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Schenberg
curiosamente falando ou meditando com os olhos Como físico, Schenberg dedica-se mais às
quase sempre fechados –, fomenta a atenção dos reflexões da física teórica. Interessa-se em ver as
estudiosos sobre conceitos fundamentais da física, teorias colocadas nas experiências de laboratório,
passando pelas ideias de Newton, Maxwell, Leib- mas pessoalmente não se aplica a tais atividades. A
niz e o pensamento oriental. Nunca perde de vista a reflexão do intelectual está voltada para uma busca
questão central: “O grande problema que está diante de compreensão do processo evolutivo. Esse eixo
da física é o problema da vida” (Hamburger, 1984, perpassa a totalidade de suas preocupações sociais,
p. 24). As suas explicações conceituais motivam os existenciais ou cósmicas.
conhecimentos a fluírem – em ziguezagues ou em Entre 1948 e 1953 está na Universidade Livre
espiral –, passando com desembaraço do científico de Bruxelas. Ao voltar da Bélgica, é eleito dire-
ao artístico, ganhando novos caminhos e correlações. tor do Departamento de Física da Faculdade de
A sua trajetória histórica e científica perpassa Filosofia, Ciências e Letras da Universidade de
do “zero árabe” ao “nada hindu”; do Ocidente ao São Paulo. Organiza o Laboratório de Física de
Oriente; da matemática de Newton ao hermetis- Estado Sólido. Convence o reitor Ulhôa Cintra a
mo dos egípcios; da racionalidade da dedução à comprar o primeiro computador da USP, apesar da
mística da magia natural. A história da ciência resistência tanto dos físicos, quanto dos matemá-
de Schenberg é ao mesmo tempo uma filosofia. ticos. Como professor, não se detém em atitudes
“A relação da ciência pura com a ciência aplicada que estagnam e corroem a vida universitária. Pelo
e com a tecnologia não é percebida como uma contrário, dedica-se a um contexto maior, demons-
questão filosófica-formal independente da própria trado em suas lutas e compromissos culturais e
história da ciência em que esta relação é refletida” políticos. Além de cientista reconhecido, é eleito,
(Goldfarb, 1990, pp. 12-3). Esse modo de pensar por duas vezes, deputado estadual (1947 e 1962),
abre caminhos para as indagações sobre a natu- sendo compulsoriamente aposentado e afastado
reza, o homem e a arte. de suas funções universitárias em decorrência do
Nessas correlações, a intuição desempenha AI-5 (1969).
papel fundamental. Para ele a criação científica Na esfera artística, observa-se que, ao lado das
está relacionada com a intuição e esta com a análises sobre os artistas, surgem paralelamente
atividade artística: elaborações conceituais e a preocupação em com-
preender as várias frentes, os vários grupos e ten-
“[…] assim como o artista que olha para o rosto de dências da arte brasileira. Nos anos de 1960, por
uma pessoa e vê coisas que os outros não veem, exemplo, enfatiza as transformações tecnológicas e
e mostra através de um retrato que faz – podem como essas podem afetar o trabalho mental, a cultu-
existir coisas tão misteriosas que ele revela, que ra e as novas necessidades de comunicação artística:
às vezes não sabe, ou vem a saber depois – assim
são esses grandes físicos que têm a capacidade de “[…] A tecnologia cibernética se distingue da an-
descobrir coisas que os outros não veem” (Schen- terior pela utilização de aparelhos que permitem
berg, 1984, p. 51). a substituição parcial do trabalho mental humano
[…]. É importante observar que o emprego de no-
Nesse caminho, ao comentar as fronteiras vos recursos tecnológicos em arte corresponde às
entre o conhecido e o desconhecido, enfatiza que novas necessidades de comunicação artística […]”
o grande matemático não raciocina como “uma (Schenberg, 1988, pp. 203-4).
calculadora ou computador” – o grande matemá-
tico, usando a sabedoria oriental, é “antes uma De modo geral, na leitura crítica que realiza so-
espécie de poeta. Ele cria teorias matemáticas bre a obra de arte, procura sinais que manifestem
como se fossem criações poéticas” (Schenberg, o enraizamento dos processos de uma “realidade
1984, pp. 97 e 98). Percorrendo essas diretrizes, abrangente cósmica”.
ao longo de sua vida, lança um olhar penetrante Schenberg comenta com frequência, nos seus
na descoberta de artistas e nas conexões de suas depoimentos, que o teórico e o crítico de arte têm
obras com um universo maior. que ter um domínio grande de filosofia, explicando
criando um tempo multidimensional, comunica- estão integrados: é o que decorre de seu “novo
do pelo apartamento espacial das imagens […]” humanismo”. Insere-se nessa visão a colocação
(Schenberg, 1988, p. 36). social que dá ao artista. Amplia a dimensão exis-
tencial do artista, na medida em que coloca como
Na visão crítica da obra, Schenberg não se função da obra o “despertar da criatividade na so-
prende a estilos propriamente ditos ou à leitura de ciedade”. De modo geral, esse é também o rumo
determinados movimentos artísticos. O enfoque do intelectual e do cientista.
recai nas interações e versatilidade. No exemplo
citado, o tempo pode se articular com outros tipos “[…] essa criatividade se exprimirá no vivido.
de espaço, onde a cor não se prende ao espaço Dessa forma, o artista fica sendo uma espécie de
físico ou à extensão: o espaço (artístico) tem car- ferimento, de catalisador da criatividade que existe
ne, tem dor. Nesse contexto, recupera-se autor- em todos. Essa criatividade não tende a se manifes-
-obra-humanidade (não propriamente a equação tar basicamente na produção de obras, mas sim na
conhecida: autor-obra-público). Todos os seres própria maneira de viver” (Schenberg, 1988, p. 79).
Bibliografia
AJZENBERG, Elza. Exercícios Estéticos de Liberdade. São Paulo, ECA-USP. Tese de livre-
-docência, São Paulo, ECA-USP.
GOLDFARB, José Luiz. “Introdução”, in Mario Schenberg. Pensando a Física. São Paulo,
Nova Stela, 1990.
HAMBURGER, Amélia Império. Nota Biográfica e Entrevista com Mario Schenberg.
São Paulo, Instituto de Física/USP, 1984.
SCHENBERG, Mario. Pensando a Física. São Paulo, Brasiliense, 1984.
. Pensando a Arte. São Paulo, Nova Stella, 1988.