Você está na página 1de 3

A castração química x

O caso do estupro de uma jovem de 16 anos no Rio de Janeiro causou grande discussão
nas redes sociais e motivou protestos contra a cultura do estupro. Entre alternativas e
suposições de como frear a violência sexual, alguns comentários questionaram por que
o Brasil não adotava a “castração química” para estupradores. Mas você sabe o que é
este procedimento?

O método consiste em uma forma temporária de privar o paciente de impulsos sexuais


com uso de medicamentos hormonais. Ou seja, não ocorre a remoção dos testículos e
o homem continua fértil, mas por ter oscilações na dosagem dos hormônios ele passa
a ter dificuldade para ter e manter as ereções e há redução daquele estímulo interno
que funciona como fonte de fantasias e nos conduz a procurar situações eróticas.

A alternativa ganhou força com um projeto de lei apresentado pelo deputado Jair
Bolsonaro (PP-RJ) em 2013, que está tramitando na Câmara e teve um relator
designado, o deputado Ronaldo Fonseca (PROS-DF), em junho deste ano. O texto prevê
o “tratamento químico voluntário para a inibição do desejo sexual”, mas não especifica
como e com quais drogas o método seria aplicado.

Como funciona a “castração química”?


O método consiste em tentar bloquear a testosterona, diminuindo drasticamente o
desejo sexual e até a ereção.

Existem dois tipos de drogas usados para o procedimento. Um deles simplesmente


inibe a produção da testosterona. Já o outro remédio estimula altos níveis da produção
hormonal: o corpo é enganado ao acreditar que há uma produção excessiva de
testosterona e inibe a produção natural.

Os nomes dos medicamentos usados variam, existem drogas injetáveis ou orais, que os
pacientes precisam tomar diariamente, mensalmente, uma vez por trimestre ou
semestre. As doses também não são fixas, cada medicação tem uma posologia
diferente. E, segundo os médicos, o tratamento é caro.

De acordo com o urologista e professor da UnB (Universidade de Brasília), Eduardo


Ribeiro, os produtos usados em casos de castração química são como os indicados para
pacientes com câncer de próstata em estado avançado. O câncer de próstata precisa da
testosterona para crescer e se desenvolver, então existe um tratamento de bloqueio da
testosterona para diminuir a agressividade da doença em casos graves, o processo é
semelhante.

“A droga pode ser comprada na farmácia por um valor em torno de R$ 2 mil a R$ 3 mil
por injeção, no caso de remédios que precisam ser usados uma vez a cada três meses”,
diz Meller. Além disso, o médico afirma que o produto não é de fácil acesso. “É
necessário ter receita com carimbo do médico.”
É importante até não se assustar com o termo: “castração química”. Segundo o
psiquiatra Danilo Baltieri, coordenador do Ambulatório de Transtornos da Sexualidade
da Faculdade de Medicina do ABC, o tratamento de testosterona não é uma castração.
“Essa palavra é muito forte, mentirosa. Não temos uma privação da eficácia, temos um
tratamento, uma diminuição de impulsos. Esse termo é mais jurídico do que médico”.

O método é efetivo para estupradores?


“O que acontece é que o impulso sexual do indivíduo diminui, mas o interesse continua.
Em casos de estupradores não é apenas uma questão orgânica que importa, o
problema também é ‘intelectual’”, afirma Ribeiro. “É claro que a castração não cura, não
transforma a ideologia. Mesmo se não tiver ereção, o agressor pode praticar violência
sexual de outras maneiras”, diz Ribeiro.

As drogas vão mexer com o organismo do homem, mas não impedem o agressor de
repetir os delitos. Apesar de ter o impulso sexual diminuído, a libido e os desejos
continuam.

Além disso, como o projeto de lei não deixa claro quais serão os termos de uso, médicos
também se preocupam com o uso contínuo dos remédios. “O criminoso vai se medicar
pelo resto da vida? Em longo prazo, esse tipo de medicação pode ter efeitos colaterais
como osteoporose, perda de massa muscular, dificuldades na memória e até doenças
vasculares”, afirma Meller.

Na Indonésia, por exemplo, um decreto que autoriza a castração química de pedófilos


e exige que usem dispositivos de monitoramento eletrônico em liberdade condicional
foi aprovado em maio deste ano, em resposta a um estupro coletivo e assassinato de
uma menina de 14 anos. Apesar do decreto, a associação médica nacional pediu para
seus membros não cooperarem e afirmou que “com base em provas científicas, a
castração química não garante a perda ou a redução do desejo e potencial
comportamento sexual violento”.

Segundo o psiquiatra Danilo Baltieri, coordenador do Ambulatório de Transtornos da


Sexualidade da Faculdade de Medicina do ABC, um estuprador precisaria ser avaliado
por especialistas para saber qual seria o tratamento indicado, qual o diagnóstico exato
e se o melhor seriam consultas psiquiátricas ou remédios. “Cada caso é um caso, o
problema pode ser uma doença, agressividade ou aprendizado cultural. O preso deve
ser tratado como qualquer outro, mas é preciso separar as decisões médicas das
jurídicas e não padronizar tratamentos”.

De acordo com estudos desenvolvidos na UnB, em 2010, mesmo em casos de


transtornos mentais, como a pedofilia, 90% dos agressores respondem bem a
tratamento psiquiátrico aliado a antidepressivos, e apenas 10% precisam também de
medicamentos hormonais de controle da testosterona. Mesmo nestes casos é
recomendada a terapia.

Apesar das incertezas e polêmicas, o método é usado em alguns países. Nos Estados
Unidos, doze Estados usam a castração em casos de violência sexual. Na Califórnia, por
exemplo, até a castração cirúrgica é proposta para criminosos reincidentes que
quiserem redução de sua pena. Na Argentina, a província de Mendoza adotou a
castração química após notar grandes índices de reincidência nos casos de crimes
sexuais.

Você também pode gostar