessoas do mesmo sexo, o suicídio assisti- a justiça social, a tolerância, o pluralismo e as a formulações abstratas de uma teoria ideal, fins que não foram escolhidos por indivíduos
do, o aborto, os limites morais dos mercados novas configurações das democracias liberais. 2
quando, por exemplo, se conjectura acerca de isolados ou desinteressados, mas descobertos
financeiros e os conflitos étnico-raciais. Na 1
Segundo Rawls, os princípios de justiça social “quais são os princípios mais razoáveis de justiça e desvelados pela nossa inserção num deter-
verdade, o cenário político que conhecemos para uma sociedade idealmente justa (uma política para uma democracia constitucional minado contexto social.
hoje “no século que iniciou depois do 11 de “sociedade bem-ordenada”, como deveriam cujos cidadãos são considerados livres e iguais,
setembro de 2001”, marcado por profundas ser as democracias constitucionais onde os razoáveis e racionais?” A resposta de Rawls é
e crescentes desigualdades socioeconômicas, critérios públicos de justiça são reconhecidos que devemos constantemente rever, revisar e 1
SANDEL, Michael J. Justice: What’s the Right Thing
ameaças terroristas, imigrações massivas e e respeitados por todos os cidadãos) seriam calibrar nossos juízos após sistemática e con- to Do? New York: Farrar, Straus, and Giroux, 2009.
conflitos étnico-nacionais, foi prognosticado escolhidos pelas partes contratantes numa tínua deliberação, consultas populares (plebis- Em port.: Justiça. O que é fazer a coisa certa. Trad.
pelo mais notável colega de Sandel em Harvard, “posição original”, onde se estabelecem procedi- citos, referendos), revisões judiciais e reformas H. Matias e M.A. Máximo. Rio de Janeiro: Civilização
John Rawls, cuja obra-prima de 1971, Uma Teoria mentos equitativos para se chegar a uma ideia das instituições políticas e governamentais. Brasileira, 2012.

de justiça social, sem que os agentes morais Entretanto, a crítica comunitarista de autores 2
RAWLS, John. A Theory of Justice. Cambridge, Mass.:
e atores políticos tivessem conhecimento de tão diversos quanto Charles Taylor (mentor de Harvard University Press, 1971. Em port.: Uma Teoria
vantagens ou privilégios particulares, que se- Sandel em Oxford), Alasdair MacIntyre e Michael da Justiça. 3. ed. Trad. J. Simões. São Paulo: Martins
riam neutralizados por um “véu de ignorância”. Walzer tem sido problematizada, na medida em Fontes, 2008.

A crítica comunitarista de Sandel, “segundo que ainda pressupõe valores liberais de mode- 3
SANDEL, Michael. Liberalism and the Limits of Justice.
o próprio Rawls, a mais contundente dentre los universalistas, como Rawls postulava. O Cambridge: Cambridge University Press, 1982. Em
todas”, veio a público logo no início dos anos de comunitarismo tem sido compreendido, desde port.: O Liberalismo e os Limites da Justiça. Trad. C.P.
1980 e colocava em xeque a “deontologia com a crítica de Sandel ao liberalismo, como uma Amaral. Lisboa: Gulbenkian, 2005.

8 LEITUR A S PUCRS – FRONTEIR A S DO PENSAMENTO, PORTO ALEGRE, n. 1, p. 7-9, 2014 LEITUR A S PUCRS – FRONTEIR A S DO PENSAMENTO, PORTO ALEGRE, n. 1, p. 7-9, 2014 9
CIDADE, O papel da academia

PESSOAS
O foco do trabalho que Geoffrey West deve ser o de contribuir
vem desenvolvendo está voltado para a
para ações que
cidade. Como ele mesmo explicita, o faz
favoreçam projetos
E REDES
buscando conhecê-la através de um enfo-
que diferente, empregando instrumentos de para a cidade real,
análises distintos dos usuais, vislumbrando
a cidade como um organismo vivo, do qual é ampliando a interação
possível conhecer a sua estrutura, interpretar entre as pessoas e
seu estado e estabelecer um diagnósti-
Cibele Vieira
co. Faz uma leitura do seu funcionamento,
entre as diferentes
áreas de conhecimento.
Figueira
utilizando-se, para tanto, de indicadores
quantitativos, de natureza semelhante aos
encontrados nas investigações feitas no
âmbito da física e da biologia. Seu méto-
as cidades, sobretudo as grandes e médias, do utiliza preceitos matemáticos descriti-
há bastante tempo, colocam uma série vos, baseados em parâmetros estatísticos, grandes geradores de inovação, matéria-pri-
de interrogações aos saberes das abordando diferentes aspectos, tais como ma básica para a criação de sistemas que não
mais diferentes áreas; interroga- evolução, organização, produtividade, etc., deixariam colapsar o ciclo de crescimento
ções e desafios que, mesmo de relacionando-os à população e às dimensões das cidades, visto que, diferentes dos orga-
forma diferenciada, interessam das cidades. E, por esse caminho, chega à nismos vivos, as cidades não podem morrer.
e dizem respeito a todos, in- construção de gráficos que, como aqueles Por isso, afirma com muita convicção que as
dependentemente da nossa utilizados em estudos biológicos, nos reve- grandes cidades são melhores ecossistemas,
vontade, pois fazem parte lariam princípios genéricos universais que, pois oportunizam o intercâmbio necessário
do nosso cotidiano enquan- segundo ele, ajudam a entender os diferentes para novas criações.
to cidadãos, de maneira processos de formação da cidade. O Movimento Moderno ensinou a nós
compulsória. E não se trata Conforme West, os organismos vivos, arquitetos, especialmente no que se refere ao
de matéria fácil, porque, ao assim como todos os sistemas, dependem de urbanismo, os riscos de interpretar a cidade
falarmos da cidade, não es- redes básicas de funcionamento, e o que nos como matéria científica, pois tendemos a
tamos nos referindo apenas seres vivos se compõe do sistema nervoso, transformá-la em algo desumano. Enten-
a algo constituído de espaços venoso, etc., na cidade se estabelece de duas dê-la como fenômeno, decompondo-a em
e construções, mas também a maneiras: o sistema físico, constituído pelas componentes mais simples para encontrar
uma realidade social e econômica redes de infraestrutura (vias, iluminação, gás, valores universais nos distancia da com-
de grande complexidade, no interior etc.); e o sistema constituído pelas relações plexidade e, portanto, da cidade real. Como
da qual se desenrola o nosso cotidiano. entre as pessoas, organizadas em distintos dito por Sérgio Magalhães, “a certeza da
grupos de interesses. Relações que seriam os modernidade deu lugar à incerteza”. Também

