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ATIVISMO JUDICIAL NO BRASIL: O SUPREMO

TRIBUNAL FEDERAL COMO ARENA DE


DELIBERAÇÃO POLÍTICA.

José de Ribamar Barreiros Soares

2010

Biblioteca Digital da Câmara dos Deputados


Centro de Documentação e Informação
Coordenação de Biblioteca
http://bd.camara.gov.br

"Dissemina os documentos digitais de interesse da atividade legislativa e da sociedade.”


Universidade do Estado do Rio de Janeiro
Instituto de Estudos Sociais e Políticos (IESP) - UERJ

José de Ribamar Barreiros Soares

Ativismo Judicial no Brasil: O Supremo Tribunal Federal como arena de


deliberação política.

Brasília
2010
José de Ribamar Barreiros Soares

Ativismo Judicial no Brasil: O Supremo Tribunal Federal como arena de


deliberação política.

Tese apresentada como requisito parcial para


obtenção do título de Doutor, ao Programa de Pós-
Graduação em Ciência Política, do Instituto de Estudos
Sociais e Políticos (IESP) – UERJ. Área de
concentração: Instituições.

Orientadora: Profª Drª Thamy Pogrebinschi

Brasília
2010
José de Ribamar Barreiros Soares

Ativismo Judicial no Brasil: O Supremo Tribunal Federal como arena de


deliberação política.

Tese apresentada como requisito parcial


para obtenção do título de Doutor, ao
Programa de Pós-Graduação em Ciência
Política, do Instituto de Estudos Sociais e
Políticos (IESP) - UERJ. Área de
concentração: Instituições.

Banca Examinadora

Profª Drª Thamy Pogrebinschi (Orientadora)

Prof. Dr. Jairo Nicolau

Prof. Dr. Fabiano Santos

Prof. Dr. Ricardo José Pereira Rodrigues

Prof. Dr. Amandino Teixeira Nunes Junior

Brasília
2010
DEDICATÓRIA

Ao Senhor JESUS CRISTO seja toda glória, toda honra e todo louvor. Amem!
“Aquele que habita no esconderijo do Altíssimo à sombra do Onipotente descansará”
(Sl 91.1).
À minha família pelo apoio e incentivo.
AGRADECIMENTOS

À Profª Thamy Pogrebischi pelas orientações ministradas.


Aos professores e funcionários do IESP.
Aos servidores do CEFOR que viabilizaram a execução do programa Dinter,
resultante do convênio CEFOR/IESP.
RESUMO

Questão de grande relevância, nos dias atuais, no âmbito da Ciência Política,


diz respeito às decisões políticas tomadas pelo Supremo Tribunal Federal, o que se
denomina ativismo judicial. O termo ativismo judicial indica que a Corte está
deixando de se restringir à atividade interpretativa, para estabelecer novas condutas,
criando direito novo.
A tendência tem sido a de levar as questões políticas para serem debatidas
no âmbito judicial, de forma que assuntos políticos passam a ser exteriorizados
como jurídicos. Em todos esses temas, devemos ter em conta que o balizamento
tanto da atividade política como da atuação jurídica é a Constituição. Todavia, o que
se tem observado é que Supremo passou a adotar uma nova postura interpretativa,
de modo a permitir que, por via hermenêutica, torne-se possível corrigir a lei,
modificá-la ou mesmo criar direito novo onde a lei nada especifica, além de permitir
a criação de normas de caráter constitucional por decisão judicial.
Três casos importantes ilustram bem esse cenário: a verticalização das
coligações, a instalação obrigatória de comissões parlamentares de inquérito e a
perda de mandato decorrente da troca de partido. Por serem temas de cunho
eminentemente político, as decisões judiciais proferidas nessas matérias
enquadram-se bem no campo do ativismo judicial, daí por que foram escolhidos
como estudos de caso.
O objetivo desta tese é identificar as causas dessa nova postura do Supremo
Tribunal Federal, tendo em vista que ela rompe com o entendimento adotado na
jurisprudência anterior, em que essas mesmas matérias eram consideradas
estritamente políticas e, portanto, fora da competência decisória da Corte.

Palavras-chave: ativismo judicial, judicialização, Supremo Tribunal Federal,


verticalização, comissão parlamentar de inquérito, fidelidade partidária.
ABSTRACT

A question of great importance nowadays, in the domain of Political Science,


is the fact that the Supreme Court is deciding political subjects, what is called judicial
activism. This expression means that the Court is not only interpretating but also
creating new rules.
The tendency has been taking political questions to the Court, which causes
political issues to be presented as judicial too. In all these subjects, we must
remember that the the direction both for political and judicial activities is Constitution.
However, the Supreme Court has adopted a new concept of interpretation, in order to
allow the correction and modification of laws, the creation of new rules, including
constitutional ones, all these by interpretation processes.
Three important questions demonstrate clearly this tendency, which are:
verticalisation of political colligations, compulsory installation of inquiry commitees
and party loyalty. These questions are strictly political, so that the judicial decisions
about them can be included in the domain of judicial activism. In fact, we can
observe, in Brazil, an expansion of the Supreme Court in the analysis and
deliberation of political questions, activities refused by its members in ancient
decisions.
Our goal is to identify the causes of this new behavior of the Supreme Court,
which modifies the ancient patern concerning the imposibility to judge strictly political
questions.

