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7 LINGUISTICA TEXTUAL' Anna Christina Bentes 1, UM BREVE PERCURSO HISTORICO Atualmente, tomar-se 0 texto como unidade de andlise no campo dos estu- dos da linguagem pode parecer pouco questiondvel ou, mais ainda, constituir-se em uma verdadeira necessidade. No entanto, esta idéia nem sempre foi bem- aceita: houve um percurso de mais de 30 anos desde que o termo “Lingiifstica de Texto” foi empregado pela primeira vez por Harald Weinrich, autor alemao que postula toda a Lingitfstica ser necessariamente Lingiifstica dé Texto. Sem dtivida, 0 surgimento dos estudos sobre o-texto faz parte de um amplo esforgo tedrico, com perspectivas e métodos diferenciados, de constituigaio de um outro campo (em oposi¢ao ao campo construfdo pela Lingiifstica Estrutural), que procura ir além dos limites da frase, que procura reintroduzir, em seu escopo, te6rico, 0 sujeito e a situagao da comunica¢ao,-excluidos das pesquisas sobre a ~ linguagem pelos postulados dessa mesma Lingiiistica Estrutural — que compreen- dia a lingua como sistema € como cédigo, com fungao puramente informativa, 1. Agradego a Ingedore Koch pela inspiragao te6rica, comentirios ¢ revistio do texto, a Ivana Lima Regis, pelas sugestdes das miisicas ¢ pelo interesse nas discussdes sobre as andlises feitas e a Jaqueline Brandio pelas observagées acerca da estrutura dialégica da miisica E.C.T. Agradeco ainda a Helena H. Nagamine Brando pela atenciosa leitura do texto e pelos valiosos comentirios. 246 INTRODUCAO A LINGUISTICA Ingedore Koch (1994), em seu texto Lingiifstica Textual: retrospecto e perspectivas e Luiz Antonio Marcuschi (1998) em sua conferéncia intitulada Rumos atuais da Lingiiistica Textual, pronunciada no LXVI Seminario do Gru- po de Estudos Lin; Paulo, em junho de 1998, enume- ram os estudos de diversos autores’, principalmente nos Estados Unidos e na Europa, como aqueles que constituiram a primeira geragio que propunha o tex- to como uma unidade legitima dos estudos lingiifsticos e dava uma guinada no tratamento da lingua. Denise Maldidier, Claudine Norman e Régine Robin, em texto da década de setenta, intitulado Discurso e ideologia: bases para uma pesquisa, apresentam um breve histérico da constituig&o do campo dos estudos do discurso na Franga, discutindo resumidamente os interesses e os problemas das abordagens semioldgicas (Roland Barthes, Greimas), das pesquisas sobre as pressuposigdes (Oswald Ducrot) e da elaboragio do conceito de enunciacao (Emile Benveniste), para ent&g-apresentarem os interesses da chamada Andlise do Discurso de linha francesa, Todas essas abordagens podem ser vistas como fazendo parte deste esforgo teérico, iniciado na década de sessenta, de construir uma Lingiiistica para além dos limites da frase, a chamada “Lingiifstica do Dis- curso”. Ao longo desta apresentagdo, tentaremos apontar algumas diferengas importantes entre as tradigdes anglo-sax6nica e francesa de estudos sobre 0 discurso/texto®. Na histéria da constituigéo do campo da Lingiifstica de Texto, podemos afirmar que nao houve um desenvolvimento homogéneo. Segundo Marcuschi (1998a), “seu surgimento deu-se de forma independente, em varios pafses de dentro e de fora da Europa Continental, simultaneamente, e com propostas te6- ricas diversas”*. Mas, de uma forma geral, é possivel distinguir trés momentos que abrangeram preocupagées téoricas bastante diversas entre si. Nao ha consenso entre os autores de que houve uma certa cronologia na passagem de um momento para outro. Podemos afirmar, no entanto, que houve no s6 uma gradual ampliagao do objeto de andlise da Lingiiistica Textual, mas também um progressivo afastamento da influéncia te6rico-metodoldégica da Lin- giifstica Estrutural saussureana: em-um primeiro-momento, o interesse predo- 2. Os estudos enumerados sdo os que se seguem: P. Hartman (1964), R. Harweg (1968), E. Gulich (1968), W. Koch (1971), H. Weinreich (1964, 1976), J. Petofi (1978), na Alemanha; Van Dijk (1972), na Holanda; Firth (1957) e Halliday, Hasan (1973, 1976), na Inglaterra; Mathesius (1961), Firbas (1971) Danes (1970), em Praga; Z, Harris (1952) ¢ K. Pike (1967), nos Estados Unidos. Todos esses estudos esto citados em Favero & Koch (1983/1988), em Koch (1994) ¢ em Marcuschi (1998a). 3, Sugerimos ao leitor, para que possa ter uma visio mais nitida sobre as diferentes tradig6es, que faca uma leitura comparativa entre este capitulo ¢ o capitulo Andlise do Discurso no volume 2 desta obra. 4, Marcuschi (1998a), UNGUISTICA TEXTUAL =T minante voltava-se pata a,andlise transfrdstica, ou seja, para fendmenos que nao conseguiam ser explicados pelas teorias sintaticas e/ou pelas teorias seman- ticas que ficassem limitadas ao nivel da frase; em um segundo momento, com a euforia provocada pelo sucesso da gramatica gerativa, postulou-se a descrigio da competéncia textual.do falante, ou seja, a construgdo de gramdticas tex- tuais; €m um terceiro momento,.o texto passa a ser estudado dentro de seu con- texto de-produgao e a ser compreendido nao como um produto acabado, mas como um processo, resultado de opera¢Ses comunicativas e processos lingiifsticos em situagGes sociocomunieativas; parte-se, assim, para a elaboragio de uma teoria do texto. Falemos agora um pouco mais detalhadamente de cada um des- tesmomentos. Na andlise transfrastica, parte-se da frase para 0 texto. Exatamente por estarem preocupados com as relag6es que se estabelecem entre as frases e os periodos, de forma que construa uma unidade de sentido, os estudiosos perce- beram a existéncia de fendmenos que nio conseguiam ser explicados pelas teo- tias sintdticas e/ou pelas teorias semanticas: o fendmeno da co-referenciagio’, por exemplo, ultrapassa a fronteira da frase e s6 pode ser melhor compreendido no interior do texto. Antes de passarmos a andlise do exemplo a seguir, faz-se necessario observar que neste primeiro momento de constituigao da Lingiifstica Textual, um dos principais conceitos de texto era o de Harweg (1968), afirman- do que um texto era [is seatncia pronominal ininterrupla”” e que uma de suas principais caracteristicas éra o fendmeno do miiltiplo referenciamento’. Um outro conceito de texto importante era o de Isenberg (1970): um texto era definido como uma “seqiiéncia coerente de enuncijados”®. (1) “Pedro foi ao cinema. Ele nao gostou do filme.” Observar esse trecho, adotando uma perspectiva textual, significa olhar 0 emprego do pronome pessoal de 3*. pessoa de uma forma diferente. Aqui, a relagéio entre nome e pronome nao € de simples substituicdo, no sentido mais corriqueiro do termo. O uso do pronome esté fornecendo ao ouvinte/leitor ins- trugdes de conexo entre a predicagao que se faz do pronome (“nao gostou do 5. Para um maior aprofundamento nos estudos sobre referenciagdo, ver Koch (1989, 1997, 1999a, 1999c), Marcuschi & Koch (1998a, 1998b), Marcuschi (1998b, 1999c). 6. Harweg (1968) é citado em Favero & Koch, 1988, p. 13 (titulo original, 1983). 7. 0 fendmeno do miltiplo referenciamento diz. respeito ao fato de que o referente textual (aquilo sobre 0 que se fala) encontra-se retomado, 20 longo do texto, de diferentes formas. Trataremos um pouco mais aplicadamente desse fendmeno, mais adiante, no item sobre coesao textual. 8, Isenberg (1970) € citado em Favero & Koch, 1988, p. 13. 298 INTRODUCAO A LINGUISTICA filme) ¢ o proprio SN em questao (considerado como aquele sobre o qual tam- bém ja se disse algo). Esse movimento contribui para a construgao da imagem do referente (“Pedro”) por parte do ouvinte. Seré a congruéncia entre as predicag6es feitas sobre o pronome e 0 proprio SN (“Pedro”), e no s6 a concor- dancia de género e numero, que permite afirmar que 0 pronome ele é co-refe- rente de Pedro. Em outras palavras, é por conta desta congruéncia que sabemos que o pronome ele se refere a Pedro. No entanto, apenas a presenga do mecanis- mo de co-referenciacao, ao longo de uma seqiiéncia, ndo garante que esta se constitua em um texto. Mais adiante, trataremos especificamente deste fendme- no, que se convencionou chamar de “coesio referencial”. Foram justamente estudos sobre o fenémeno citado, além de outros estu- dos, como, por exemplo, aqueles em que, para se dar conta de pares ou seqiién- cias maiores de frases, foi tentada a ampliacio de classificagées j4 existentes dos tipos de relagdes passiveis de serem estabelecidas, entre as oragdes, por meio de determinados conectivos®, que fizeram com que se desenvolvesse a linha de pesquisa denominada “andlise transfrdstica”. Essa linha de pesquisa também se interessou por investigar varios outros fendmenos “transfrasticos”?a pronominaliza¢ao, a selegao dos artigos (definido e indefinido), a concordancia dos tempos verbais, a relaco t6pico-comentrio e outros. No entanto,{os estu- dos sobre a conexo entre enunciados também levou os pesquisadores a indaga- rem sobre como se estabelecia a relagao entre uma-seqiiéncia e outra sem a presenca de um conector} /Vejamos os exemplos" a seguir: (2) Nao fui & festa de seu aniversdrio: passei-Ihe um telegrama. (3) Nao fui a festa de seu aniversério: estive doente. (4) Nao fui a festa de seu aniversario: nao posso dizer quem estava 14. Em (2), sabemos que é a relagao adversativa, implicada pelo conector “mas”, a que se estabelece entre 0 primeiro e o segundo enunciado. Em (3), sabemos que é a relagiio explicativa, implicada pelo conector “porque”, a que se estabelece entre o primeiro e 0 segundo enunciado, Em (4), sabemos que éa relac&o conclusiva, implicada pelo conector “portanto”, a que se estabelece en- tre o primeiro e o segundo enunciados. 9. Para um maior aprofundamento nos estudos sobre os tipos de relagdes que se estabelecem entre os enunciados, ver Guimardes (1987), Koch (1987) e Vogt (1980). No entanto, é importante ressaltar que os trabalhos de Guimaries e Vogt insetem-se mais na perspectiva da Seméntica Enunciativa, do que em uma perspectiva textual propriamente dita. 10. Os exemplos em questéo foram retirados de Garcia (1978). LINGUISTICA TEXTUAL 249 No entanto, os conectores mencionados (ou ainda outros que pudessem substitui-los) nao estio presentes. Nesse caso, caberia ao ouvinte/leitor cons- truir o sentido global da seqiiéncia, estabélecendo mentalmente as relacdes argumentativas adequadas entre os enunciados. O fato de ter sido necessario considerar, na construgiio do sentido global do enunciado, o conhecimento in- tuitivo do falante acerca das relagdes a serem estabelecidas entre sentengas, e 0 fato de nem todo texto apresentar o fenémeno da co-referenciagao, constituf- ram-se em fortes motivos para a construgdo de uma outra linha de pesquisa, que nao considerasse 0 texto apenas como uma simples soma ou lista dos significa- dos das frases que.o constituem. Passou-se, entiio, a0 objetivo de elaborar gra- miaticas textuais. Nas primeiras propostas de elaboragiio de gramdticas textuais, nas pala- vras de Marcuschi (1998a), tentou-se construir o texto como. objeto da Lingiits- tica. Apesar da ampliagao do objeto dos estudos da ciéncia da linguagem, ainda “se acreditava ser possivel mostrar que 0 texto possufa propriedades que diziam respeito ao préprio sistema abstrato da lingua. Dizendo de outra forma, as pri= meiras gramaticas textuais representaram um. projeto de reconstrugdo do texto como um sistema uniforme, estvel e abstrato, Neste periodo, postulava-se 0 texto como unidade te6rica formalmente construfda, em oposigao ao discurso, unidade funcional, comunicativa e intersubjetivamente construfda. Como foi dito anteriormente, nao é possfvel afirmar que houve uma orden?’ cronolégica entre o primeiro momento (anilise transfrastica) e as propostas de elaboragiio de gramticas textuais. Pode-se afirmar, no entanto, que as propos- tas de elaboragio de gramaticas textuais de diferentes autores", tais como Lang (1971, 1972), Dressler (1972, 1977), Dijk (1972, 1973) e Petéfi (1972, 1973, 1976), surgiram com a finalidade de refletir sobre fendmenos lingiifsticos inexplicaveis por meio de uma gramatica do enunciado. Esses autores possuem alguns postulados en comum. Em primeiro lugar, consideram que néo hd uma continuidade entre frase e texto porque-ha, entre eles, uma diferenga de ordem qualitativa e nao quantitativa, jA que a significacao de um texto, segundo Lang (1972), constitui um todo que é diferente da soma das partes”. Além disso, consideram que o texto é a unidade lingiistica mais elevada, a partir da qual seria possivel chegar, por meio de segmenta¢ao, a unidades meno- Tes a serem classificadas. A segmentagio e a classificagao de um texto em unida- des menores deveria, no entanto, sempre considerar a fungi textual dos elemen- 11. Todos os autores a seguir foram citados em Favero & Koch (1988). 