10 LEITUR A S PUCRS – FRONTEIR A S DO PENSAMENTO, PORTO ALEGRE, n. 1, p. 10-12, 2014 LEITUR A S PUCRS – FRONTEIR A S DO PENSAMENTO, PORTO ALEGRE, n. 1, p. 10-12, 2014 11
VILÃO OU
MOCINHO?
vem promovendo reuniões com estudantes,
sociedade civil, representantes da prefeitura,
empresários e associações, além de consulto-
res externos. Isso enriquece tanto os projetos
de pesquisa como as disciplinas do curso que, TRAJETÓRIA DO DESENVOLVIMENTO
em formato de Ateliê Vertical de Ideias, estão
envolvidas de forma integral com esse desafio.
Se as cidades oportunizam o intercâmbio, Adriane X.
MORAL NA INFÂNCIA
Arteche
como diz Geoffrey West, o papel da academia
deve ser o de contribuir para o estímulo de
ações que possam favorecer projetos para
com que idade as crianças começam
a cidade real, ampliando, assim, a interação
a compreender a noção de vilão e
não somente entre as pessoas, mas também
mocinho? Será que trazemos
entre as diferentes áreas de conhecimento. O
um potencial inato para dis-
desafio do presente é buscar promover cidades
tinguir ações pró-sociais
vibrantes desde o ponto de vista social, cidades
cabe perguntar para onde nos leva analisar de ações antissociais?
capazes de ter uma economia autossuficiente,
a cidade dessa forma objetiva? E que valor A nossa avaliação so-
inovadora e que, aliadas a uma boa arquitetura,
pode haver estabelecendo leis gerais para bre o certo versus o
criem um ambiente muito mais humano.
resolver os problemas específicos atuais errado de um com-
das cidades? portamento varia
Porém, no que se refere às redes cons- se estivermos
tituídas por pessoas, como matéria-prima ARANTES, Otília. A cidade do pensamento único. Des- (ou não) impli-
manchando consensos. Petrópolis: Vozes, 2000. cados direta-
para incentivar mudanças, essa é uma ideia
que vem sendo impulsionada também pelas CORSINI, José Maria. Diseño urbano y pensamiento
mente na situ-
novas tecnologias que permitem, além de um contemporáneo. México: Oceano, 2004. ação? Sob que
maior acesso à informação, uma maior intera- circunstâncias
GEHL, Jan. Cidade para pessoas. São Paulo: Perspec-
ção entre diferentes grupos. Em Porto Alegre, uma ação mo-
tiva, 2013.
essa cultura de redes de intercâmbio tem aju- ralmente in-
MAGALHÃES, Sérgio. A cidade na incerteza: ruptura e correta seria
dado a gerar debates, encontros, caminhadas
contiguidade em urbanismo. Rio de Janeiro: Viana &
e outros eventos interessantes sobre nossa justificável?
Mosley, 2007.
cidade. Desde o início de 2013, a Faculdade de Tais questio-
Arquitetura e Urbanismo da PUCRS (FAU) está WEST, Geoffrey. The surprising math of cities and cor- namentos não são
porations. TED Talk: julho de 2011. Disponível em: recentes e, desde o
envolvida diretamente com grupos focados na
<http://www.ted.com/talks/geoffrey_west_the_sur-
requalificação da região do 4º Distrito da cidade século 19, estudiosos
prising_math_of_cities_and_corporations>.
de Porto Alegre, entendendo que essa passará do comportamento
por um rápido processo de transformação, do buscam compreender a
qual é muito importante fazer parte, para que trajetória do desenvolvimen-
não seja guiado somente por regras de espe- to moral dos seres humanos.
culação imobiliária. Com esse objetivo, a FAU Na Psicologia, de Freud a Kohlberg,
diferentes teorias foram elaboradas

