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A IGREJA HOJE NO CONTEXTO DO CAOS URBANO

PASTOR VALDIR MARFIM


São José Rio Preto - SP
pastorvaldir@outlook.com

INTRODUÇÃO

Lembro-me de uma viagem aérea junto com minha família, no percurso entre Manaus
e São Paulo, num avião da antiga Varig, voando a nove mil metros de altura.
Saímos de Manaus à tarde, e nos deleitávamos com a vista maravilhosa da terra; o Rio
Negro encontrando-se com o Rio Solimões e formando o Rio Amazonas, a floresta
imensa encobrindo tudo, impedindo até a vista de pequenas cidades, e a curvatura da
terra começando a aparecer no horizonte claro bem adiante.

Como o vôo leva quase quatro horas, após pouco tempo de vôo, a noite começou a
chegar.
Olhávamos, porém, já não víamos a paisagem abaixo de nós, pois tudo começou a se
tornar escuro na terra.
Já não víamos as estradas, nem montes, nem árvores e nem os rios. Parecia que a
viagem tinha perdido aquele encanto inicial, com toda a beleza daquilo que Deus criou
desaparecendo aos nossos olhos.

De repente, algo diferente começou a nos chamar a atenção. Muitos pontos de luz
começavam a brotar no meio da escuridão, como grupos de pirilampos piscando nas
noites escuras do interior.
Eram pequenas cidades e vilarejos que começavam a acender suas luzes para nós.
Um aqui, outro acolá e a nossa expectativa sobre a viagem começou a mudar.

Luzes estavam nascendo e nós olhávamos maravilhados do céu! Como deve ser belo
para o céu contemplar o novo nascimento de almas na terra! Pontos de luz brotando
no meio da escuridão e resplandecendo a luz de Cristo para a terra e para o alto,
mostrando que agora existe vida onde antes só havia morte, mostrando que agora
existe luz onde antes só havia trevas ! "E as trevas não prevalecem sobre a luz..."

Luzes surgiam em todos os cantos; um espaço de trevas, escuridão, de repente um


agrupamento de luzes, mais um espaço escuro e mais luzes.
Podíamos contar do alto dezenas de agrupamentos de luzes no meio daquela
escuridão toda.

Deleitávamo-nos durante um tempo a com aquela visão, quando o vôo se aproximou


da cidade de São Paulo e os pequenos agrupamentos de luzes desaparecem, e para
nosso espanto, surge diante de nossos olhos um oceano de luzes. Quilômetros e
quilômetros de luzes cintilavam aos nossos pés. (eis a igreja!)
Fiquei extasiado com aquele mar de luzes sobre o qual começávamos a mergulhar,
pois o avião iniciava os procedimentos de aterrizagem.

Enquanto o avião percorria os últimos quilômetros até a cabeceira da pista, tinha a


impressão que era uma grande seara de luzes e que iríamos colhê-las com as mãos.
(lembrei-me do arrebatamento e de Mt 24:31 - "E ele enviará os seus anjos, com
grande clangor de trombeta, os quais reunirão os seus escolhidos, dos quatro ventos,
de uma a outra extremidade dos céus.")

A luz é verdadeiramente algo maravilhoso de se contemplar !

Pouco tempo depois, após a aterrizagem, saímos do aeroporto e entramos no trânsito


da cidade.
A agitação, as buzinas, as freadas, o ronco dos motores, a fumaça, os faróis, o corre-
corre das pessoas numa competição sem sentido, e já quase não percebíamos a
beleza das luzes que do alto tínhamos observado.
Seria assim a vida do cristão ou da igreja do Senhor ?
Bela olhando do alto, porém, na agitação, no caos do mundo moderno mistura-se com
ele e não é mais percebida ? A sua luz não é mais percebida e valorizada pelas
pessoas ?