12. Lang (1972) é citado em Favero & Koch, 1988, p. 63. 250 INTRODUCAO A LINGUISTICA tos individuais, ou seja, que-tipo de papel cada elemento desempenha em uma dada configuracao textual. Por ultimo, consideram que todo falante nativo possui um conhecimentoacerca do que-seja_um texto, conhecimento este que ndo é redutivel a uma andlise frasal, j4 que o falante conhece nao sé as regras subjacentes As relagGes interfrasticas (a utilizagdo de pronomes, de tempos verbais, da estraté- gia de definitivizacao etc.), como também sabe reconhecer quando um conjunto de enunciados constitui um texto ou quando se-constitui em apenas um-con- junto aleatério de palavras ou-sentencgas. Um falante nativo também é capaz de resumir e/ou parafrasear um texto, perceber se ele est4 completo ou incompleto, atribuir-Ihe um titulo ou produzir um texto a partir de um texto dado, estabelecer relagGes interfrasticas etc. Assim, todo falante possuiria, segundo Charolles (1989), trés capacidades textuais basicas, a saber: a) \capacidade formativa, que lhe permite produzir e compreender um nu- mero potencialmente elevado ¢ ilimitado de textos inéditos e que tam- bém lhe possibilita a avaliag&o, com convergéncia, da boa ou mé-for- magao de um texto dado; b capacidade_transformativa, que 0 torna capaz de reformular, parafra- sear e resumir um texto dado, bem como avaliar, com convergéncia, a adequagao do produto dessas atividades em relagao ao texto a partir do qual a atividade foi executada; © capacidade qualificativa, que lhe confere a possibilidade de tipificar, com convergéncia, um texto dado, isto é, dizer se ele é uma descrigao, narragAo, argumentacio etc., e também a possibilidade de produzir um ~ texto de um tipo particular." Segundo Favero & Koch (1983), se todos os usudrios da lingua possuem essas habilidades, que podem ser nomeadas genericamente como competéncia textual, poderia justificar-se, entdo, a elaboragao-de-uma_gramatica_textual* que deveria ter basicamente as seguintes tarefas: a) /verificagao do que faz com que um texto seja um texto, ou seja, a busca \/ da determinagio de seus princ{pios de constituigiio, dos fatores respon-" sdveis por sua coeréncia, das condigdes em que se manifesta a textua- lidade; | 13. Charroles (1979) € citado em Koch & Travaglia, 1989, pp. 42-43. 14, Para um maior aprofundamento sobre as diferentes gramiticas propostas, ver Févero & Koch (1988). LINGUISTICA TEXTUAL, 251 b) levantamento de critérios para a delimitagao de textos, ja que a comple- tude é uma das caracteristicas essenciais do texto; ) diferenciacgao de varias espécies de textos." E interessante ressaltar aqui que 0 projeto de elaboracdo de gramiticas textuais foi bastante influenciado, em sua génese, pela perspectiva gerativista. Essa gramatica serja, semelhante a gramética de frases proposta por ‘Chomsky, um sistema finito de regras, comum a todos os usuérios da lingua;-que-lhes permitiria dizer, de forma coincidente, se uma seqiiéncia lingiifstica ¢-ou-nio um texto, é ou nao um texto bem formado. Este conjunto de regras internalizadas pelo falante constitui, ent&o, a sua competéncia textual. No entanto, as tarefas enumeradas nao conseguiram ser executadas a con- tento, apesar de todos os esforgos de varios lingiiistas, como os anteriormente citados'’, Se, por um lado, 0 projeto revelou-se demais ambicioso e pouco produti- vo, j4 que muitas questées nfio conseguiram ser contempladas (por exemplo, como estabelecer as regras capazes de descrever todos e apenas todos os textos possiveis em uma determinada lingua natural?) e j4 que nao se conseguiu cons- truir um modelo te6rico capaz de garantir um tratamento homogéneo dos fend- menos pesquisados, por outro lado, isso significou um deslocamento da ques- tao: em vez de dispensarem um tratamento formake-exaustivo ao objeto “texto”, os estudiosos comegaram a elaborar uma feoria do texto, que, ao contrério das gramiticas textuais, preocupadas em descfeveracompetencia textual de falan- tes/ouvintes idealizados, propde-se a investigar a constituicdo, o funcionamen- to, a produgio € a compreensao dos textos em uso. Nesse terceiro momento, adquire particular importancia © tratamento dos textos no se1 Xto pragmatico”, isto é, o 4mbito da investigacao se estende Scena one liltimo entendido, de modo geral, como 0 conjunto de ‘COndigSes externas da produgiio, recepgdo e interpretagaio dos textos. Segundo Marcuschi (1998a), no final da década de setenta, a palavra de ordem nfo era mais a gramatica de texto, mas a nogao de textualidade!’, compreendida por 15. Févero & Koch, 1988, p. 14. 16. Harald Weinrich publicou, em 1993, a sua Gramdtica textual da lingua alemd, um trabalho desenvolvido durante um longo perfodo pelo autor, onde ele pée em prética a idéia de finalmente elaborar uma Gramética Textual. 17. Para uma melhor compreensio dos estudos da Pragmética, ver capitulo referente a este campo no volume II desta obra. 48. A nogao de textualidade foi introduzida por Beaugrande e Dressler (1981), que propuseram sete Principios gerais de textualidade, a saber: a) coesividade; b) coeréncia; c) intencionalidade; d) aceitabilidadi 252 INTRODUCAO A LINGUISTICA Beaugrande como um “modo muiltiplo de conexio ativado toda vez que ocor- rem eventos comunicativos””. As mudangas ocorridas em relacao as concep- Ges de lingua (nao mais vista como um sistema virtual, mas como um sistema atual, em uso efetivo em contextos comunicativos), as concepgdes de texto (nao mais visto como um produto, mas como um processo), € em relagdo aos objeti- vos a serem alcangados (a andlise e explicacio da unidade texto em funciona- mento ao invés da anélise e explicagio da unidade texto formal, abstrata), fizeram com que se passasse a compreender a Lingiiistica-de Textocomo.uma disciplina essencialmente interdisciplinar, em fungdo das diferentes perspec- tivas que abrange e dos interesses que a movem, Ou ainda, mais atualmente, segundo Marcuschi (1998a), pode-se desenhar a LT como “uma disciplina de cardter multidisciplinar, dindmica, funcional e processual, considerando a lin- gua como nao-auténoma nem sob seu aspecto formal”. Passemos agora, entio, a considerar 0s diversos conceitos de texto que predominaram em diferentes oh, perfodos. 2. CONCEITO DE TEXTO Poderiamos iniciar esta parte, apresentando uma definigao de texto, de preferéncia a mais atual e/ou a mais reconhecida no campo dos estudos sobre texto no Brasil, indo, digamos assim, direto ao ponto. Entretanto, se assim o fizéssemos, estarfamos apagando o fato de que os conceitos, por mais interes- santes e explicativos que sejam em um determinado contexto histérico, sfio re- sultado de um longo processo de reflexdes, de idas e vindas, de disputas de/ entre diferentes sujeitos sobre um certo objeto em um determinado campo do conhecimento. Preferimos entio, mesmo sacrificando um pouco o didatismo, tentar revelar aqueles que acreditamos serem os pontos mais importantes desta hist6ria” da construgdo do conceito de texto. A partir daqui, passaremos a uma reordenagio dos momentos anterior- mente apresentados, considerando nao a constituigio do campo e seus objeti- vos, mas, sim, a definigdo de texto predominante. Podemos afirmar que, em uma primeira fase dos estudos sobre textos, fase esta que engloba os trabalhos ¢) informatividade; f) situacionalidade; g) intertextualidade. Trataremos, no item 3.1, dos prinefpios de b) a g) €, no item 3.2, do prinefpio da coesividade. 19. Mareuschi, L. A. Rumos atuais da lingiitstica textual. 1998a. 20, Para um aprofundamento sobre a relativa autonomia do sistema lingtifstico, ver Franchi (1992). 21, Para um aprofundamento sobre a constituicdo do campo da Lingiiistica Textual e sobre a evolu- io do conceito de texto, ver Févero & Koch (1988). oan LINGDISTICA TEXTUAL 253 dos periodos da “andlise transfrdstica” e da “elaboragao de graméaticas textu- ais”, acreditava-se que as propriedades-definidoras de um texto estariam_ ex- pressas principalmente na forma de organizagdo do material lingiifstico. Em outras palavras, existiriam entao textos (seqiiéncias lingiifsticas coerentes em Si) e ndo-textos (seqiiéncias lingiifsticas incoerentes em si). Segundo Koch (1997), nesta primeira fase, os conceitos de texto variaram desde “unidade lingiiistica (do sistema) superior a frase” até “complexo de proposigdes semanticas””. A concep¢ao que subjazia a todas essas definigdes era a de texto como uma estru- tura acabada.e pronta, como “produto de uma competéncia lingiifstica social e idealizada”**. Um conceito de texto que pode representar este perfodo é 0 de Stammerjohann (1975): uN termo texto abrange tanto textos orais, como textos escritos que tenham como extensiio minima dois signos lingiifsticos, um dos quais, porém, pode ser suprido pela situagdo, no caso de textos de uma sé palavra, como “Socorro!”, sendo sua extensao maxima indeterminada.* E possivel perceber, nessa defini¢ao, uma énfase no aspecto material e/ou formal do texto:-sua extensio, seus constituintes. Nesse sentido, o texto é enca- tado como uma unidade que, apesar de teoricamente poder ser de tamanho indeterminado, é, em geral, delimitada, com um inicio e um final mais ou menos explicito. Ainda fazendo parte da fase em que 0 texto é visto como um produto acabado, como uma unidade formal a ser necessariamente circunscrita, ha defi- nigdes que priorizam_o fato de o texto apresentar um. determinado conjunto de contetidos. Como exemplo, podemos citar aquela em que 0 texto é considerado como “um complexo de proposi¢ées semanticas”. Weinrich (197 1) ressalta que 0s textos podem ser definidos a partir de aspectos diversos: “a)/a seqiiéncia coerente e consistente de signos lingiifsticos; b) a delimitacao por interrupgdes significativas na comunicacao; c/o status do texto como maior unidade lingiifs- tica’”s. Essa definigao, apesar'de considerar, ao mesmo tempo, varios aspectos (0 da delimitagiio, o do sentido e do status no interior de uma teoria lingiiistica da unidade “texto”), ainda pode ser vista como pertencente a primeira fase, quando o texto € visto como o elemento primeiro de pesquisa, sem que se con- 22. Koch, I. G. V. O texto e a construcdo dos sentidos. Sao Paulo, Contexto, 1997, p. 21. 23, Garrafa, L. Coeréncia e literatura infantil: introducdo a andlise textual de produgées literdrias. Dissertacao de mestrado. PUC-SP,1987. 24. Stammerjohann (1975) é citado em Favero & Koch, 1988, p.18. 25. Weinreich (1971) é citado em Favero & Koch, 1988, p. 22. 254 INTRODUGAO A LINGUISTICA sidere o que Leontév (1969) afirma ser essencial: 0 fato de que “o texto nado existe fora de sua produgao ou de sua recepgaio”. Considerar as condigdes de produgio e de recepgio dos textos significa, entdo, passar a encarar o texto nao mais como uma estrutura acabada (produto), mas como parte de atividades mais globais de comunicagio. Nesse sentido, nas palavras de Koch (1997), trata-se de tentar compreender o texto no seu préprio processo de planejamento, verbalizagao e construgao””. Sendo assim, em uma segunda fase, aquela que abrange a elaboracao de uma teoria do texto, a defini- gao de texto deve levar-em conta que: ) a produgio textual éuma atividade verbal, isto é, os falantes, ao produ- zirem Unr texto, estao praticando ag6es*, atos de fala. Sempre que se interage por meio da lingua, ocorre a produgao de enunciados dotados de certa forga, que iro produzir no interlocutor determinado(s) efeito(s), ainda que nao sejam aqueles que o locutor tinha em mira. Dijk (1972) afirma que, em um texto, apesar de se realizarem diversos tipos de atos (cm uma carta, por exemplo, podem realizar-se atos de saudagio, per- gunta, assercdo, solicitacao, convite, despedida, entre outros), h4 sem- pre um objetivo principal a ser atingido, para o qual concorrem todos os demais. O autor propée, entao, a nogio de “macroato” de fala, aque- le que estaria ordenando os demais. Além disso, nao se pode esquecer que essas acdes ou esses “macroatos” estio inseridos em contextos situacionais, sociocognitivos e culturais, assim como a servigo de cer- tos fins sociais; b)) a produgio textual ¢ uma atividade verbal consciente”®, isto 6, trata-se de uma atividade intencional, por meio da qual o falante dar a entender seus propdsitos, sempre levando em conta as condigdes em que tal ativi- /“* dade € produzida; considera-se, dentro desta concepgo, que 0 sujeito falante possui um papel ativo na mobilizagao de certos tipos de conheci- mentos, de elementos lingiiisticos, de fatores pragmdticos ¢ interacionais, ao produzir um texto. Em outras palavras, 0 sujeito sabe o que faz, como faz e com que propésitos faz (se entendemos que dizer é fazer); 26. Leontéy (1969) é citado em Favero & Koch, 1988, p. 22. 