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para explicar como nos tornamos capazes de parte de uma identidade moral formada por to cedo, mas a Psicologia e as relações sociais
classificar comportamentos em bons versus emoções morais como culpa e empatia, cog- têm muito a contribuir para a modulação dos
maus, corretos versus incorretos. Inspirados pe- nições morais e ações morais; sendo as emo- comportamentos dirigidos para cada um dos
los conceitos de filósofos como George Mead e
Mesmo que ções e cognições mais estáveis e fortemente lados. Almeja-se com o avanço dos estudos
James Baldwin, Jean Piaget e Lawrence Kohlberg associadas a características de personalidade, nessa área não apenas compreender o de-
foram os principais expoentes no tema. Ambos relativamente estável e enquanto as ações são suscetíveis a aspectos senvolvimento moral, mas também promover
estavam interessados nas estruturas universais com precursores inatos, contextuais. Mesmo que relativamente estável estratégias de intervenção que potencializem as
implicadas no desenvolvimento de uma noção e com precursores inatos, o papel ativo de relações sociais e colaborem para o bem-estar
de moral e propuseram fases invariantes de o papel ativo de pais e pais e cuidadores na formação dessa identi- emocional e qualidade de vida geral.
desenvolvimento moral cujo primeiro estágio cuidadores na formação dade moral é destacado por pesquisadores.
seria uma fase “amoral”. Durante décadas, tais Narrativas maternas acerca da moralidade,
ideias dominaram o cenário científico sobre o
dessa identidade por exemplo, auxiliam a estruturação de uma
BLOOM, P. The Moral Life of Babies. New York Times
tema e houve pouco avanço no campo. Recen- moral é destacado por identidade pró-social − que pode manter-se Magazine, mai. 2010.
temente, no entanto, o tópico ressurgiu como
pesquisadores. inalterada mesmo quando a criança ou adulto é
DESOUSA, D.; WENDT, G. W.; LISBOA, C.; KOLLER, S. H.
um dos grandes interesses da comunidade confrontado com uma situação de falha moral
Psychometric Properties of the Brazilian Version of the
científica, e a imediata sequência de pesquisas (Pasupathi & Wainryb, 2010).
Friendship Quality Questionnaire (FQQ) in a Community
tem contribuído para elucidar questões-chave Implicações dos estudos sobre desenvol- Sample of Children and Early Adolescents. Universitas
sobre como, quando e por que construímos uma vimento moral têm sido observadas também Psychologica, 13, 2014.
noção de certo/errado (Lapsley & Carlo, 2014). com bebês. Experimentos recentes mostraram no entendimento e intervenção de situações
DIAS, T.; LISBOA, C. S. M.; KOLLER, S.H.; DESOUSA,
Atualmente, entende-se a construção do que bebês de até seis meses de idade demons- da atualidade como o bullying. A importância
D. Aggression and Prosociality - Risk and Protection
desenvolvimento moral a partir da integração de tram preferência por personagens cooperativos da pró-sociabilidade e empatia no bullying (Dias, Dynamics on Popularity and Bullying. Psykhe (Santiago.
componentes individuais como genética e tem- e altruístas em detrimento de personagens não Lisboa, Koller & DeSousa, 2011) e nas relações Impresa), 20, 121-131, 2011.
peramento com fatores externos como cultura cooperativos (Hamlin et al., 2011). Além disso, de amizade na infância têm sido alvo de pes-
HAMLIN, J. K. Moral judgment and action in preverbal
e socialização. Evidências oriundas da neuro- Hamlin (2013) indica que bebês de cinco meses quisas desenvolvidas na PUCRS pelo Grupo
infants and toddlers: Evidence for an innate moral
ciência indicam que a maturação de estruturas de idade parecem basear suas avaliações sobre Relações Interpessoais e Violência: Contextos core. Current Directions in Psychological Science, 22(3):
cerebrais, em especial de áreas pré-frontais, é um personagem no desfecho resultante das Clínicos, Sociais, Educativos e Virtuais. Vilões e 186 - 193, 2013.
requisito fundamental para o desenvolvimen- ações dos mesmos; mas, aos oito meses de ida- mocinhos parecem ser
HAMLIN, J. K.; WYNN, K.; BLOOM, P.; MAHAJAN, N.
to moral típico (Taber-Thomas, Asp, Koenigs, de, os bebês já tendem a levar em consideração reconhecidos
How infants and toddlers react to antisocial others.
Sutterer, Anderson & Tranel, 2014). Além disso, a intenção moral do personagem (ainda que o desde mui- Proceedings of the National Academy of Sciences of the
concepções inovadoras têm sido propostas desfecho almejado não tenha sido alcançado). United, 108, 19931 - 19936, 2011.
acerca da idade em que potenciais precursores Tais resultados apontam para a existência de um
LAPSLEY, D.; CARLO, G. Moral development at the
de um senso moral podem ser identificados, conhecimento acerca de ações corretas versus
crossroads: new trends and possible futures. Deve-
bem como da relação entre aspectos racionais incorretas que precede em muitos meses o lopmental Psychology, 50(1), 1-7, 2014.
e aspectos emocionais na estruturação de uma surgimento da linguagem (Lapsley & Carlo, 2014)
PASUPATHI, M.; WAINRYB, C. Developing moral agency
identidade moral. Nesse contexto, Paul Bloom e indicam uma potencial propensão natural dos
through narrative. Human Development, 53, 55-80, 2010.
emerge como um dos principais expoentes. indivíduos para o altruísmo. Ou, ainda, como
O psicólogo canadense e seu grupo de pes- Hamlin (2013) aponta, reforçam a hipótese da TABER-THOMAS, B.C.; ASP, E.W.; KOENIGS, M.; SUT-
quisa da Universidade de Yale têm se dedicado existência de um precursor moral inato. TERER, M.; ANDERSON, S. W.; TRANEL, D. Arrested
development: early prefrontal lesions impair the matu-
ao estudo da moralidade e da linguagem, priori- Desdobramentos de tais concepções suge-
ration of moral judgement. Brain, 137, 1254-1261, 2014.
zando investigações com crianças e, até mesmo, rem que o senso moral dos indivíduos compõe