II - TORNANDO-SE LUZ

"Contemplai-o e sereis iluminados..." (Salmo 34:5)

Em Mateus 5:14, o Senhor Jesus diz acerca daqueles homens que o seguiam e o
ouviam: "Vós sois a luz do mundo". Comparando com o salmo 34:5, podemos entender
o significado daquilo que o Senhor nos diz.
Ele morreu a nossa morte para que as trevas da morte se extinguissem em nós, para
que a sua luz pudesse nos encher e nos iluminar. Agora somos luz, não seremos mais
confundidos quando estivermos diante das trevas da morte. Não seremos mais
confundidos diante dos que ainda estão em trevas, por que nos tornamos diferentes.
Nos tornamos luz !...
"Se alguém está em Cristo é nova criatura..." (II Co 5:17).

Uma das características marcantes entre o cristão e o não cristão é que somos
pessoas diferentes. Temos luz, não luz própria, como algumas celebridades do mundo
costumam dizer de si mesmos, mas refletimos a luz de Cristo em nossas vidas.

Somos uma nova criação de Deus, novos seres, com características radicalmente
diferentes do que éramos antes. Antes éramos trevas e agora somos luz. Andávamos
de noite e agora andamos de dia.

Antes não enxergávamos, agora vemos além do véu. Antes éramos confundidos com
qualquer um, pois nas trevas todos parecem iguais, agora os nossos rostos podem ser
vistos, nossas ações podem ser confrontadas e o nosso caminhar pode ser observado.

Quando contemplamos o Senhor Jesus como nosso salvador e quando entendemos o


motivo verdadeiro da sua vinda, da sua morte e da sua ressurreição, certamente
passamos a reconhecer a nossa dependência dele em tudo o que somos e fazemos.
Estávamos presos no pecado e como recompensa do pecado iríamos receber a morte.
Agora Cristo nos libertou do poder do pecado e da morte e nos deu vida, vida em
abundância.

"Vós sois a luz do mundo", somente vós, os que contemplaram a Cristo em seus
corações e o amaram e decidiram fazer a sua vontade.

Importa-vos tornar-se luz ?. Importa-vos nascer de novo ? Importa-vos ser


nova criatura ?
É importante para o homem tornar-se luz ?
Sim. Nada é mais importante para alguém do que isso.
Nas trevas há inquietação e medo. Há dor e sofrimento.
Nas trevas não há esperança, não há alegria e nem segurança; na luz sim.

Na luz há grande esperança e alegria. Na luz há segurança. Na luz há ciência,


entendimento e sabedoria . Na luz há gozo e júbilo.
"Se alguém andar de dia não tropeça, porque vê a luz deste mundo, mas, se andar de
noite, tropeça, porque nele não há luz" (Jo 11:9b e 10)
A luz é Jesus ! Olhai para ele !

III - VIVER NA LUZ É UM PROCESSO

"Mas a vereda do justo é como a luz da aurora que vai brilhando mais e mais até ser
dia perfeito" (Pv 4:18)

Quando eu nada entendia, andava em trevas. Mas um dia olhei para algumas pessoas
e percebi que havia algo diferente nelas.
Lembro-me, eu era ainda um jovem; porém, apesar de ser ainda jovem, já vivia
angustiado com a vida, com as pressões do dia-a-dia, com o trabalho, a escola, a
família e as dificuldades que todos passam em suas vidas.

Estava parado num ponto de ônibus urbano em São Paulo, e enquanto aguardava o
meu ônibus chegar, vi chegar em alguns carros, do outro lado da rua, algumas
pessoas que me chamaram a atenção.
Elas estavam felizes, sorriam, conversavam animadamente e traziam nas suas mãos
alguns instrumentos musicais e também a Bíblia.

Atravessaram a rua, passaram por mim e se dirigiram a um templo logo adiante.


Fiquei observando aquelas pessoas até entrarem pela porta do templo, e nunca me
esqueço da forte impressão que elas deixaram em mim. Elas eram diferentes, eram
confiantes, despreendidas no seu modo de falar e pareciam ser felizes.

Percebi uma grande diferença entre aquelas pessoas e eu, e naquela noite, em meu
leito, pela primeira vez em minha vida decidi conversar com Deus.
Falei-lhe de mim e também daquelas pessoas. Disse que gostaria de ser como elas,
que gostaria de ter a fé que elas tinham e a alegria que senti em seus corações.