27. Koch, 1997, p. 21 28. Sobre a concepgiio de que “dizer é fazer”, ver o capitulo Pragmdtica no volume 2 desta obra, 29. Esta concepgao €, a nosso ver, aquela que constitui a principal diferenga entre os estudos sobre 0 texto/discurso de base anglo-saxd e a chamada anélise do discurso de linha francesa. O quadro tedrico da anélise do discurso de linha francesa néo permite que se atribua & nogo de sujeito nenhuma intencionalidade. Para um maior aprofundamento, ver o capftulo Andlise do Discurso no volume 2 desta obra. UNGUISTICA TEXTUAL 255 c)/a produgio textual é uma atividade interacional, ou seja, os inter- locutores est&o obrigatoriamente, e de diversas maneiras, envolvidos nos processos de construgaio e compreensdo de um texto. Sobre esse aspecto, nada nos parece mais claro para explicar a nogao de interagio verbal do que 0 trecho que se segue: Na realidade, toda palavra comporta duas faces. Bla é determinada tanto pelo fato dé que procede de alguém, como pelo fato de que se dirige para alguém. Ela constitui justamente o produto da intera¢3o do locutor e do ouvinte. Toda palavra serve de expresso a um em relagio ao outro. Através da palavra, defino-me em relacdo ao outro, isto é, em tiltima andlise, em relagdo a coletividade. A palavra é uma espécie de ponte lancada entre mim ¢ os outros. Se ela se apdia sobre mim numa extremidade, na outra se apéia sobre meu interlocutor. A palavra 6 0 territ6- rio comum do locutor e do interlocutor”, = Nao poderfamos deixar de seguir a forma como Koch (1997), em seu Ulti- mo livro, finaliza o problema da conceituagao da unidade “texto”, A autora nado 86 apresenta a sua prépria formulagao sobre o que € um texto, mas também a formulag&o de mais outros dois autores. Ao fazer isso, sinaliza para o fato de que sempre teremos a nossa disposi¢&o mais de uma definigdo de texto ou da- quilo que se postula ser 0 objeto da Lingiifstica Textual, importando, entao, escolher aquelas que compartilhem Pressupostos tedricos e que sejam passfveis de serem reconhecidas como estabelecendo relagGes de proximidade e complementariedade. Para concluirmos esta segdo, apresentaremos duas das definigdes de texto mobilizadas pela autora, ¢ em uma delas, além da definigao. de texto, sao apresentados os objetivos da disciplina: bf Poder-se-ia, assim, conceituar 0 texto, como uma manifestagao verbal constitufda de elementos lingiifsticos selecionados e ordenados. pelos falantes durante a ativi- dade verbal, de modo a permitir aos parceiros, na interagao, ndo apenas a depreensio de contetidos semAnticos, em decorréncia da ativagao de processos estratégias de ordem cognitiva, como também a interaco (ou atuago) de acordo com praticas socioculturais”. Proponho que se veja a Lingiifstica do Texto, mesmo que proviséria e generica- mente, como 0 estudo das operagées lingiiisticas e cognitivas reguladoras ¢ controladoras da produgio, construgao, funcionamento e recepgiio de textos es- critos ou orais. Seu tema abrange a coesio superficial ao nivel dos constituintes 30. Bakhtin, M. Marxismo e filosofia da linguagem. Sdo Paulo, Hucitec, 1986, p.L13. 31. Koch, 1997, p. 22. 236 INTRODUCAO A LINGUISTICA lingilisticos, a coeréncia conceitual ao nfvel semantico e cognitivo e o sistema de Pressuposiges ¢ implicagées a nivel pragmtico da produgao do sentido no plano das agGes e intengdes. Em suma, a Lingilfstica Textual trata 0 texto como um ato de comunicagao unificado num complexo universo de agdes humanas. Por im lado, deve preservar a organizagio linear que é o tratamento estritamente lingiifstico, abordado no aspecto da coesio e, por outro lado, deve considerar a organizacdo reticulada ou tentacular, nao linear: portanto, dos niveis do sentido e intengdes que realizam a coeréncia no aspecto semantico e fung6es pragmaticas™ 3. A CONSTRUCAO DOS SENTIDOS NO TEXTO Nesta-segio, trataremos dos fendmenos da coeréncia e da coesao textuais. A coeréncia,segundo Koch (1997), “diz respeito ao modo como os elementos subjacentes a superficie textual vém a constituir, na mente dos interlocutores, uma configuracao veiculadora de sentidos”.* A coesao, dinda segundo a autora, pode ser descrita como “o fendmeno que diz.réspeito a0 modo como os elemen- tos lingiifsticos presentes na superficie textual encontram-se interligados, por meio de recursos também lingiiisticos, formando seqiiéncias veiculadoras de sentido”.** Neste capitulo, também por razdes de espago, daremos maior énfase aos aspectos relativos 4 coeréncia textual, do que aqueles relativos A coesio. Uma principal motivagao para organizarmos 0 trabalho dessa maneira foi a pré- pria natureza dos textos escolhidos como objetos de andlise. Os dados, no en- tanto, nao foram escolhidos apenas porque se constitufam em bons exemplos para a teoria a ser apresentada. Ao contrério, procuramos trazer textos diversos, que circulam em nossa sociedade e com os quais estamos em contato cotidiana- mente, de uma forma ou de outra. Letras de misicas, manchetes e/ou titulos de matérias jornalisticas, propagandas, artigos de opinido, trechos de colunas de jornal, entre outros, so, a nosso ver, o material lingiifstico que devemos tomar para a andlise e compreensdo dos processos de construgiio dos sentidos e do funcionamento da linguagem. Exatamente por reconhecer a complexidade dos processos de produgdo e compreensio dos textos nas diferentes situagdes co- municativas, priorizamos uma espécie de leitura top-down dos textos analisa- dos, ou seja, uma leitura que considere, primeiramente, os elementos subjacentes ao texto para uma primeira aproximagao, para depois, entdo, tendo considerado. os condicionamentos mais amplos a que os textos esto submetidos, passarmos 32. Mareuschi, L. A. Lingiifstica textual: 0 que é € como se faz, Recife, UFPE, 1983, pp.12-13 33. Koch, 1997, p. 41. 34. Koch, 1997, p. 35. LINGUISTICA TEXTUAL 287 a tentar compreender mais especificamente os recursos lingiifsticos mobiliza- dos na superficie textual. 3.1. A coeréncia textual Buscaremos, a partir de agora, apresentar os principais pontos de uma discussdo central na Lingiifstica Textual;a saber, aquela sobre as relagdes entre texto e coeréncia. Essa discuss&o comega a ocorrer a partir do momento em que se percebe que 0(s) sentido(s) do texto nao estd/estZo-no texto em si, ..mas depen- de(m) de fatores de diversas ordens: lingiiisticos, cognitivos, socioculturais, inferacionais. /Isso se constitui em uma postulagio legitima, j ja que os estudos sobre 0 texto nao estavam mais centrados na construgao de uma gramitica tex- tual, mas sim, na busca do que chamaram de ‘‘critérios de textualidade’}. Para Koch & Travaglia (1989) a textualidade ou a textura é aquilo que faz de uma seqiiéncia lingiifstica um texto e nao um amontoado aleatério de palavras. A seqiiéncia € percebida como texto quando aquele que a recebe € capaz de percebé- la como uma unidade significativa global”, A partir do estabelecimento dessas premissas, acontece o debate:-cxiste 0 nao-texto? Alguns autores responderam que sim. Para Beaugrande & Dressler (1981), “texto incoerente é aquele em que o receptor (leitor ou ouvinte) nado consegue descobrir qualquer continuidade de sentido, seja pela discrepancia entre os conhecimentos ativados, seja pela inadequagio entre conhecimentos e © seu universo cognitivo”™*. Marcuschi (1983) também defende a existéncia de textos incoerentes. Michel Charolles (1987a, apud Favero & Koch, 1983) afirma que, a partir de meados da década de setenta, houve uma revisio das graméticas de texto porque se verificou que as seqiiéncias de frases nao eram coerentes ou incoeren- tes em si, mas que tudo dependia muito da situag&o em que estas seqiiéncias eram enunciadas e da capacidade do receptor de calcular 0 seu sentido. Charolles (1989), em seu classico artigo Introducéo aos problemas da coeréncia dos tex- tos, afirma que nao ha textos incoerentes em si, porque nao ha regras de boa formagio de textos (como ha para as frases) que se apliquem a todas as circuns- tancias e cuja violagdo, como na sintaxe das frases, levasse ao mesmo veredic- to: € um texto, nao é um texto. Segundo 0 autor, tudo vai depender muito dos usuarios (do produtor e, principalmente, do receptor) do texto e da situacao. 35. Koch, I. G. V. & Travaglia, L. C. Texto e coeréncia. Sao Paulo, Cortez, 1989, p. 26. 36. Beaugrande & Dressler (1981) so citados em Koch & Travaglia, 1989, p. 32. 258 INTRODUCAO A LINGUISTICA Para 0 autor, quando estamos diante de um texto, nossa primeira atitude é a de sermos cooperativos para com ele, ou seja, sempre agimos como se este fosse coerente, fazendo tudo para compreendé-lo. Charolles, a partir da década de oitenta, defende que a coeréncia de um texto € um “principio de interpretabilidade”, ou seja, todos os textos seriam, em principio, aceitaveis. No entanto, admite-se que o texto pode ser incoerente emn/ para determinada situag0 comunicativa. Em outras palavras: “o texto sera in- coerente se seu produtor nao souber adequé-lo a situacdo, levando em conta inten- ¢0 comunicativa, objetivos, destinatario, regras socioculturais, outros elementos da situagao,-uso dos recursos lingiiisticos etc. Caso contrario, sera coerente”*”, | No entanto, nem todos sao destinatérios ou leitores cooperativos. Em uma matéria da revista Veja, de 6 de janeiro de 1999, intitulada Qualquer nota e com 0 subtftulo Pretensiosas ou ingénuas, as letras sem sentido déo o tom na MPB, 0 jomnalista Celso Masson, na se¢do de misica da revista semanal, emite julga- mentos bastante categéricos a respeito do que ele chama de “falta de idéias para uma boa letra”. Olhando o titulo e o subtitulo, j4 podemos antecipar que o jor- nalista ird fazer uma pesada critiéa a falta de contetido das letras da MPB de hoje. Um dos recursos que o autor utiliza para qualificar o referente textual “as letras da MPB” sio as adjetivagdes bastante pejorativas em relagdo a este refe- rente: “letras sem sentido”, “letras mais esquisitas”, “versos estapafiirdios”, “le- tras estranhas”, “letras que sdio apenas associagdes de palavras, encaixadas umas nas outras por sua sonoridade”, “versos misteriosos”, “pérolas”, “refrdes pega- josos”. Sua critica abrange tanto compositores mais consagrados como Caetano Veloso e Gilberto Gil, como outros compositores mais recentemente langados como Chico César, Carlinhos Brown e Claudinho & Buchecha. Nao continuare- mos a mostrar Os outros recursos que o autor do texto utiliza para sustentar sua argumentagao. Tampouco pretendemos avaliar a andlise feita pelo autor. Nossa intengao ao trazer este exemplo é o de mostrar que: ‘a)) os leitores e/ou destinatdrios podem emitir julgamentos sobre a coe- r€ncia (sentido global) ou incoeréncia (falta de sentido global) das pro- dugGes textuais que a eles sao destinadas; b) (os leitores e/ou destinatérios podem chegar A conclusdo de que nem todos 0s textos siio, em principio, aceitdveis; neste sentido, para eles, \ existem textos “sem sentido”, ou ainda, “incoerentes”; c)/ 08 leitores e/ou destinatérios podem fazer julgamentos sobre a coeréncia ou incoer€ncia de uma certa produgio textual, levando em consideragio 37. Koch & Travaglia, 1990, p. 50. LINGDISTICA TEXTUAL 259 dy apenas os esquemas textuais a partir dos quais esta produgdo se encontra estruturada; na matéria da revista Veja, por exemplo, é possivel perce- ber, em um certo trecho, que 0 autor revela a sua preocupaco com uma auséncia da “estrutura narrativa da cang4o”; em outras palavras, este leitor possui uma determinada imagem do que seria o “verdadeiro” es- quema textual ao qual as letras de mtisica deveriam corresponder; seu julgamento est4 baseado em um certo descompasso que existe entre a imagem deste esquema textual que ele gostaria de ver atualizado ou ex- Presso e€ aquilo que de fato é elaborado pelos compositores; os leitores e/ou destinatérios podem emitir julgamentos de coeréncia ou incoeréncia sobre uma determinada produco textual, considerando apenas partes do texto com o qual tiveram contato; mais uma vez a matéria da revista Veja é um bom exemplo disso, j4 que 0 autor mostra apenas os trechos de algumas miisicas, omitindo 0 resto das letras; esse foi o caso da letra da mtisica do compositor MC Buchecha (da dupla Claudinho & Buchecha): se 0 jornalista nio tivesse recortado apenas 0 trecho “Venero demais o meu prazér/Controlo 0 calendério sem utili- zat as ios”, mas tivesse reproduzido 0 texto*’, provavelmente seria mais dificil emitir julgamentos tao severos; a expressio “versos miste- tiosos” talvez nao se aplicasse aos versos em questo, caso 0 jornalista nao emitisse seu julgamento baseado, principalmente, no recorte” fei- to por ele préprio da letra da miisica; de qualquer maneira, 0 importan- te € que o leitor ou o destinatério pode emitir julgamentos mais generalizantes sobre uma determinada produgao textual, mesmo consi derando apenas algumas partes do texto, que prejudicariam, segundo a Optica do leitor ou destinatdrio, a compreensio global do texto; a atribuigdo da qualidade de “coeréncia” ou “incoeréncia” a uma deter- minada producao textual nao é unanimes'um mesmo texto pode ser qualificado por alguns leitores e/ou destinatarios como incoerente, e, 38. O texto completo da letra da mtisica Sé Love, € 0 que se segue: “S6 Love, $6 LovelS6 Love, S6 LovelS6 Love, 86 Love/S6 Love, $6 Love/Quero de novo com voeé/ Me atracar com gosto/Corpo, alma e coragio/Venero demais 0 meu prazer/ Controlo o calendirio sem utilizar as mos/Amor, vou esperar pra ter © seu prazer/Seu corpo é mais quente que 0 soV/Eu vivo a sonhar, pensando em vocé/Delirios de jogar futebol/E mesmo que arriscasse alguém/Nao seria tao bom quanto é/Eu no vou confiar em ninguém/E nem vou me envolver com qualquer/Pra despir toda essa razo/E a emogdo transparecer/Deixarei que os ‘momentos se vo/Pra amar, tem que ser vocé” (MC Buchecha), 39. Se este recorte apontasse 0 mau uso de elementos linglifsticos e estruturais, com um alto gran de violacio do cédigo lingtiistico, poderfamos afirmar que estariam criadas as condigSes para o surgimento de ‘uma incoeréncia local, No entanto, este niio parece ser 0 caso dos versos em questio. 