14 LEITUR A S PUCRS – FRONTEIR A S DO PENSAMENTO, PORTO ALEGRE, n. 1, p. 13-15, 2014 LEITURAS PUCRS – FRONTEIRAS DO PENSAMENTO, PORTO ALEGRE, n. 1, p. 13-15, 2014 15
A DIVULGAÇÃO DO

CONHECIMENTO
O EXEMPLO DE
CIENTÍFICO: BRIAN GREENE
CONSIDERAÇÕES SOBRE
A OBRA DE BRIAN GREENE

brian greene, físico formado em harvard e autor desfaz o mito da teoria das super-
doutor por Oxford, poderia ter optado por uma cordas, construindo uma representação do
carreira acadêmica tradicional como professor e universo com onze dimensões, em que o
pesquisador em física teórica. Porém, sua habi- espaço é apresentado como um tecido que
Ana Maria lidade em traduzir temas complexos, como se despedaça e se reconstrói continuamente,
Marques da Silva a relatividade e a mecânica quântica, e toda matéria – dos quarks às supernovas
Maurivan para uma linguagem acessível ao – é gerada pelas vibrações de minúsculas
Güntzel Ramos público, o tornou mundialmente cordas de energia. O Tecido do Cosmo (2005)
Valderez Marina
famoso na divulgação do co- aborda conceitos fundamentais da física,
do Rosário Lima nhecimento científico. Au- espaço e tempo, apresentando as distintas
tor de ensaios e editoriais visões do universo. A Realidade Oculta (2012)
no The New York Times narra o esforço humano para compreender o
e Newsweek, Greene universo, partindo da teoria da relatividade,
vem publicando livros, do Big Bang e da expansão do universo, apre-
produzindo vídeos sentando nove modelos que apontam para
educativos e pro- a possibilidade de existência de universos
movendo eventos paralelos. Icarus at the Edge of Time (2008)
que aproximam o é um livro infantil, no qual Greene reinventa
público do conhe- o mito clássico grego de Ícaro, ao trocar as
cimento científico. asas de cera e a jornada para o Sol pela
Greene é au- aventura no espaço profundo e pelo poder
tor de três obras dos buracos negros.
de di v ulg a ç ã o Premiados e traduzidos em dezenas de
científica volta- línguas, dois de seus livros (O Universo Ele-
das para o público gante e O Tecido do Cosmo) foram adaptados
adulto, que utilizam para minisséries, materializando os conceitos
metáforas e analo- abordados em episódios repletos de efeitos
gias simples e fami- especiais. A partir do livro Icarus, foi realizada
liares, em uma narra- uma adaptação orquestral, na qual um nar-
tiva repleta de emoção rador apresenta a aventura do personagem
e encantamento. Em O em uma viagem que dramatiza os insights de
Universo Elegante (2001), o Einstein sobre a relatividade.

