Olho por Olho: os livros secretos da ditadura, de Lucas Figueiredo, conta a
trajetória de dois livros: Brasil Nunca Mais (1985) e o Livro Negro do Terrorismo no Brasil, conhecido como Orvil. Em especial, narra como este foi produzido por uma equipe de membros do Centro de Inteligência do Exército, entre 1985 e 1987. Concebido como contraponto às contundentes denúncias do BNM, permaneceu inédito. Mostra parte do esforço dos militares para mascarar seus crimes. Destaca que o Exército dispunha de dados parciais sobre a morte de pelo menos 24 vítimas da repressão, descritos em 11 páginas (de 911), e não os divulgou! Denuncia também novo caso de vítimas dos militares. O jornalista, contudo, não cotejou sistematicamente os dados do Orvil com aqueles provenientes de relatórios militares, divulgados desde 1993, e dos arquivos do SNI. Perdendo a oportunidade de desvendar, através das contradições de diversas fontes militares, suas estratégias de memória. O nome do livro toca na questão principal: apresenta a nossa história como o confronto entre lados equiparáveis. Na ditadura não ocorreu uma guerra, na qual teriam lutado dois lados igualmente armados, mas a instalação de um regime que cometeu crimes contra humanidade, por definição crimes sem-medida. Segundo o Tribunal Penal Internacional, atos cometidos num contexto de um ataque generalizado ou sistemático contra a população civil, motivados por razões políticas, étnicas, raciais ou religiosas, tais como perseguição política, homicídio, desaparição forçada, prisão, tortura, agressão sexual etc. Abordar a memória do mal não é sinônimo de vingança e não remete à lei do talião, do “olho por olho”. Declarações recentes dos militares sobre a Guerrilha do Araguaia afirmando que a tortura foi ocasional destacam a importância de se combater o “negacionismo” ou “revisionismo histórico”. A interpretação de que a Lei de Anistia teria sido recíproca, favorecendo vítimas e algozes, traz à luz velhos argumentos de que se tratava de uma “guerra”, na qual os dois lados cometeram “excessos”. Na Argentina, em 2006 foi publicada nova edição do Nunca Más (1984), que desmonta a “teoria dos dois demônios” e salienta o abuso de poder que representou a violência e o terrorismo de estado.