260 INTRODUGAO A LINGUISTIC por outros, como coerente; mais uma vez, a matéria referida anterior- mente é um exemplo disso: comentando 0 trecho da letra da mtisica S6 Love, “Venero demais o meu prazer/Controlo o calendério sem utilizar as maos”, o jornalista relata que 0 compositor MC Buchecha, ao ser indagado sobre o significado dos versos em questo, respondeu que se tratava de um manifesto antionanista (aqui considerando-se que o pro- dutor do texto também € seu leitor); j4 o jornalista refere-se ao trecho acima como “perdélas” e “versos misteriosos”; f), como ja dissemos no inicio desta andlise, a atitude do leitor ou destina- tério ante uma determinada produgao textual pode ser mais ou menos cooperativa; isso dependerd de uma série de fatores, entre eles, 0 pr6- prio papel social do leitor ou do destinatério: um critico de arte (seja ele especificamente critico de miisica, de obras literdrias, de artes plas- ticas etc.), um professor de lingua e/ou de literatura, um editor chefe de uma redacao de jornal, um assessor de editora etc., até porque suas atividades profissionais dizem respeito 4 compreensio analitica das diferentes linguagens, deverao ler e/ou ouvir os textos de maneira dife- rente daquela de outros leitores e/ou destinatérios das mesmas produ- gGes textuais; g)) finalmente, ao emitirem o julgamento sobre a coeréncia ou a incoerén- cia de um determinado texto, os leitores ou destinatdrios das produ- ges textuais podem nao levar em consideraco varios outros fatores, que podem contribuir para a construgao de um sentido mais global. Se atentarmos para as consideragées feitas a partir da matéria da revista Veja, podemos confirmar a postulagdo de que a coeréncia é um principio de interpretabilidade, ou seja, podemos perceber que a coeréncia de um texto nao depende somente de uma correta decodificagio dos sentidos presentes no texto, decodificacao esta feita por meio da detalhada observagiio dos elementos lingiifsticos. Em nossa vida cotidiana, imersos em nossa cultura ocidentalizada e letra- da, quase desde sempre em contato com as mais diversas formas textuais, estamos, a toda hora, processando listas (telefonicas, de nomes de alunos com suas res- pectivas notas, de produtos com pregos, entre outras), extratos bancarios, pres- tagdo de contas do condominio, notificagdes de excessos no transito, ordens de servigo, diciondrios, enciclopédias, editais de concursos, antincios publicitarios etc. como textos, porque atribuimos a essas seqiiéncias significados globais. No entanto, para cada um desses géneros textuais, devem ser observadas certas con- UNGUISTICA TEXTUAL 261 digdes: nao os lemos da mesma maneira, e os princfpios gerais aplicados, neces- sdrios para que 0(s) sentido(s) global(is) seja(m) estabelecido(s), nao vém espe- cificamente de nossa capacidade de decodificagao-do sistema lingiifstico, mas de nossa insergao na sociedade como um todo. Em outras palavras, a coeréncia de uma determinada produgao textual depende de uma série de fatorés, entre os quais alguns j4 apontados, tais como recursos lingiifsticos, conhecimento de mundo, papel social do leitor ou destinatario etc., € outros que serao apresenta- dos logo a seguir, quando estivérmos examinando textos, ou partes deles, toma- dos como legitimas unidades de andlise. Vejamos 0 exemplo a seguir: (5) Debaixo dos caracéis dos seus cabelos (Roberto Carlos/Erasmo Carlos) 1. Um dia a areia branca 18. Uma saudade um sonho 2. Seus pés irdo tocar 19. Um dia vou ver vocé 3. E vai molhar seus cabelos 20. Chegando num sorriso 4, A gua azul do mar 21, Pisando a areia branca 5. Janelas e portas vao se abrir 22. Que é seu parafso 6. Pra ver vocé chegar 23. As luzes ¢ 0 colorido 7. E irdo se sentir em casa 24. Que vocé vé agora 8. Sorrindo vai chorar 25, Nas ruas por onde anda 9. Debaixo dos caracéis dos seus cabelos 26, Na casa onde mora 10. Uma est6ria pra contar 27. Vocé olha tudo ¢ nada 11. De um mundo to distante 28. Lhe faz ficar contente 12. Debaixo dos caracéis dos seus cabelos 29. Vocé s6 deseja agora 13. Um solugo e a vontade 30. Voltar pra sua gente 14, De ficar mais um instante 31. Debaixo dos caracéis do seus cabelos 15. Vocé anda pela tarde 32, Uma estéria pra contar 16. Eo seu olhar tristonho 33. De um.mundo tao distante 17. Deixa sangrar no peito 34, Debaixo dos caracéis dos seus cabelos 35. Um solugo e a vontade 36. De ficar mais um instante O exemplo(5) pode nos ajudar a compreender, em primeiro lugar, como a situagGo comunicativa interfere na produgao/recepgao do texto. Segundo Koch e Travaglia (1990), a situagio comunicativa tanto pode ser entendida em seu sentido estrito — contexto imediato da interagao —, como pode ser entendida em seu sentido mais amplo, ou seja, 0 contexto s6cio-politico-cultural. Sobre a letra da miisica do exemplo (5), poderfamos dizer, somente a partir dos conteti- 262 INTRODUGAO A LINGUISTIC dos nela expressos, que ela fala sobre uma pessoa que se encontra em um lu gar distante, que nao esté feliz e que tem como sonho voltar para o seu lugar de origem. Os motivos pelos quais esta pessoa se encontra distante e triste nao estao explicitados. No entanto, se tivermos conhecimento de alguns elementos relevantes do contexto sociocultural em que_a letra foi produzida, como, por exemplo, o fato de que ela foi produzida quando varios intelectuais e artistas tiveram de sair do Brasil e viver no exilio em outros paises, seria possivel fazer uma outra leitura, ou seja, seria possivel dizer que o poeta/locutor nao fala sim- plesmente de uma pessoa triste em um lugar distante, mas dos sentimentos de tristeza e de vazio de uma pessoa quando esta se encontra no exilio, obrigada a ficar longe da sua gente, de sua cultura, do seu lugar: “Vocé anda pela tarde/E 0 seu olhar tristonho/Deixa sangrar no peito/Uma saudade um sonho...”; ou ainda “As luzes € 0 colorido/Que vocé vé agora/Nas ruas por onde anda/Na casa onde mora/Vocé olha tudo e nada/Lhe faz ficar contente/Vocé s6 deseja agora/Voltar pra sua gente...”. O conhecimento da situagdo comunicativa mais ampla contribui para a focalizagao, que pode ser entendida como a(s) perspectiva(s) ou ponto(s) de vista pelo(s) qual(is) as entidades evocadas no texto passam a ser vistas, pers- pectivas estas que, com certeza, afetam nao sé aquilo que o produtor diz, mas também o que 0 leitor ou destinatario interpreta. Continuando a andlise do tex- to, podemos afirmar que 0 conhecimento de um outro elemento da situagio comunicativa pode contribuir para uma releitura do texto em questo. Por exem- plo, se soubéssemos que o poeta/locutor do texto em questo tinha em mente uma pessoa especifica, a qual procura homenagear com esta miisica, e se sou- béssemos que a pessoa a quem 0 texto se refere é 0 poeta e compositor baiano Caetano Veloso, os versos a seguir significariam diferentemente para nés: “De- baixo dos caracdis dos seus cabelos/Uma est6ria pra contar/De um mundo tao distante...”; “Um dia a areia branca/Seus pés irdo tocar/E vai molhar seus cabe- los/A Agua azul do mar...”; “Um dia vou ver vocé/Chegando num sorriso/Pisan- do a areia branca/ Que é seu paraiso...”. O fato de sabermos quem € 0 sujeito de quem esses versos falam, o fato de sabermos que ele é baiano, de sabermos que a Bahia é um dos estados litoraneos do Brasil, 0 fato de termos contato com a imagem do artista naquela época, com cabelos compridos e encaracolados, 0 fato de sabermos que ele passou um tem- po morando em Londres, durante alguns anos do regime militar, 0 fato de ter- mos tomado contato com um conhecimento mais especifico sobre o referente textual nos faz olhar a letra da mtisica com outros olhos e, a partir de ent&o, a nossa interpretagéo no sera mais a mesma. Temos aqui uma situacéo comuni- cativa reconstruida, de um tempo em que a liberdade era um valor apenas culti- LUNGUISTICA TEXTUAL 263 vado nos coragées e mentes, sem poder ser experienciado plenamente, situagao esta que podemos apenas vislumbrar, quando entramos em contato com a letra da miisica de Roberto e Erasmo. Nao estamos advogando que esta letra nao é possivel de ser interpretada sem 0 conhecimento de determinados elementos da situagio comunicativa em que ela foi produzida. Isso seria negar a existéncia de sua poesia, da polissemia, da propria nogao de coeréncia como um principio de interpretabilidade. Seria negar 0 fato de que ela pode muito bem se ajustar a situacgdes outras de distancia- mento, de soliddo, de tristeza. O que estamos simplesmente dizendo é que a situago comunicativa pode contribuir fortemente para a construgao de um ou de mais de um sentido global para o texto. Uma boa andlise textual deve levar em consideracao este fator, sob pena de deixar de enxergar/mostrar as possibi- lidades das relag6es entre a linguagem e 0 mundo. Vejamos um outro exemplo em que podemos melhor discutir outros fatores de coeréncia: ©) ECT. (Nando Reis/ Marisa Monte/Carlinhos Brown) 1. Tava com cara que carimba postais 2. Que por descuido abriu uma carta que voltou 3. Tomou um susto que Ihe abriu a boca 4. Esse recado veio pra mim, nao pro senhor 5. Recebo craque colante, dinheiro parco embrulhado 6. Em papel carbono e barbante 7. B alé cabelo cortado, retrato de 3x4 8. Pra batizado distante 9. Mas, isso aqui, meu senhor, 10. E uma carta de amor 11. Levo o mundo e nfo vou lé 12. Levo o mundo e nao vou li 13. Levo o mundo e niio vou lé 14, Levo 0 mundo e ni vou lé 15. Mas esse cara tem a lingua solta 16. A minha carta ele musicou 17. Tava em casa, a vitamina pronta 18. Ouvindo no rédio a minha carta de amor 19. Dizendo: eu caso contente, papel pas- sado e presente 20. Desembrulhado 0 vestido 21. Eu volto logo, me espera 22. Nao brigue nunca comigo 23, Eu quero ver nosso filho 24. O professor me ensinou fazer uma car- ta de amor 25. Leve o mundo que eu vou jé Esse é um texto que se constitui um excelente exemplo para andlise de varios aspectos, tanto aqueles relativos & coeréncia, como os relativos 4 coesio textual. Em nossa andlise, entretanto, daremos prioridade para alguns fatores de coer€ncia, a saber, o\conhecimento de mundo) 0 conhecimento partilhado € as inferéncias. Comecaremos por aquilo que, a nosso ver, pode ser-o- maior respon- 264 INTRODUCAO A LINGUISTICA sAvel por uma certa dificuldade de compreensao do texto: 0 jogo de vozes, ou seja, a mudanga nfo marcada textualmente de enunciador“, que contribui para que‘0 texto apresente internamente diferentes perspectivas. Caso 0 leitor ou 0 destinatario nao percebam a troca de enunciadores, a mudanga no foco/na pers- pectiva, a compreensio do sentido global do texto pode ficar prejudicada. Veja- mos como podemos proceder a esta andlise: a) da linha | a linha 3, quem fala é 0 locutor (ou narrador) do texto; nar- rativa em 3° pessoa; b) na linha 4, quem fala € 0 narrador do texto, mas como personagem da histéria; discurso direto da personagem, em um didlogo com a outra Ppersonagem; c) da linha 5 até a linha 8, quem fala é o “cara que carimba postais”, ou seja, um funcionério dos correios, respondendo a interpelagio feita pela outra personagem; d) nas linhas 9 e 10, volta a falar o narrador, como personagem da hist6- tia, dando continuidade