16 LEITUR A S PUCRS – FRONTEIR A S DO PENSAMENTO, PORTO ALEGRE, n. 1, p. 16-19, 2014 17


Em 2008, Greene, buscando um novo tipo
de vivência científica, funda a Science Festival
Foundation, que promove o World Science
Festival, uma programação científico-cultural
aberta à população em geral, por meio de
Nos cursos sobre
palestras, exposições artísticas e atuações relatividade geral,
performáticas, também disponibilizadas on-
relatividade especial
-line (www.worldsciencefestival.com).
Greene idealiza ainda o ambiente virtual e mecânica quântica,
World Science U (www.worldscienceu.com), Greene mostra
que disponibiliza o acesso livre a vídeos que
tratam do universo, relatividade, supercor- sua capacidade de
das e mecânica quântica, entre outros te- comunicação plo, há um perma-
mas. Vídeos de curta duração respondem nente esforço para
a perguntas sobre física. Minicursos sobre
ao oferecer material reduzir a distância
tópicos de relatividade e mecânica quântica didático de excelente entre os conhecimen-
tos produzidos por meio
são especialmente elaborados para pessoas
qualidade técnica da pesquisa acadêmica e a
interessadas nesses temas. Nos cursos so-
bre relatividade geral, relatividade especial e visual. prática docente, apresentan-
e mecânica quântica, livremente disponí- do alternativas para qualificar
veis para estudantes universitários, Greene a educação científica.
mostra sua capacidade de comunicação ao Outra iniciativa voltada a melhorar a prática
GREENE, B. O Universo Elegante: supercordas, dimen-
oferecer material didático de excelente qua- de professores da educação básica, qualifi-
sões ocultas e a busca da teoria definitiva. São Paulo:
lidade técnica e visual. cando-os para popularizarem a ciência, é o Cia. das Letras, 2001.
de sua capacidade para oferecer soluções Programa Institucional de Bolsas de Iniciação
_____. O Tecido do Cosmo: o espaço, o tempo e a textura
renovadas aos desafios que se impõem nos à Docência (Pibid). Sob a orientação de coor-
da realidade. São Paulo: Cia. das Letras, 2005.
A UNIVERSIDADE SEGUINDO O EXEMPLO novos tempos (Herrera, 2009). denadores de área e de professores supervi-
DE BRIAN GREENE NA POPULARIZAÇÃO Na PUCRS, múltiplas ações são desenvol- sores no âmbito de comunidades de prática _____. Icarus at the Edge of Time. New York: Knopf Dou-
DA CIÊNCIA vidas para atender aos compromissos que (WENGER, 2002), os licenciandos estudam a bleday Publishing Group, 2008.

lhe são inerentes. Dentre elas, citam-se as realidade da escola e refletem sobre ela, sig- _____. A Realidade Oculta: universos paralelos e as leis
As instituições educativas têm a função de propostas de popularização da ciência do nificando-a à luz das teorias disponíveis, num profundas do cosmo. São Paulo: Cia. das Letras, 2012.
formar cidadãos em coerência com uma Museu de Ciências e Tecnologia, concreti- processo de aproximação entre a pesquisa
HERRERA, A. Responsabilidade social das Universida-
concepção de sociedade que faça sentido zadas pelos experimentos interativos e ex- acadêmica e a prática docente.
des. In: GLOBAL UNIVERSITY NETWORK FOR INNOVA-
em um determinado período da história. posições sobre temáticas contemporâneas. Portanto, considerando a grande e com- TION. Educação superior em tempos de transformação:
Particularizando a reflexão para o contexto No local, são oferecidas situações nas quais plexa produção científica que ocorre no mundo novas dinâmicas para a responsabilidade social. Porto
contemporâneo e para o âmbito da universi- estudantes, professores e população em acadêmico e que necessita ser popularizada Alegre: EDIPUCRS, 2009 .
dade, destaca-se sua função substantiva na geral apropriam-se da linguagem científica, para que possa ser apropriada e compreendida
WENGER, E.; MCDERMOTT, R.; SNYDER, W. Cultivating
disseminação do conhecimento produzido e significando os fenômenos ali apresentados. por um número cada vez maior de pessoas, communities of practice: a guide to managing knowledge.
na criação de oportunidades para que se re- No Programa de Pós-Graduação em Edu- iniciativas como as de Brian Greene são exem- Boston: Harvard Business School Press, 2002.
alizem debates e reflexões críticas a respeito cação em Ciências e Matemática, por exem- plares para o meio universitário.

18 LEITUR A S PUCRS – FRONTEIR A S DO PENSAMENTO, PORTO ALEGRE, n. 1, p. 16-19, 2014 LEITUR A S PUCRS – FRONTEIR A S DO PENSAMENTO, PORTO ALEGRE, n. 1, p. 16-19, 2014 19
a humanidade ter-se numa das lideranças mundiais nesse
corre real perigo tipo de pesquisa (inclusive na seara jurídica),
de retrocesso civili- desde que aprenda a pensar a longo prazo,
zatório. Negar, nessa ou seja, em termos consequenciais, interdis-
altura, os malefícios ciplinares e sistêmicos. A boa notícia é que a
dos bilhões de tone- noção de crescimento econômico, a qualquer
ladas de gases tóxicos custo, passou a ser problematizada.
parece atitude despida da Assim, por exemplo, já se cobram legalmen-

SUSTENTA
mínima cientificidade. Para sair te contratações públicas sustentáveis (pela
dessa rotina insana, a sociedade do força indutora do Estado), com a ponderação
conhecimento terá de tornar-se uma de custos e benefícios, diretos e indiretos (ex-
sociedade do autoconhecimento, voltada à ternalidades). Se o enxofre, liberado pelo diesel

BILIDADE
homeostase sociocultural. Somente assim
1
mineral, à diferença do diesel vegetal, mata
reunirá forças objetivas para fazer frente à milhares de pessoas por ano, já se cobra a elimi-
magnitude das múltiplas crises que interagem nação desse veneno o quanto antes. O direito a
entre si. Trata-se da crise do aquecimento cidades sustentáveis, em rigoroso cumprimento