Dias depois aceitei uma bíblia de presente de um amigo de trabalho e pedi, até um
pouco constrangido, a um irmão para visitar a sua igreja, onde entreguei-me a Jesus.
Na verdade, ninguém precisou passar horas pregando o evangelho para mim. Foi a luz
que brilhava naquelas pessoas que tocou em mim. A luz que eu vi e que me iluminou
me levou também para ela.

Aquelas pessoas não me perceberam, não me observaram, não falaram comigo, talvez
nem sequer me olharam, mas nelas brilhava a luz de Cristo e a luz me arrebatou o
coração naquele dia!

Quando nascemos de novo e nos tornamos novas criaturas em Cristo, a sua luz nos
invade e começa a refletir em nós.
Talvez no início seja uma luz tênue. Um raio de luz que começa a brilhar e que pode se
apagar ou se tornar poderosa em nós, dependendo da disposição do nosso coração.
A comunhão com a luz faz com que ela se torne cada dia mais forte e mais brilhante.
E quanto mais ela brilha, mais ela é vista e mais é sentida, pois irradia calor.

Certa noite, eu voltava de uma viagem a trabalho, estava dirigindo o meu carro, e
faltando ainda aproximadamente 50 quilômetros para chegar a minha cidade vi um
feixe de luz muito forte no céu.
Espantado a princípio, acalmei-me logo ao perceber que alguém manobrava, com
movimentos lentos, debaixo das nuvens, um canhão de luz !
Durante o restante da viagem acompanhei aquela luz movendo-se de um lado para
outro até chegar a minha cidade.
Como uma luz potente pode ser vista de tão longe !

A comunhão com Cristo pode nos tornar como canhões de Luz, assim como ao manter-
nos frios e ausentes pode fazer com que a nossa luz se torne fraca e quase invisível.

A oração, a adoração, a leitura e a meditação na Palavra é o combustível para que a


nossa luz possa manter-se sempre forte e brilhante.
A prática da Palavra no nosso dia-a-dia é que torna a nossa luz vista e sentida pelos
que estão nas trevas e pode trazê-los também para a luz.
"Mesmo que o caos e a agitação nos pressionem, mas, se vivermos uma vida diferente
daquilo que vemos no mundo, se vivermos de uma maneira limpa, humilde, reta, pura
e saudável, os que estão em trevas verão a nossa luz, e ainda que não os notemos ou
que não venhamos a pregar-lhes o evangelho, olharão para nós e perceberão que há
algo maravilhoso em nós que gostariam também de possuir.

IV - LUZ E TEMPERO

O Senhor Jesus afirmou: "Vós sois a Luz do mundo" (Mt 5: 14), mas também disse
antes (Mt 5:13) "Vós sois o sal da terra".
Todos sabemos que o sal serve para temperar e para conservar. Mas uma
característica que marca muito o sal é que ele é essencialmente diferente daquilo ao
qual ele é adicionado.
Eu uso o termo adicionado, porque é assim que nos referimos ao sal. Toda receita que
contém este componente assim se refere: adicione sal em tal medida, ou adicione sal
a gosto, ou adicione uma pitada de sal.
Vemos então que quando o sal está presente, ele altera substancialmente aquilo ao
qual ele foi adicionado e passa a dar sabor e um gosto especial .
Quando o Senhor Jesus diz que "Vós sois o sal da terra", fica claro que a nossa
presença no mundo vai trazer grande alteração no meio onde vivemos!

A nossa luz pode ser notada até sem um envolvimento maior com as pessoas, porém,
acho que para sermos sal precisamos estar presentes, precisamos ser adicionados,
somados e misturados ao meio onde vivemos e fazer a grande diferença para que a
vida tenha um sabor especial para os que conosco vivem.

Ser sal exige uma atuação quase que corpo a corpo com aqueles que ainda não tem
sabor, que são as pessoas que vivem sem direção, na ignorância e nas trevas.

É necessário condenar o erro e não participar dele! Firmar posições de retidão e de


fidelidade a Deus!

Demonstrar com ações que não pactuamos com as tendências imorais do mundo, com
a mentira e a prostituição, tão comuns nas conversas, nos meios de comunicação e na
sociedade.

Ser sal é deixar claro para as pessoas que nos cercam que pensamos e agimos de
forma diferente do mundo. Que verdadeiramente somos diferentes !