ao didlogo com 0 funcionério dos correios; c) da linha 11 a linha 14, quem fala é 0 “eu poético” do funciondrio dos correios; f) da linha 15 4 linha 18, volta a aparecer a voz do narrador; g) da linha 19 & linha 24, quem fala é o enunciador da carta; h) na linha 25, quem fala é 0 “eu poético” do narrador, em resposta ao “eu poético” do funciondrio dos correios. Como podemos perceber, este texto € construido a partir de um emaranha- do de pontos de vista. Nao pretendemos esgotar aqui todas as configuragdes de vozes ou perspectivas enunciativas nele presentes, mas tentaremos apresentar aquela que nos parece possivel de ser sustentada pela teoria do texto aqui postu- lada. Temos, no minimo, quatro vozes:-a-voz do-narrador, a voz das duas perso- nagens (0 narrador como personagem-e-o-funcionario dos-correios) ea voz do enunciador da carta. Além dessas vozes, podemos dizer que tanto o narrador, 40. Segundo Koch (1987), a nogao de enunciador € primeiramente proposta por Ducrot (1987), quan- do discute a questdo da polifonia. A polifonia, ou methor dizendo, o jogo de vozes no discurso, caracteriza- se pelo fato de o locutor de um texto incorporar em seu discurso assergées atribuidas a outros enunciadores (personagens do discurso), aos interlocutores, a terceiros, a pontos de vista diferentes ou até mesmo & opinido publica em geral. A autora ainda lembra que este termo & emprestado de Bakhtin (1970/1981) quando de sua andlise do romance de Dostoiévski. Para um aprofundamento da nocdo de polifonia, ver Ducrot (1987) e Koch (1987 1997). LINGUISTICA TEXTUAL 265 como o funcionario dos correios sustentam cada um uma outra voz, a saber, os “eus poéticos”. Ambos sao personagens complexas, heterogéneas, que dio voz, na mesma hist6ria, a diferentes sujeitos: de um lado, temos o funciondrio dos correios que também se apresenta como poeta; de outro, temos 0 narrador, que € também personagem da histéria, destinatério da carta que aparece no interior da histéria e ainda parodiador da fala do funciondrio/poeta"'. Essas mudangas de perspectivas, em sua maioria, nio se encontram marcadas, como é mais usual, nem por uma pontuago especial, nem por verbos dicendi. Apenas a introdugao do esquema textual" “carta pessoal”, dentro do esquema textual “letra de musica” é marcada por um verbo dicendi (linha 19). Apresentar um esquema textual dentro de outro €é um movimento bastante com- plexo. Provavelmente, por isso foi marcado de modo mais explicito. Algumas marcas lingiifsticas, como os déiticos (“Esse recado veio pra mim, nao pro senhor...”; “Mas isso aqui, meu senhor, é uma carta de amor...”), po- dem nos oferecer pistas sobre quem esté falando. J4 as mudangas nas pessoas do discurso (de 3* pessoa para 1*, de 1* pessoa para 3°, de 1* para 2%) podem contri- buir para que tenhamos a sensagio de que 0 texto apresenta as chamadas incoe- réncias locais._ No entanto, os diferentes enunciadores vao se seguindo e é a partir do estabelecimento de uma série de inferéncias por parte do leitor/destinatario e da ativagao de seu conhecimento de mundo, que é possivel reconstruir as situagdes narradas no texto e atribuir-Ihes um sentido global. Além disso, devemos lem- brar ainda que-o leitor ou destinatério de uma determinada produgio textual depende do conhecimento_partilhado-sobre 0 que esté sendo focalizado para interpretar as palavras e/ou enunciados num sentido apropriado. Comegando pelo-tftulo.da miisica, a partir do seu conhecimento sobre 0 que significa a sigla“E.C.T.” em nosso pais, a-saber, a Empresa de Correios e Telégrafos, o leitor jé ativa um determinado frame (conhecimento de senso co- mum sobre um conceito central, e seus componentes podem ser trazidos 4 me- 41. Para compreender 0 didlogo no interior do texto entre estes “eus poéticos”, comparar os versos 11- 14 com o verso 25; para tanto € preciso observar a mudanca da 1* pessoa do presenie do indicativo, nos versos 11-14, para 3* pessoa do imperativo, no verso 25; além disso, observar também a mudanga de perspectiva que ocorre com os diferentes encadeamentos posteriores: “e no vou la”, nos versos 11-14, e “que eu vou ja”, no verso 25. 42. A medida que vivemos, tomando contato com o mundo que nos cerca e experienciando uma série de fatos e situagdes, adquirimos um certo conhecimento de mundo. Esse conhecimento encontra-se arma- zenado em nossa meméria em forma de blocos (modelos cognitivos). Um desses blocos € 0 que se chama de esquemas textuais ou superestruturas textuais, que so os nossos conhecimentos sobre os diversos tipos de texto. 266 INTRODUCAO A LINGUISTICA méria sem uma ordem ou seqiiéncia), a partir do qual ird situar 0 texto. No caso, 0 frame € “Correios” e 0 leitor, entio, poder situar o contexto institucional tematizado pelo texto. Para compreender 0 texto, no entanto, o leitor tera de mobilizar uma outra forma de organizagao do conhecimento na memoria, a éaber, os esquemas{con- junto de conhecimentos ordenados numa progressio, de modo que se podem estabelecer hip6teses sobre o que sera feito ou mencionado no universo textu- al). Ao entrar em contato com o texto, precisamos partilhar um certo tipo de conhecimento sobre o funcionamento dos Correios, funcionamento este que obedece a uma determinada ordem. Por exemplo, sabemos que caso uma cor- respondéncia deixe de ser entregue ao seu destinatario, seja por que motivo for, ela volta para os Correios, para que seja devolvida ao seu remetente e, neste percurso de volta, deve ficar por um perfodo na instituig¢do. Um outro exemplo € o seguinte: sabemos que a correspondéncia de uma pessoa é inviol4vel; por isso, faz sentido o encadeamento construfdo pelo narrador para a sua hist6ria: 0 funciondrio “tomou um susto que lhe abriu a boca” (linha 3) provavelmente por ter sido descoberto em ato de violaco da lei ou porque no esperava ser desco- berto etc. Se a pessoa que est4 aguardando a correspondéncia percebe a demora na entrega, ela ird encaminhar-se aos Correios com 0 objetivo de tentar encontré- la. Isso j4 se constitui em um plano, outra forma de conhecimento que consiste em saber como agir em uma determinada situagao para alcangar um determina- do objetivo. Essas formas de conhecimento de mundo (esquemas, planos) sfio funda- mentais para que possamos atribuir sentido aos versos “Tava com cara que ca- rimba postais/Que por descuido abriu uma carta que voltow/Tomou um susto que lhe abriu a boca...”. Um outro elemento muitoimportante para que possamos entender este texto € 0 estabelecimento de inferéncias. Ox diversos tipos de conhecimento de mundo (ou modelos cognitivos, a saber, 0s frames, os esquemas, os planos) que precisamos partilhar com 0 produtor do texto esto implicitos e foram inferidos por nds. Nao se encontra explicito no texto o fato de que alguém se dirigiu aos Correios porque estava esperando uma carta. Vejamos como Koch & Travaglia (1990) se referem ao papel desempenhado pelas inferéncias na compreensio global do texto: Quase todos os textos que lemos ou ouvimos exigem que fagamos uma série de inferéncias para podermos compreendé-lo integralmente. Se assim niio fosse, nossos UNGUISTICA TEXTUAL. 267 textos teriam que ser excessivamente longos para poderem explicitar tudo 0 que queremos comunicar. Na verdade é assim: todo texto assemelha-se a um iceberg — 0 que fica tona, isto é, o que é explicitado no texto, € apenas uma parte daquilo que fica submerso, ou seja, implicitado. Compete, portanto, ao receptor ser capaz de atingir os diversos niveis de implicito, se quiser alcancar uma com- preensao mais profunda do texto que ouve ou 18". As ages relatadas pelo narrador (a pessoa ir aos Correios com 0 objetivo de recuperar uma carta, plano este que nao se encontra referido no texto) fazem- nos inferir que a personagem estava aguardando uma correspondéncia. Essa inferéncia s6 6 possivel ser feita porque partilhamos com o produtor do texto um conhecimento sobre o funcionamento dos Correios: 0 remetente, caso sua correspondéncia nao seja entregue, recebe-a de volta. O remetente nao precisa ir aos Correios para recuperar a correspondéncia que enviou. Quem precisa fi- car atento, se esta esperando alguma correspondéncia, é o destinatério. Consi- derando esses conhecimentos, podemos afirmar que a Ppersonagem que narra a historia € o destinatario da carta que voltou. Isso pode ser confirmado pelo ver- so “Este recado veio pra mim, nao pro senhor” (linha 4), fala da personagem, destinatério da carta, em didlogo com o funciondrio dos Correios, ao reclamar do fato de ele (o funcionério) ter lido a sua carta. Podemos ainda estabelecer outras inferéncias, a partir do contetido da car- ta enviada 4 personagem. Podemos inferir, por exemplo, a partir de nosso co- nhecimento sobre determinados modos de agir altamente estereotipados em uma dada cultura, chamado$ scripts, que o narrador é uma mulher, ja que o enunciador da carta que ela recebe Ihe diz que j4 volta e Ihe pede que ela espere por ele. Podemos chegar a esta conclusio por sabermos que em nossa cultura, em geral, quem se ausenta é o homem, que parte em busca de emprego, em outra cidade. Esta inferéncia pode ser estabelecida a partir do verso “Eu volto logo, me espera” (linha 21). Para reforcar nossa hipdtese, ainda contamos com uma -outra informagio presente na carta: “Eu quero ver nosso filho” (linha 23). A pessoa que escreve para o narrador nao esté com o filho; logo, inferimos que quem esta com o filho é 0 destinatério da carta, ou seja, a mae, considerando que normalmente é a mulher quem fica com os filhos quando o pai se ausenta. -43:Koch & Travagtia, 1990, p. 65. A4@*Scripts sko planos estabilizados, utilizados ou invocados com muita freqiiéncia para especificar 0s papéis- dos participantes e as agdes deles esperadas. Diferem dos planos por conterem uma rotina preestabelecida. Trata-se de um todo seqtienciado de mancira estereotipada, inclusive em termos de lingua- gem, ou seja, como se age verbalmente numa situagfo” (Koch & ‘Travaglia, 1989: 65). Para um maior aprofundamento sobre os modelos cognitivos, yer Dijk (1992). 268 INTRODUGAO A LINGUISTICA Além disso, a presenga do pronome Possessivo “nosso” no verso “Eu quero ver nosso filho” permite-nos inferir que se trata de uma comunicagao entre os pais de uma crianga. Por ultimo, gostariamos de comentar as inferéncias que podem ser estabelecidas a partir do verso “Eu caso contente, papel passado e presente” (linha 19). Podemos afirmar que este verso inicial faz parte de uma carta-res- posta (dentro da hist6ria relatada pela narradora). Essa hipdtese pode ser confir- mada caso consideremos que a propria estrutura dialégica da letra pressupée, para 0 aparecimento do verso da linha 19, 0 que Sanford & Garrod (1981) deno- minam de “cenério interpretativo de um texto”; uma mulher pergunta a um homem, “Vocé casa comigo?”, entao, ele respondé, “eu caso contente; papel passado ¢ presente”. Dado este cendrio interpretativo, ficariam justificados tan- to 0 cardter de carta-resposta (considerando aqui no s6 o seu enunciado inicial, como também todo 0 contetido que se segue), como também a prépria expecta- tiva da narradora/personagem em receber esta resposta, 0 que a levou a colocar em funcionamento o plano de ir aos Correios reclamar pela carta que lhe seria enderegada. Que maior prova de amor do que aceitar um pedido de casamento? Neste momento, os leitores poderiam nos perguntar sobre qual poderia ser a nossa hip6tese a respeito dos motivos que levaram a narradora/personagem a escrever um pedido de casamento, j4 que, em nossa sociedade, este € um papel tradicionalmente reservado ao homem. Ha alguns indicios na prdpria carta, mas deixaremos ao leitor a possibilidade de construir a sua hipétese de leitura. Como dissemos no inicio da andlise desta letra de musica, no pretende- mos esgotar aqui todas as estratégias de processamento, mobilizadas na produ- ¢40 recep¢do desse texto. Com base nas postulagdes de Koch (1997), pode- mos afirmar que estivemos centrados até aqui na andlise das estratégias cognitivas efetuadas pelos interlocutores, compreendidas como aquelas que dizem respei- to ao uso do conhecimento (conhecimento de mundo, conhecimento partilhado, conhecimento do contexto sociocultural). Em outras palavras, segundo a auto- a, “as estratégias cognitivas, em sentido restrito, sfio aquelas que consistem na execugao de algum célculo mental por parte dos interlocutores”6, Nao foi possivel discutir os outros tipos de estratégias de processamento textual”, a saber, as estratégias sociointeracionais ou algumas outras estratégias 45. Sanford & Garrod (1981) sao citados por Koch & Travaglia, 1989, p. 65. 46. Koch, I. G. V. 0 texto ¢ a construgao dos sentidos. S80 Paulo, Contexto, p. 29. 