REVISITADA global, do ar irrespirável, da desigualdade


brutal de renda, da tributação regressiva e
indireta, da carência flagrante de qualidade
do Estatuto da Cidade e da Lei de Mobilidade
Urbana, é outro exemplo de cobrança robusta
de sustentabilidade, seja pela regularização
educacional (cognitiva e de caráter), do stress fundiária, seja pela prioridade ao transporte
hídrico, da regulação inerte ou tardia, do de- público, como postularam movimentos sociais
Juarez saparecimento de espécies e da produção de em junho de 2013 por todo o país.
Freitas
resíduos em ritmo superior ao da população. Nessa perspectiva, o princípio constitu-
Cumpre notar que, apesar dos pesares, cional da sustentabilidade determina, com
pesquisas valiosas do baixo carbono apare- eficácia direta e imediata, a responsabilidade
cem no radar. O Brasil tem tudo para conver- do Estado e da sociedade pela concretiza-

20 LEITUR A S PUCRS – FRONTEIR A S DO PENSAMENTO, PORTO ALEGRE, n. 1, p. 20-23, 2014 LEITUR A S PUCRS – FRONTEIR A S DO PENSAMENTO, PORTO ALEGRE, n. 1, p. 20-23, 2014 21
ção solidária do desenvolvimento material
e imaterial, socialmente inclusivo, durável e
equânime, ambientalmente limpo, inovador,
ético e eficiente, no intuito de assegurar, prefe-
É imperioso que a
rencialmente de modo preventivo e precavido,
no presente e no futuro, o direito ao bem-estar. sustentabilidade
Assim reformulado, não é contradição ampla seja, em
em termos. Abrange elementos indispen-
sáveis, a saber: (1) caráter vinculante de definitivo, integrada
princípio constitucional (CF, art. 225); (2) ao escrutínio das
eficácia (resultados justos, não mera aptidão
para produzir efeitos jurídicos); (3) eficiência
políticas públicas.
(o uso de meios idôneos); (4) ambiente limpo;
(5) probidade (dimensão ética); (6) prevenção
(dever de evitar danos certos); (7) precaução
(dever de evitar danos prováveis); (8) solida-
riedade intergeracional (reconhecimento dos Do exposto, verifica-se que o valioso Re- alargado dá conta da requerida multidimen-
direitos das gerações presentes e futuras); (9) latório Brundtland foi (e é) importante fonte
2
sionalidade do bem-estar. Ou, numa fórmula
responsabilidade do Estado e da sociedade; de inspiração, mas importa dar novos passos. sintética, mostra-se capaz de assegurar as
e (10) bem-estar (acima das necessidades Não é pouco pretender o desenvolvimento que condições favoráveis para o bem-estar, físico
materiais). Nenhum desses elementos pode satisfaça as necessidades presentes, sem e psíquico, das gerações presentes e futuras,
faltar, sob pena de reducionismo inaceitável. comprometer a capacidade das gerações fu- sem sonegar o progresso imaterial, que implica
turas de suprir as suas. Progresso notável. No equidade, em sentido forte, na relação com as
entanto, força deixar nítido que as necessida- gerações futuras e, ao mesmo tempo, com as
des atendidas não podem ser aquelas fabri- gerações presentes.4
cadas ou hiperinflacionadas pelo consumismo
em cascata. Nesse aspecto, acerta Amartya
Sen, Prêmio Nobel de Economia em 1998, ao 1
DAMÁSIO, António. E o cérebro criou o homem. São
defender que a sustentabilidade ultrapasse os Paulo: Companhia das Letras, 2011, p. 44, a propósito
limites do merecidamente festejado conceito da homeostase sociocultural, que abrange a busca
proposto pelo Comitê Brundtland.3 deliberada do bem-estar.
É imperioso que a sustentabilidade ampla 2
A norueguesa Gro Brundtland presidiu a Comissão
seja, em definitivo, integrada ao escrutínio que elaborou o documento ”Nosso Futuro Comum,”da
das políticas públicas (tema-chave do grupo Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvol-
de pesquisas Interpretação Constitucional e vimento, em 1987, contribuição, sem dúvida, notável.
Direito Administrativo, no Programa de Pós- 3
SEN, Amartya. The Idea of Justice. Cambridge: Harvard
-Graduação em Direito da PUCRS). Nessa University Press, 2009.
linha, em lugar do desenvolvimentismo cego
4
FREITAS, Juarez. Sustentabilidade: Direito ao Futuro.
ou, na melhor das hipóteses, míope, o conceito
2. ed. BH: Fórum, 2012.

22 LEITUR A S PUCRS – FRONTEIR A S DO PENSAMENTO, PORTO ALEGRE, n. 1, p. 20-23, 2014 LEITUR A S PUCRS – FRONTEIR A S DO PENSAMENTO, PORTO ALEGRE, n. 1, p. 20-23, 2014 23
PASCAL BRUCKNER ,
o crítico da
FELICIDADE COMO