Ser sal é agir com humildade, ser amável, manso e confiável. É demonstrar a alegria
da salvação recebida do Senhor Jesus. É enfrentar as dificuldades em paz, com a
confiança de que todas as coisas contribuem para o bem daqueles que amam a Deus.
(Rom 8:28)

Ser sal é chorar com os que choram e estender a mão ao nosso próximo na
dificuldade.

Existem muitas maneiras de ser sal, mas penso que o princípio é que o sal não salga
de longe, não tempera sem o contato e não higieniza se não for aplicado na
quantidade necessária.
Por isso o cristão para ser sal tem que estar junto, presente, com aquilo que vai ser
transformado ou receber sabor.
E essa situação exige correr-se um risco.
Existe o perigo de não salgar, de não temperar e se tornar também como os que não
tem sabor. É quando somos sal apenas aparentemente. Temos a aparência do sal, mas
não somos sal, não somos diferentes verdadeiramente.
Isso acontece muito nos dias de hoje entre os chamados “cristãos” !

Quando não passamos pelas transformações trazidas pelo sacrifício de


Cristo, quando o nosso interior não foi modificado, quando não nos
examinamos e não nos arrependemos do que somos, e o nosso "eu" ainda
domina sobre nós, quando nos esquecemos que a nossa vida aqui é efêmera,
é passageira, e que devemos pensar nas coisas lá do alto, no nosso futuro
com Cristo, então podemos nos tornar como os que não têm esperança,
enfraquecidos pelos problemas ao seu redor, por andarem apenas pelo que
vêem.

Corremos o risco de nos tornar insossos, sem sabor, e não cumprimos o nosso papel
no mundo.

Se isso acontece, então para que serviríamos ?

O Senhor Jesus nos diz que quando o sal vier a ser insípido para nada mais presta,
senão para ser lançado fora, ser pisado pelos homens; pois como lhe restaurar o sabor
?.
Não podemos apenas parecer que somos sal, mas precisamos ser verdadeiramente
Sal.

O caos de valores hoje no mundo, a agitação, as angústias e as tribulações


não podem nos afastar do amor de Cristo, a não ser que não tenhamos sido
verdadeiramente transformados, que não conhecemos o nosso Senhor, que
não tenhamos experiências com Deus e também não confiemos nele.

Quando conhecemos o Senhor e a sua Palavra, sabemos que nada acontece na vida
do cristão por acaso ou coincidência, pois os passos do homem são dirigidos pelo
Senhor (Sl 20:24).

Sabemos que não nos é dado tribulação ou tentação além das nossas forças (II Co
1:8).
Sabemos que todas as coisas contribuem para o bem daqueles que amam a Deus,
daqueles que são chamados segundo o seu propósito (Rm 8:28).
Sabemos que o Senhor conservará em perfeita paz aquele cujo propósito é firme,
porque confia no Senhor (Is 26:3).
Sabemos que o Senhor dá sustento aos que o temem (Sl 111:5).
Sabemos que o Senhor é bom, que a sua misericórdia dura para sempre e de geração
a geração sua fidelidade (Sl 100:5).

Enfim, existem tantas promessas maravilhosas para aqueles que permanecem firmes
no Senhor que somente deixaremos de ser sal e luz no mundo se perdermos o contato
com o que Deus é e com a sua Palavra.

O risco existe; quando nos tornamos preguiçosos, indolentes e rebeldes, ou deixamos


que o nosso "eu", a nossa carne domine sobre nós, podemos perder de vista tão belas
e maravilhosas bem-aventuranças que o Senhor dá aos seus filhos e promete aos que
são chamados.
O risco também é grande quando ficamos sem viver na prática o significado do que
Cristo nos diz: "Vós sois o sal da terra e a Luz do mundo".
A Luz deve brilhar e o sal deve salgar, pois se não for assim a luz é trevas e o sal é
algo que não tempera e portanto não é sal.

Vivamos pois, não por vistas, para não vivermos em desespero como o mundo, mas
por fé, para praticarmos e aprovarmos as coisas excelentes e nos tornarmos sinceros e
inculpáveis para o dia de Cristo.

Pastor Valdir Marfim

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