47. Para um maior aprofundamento sobre 0s tipos de estratégias de processamento textual, ver Koch (1997). LINGUISTICA TEXTUAL 269 textuais. Nao tratamos, por exemplo, do cardter oral do texto, no fizemos uma discussdo mais aprofundada sobre a sua estrutura dialdégica, sobre a pre- senga de alguns elementos de coesio etc. Nosso objetivo foi o de tentar exemplificar como se pode proceder a uma andlise considerando 0 texto como resultado de uma atividade verbal, que revela determinadas operagGes lin- giiisticas e cognitivas, efetuadas tanto no campo de sua produ¢ao, como no de sua recepgao. HA outros fatores também-impertantes para a compreensio do sentido glo- bal de um texto intertextualidade € um)desses outros fatores. Koch (1990) afirma que a intertexthialidade éuum-fator de coeréncia importante na medida em que, para 0 processamento cognitivo de um texto, se recorre ao conhecimento prévio de outros textos. Para Barthes (1974), “(...) todo texto 6 um intertexto; outros textos esto presentes nele, em niveis varidveis, sob-formas mais ou me- nos reconheciveis”**. Isso significa que | todo texto é um objeto heterogéneo que revela uma relacdo radical de seu interior | com seu exterior; e desse exterior, evidentemente, fazem parte outros textos que Ihe dio origem, que o predeterminam, com os quais dialoga, que retoma, a que alude ou a que se opée. (...) Essas formas de relacionamento entre textos sio, como se verd, bastante variadas®. Em nossas praticas cotidianas de linguagem, nao percebemos 0 quanto os produtores utilizam-se dessa rede de relagdes entre os textos, ao elaborarem os seus préprios textos, e 0 quanto nés, leitores ou destinatdrios, nao percebemos que, a0 processarmos 0 que lemos ou ouvimos, muitas vezes nos utilizamos de nosso conhecimento sobre outros textos, para atribuir sentido global as diversas formas textuais com as quais estamos em contato. Vejamos os exemplos abaixo: (7) Ligagées Perigosas de Frankie (subtitulo: méfia, presidentes, mulhe- res € jornalistas). Titulo de uma matéria publicada no Caderno B do Jornal do Brasil, de 16/05/98, sobre Frank Sinatra. (8) Algum poder ao povo. Titulo de uma matéria publicada no Caderno Internacional do Jornal do Brasil, de 16/05/98, sobre os conflitos na Indonésia. (9) Entre beijos e tapas. Titulo de um texto de critica de teatro, publicado no Caderno B do Jornal do Brasil, de 16/05/98. 48. Barthes (1974) é citado por Koch, 1997, p. 46. 49. Koch, I. G. V. 0 texto e a construgdo dos sentidos. $40 Paulo, Contexto, 1997, p. 46. 270 INTRODUCAO A LINGUISTICA (10) Dizem que a primeira copa a gente nunca esquece. Essa, entéo, fica- rd na meméria para sempre. Ea tiltima do século e tem que dar Brasil, Fala de Roberto Carlos, lateral da Selegfio Brasileira convocado para a Copa de 1998, no Correio Popular, jornal de Campinas, Sao Paulo, 15/08/98. (11) Quem néo fizer 0 PIC Carnaval é ruim da cabega. Ou doente do pé (propaganda do Banco Itati de um tipo de poupanga que da prémios). (12) De volta para o futuro. Titulo da matéria de capa do Caderno Iustra- da da Folha de S. Paulo, de 02/01/99, sobre o escritor paulistano Jerénymo Monteiro, pai da ficgao cientifica brasileira. Os exemplos de (7) a'(12) podem ser classificados como 0 tipo de intertextualidade que Sant’anna (1985) chama de intertextualidade_de_seme- Thangas. Antes de passarmos a uma andlise do que'significa essa expressdo, vejamos a que textos remetem os textos dos exemplos: o titulo (7) retoma o titulo do filme Ligagdes Perigosas, do diretor Stephen Frears; o titulo (8) reme- te ao dito “Todo poder ao povo”; o titulo (9) remete A misica Entre tapas e beijos, de Leandro e Leonardo; o titulo (10) remete ao dito “o primeiro beijo, a gente nunca esquece”; 0 titulo (11) remete ao verso “quem nio gosta de samba, bom sujeito nao é, é ruim da cabega, ou doente do pé”, da mtisica Samba da minha terra, de Dorival Caymmi; 0 titulo (12) retoma o titulo do filme De volta para o futuro, do diretor Robert Zemeckis. Dizemos que esses’€xémplos incorporam o intertexto, para seguir-lhe a orientagao argumentatiya®Em outras palavras, os textos das exemplos de (7) a (12) reafirmam.os_intertextos Fétomados, reafirmam os seus contetidos proposicionais € ainda orientam o leitor para concluir deforma semelhante Aquela do texto-fonte. Sendo assim, podemos dizer que esses exemplos propdem uma adesiio ao que é dito no texto original. E neste sentido que Maingueneau (1976) postula para esse tipo de fendmeno um valor de captagiio de um texto por outro. HA uma pequena modalizacao no exemplo (8), pelo uso do pronome indefinido “algum”, mas o enunciado tenta orientar o leitor para a mesma diregao da argu- mentagao “o povo é quem deve decidir, o povo é quem deve mandar.” 50/0 conceito de orientagao argumentativa somente pode ser compreendido se considerarmos que ao estabelecermos relagées por meio da linguagem, pretendemos, de fato, atuar sobre os outros de determina- da maneira, obter deles determinadas reag6es; é nesse sentido que o uso da linguagem ¢ dito como essenci- almente argumentativo, ou seja, ao enunciarmos 0 que enunciamos, pretendemos orientar os sentidos dos enunciados na diregao de determinadas conclusdes e ndo de outras. Para uma melhor compreensio da dimensio argumentativa da linguagem, ver Ducrot (1977 e 1987), Vogt (1980), Guimaries (1987) e Koch (1987). UNGUISTICA TEXTUAL am Os exemplos de (7) a (12) retomam outros textos. por motivos diferentes. Por exemplo, os objetivos de uma propaganda (11) sao diferentes dos objetivos / de matérias jornalisticas (7, 8 e 12), de um artigo de opiniao (9), de uma opiniao pessoal de alguém sobre determinado assunto (10). Mas nao se pode negar que todos eles, ao serem elaborados a partir de um outro texto, de dominio mais ou menos ptiblico, revelam um pouco dessa nossa habilidade de brincar com a linguagem, de nos utilizarmos dela‘com grande desenvoltura para conseguir- m0S 6s efeitos desejados. Isso no campo da produ¢io. Jé no campo da recepgao, pode-se dizer que conhecer o texto-fonte permite ao leitor justamente perceber estejogo, mas isso nao significa dizer.que ele nao ser4 capaz de compreendé-lo, caso nao conhe¢a 0 texto retomado. Se o leitor no fizer 0 reconhecimento do texto-fonte e/ou nao conseguir perceber os motivos de sua reapresentacao, pro- vavelmente vai encard-lo como um evento noyo, atribuindo-lhe, assim, o senti- do global possfvel de ser produzido. Um exemplo dessa possibilidade de leitura é 0 desenho Os Simpsons. Nos desenhos da série, acontecem remessas a outros textos, principalmente a filmes, quase sempre no sentido de parodié-los,ironiza-los. Neste caso, terfamos 0 que Sant’ Anna (1985) chama devintertextualidade das diferengas, que, consiste em representar 0 que foi dito para propor uma leitura diferente e/ou contraria. Maingueneau (1976) postula para este tipo de fenémeno um valor de subversio de um texto por outro texto. Em um dos episédios do desenho mencionado, a familia toda, ao mudar-se para uma casa assombrada, passa a agir e a falar como varias personagens de filmes de suspense ou de terror. Uma das cenas retomadas é a classica cena do filme Psicose, de Alfred Hitchcock, em que 0 assassino mata com uma faca uma outra pessoa. Uma crianga que assista ao desenho, provavelmente, nao deveré estabelecer as relages intertextuais ali mobilizadas, j4 que os textos retomados nao sao de seu conhecimento. Mas muito dificilmente deixard de atribuir um sentido global ao episddio. Podemos concluir, entdo, que o estabelecimento de relagGes intertextuais depende do conhecimento prévio e consciente dos textos- fontes por parte do leitor. Koch & Travaglia (1990) afirmam que o fendmeno da intertextualidade é muito comum entre as matérias jornalisticas de um mesmo dia ou de uma mes- ma semana, na miisica popular, em nossas apropriagdes de provérbios e ditos populares, em textos liter4rios, publicitarios etc. Os autores afirmam ainda que as relagdes entre textos podem ser explicitas ou implicitas. Os exemplos de (7) a (12) so exemplos de intertextualidade implicita porque neles nao se encontra a indicagio da fonte. Nesse caso, o receptor, como jd dissemos anteriormente, 272 INTRODUCAO A LINGUISTICA deverd ter os conhecimentos necessérios para recuperd-la, Vejamos alguns exem- ” plos de ihtertextualidade explicit (13) Eu demito, diz FHC sobre aliado que votar contra, Titulo de uma matéria da Folha de S. Paulo, de 24/12/98, sobre as conseqiiéncias das possi- veis infidelidades partiddrias da base governista. (14) Eucaristia ndo é show, diz bispo de MT. Titulo de uma matéria da Folha de S. Paulo, de 13/12/98, onde D. Pedro Casaldaglia comenta o estilo de celebragao do padre Marcelo Rossi. (15) Nao sou gerente da crise, diz FHC. Titulo da manchete de capa da Fotha de S. Paulo, de 02/01/99, a respeito do discurso de posse do Presidente da Reptblica, no Congresso Nacional. Segundo Koch & Travaglia (1990), 0 discurso relatado (exemplos 13, 14e 15), as citagdes e referéncias no texto cientifico, resumos, resenhas, tradugées, retomadas da fala do parceiro na conversagao face a face etc., constituem-se em exemplos dé intertextualidade explicita, porque neles ocorre a indicagiio da fonte do texto primeiro:-O-que -é-interessante notar em todos os exemplos citados anteriormente retirados de jomnais é que o recurso a intertextualidade (explicita e implicita) é bastante utilizado pelos produtores deste género textual, princi- palmente nos titulos. Uma hip6tese explicativa Possfvel para a presenga maciga deste recurso em titulos de matéria jornalistica, seja ela de jornal ou de revista, é a tentativa de chamar a atengao do leitor, Por meio de um uso diferenciado dos recursos lingiiisticos-(no.caso-dos exemplos de intertextualidade implicita). Além disso, pode também ocorrer a pressuposigio de que o leitor, ao acionar seus conheci- mentos prévios sobre 0 texto-fonte ao qual o titulo remete, produza uma ima- gem positiva sobre a instituigio jarnalistic« e/ou sobre o produtor do texto, pelo fato de perceber a Presenca de uma certa criatividade na produgao do género textual em questao (ver julgamentos do tipo “puxa, que inteligente este titulo, ou esta publicidade etc.”), J4 o fenédmeno da citagao é considerado, por varios estudiosos do texto e do discurso, como fundamentalmente_ambiguo. Se, por um lado, como diz Maingueneau (1989), 0 locutor do texto jornalistico se distancia daquilo que é dito, ao atribuir aqueles contetidos explicitamente a outrem, por outro lado, ele pode estar concordando com aquilo que é dito, sem necessariamente responsa- bilizar-se por isso™. Considerando que as falas escolhidas para servirem de titu- 31. 0 conceito de intertextualidade é também discutido por Maingueneau (1976 ¢ 1989) a partir do quadro teérico da Anélise do Discurso de linha francesa, O autor postula ainda o coneeito de discursividade, conceito este que é discutido no capitulo Andlise do Discurso no volume 2 desta obra. LINGDISTICA TEXTUAL 273 los para matérias jornalisticas no sao de qualquer um, ou seja, que esta esco- lha, em geral, tem a ver com a autoridade de quem fala, com a importancia atribuida ao que é dito, com o interesse que a fala poder despertar nos leitores etc., podemos afirmar que o recurso A intertextualidade explicita estd estreita- mente ligado As suas condigGes de possibilidade: ou seja, as citagGes nos titulos de matérias jornalisticas ou mesmo em manchetes nao sao feitas da mesma maneira, nao possuem a mesma forga e nfo estao funcionando da mesma forma que as citagdes feitas em um texto cientifico ou em um romance. A nosso ver, 0 recurso a citagao em titulos est4 estritamente ligado ao contexto institucional de produgio, a saber, a instituigao jornalistica. Os locutores nela inseridos, ao pro- duzirem seus textos, sao levados a explorar ao maximo os recursos de lingua- gem que lhes oferegam a possibilidade de se constitufrem como simples “media- dores” entre o ptiblico e a informagdo. Assim, estaria reforgada a ideologia da “objetividade” e da “neutralidade”, to cara a determinados tipos de texto e/ou discursos, entre eles, 0 jornalistico. Nao pretendemos esgotar aqui a discussao sobre 0 funcionamento deste fendmeno, mas apenas apontar algumas possiveis explicagGes para o aparecimento de determinados recursos nos textos escolhi- dos para serem analisados. Por tiltimo, gostarfamos de discutir mais especificamente os dois exem- plos a seguir: (16) Vendas de veiculos caem 45% no varejo (comparagao entre outubro do ano passado e outubro deste ano). Titulo de uma matéria de 1* pagina da Folha de S. Paulo, de 28/10/98. (17) Melhora a venda de carro popular (naquela semana, houve