OBRIGAÇÃO
Gilles Lipovetsky, em
A sociedade da decepção
(2008), e pelo célebre ro-
mancista Michel Houellebecq
em Extensão do domínio da luta (2002).
Bruckner está em sintonia com o seu tem-
po e com a sua cultura. Se antes de 1968 as
ensaísta e romancista francês, nascido em dores, “filhos de maio de 1968”, que atacou noções de dever e de sacrifício determinavam
Juremir
15 de dezembro de 1948, Pascal Bruckner o marxismo, o estruturalismo e os totalita- os comportamentos e produziam infelicidade,
Machado da Silva é um escritor consagrado, com mais de 15 rismos de esquerda e de direita num tempo depois das revoltas estudantis que abalaram
livros importantes publicados e traduzidos em em que as ditas utopias revolucionárias ainda o mundo, impôs-se uma espécie de liberação
vários países. Analista de temas de impacto incendiavam a imaginação de estudantes e total e de obrigação de satisfazer todos os
no cotidiano das sociedades pós-modernas, de intelectuais dispostos a mudar o mundo. desejos. A mídia passou a ter papel determi-
hipermodernas ou da modernidade tardia, Um dos seus temas mais relevantes é o nante na produção e consolidação dessa visão
ele só poderia figurar na seleta lista de pa- do culto à felicidade. Em A euforia perpétua, de mundo. Não ser feliz, conforme os padrões
lestrantes do ciclo Fronteiras do Pensamento, ensaio sobre o dever da felicidade (2002), dominantes, tornou-se sinônimo de fracasso
com apoio da Pontifícia Universidade Católica ele investiu contra um dos pilares do senso e de crise existencial.
do Rio Grande do Sul. Bruckner fez parte do comum pós-1968: o imperativo categórico, a Bruckner usa a ficção e o ensaio para pen-
chamado grupo dos “novos filósofos”, junto obrigação de ser feliz, um imaginário que gera sar sobre problemas contemporâneos. Não
com Alain Finkielkraut, Bernard-Henri Lévy frustração e depressão. Essa perspectiva tam- teme fazer uma ficção ensaística. Já ganhou
e André Glucksmann, uma turma de pensa- bém é sustentada por outro filósofo francês, importantes prêmios literários franceses como

24 LEITUR A S PUCRS – FRONTEIR A S DO PENSAMENTO, PORTO ALEGRE, n. 1, p. 24-26, 2014 LEITUR A S PUCRS – FRONTEIR A S DO PENSAMENTO, PORTO ALEGRE, n. 1, p. 24-26, 2014 25
Michel Houellebecq fala na sexualidade
como um sistema de hierarquia social. Não é
incorreto sugerir que para Pascal Bruckner a SOBRE
OS AUTORES
Não ser feliz, felicidade é um sistema implacável de distin-
ção social com forte influência da mídia e da
conforme os padrões indústria cultural, temas que têm sido estu-
dominantes, tornou-se dados pelos pesquisadores do Programa de
Pós-Graduação em Comunicação da PUCRS
sinônimo de fracasso nas suas investigações de estudos culturais, SALMAN RUSHDIE E RICARDO PIGLIA:
e de crise existencial. imaginário e espetacularização da sociedade. LITERATURA COMO EXPERIÊNCIA VIVIDA NO MUNDO
O professor Francisco Rüdiger, por exemplo, é JANAINA DE A ZE VEDO BAL ADÃO é doutora em Letras pela Universidade
autor de O amor na mídia – problemas de legiti- Federal do Rio Grande do Sul (2013). Também é especialista em Tradução
mação do romantismo tardio (2013), obra na qual de Espanhol (2013) pela Universidade Gama Filho do Rio de Janeiro, bem
aborda a procura incessante das pessoas pelo como especialista em Estudos Avançados em Língua Espanhola pela PUCRS
(2007). Atualmente é professora e coordenadora do Laboratório de Línguas
bem-estar orientado, essa era do terapêutico,
o Médicis (1995) e o Renaudot (1997). O que é a Ir. Adelino Martins da Faculdade de Letras da PUCRS.
do desenvolvimento pessoal, dos manuais
felicidade? Como encontrá-la? O que fazer com REGINA KOHLRAUSCH é doutora em Letras, Teoria da Literatura, pela PUCRS
de autoajuda e do culto ao corpo perfeito e
ela? Pascal Bruckner indica que as pessoas (2004). Realizou seu estágio pós-doutoral na Universidade de Vigo, Espanha,
da obrigação de realizar-se inteiramente. De
têm dificuldade para definir felicidade, o que em 2010-2011, com bolsa CAPES-Fundación Carolina. É professora titular
maneira sutil, Pascal Bruckner relança uma
as deixa confusas em relação ao que buscar, da Faculdade de Letras da PUCRS, com atuação na Graduação e Pós-Gra-
velha questão: tudo na vida se tornou, como duação. Desenvolve projetos de pesquisa junto ao DELFOS – Espaço de
ficam apáticas depois de conquistar alguma das
denunciava Guy Debord, mercadoria? A felicida- Documentação e Memória Cultural da PUCRS e, desde 2012, coordena o
supostas marcas da felicidade e desenvolvem
de é um produto a ser comprado e consumido? Grupo de Pesquisa Escritores Sulinos.
temores de todo tipo, tornando-se frágeis
por medo de perder, de não estar à altura das
expectativas sociais e por comparação com SANDEL, RAWLS E O FUTURO
BRUCKNER, Pascal. A euforia perpétua. Rio de Janeiro:
DAS DEMOCRACIAS LIBERAIS EM NOSSO SÉCULO
outras pessoas pretensamente mais felizes.
Difel, 2002. NY THAMAR DE OLIVEIR A é Ph.D. pela State University of New York (1994),
A felicidade teria passado a ser um atestado
pesquisador do CNPq (desde 1995) e professor de Ética e Filosofia Política
de êxito na sociedade. Não ser feliz equivaleria _____. O Paradoxo Amoroso - Ensaio sobre as Meta-
(desde 1999) da PUCRS, onde coordena o Grupo de Pesquisa em Neuro-
a não ser bem-sucedido, a ser um fracassado. morfoses da Experiência Amorosa. Rio de Janeiro:
filosofia, no Instituto do Cérebro do Rio Grande do Sul, e atua no Centro
Outro tema recorrente de Pascal Bruckner Difel, 2011.
Brasileiro de Pesquisas em Democracia, que criou em 2009. Autor de três
é o amor. Em O Paradoxo Amoroso - Ensaio DEBORD, Guy. A Sociedade do espetáculo. Rio de Janeiro:
livros, coorganizou sete volumes e publicou mais de 50 artigos em periódicos
sobre as Metamorfoses da Experiência Amo- nacionais e internacionais.
Contraponto, 1997.
rosa (2011), ele sustenta que os amantes
HOUELLEBECQ, Michel. Extensão do domínio da luta.
de hoje sofrem por excesso e não por falta. CIDADE, PESSOAS E REDES
Porto Alegre: Sulina, 2002.
Quando tudo se torna possível e permitido, CIBELE VIEIRA FIGUEIRA graduou-se em Arquitetura e Urbanismo em 1994.
diariamente estimulado, a rotina e o tédio LIPOVETSKY, Gilles. A sociedade da decepção. Bauru:
Concluiu seu doutorado na Universidade Politécnica de Barcelona em 2006.
Manole, 2008.
espreitam cada romance. Como renovar a Desde 2012 é professora do curso de graduação da FAU-PUCRS e, em 2013,
experiência afetiva num universo de esgo- começou a atuar como pesquisadora do Núcleo de Estudos da Cidade.
RÜDIGER, Francisco. O amor na mídia – problemas
tamento das relações pela banalização dos de legitimação do romantismo tardio. Porto Alegre:
rituais, dos limites e dos sonhos? Editora da Ufrgs, 2013.