um cres- cimento de 10 pontos em comparagao com a semana anterior). Titulo de uma matéria de 1* pagina do Correio Popular, jornal de Campinas, de 28/10/98. O que mais nos chama a atengao nesses dois exemplos € 0 fato de que as duas informagées, aparentemente contraditérias entre si, aparecem com 0 mes- mo destaque em dois jornais de Sao Paulo, no mesmo dia. Em uma, afirma-se que houve uma queda na venda de carros. Na outra, afirma-se que houve um aumento na venda de carros. Quem estaria dizendo a verdade? Qual seria a informagiio mais correta? Apesar de muito correntes e de aparente interesse geral, essas so perguntas que uma andlise textual nao se propde a responder, dado que admitimos que um texto sempre sera constituido de uma multiplicidade de significagdes, tudo dependendo de diversos fatores, entre/éles, a intencao de! quem produz e, da parte do leitor ou destinatdrio, a disponibitidade-de-aceitar aquilo que é dito. 274 INTRODUGAO A LINGUISTICA Lendo os contetidos das matérias, podemos perceber que os indices de comparacao sao muito diferentes. No exemplo (16), 0 indice é a comparagao do ntimero de vendas de carros no espago de um ano; no exemplo (17), 0 indice é a comparacao do ntimero de vendas de carros no espaco de uma semana. Ha ainda uma outra diferenga a ser considerada: no exemplo (16), fala-se das vendas de carros em geral; j4 no exemplo (17), fala-se apenas das vendas de carros popu- lares. Um dos fateres de eoeréncia que nos pode ajudar a compreender esse fe- némeno £4 intencionalidade, Segundo Koch & Travaglia (1990), “a intenciona- lidade fefere-se_ao-modo-comio os emissores usam textos para perseguir e reali- zat suas~intencdes, produzindo, para tanto, textos adequados a obtengdo dos efeitos desejados””. Para os autores, a intencionalidade tem uma relagao estrei- ta com a argumentatividade**. Nao devemos entender aqui a nogao de intencio- nalidade de uma forma simplista, Segundo-Vogt-(1980),.ano¢ao de intencionali- dade € lingiiisticamente constituida. Ela se deixaria representar, de uma certa forma, no enunciado, por meio do qual se estabelece um jogo de representa- goes, que pode ou néo corresponder a uma realidade psicoldgica ou social. Isso significa dizer que nao ha uma necesséria consciéncia, no momento da produ- ¢ao textual, desta argumentatividade, constitutiva de toda a atividade verbal. No entanto, as formas lingitfsticas utilizadas revelam certas intengdes. No caso dos exemplos (16) e (17), a argumentatividade, ou seja, a existén- cia de uma determinada intengao ou objetivo por parte de quem produz um texto, pode ser percebida pela presenca de uma determinada informagaio em detrimento de outra e pela forma de apresentacao desta informagiio. Esses dois elementos constituiriam, enfim, o sentido do enunciado. No exemplo (16), a queda na venda de veiculos é a informagao apresentada. A forma de apresenta- ¢ao dessa informacio é feita com 0 uso do tempo verbal no presente do indicativo (0 que denota a certeza do locutor sobre o que fala) e de um recurso argumentativo classico: a apresentagdo de dados numéricos (0 que constr6i um efeito de verda- de, j4 que “os ntimeros nao mentem”). 52. Koch & Travaglia, 1990, p.79. 53. Koch (1987) nos esclarece sobre a argumentatividade na linguagem: “a interagdo social por inter- médio da lingua caracteriza-se, fundamentalmente, pela argumentatividade. Como ser dotado de razio e Vontade, o homem, constantemente, avalia, julga, critica, isto é, forma jufzos de valor. Por outro lado, por meio do discurso — aco verbal dotada de intencionalidade — tenta influir sobre 0 comportamento do outro ou fazer com que compartilhe de suas opinides. E por esta razo que se pode afirmar que 0 ato de argumentar, isto é, de orientar o discurso no sentido de determinadas conclusées, constitui o ato lingiifstico fundamental, pois a todo ¢ qualquer discurso subjaz uma ideologia, na acepgaio mais ampla do termo, A neutralidade € apenas um mito: o discurso que se pretende “neutro”, ingénuo, contém também uma ideolo- gia — a de sua prépria objetividade” (Koch, 1987: 19). UNGUISTICA TEXTUAL 275 No exemplo (17), a informagao € 0 contrario daquela apresentada no exem- plo anterior: melhoria na venda de vefculos populares. Essa seria a principal diferenga. Mas nao é s6 isso: a forma de apresentagao da informagao também & diferente. A utilizag%o do verbo “melhorar” produz um efeito menos definido do que aquele apresentado pelo verbo “cair” do enunciado anterior, ja que “me- thorar” exprime um conceito subjetivo, apresentado em escalas graduadas, es- calas estas que dependem, principalmente, da conclusao a que se pretende levar 0 interlocutor: aumentar em 10% o ntimero de vendas dos carros pode significar uma melhoria, em uma determinada escala de valores; pode significar um esta- cionamento, em outra escala de valores, e pode até significar um decréscimo em outra, Ndo estamos querendo dizer aqui que um exemplo é mais exato ou verda- deiro do que outro. O que estamos tentando mostrar é que a intencionalidade é construida lingiiisticamente, que esta construcaio pode ser observada por meio das formas do dizer e nao s6.pelos contetidos expressos nos textos. Daremos agora um outro exemplo, para finalizar-x ‘discussao sobre intencionalidade e sua relacdo com um outro fator, 4 \efermatividad. > (18) “Quem ganha, quem perde. Pesquisa Datafolha mostra que Ciro Go- mes (PPS) é, até agora, quem mais ganhou com o desgaste do Presidente. No cendrio da elei¢ao sem FHC, fica pouco atras do petista Lula (22% a 27%), mas abocanha a maior parte do eleitorado tucano em 98: 21%” (texto retirado da coluna “Painel”, da Folha de S. Paulo, de 16/02/98). [> 0 fator informatividade diz respeito ao grau de previsibilidade das infor- magdes que estardo presentes no texto, se essas sao esperadas ou niio, se siio previsiveis ou nao. \Além disso, é a informatividade que vai determinar a sele- ¢40 € 0 arranjo dain Tiformagiio no texto, de modo que o receptor possa calcular- Ihe o sentido com maior ou menor facilidade (Koch & Travaglia, 1990). Nao pretendemos fazer uma discussao muito longa sobre o exemplo (18). S6 preten- demos mostrar como o arranjo das informagoes presentes no texto est4 condicio- nado pelas intengdes de seu locutor e como estas intengGes sao reguladas pelo contexto situacional mais amplo de produgao do texto. No exemplo (18), a informagao tematizada é quem seria o possfvel candi- dato “vencedor” na eleig&o presidencial de 1998. Podemos dizer que essa nota possui um grau médio de informatividade, j4 que os candidatos listados na pes- quisa eram os mesmos das eleigdes anteriores. A nota inicia com um enunciado que se propée a revelar “quem mais ga- nha”. No primeiro enunciado, 0 candidato apontado como 0 “vencedor” é Ciro Gomes, do PPS. No entanto, no enunciado seguinte, comeg¢a a se esbogar como 276 INTRODUGAO A LINGUISTICA se deu 0 arranjo da informagao nesta nota. Em primeiro lugar, o predicado “ga- nhar” no diz respeito ao conjunto total dos eleitores, mas se refere ao conjunto de eleitores que votaram em FHC. Contudo, isso s6 é revelado na construgao “A mas B”, que vem logo a seguir, onde sabemos que o argumento mais forte (“abocanha a maior parte do eleitorado tucano em 98: 21%”) vem apés 0 mas. Sendo assim, 0 universo no qual o verbo “ganhar” faz sentido somente é revela- do na tiltima oragao do texto. Além disso, os nimeros que revelam 0 candidato Lula vencendo o proprio candidato Ciro Gomes, construido como “o vencedor” pelo locutor da nota, aparecem entre parénteses, numa ordem que também pode causar alguma im- preciso no célculo de sentido a ser produzido pelo leitor. Para minimizar a informagao de que Lula é 0 candidato apontado como vencedor pela prépria pesquisa mobilizada pelo locutor, este se utiliza do advérbio “pouco” e do ar- ranjo sintético em que o referente textual (Ciro Gomes), apesar de nao ser 0 vencedor na pesquisa, ainda é sujeito da ago, mesmo subentendido: “Fica pou- co atras do petista Lula”. Nos exemplos (16), (17) e (18), podemos perceber que _as_informagées. Presentes nos noticiatios* nao séo neutras, Elas podem ser arranjadas para pro- duzir efeitos muito especfficos: no caso do exemplo (16), uma noticia que afir- ma uma queda em 45% nas vendas de carros, muito provavelmente nos aponta pata a construgdo de uma imagem pouco positiva da situag’io econémica do pais; no mesmo dia, uma outra noticia, exemplo (17), que relata uma melhora na venda de carros populares, muito provavelmente nos aponta para a construcfio de uma imagem um pouco mais positiva da situagao econémica do pafs; uma nota (18) sobre uma posstvel vitéria de um determinado candidato nas préximas eleigdes presidenciais nos aponta para a construg%io de uma imagem bastante positiva do candidato em questio. Nao foi possivel discutir todos os fatores de coeréncia que contribuem para a construcao do sentido global do texto. Também nao foi nosso objetivo, como ja dissemos anteriormente, esgotar as leituras possiveis dos exemplos apresentados. Tivemos apenas 0 intuito de apresentar textos com os quais temos contato cotidianamente e fazer andlises que pudessem contribuir para uma melhor observacao, como profissionais da linguagem, dos Pprocessos socio- cognitivos envolvidos na construgao dos sentidos. Nas andlises dos tltimos exem- plos, j4 comegamos a mobilizar os nossos conhecimentos sobre a forma de or- ganizagao dos recursos lingiifsticos na superficie textual, ou seja, sobre alguns 54. Para uma andlise mais aprofundada sobre as noticias como discurso, ver Dijk (1992). UNGUISTICA TEXTUAL 277 mecanismos de coesao. Passemos agora a discutir mais especificamente alguns aspectos relativos a esses mecanismos. 3.2. A coesdo textual Para fazer uma anilise de alguns aspectos da coesiio textual, escolhemos 0 trecho a segui (19) Quem sao eles 1, Nas maos deles, 169 milhdes de vidas, 0 destino de um pais gigante e uma crise brutal, com risco até de congestes capazes de ferimentos profundos no regime constitucio- nal e na tranqiiilidade relativa dos brasileiros. 2. Tudo foi dado a eles: sacrificio de direi- tos, o sacrificio de milhdes de empregos, 0 sactificio de incontaveis empresas brasileiras, 0 sacrificio da legitimidade do Congreso, o sacrificio do patriménio nacional, o sacrificio da Constituigo. E eles quebraram o pafs. 3. Quem sao eles? Um presidente abiilico, alheio a todas as realidades desprovidas de pompas e reveréncias e que s6 reconhece um ser humano, por acaso ele préprio; avesso a administrar, por desconhecimento agravado pela indecisao, e que se ocupa tanto de bater apo quanto nao se ocupa de trabalhar. 4. Como complemento, um ministério apenas pr6-forma, desautorizado pela evidéncia de que nao foi montado para ser competente, mas por negécio politico. E nele uma equipe econdmica dividida entre inseguros eternos, como Pedro Malan, € a audacia dos imaturos no saber e na menta- lidade, como Gustavo Franco e Francisco Lopes. 5. Em 36 horas, entre quarta e sexta-feira, 0 presidente e seus orientadores econdmicos submeteram o Brasil a trés sistemas cambiais. O dos tiltimos anos; o da repentina desvalori- zago do real, na quarta-feira; e 0 recomen- dado na noite de quinta pelo governo americano e © FMI (como relatou o “The New York Times”), liberando o valor do délar em relago ao real. Ou seja, desvalorizando ainda mais 0 real. Nem no Haiti isso aconteceu alguma vez. 6. Nio é necessario, portanto, considerar 0 que eles fizeram em quatro anos para saber do que siio capazes contra a crise perigosa. Bastam as 36 horas de obtusidade e de leviandade, com o presidente insistindo duas vezes em sair de férias a meio do turbilhao que angustiava o pais. (...) (Janio de Freitas, Folha de S. Paulo, 17/02/98). A partir de agora, principalmente por questées de espago, tentaremos fa- zer a andlise do texto do exemplo (19), considerando alguns mecanismos de coesao utilizados pelo locutor do texto, para conseguir construir sua avaliagao sobre os fatos econémicos e politicos acontecidos na semana que precedeu a publicagao do artigo. 278 INTRODUGAO A LINGUISTICA Em primeiro lugar, o locutor inicia seu texto com uma certa “estratégia de suspense”. Ele anuncia que vai falar sobre algumas pessoas (ver 0 titulo do artigo), mas nao as identifica de pronto. No titulo, o locutor mobiliza o pronome “eles” para iniciar a construgao do referente textual. Em geral, os textos sdo iniciados de outra maneira, introduzindo o referen- te textual por meio de um nome, de um sintagma, de um fragmento de oragao, uma oragiio, ou todo um enunciado, que, “além de fornecerem, em grande nu- mero de casos, instrugdes de concordancia, contém, também, instrugGes de sen- tido, isto é, fazem referéncia a algo no mundo extralingiifstico”®. No entanto, o locutor desse texto prefere continuar com a “estratégia de suspense”. No primeiro pardgrafo, as pessoas que serdo tematizadas pelo texto so designadas pelo pronome “deles”, na expressdo “Nas maos deles (...)”