26 LEITUR A S PUCRS – FRONTEIR A S DO PENSAMENTO, PORTO ALEGRE, n. 1, p. 24-26, 2014


VILÃO OU MOCINHO? TRAJETÓRIA
DO DESENVOLVIMENTO MORAL NA INFÂNCIA
ADRIANE X. ARTECHE é doutora em Psicologia pela Universidade Federal do Rio
Grande do Sul, com estágio pós-doutoral pela Goldsmiths College (Inglaterra).
Tem experiência na área de Psicologia, com ênfase em Psicologia do Desen-
volvimento. Atualmente, é professora do Programa de Pós-Graduação em
Psicologia da PUCRS, coordenadora do Grupo de Pesquisa Neurociência Afe-
tiva e Transgeracionalidade e pesquisadora associada da University of Oxford
(Inglaterra) e da University of Reading (Inglaterra).

A DIVULGAÇÃO DO CONHECIMENTO
CIENTÍFICO: O EXEMPLO DE BRIAN GREENE
ANA MARIA MARQUES DA SILVA é doutora em Física pela Universidade de
São Paulo. Professora titular da Faculdade de Física da PUCRS, coordena
o Núcleo de Pesquisa em Imagens Médicas, no qual desenvolve pesquisas
na aquisição, processamento e análise de imagens médicas, quantificação e
dosimetria. Atua como orientadora de alunos de pós-graduação em educação
em ciências, física médica e engenharia biomédica. Desde 2006 é diretora
da Faculdade de Física da PUCRS.

MAURIVAN GÜNT ZEL R AMOS é doutor em Educação pela Pontifícia Uni-


versidade Católica do Rio Grande do Sul. Professor titular da Faculdade de
Química da PUCRS, coordena o Programa de Pós-Graduação em Educação
em Ciências e Matemática. Coordena o Programa Institucional de Bolsas de
Iniciação à Docência da PUCRS.

VALDEREZ MARINA DO ROSÁRIO LIMA é doutora em Educação pela Pontifícia


Universidade Católica do Rio Grande do Sul. Professora adjunta da Faculdade
de Educação da PUCRS, atua junto aos programas de Pós-Graduação em
Educação e em Educação em Ciências e Matemática, desenvolvendo inves-
tigação em aprendizagem, ensino e formação de professores.

SUSTENTABILIDADE REVISITADA
JUAREZ FREITA S é professor titular do Programa de Pós-Graduação em
Direito da PUCRS, professor associado da UFRGS e presidente do Instituto
Brasileiro de Altos Estudos de Direito Público.

PASCAL BRUCKNER, O CRÍTICO


DA FELICIDADE COMO OBRIGAÇÃO
JUREMIR MACHADO DA SILVA é doutor em Sociologia pela Universidade
Sorbonne (Paris V) e professor do Programa de Pós-Graduação em Comu-
nicação da PUCRS. Publicou 30 livros individuais, entre os quais A sociedade
“midíocre” – passagem ao hiperespetacular, o fim do livro, do direito autoral e da
escrita (Porto Alegre: Sulina, 2012).

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