. No inicio do segundo pardgrafo, o locutor se refere as pessoas sobre quem vai falar por meio do pronome “eles”, no enunciado “Tudo foi dado a eles”. E finaliza esse pardgrafo com o enunciado “E eles quebraram o pafs”. Até aqui, portanto, o locutor utilizou-se do recurso da pronominalizagéo para atribuir agGes as pessoas de quem fala. Serd apenas a partir do terceiro pardgrafo que o locutor vai nos desvendar o mistério sobre a identidade do refe- rente textual. O locutor faz, entao, a pergunta: “Quem sio eles?”, e responde: “um presidente abtilico” (terceiro pardgrafo); “um ministétio apenas pr6-for- ma” e “(...) e, nele, uma equipe econémica dividida entre os inseguros eternos, como Pedro Malan, e a audacia dos imaturos no saber e na mentalidade, como Gustavo Franco e Francisco Lopes” (quarto pardgrafo). Esse mecanismo é 0 que Koch (1989) chamard de coesio referencial: “aque- la em que um componente da superficie do texto faz remissao a outro(s) elemento(s) do universo textual”, No nosso exemplo, os pronomes utilizados nos dois primeiros pardgrafos fazem remissdo aos sintagmas e as oragdes dos terceiro e quarto pardgrafos do texto. Como essa remissao foi feita para frente no texto, € denominada cataférica, Podemos dizer que esse texto teve um inicio cataférico. A partir do quarto pardgrafo, as remissGes serdo anaféricas: as expressdes “o presidente e seus orientadores econémicos” remetem para tras, para as ex- press6es “um presidente” e “uma equipe econdmica” respectivamente. A andfora, em geral, € um movimento de remiss4o mais comum, mais utilizado na constru- go da referéncia, Iniciar um texto cataforicamente é menos comum, apesar de 55. Koch, L G. V. A coesdo textual. S40 Paulo, Contexto, 1989, p. 34. 56. Koch, 1989, p. 30. UNGOISTICA TEXTUAL 279 ser um recurso argumentativo que comega a se fazer mais presente nos textos jornalisticos, como é 0 caso do nosso exemplo. Do ponto de vista argumentativo, ficou bastante interessante a combina- cdo da estratégia de suspense na construgao dos referentes textuais com a atri- bui¢io de um imenso poder a este mesmo referente, pelo mecanismo sintatico de apassivagao, nos dois primeiros paragrafos do texto: “nas maos deles”, esta- vamos todos nés e 0 destino de nosso pafs; “tudo foi dado a eles”; e a enumera- ¢ao bastante enfatica (pela repetigao do sintagma) dos diferentes “sacrificios” impostos por “eles”. Por tiltimo, o enunciado na voz ativa, atribuindo aos refe- rentes uma agao da maior gravidade: “E eles quebraram 0 pais”. Essa combinagdo fez com que a revelagio da identidade dos referentes textuais fosse mais marcante do ponto de vista argumentativo, j4 que antes des- ta identidade ser revelada, a ela foram acrescentadas as imagens de um poder imenso que nao foi utilizado em beneficio daqueles que a “eles” se entregaram. Um outro mecanismo importante de coesao referencial presente neste tex- to é a definitivizagdo. Segundo Koch (1997), uma das regras para 0 emprego dos artigos como formas remissivas é aquela em que um referente, ao ser intro- duzido por um artigo indefinido, somente pode ser retomado por um artigo de- finido. Coerente com a estratégia de suspense, o locutor utiliza-se ao maximo do expediente de iniciar os parégrafos com referentes introduzidos por artigos indefinidos, como, por exemplo, “(...) Um presidente...” (paragrafo 3), “(...) um. ministério...” (paragrafo 4), “(...) uma equipe econémica...” (paragrafo 4), para somente, entao, a partir do quinto pardgrafo, comegar a desvendar o “eles” : “o presidente” (paragrafos 5 e 6) e “seus orientadores econémicos” (pardgrafo 5). Poderiamos continuar falando de outros mecanismos de coesao referencial utilizados pelo locutor nos quatro primeiros pardgrafos do texto: a elipse, no ter- ceiro pardgrafo: “(um presidente) alheio a todas as realidades (...)”, “(um presi- dente) que s6 reconhece um ser humano, por acaso, éle préprio (...)”, “(um presidente) avesso a administrar (...)”; a remissao cataf6rica (para frente) do pronome inde- finido “tudo” aos diferentes “sacriffcios”, no segundo pardgrafo; a remissio anaf6rica do pronome indefinido “isso” aos enunciados anteriores, no quinto pardgrafo; a repeti¢ao do sintagma “o sacrificio”, no segundo pardgrafo, a repe- tigdo da expressdo nominal definida “o presidente”, entre outros. Nao seguire- mos adiante na enumeragdo dos mecanismos utilizados. O que nos interessa dizer, finalmente, sobre 0 mecanismo da coesio referencial é que este nao é utilizado ingenuamente, estando, na maioria dos casos, a servigo dos objetivos do locutor no momento da produgio de seu texto. No exemplo (19), vimos que este mecanismo apoiou fortemente a argumentagao empreendida pelo locutor. 280 INTRODUGAO A LINGUISTICA Passemos agora 4 andlise dos mecanismos de seqiienciacaio” utilizados para a progressdo do texto do exemplo (19). A progresséio do texto pode ser percebida pela forma como o tema €, ao mesmo tempo, mantido e renovado. Este procedimento de manutengao temética diz respeito a articulagdo entre a informagao dada (tema) e a informacdo nova (rema). No caso do exemplo (19), a seqiienciagao predominante é a chamada seqiienciagio parafrastica, ou seja, aquela com procedimentos de recorréncia. ‘Um primeiro exemplo dessa forma de seqiienciagio € a recorréncia de estruturas sintaticas ou o chamado “paralelismo sintatico”: “(...) 0 sacrificio de direitos, o sacrificio de milhées de empregos, o sacrificio de incontaveis empre- sas brasileiras, 0 sacrificio da legitimidade do Congresso, o sacrificio do patrim6- nio nacional, o sacrificio da Constituigao (...)” (segundo par4grafo). Um outro exemplo desse mesmo recurso: “(um presidente) alheio a todas as realidades (...), (um presidente) avesso a administrar” (terceiro pardgrafo). A reiteragdo dos termos desempenha um papel fortemente argumentativo, como se a repeti- ¢ao das estruturas funcionasse de forma que registrasse, de maneira definitiva, na mem6ria do leitor, as criticas feitas aos referentes textuais. Um outro exemplo de seqiienciagio parafrdstica é a recorréncia de conteti- dos seménticos ou pardfrase. No texto de Janio de Freitas, a pardfrase é feita no final do quinto paragrafo, introduzida pela expresso “ou seja’”: “(...) e 0 reco- mendado na noite de quinta-feira pelo governo americano e 0 FMI (como rela- tou “The New York Times”), liberando o valor do délar em relagdo ao real. Ou seja, desvalorizando ainda mais 0 real”. A pardfrase aqui presente serve para reforgar 0 encadeamento discursivo que o locutor do texto vai estabelecer logo a seguir, introduzido pelo operador “nem”: “Nem no Haiti isso aconteceu algu- ma vez”. O encadeamento discursivo estabelecido é 0 de conjungo, efetuado por operadores, como “é”, “também”, “nao sd... mas também”, “tanto... como”, “além de”, “além disso”, “ainda”, “nem”, que ligam enunciados que constituem argu- mentos para uma mesma conclusio. No caso de nosso exemplo, o relato feito pelo locutor, ao longo do quinto pardgrafo, s6 servird de reforgo para o argu- mento de incompeténcia e m4-gestdo dos governantes ante a crise que se abateu ST. Segundo Koch (1997), @ progressio textual pode fazer-se com ou sem elementos recorrentes. ‘Temos, assim, a seqlienciagao fréstica, quando ndo ha procedimentos de recorréncia estrita, ea sequenciagéo parafrdstica, quando ha procedimentos de recorréncia. Segundo a autora, os principais mecanismos de segiienciagio frdstica so os que garantem a manuteng&o do tema, os que estabelecem relagdes seménticas c/ou pragmaticas entre segmentos maiores ou menores do texto, a ordenagdo e a articulagao de seqliéncias textuais LINGUISTICA TEXTUAL 281 sobre 0 pais naquela semana. Além disso, implicitamente, coloca esta gestao em comparagao com o governo do Haiti, pais famoso por suas injustigas soci- ais, violéncias e instabilidade econémica. Nao tivemos a pretensao de esgotar a andlise dos recursos coesivos pre- sentes nesse texto. Apenas estivemos fazendo um exercicio de observagiio de alguns recursos coesivos importantes, mobilizados pelo locutor na construgdo de sua argumentagio. 4. CONCLUSAO Este texto pretendeu apresentar resumidamente o que a 4rea de Lingiifsti- ca Textual, no Brasil, conseguiu desenvolver teoricamente para propiciar andli- ses sistematicas de produgGes textuais sociocognitivamente contextualizadas. Além disso, o texto pretendeu oferecer uma breve revisdo dos conceitos e cate- gorias que foram sendo elaborados ao longo da histéria de construgio deste campo. Estivemos explorando até aqui basicamente os conceitos de coeréncia e coesdo textuais, conceitos esses que sao considerados imprescindfveis para aque- Jes que pretendem trabalhar com niveis textuais e/ou discursivos de realizagao da lingua. Nesta conclusao, pretendemos apontar alguns aspectos que nao foram problematizados e/ou discutidos, mas que também fazem parte dos interesses dos analistas do texto/discurso. Por exemplo, nao tratamos aqui das atividades de produgao do texto falado. Ja ha, sobre o portugués brasileiro, uma vasta produgao académica que discute as principais estratégias de processamento tex- tual nesta modalidade**. Também tém sido publicados estudos voltados para as relag6es entre andlise do texto/discurso e o desenvolvimento da competéncia textual e/ou discursiva na escola”. Em 1997, Teun A. Van Dijk publicou dois volumes que refletem mais atualmente os diversos interesses que esto no Ambito da tradicdo anglo-saxa de estudos sobre texto/discurso. O primeiro volume intitula-se Discourse as structure and process e 0 segundo volume chama-se Discourse as social interaction. Este conjunto, intitulado Discourse studies: a multidisciplinary introduction, é composto por artigos de varios autores europeus e norte-ameri- 58. Ver os trabalhos sobre a organizacdo textual-interativa, presentes nos seis volumes da Gramdtica do Portugués Falado, publicados pela Editora da UNICAMP. Além disso, ver 0 capitulo Andlise da Con- versacdo no volume 2 desta obra. 59, Ver os trabalhos de Geraldi (1984 € 1991), Costa Val (1991), Bastos & Mattos (1986), Bastos (1994), Ramos (1997), Castilho (1998). mt INTRODUGAO A LINGUISTIC canos sobre uma ampla gama de tdpicos e dreas, indo das abordagens mais retoricas, estilisticas e lingiifsticas, até diregdes psicolégicas e especialmente mais sociolégicas de pesquisa. Alguns artigos trabalham com textos escritos, outros com conversagao informal ou institucional em miltiplos contextos sociais. Alguns trabalhos enfocam as estruturas abstratas do discurso, outros, a organi- zagao ordenada da fala, assim como-outros discutem as implicagées sociais, politicas e culturais do discurso. Diferentes perspectivas tedricas esto contem- pladas neste conjunto de trabalhos. O autor afirma que os dois volumes consti- tuem a mais ampla e completa introdugdo aos estudos do discurso até os dias de hoje. Podemos dizer ainda que-os estudos sobre texto/discurso tém se aproxi- mado bastante do que costumamos chamar de estudos cognitivos, principal- mente daqueles ligados a uma concepgio de cognigio que pressupde uma visao integrada das faculdades cognitivas do ser humano, onde linguagem, percep- ¢40, afeto, atengdo, meméria, estrutura cultural e outros componentes do siste- ma cognitivo encontram-se definitivamente inter-relacionados™. Por ultimo, pode-se dizer também que recentemente houve uma retomada do interesse pela questao da tipologia e dos géneros textuais. Para tanto, remeto 0 leitor para 0 recente trabalho de Marcuschi (2000) sobre géneros textuais. Esperamos que 0 leitor possa, a partir da leitura deste texto, ter vislumbra- do o amplo leque de interesses e perspectivas tedricas que constitui a drea e possa interessar-se pelos muitos caminhos dos estudos sobre texto/discurso. BIBLIOGRAFIA BAKHTIN, M. Marxismo e filosofia da linguagem. 3. ed. Sao Paulo, Hucitec, 1986. (titulo original, 1929) . Problemas da poética de Dostoiévski. Sao Paulo, Forense-Universitéria, 1981. (titulo original, 1970) BASTOS, L. K. & MATTOS, M. L. A produgao escrita e a gramdtica. Sao Paulo, Martins Fontes, 1986. BASTOS, L. K. Coesdo e coeréncia em narrativas escolares. S40 Paulo, Martins Fon- tes, 1994, BEAUGRANDE, R. A. de & DRESSLER, W. U. Introduction to text linguistics. London/ New York, Longman, 1981. CASTILHO, A. T. A lingua falada no ensino de portugués. Sao Paulo, Contexto, 1998. 60. 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