Keywords: judicial activism, judicialization, Supreme Court, verticalisation,


inquiry commitees, party loyalty.
RÉSUMÉ

Un sujet de grande importance aujourd’hui pour la Science Politique c’est la


prise de decisions politiques par le Suprême Tribunal Féderal, ce qu'on appelle
activisme judiciaire. Cette expression indique que la Cour au-delà de l'interprétation
est aussi en train de créer de nouveaux droits.
La tendance vérifiée c'est d'emmener les questions politiques à la Cour, ce qui
donne aux questions politiques l'apparence de questions juridiques. Dans ces cas, la
borne pour l’activité politique autant que pour l'activité juridique c’est la Constitution.
Pourtant quant à ces aspects, le Suprême Tribunal Féderal à adopté une nouvelle
allure au sujet de l’interprétation, en permetant la correction et la modification de lois,
y compris la Constitution, et même la création de nouveaux droits.
Trois exemples montrent bien cette nouvelle tendance: la verticalisation des
coalitions partidaires, l’installation obligatoire des commissions d’enquête
parlementaires et la fidelité partidaire. Puisque ces sont des sujets politiques, les
decisions du Suprême Tribunal Féderal qui portent sur eux sont comprises dans le
domain de l'activisme judiciaire.
Notre but c'est identifier les causes de cette allure adoptée par le Suprême
Tribunal Féderal, en train de modifier les anciennes décisions selon lesquelles le
juge ne pouvais pas décider les questions politiques.

Mots clés: activisme judiciaire, judicialization, Suprême Tribunal Féderal,


verticalisation, commission d'enquête parlementaire, fidelité partidaire.
LISTA DE TABELAS

1.TABELA 1 - Correlação de Pearson, ano de 2002..................................................37


2. TABELA 2 - Correlação de Pearson, ano de 2006.................................................38
3. TABELA 3 - Projetos de Lei sobre coligações partidárias entre 1995 e 2003.......39
4. TABELA 4- Ação declaratória de constitucionalidade...........................................49
5. TABELA 5 - Ação direta de inconstitucionalidade..................................................49
6. TABELA 6 - Ação de descumprimento de preceito fundamental............................49
7. TABELA 7 – Mandado de injunção.........................................................................58
8. TABELA 8 - Proposições sobre fidelidade partidária e reforma política de 1970 a
2009............................................................................................................................91
9. TABELA 9 - Número de ministros do Supremo Tribunal Federal nomeados pelos 5
últimos Presidentes da República............................................................................105
LISTA DE GRÁFICOS

GRÁFICO 1 – Ação declaratória de constitucionalidade......................................49


GRÁFICO 2 - Ação direta de inconstitucionalidade.............................................50
GRÁFICO 3 - Ação de descumprimento de preceito fundamental.....................53
GRÁFICO 4 – Mandado de injunção.......................................................................59
GRÁFICO 5 - Proposições sobre fidelidade partidária e reforma política de 1970
a 2009.........................................................................................................................92
LISTA DE ANEXOS

1. ANEXO I - Entrevista concedida pelo Ministro Celso de Mello à Revista


Eletrônica “Consultor Jurídico", edição de 15 de março de 2006, sob o
título "Supremo Constituinte”.
2. ANEXO II - Artigo publicado no Boletim Jurídico, do dia 30/01/2006,
como parte integrante da Edução nº 163, sob o título Verticalização, de
autoria do Advogado Alberto Rollo, especialista em Direito Eleitoral,
presidente do IDIPEA (Instituto de Direito Político Eleitoral e
Administrativo).
3. ANEXO III - Notícia divulgada pelo Conselho Federal da Ordem dos
Advogados, no dia 02 de janeiro de 2009, intitulada “Balanço do STF
sobre 2008 mostra redução de 16,5% no número de novas ações.”
4. ANEXO IV - Proposições legislativas apresentadas no Congresso
Nacional entre 1995 e 2003 tratando de coligações partidárias.
5. ANEXO V - Proposições sobre fidelidade partidária e reforma política
apresentadas no Congresso Nacional entre 1970 e 2009.
6. ANEXO VI - Perfil dos Ministros do Supremo Tribunal Federal quando da
elaboração desta tese.
SUMÁRIO

INTRODUÇÃO............................................................................................................1
1. O ATIVISMO JUDICIAL NA TEORIA POLÍTICA CONTEMPORÂNEA.................5
2. METODOLOGIA DA TESE....................................................................................19
3. A VERTICALIZAÇÃO DAS COLIGAÇÕES PARTIDÁRIAS.................................28
4. INSTALAÇÃO OBRIGATÓRIA DE COMISSÕES PARLAMENTARES DE
INQUÉRITO................................................................................................................61
5. A PERDA DE MANDATO DECORRENTE DA TROCA DE PARTIDO..................84
6. CONCLUSÃO.......................................................................................................117
REFERÊNCIAS........................................................................................................146
ANEXOS..................................................................................................................152
INTRODUÇÃO

A expansão do controle judicial sobre a atividade política no Brasil tem


provocado discussões no meio acadêmico, na mídia e no Congresso Nacional. A
nova postura do Supremo Tribunal Federal, no sentido de modificar leis e criar novos
direitos, tem sido considerada como ativismo judicial. Isto tem levado a diversas
reações por parte daqueles que não consideram legítima essa interferência da Corte
nas atividades do Poder Legislativo.
Durante muito tempo, o Supremo Tribunal Federal considerava algumas
questões como interna corporis ou como temas eminentemente políticos, sobre os
quais não cabia decisão judicial. Esses assuntos eram decididos nas casas políticas
ou pelos partidos, sem interferência do juiz. A conveniência e a oportunidade
políticas afastavam essas matérias das cortes e forneciam aos políticos a liberdade
de escolher a melhor solução.
Todavia, esse padrão foi rompido e atualmente encontramos juízes tomando
decisões que obrigam os homens e as instituições políticas a decidirem de acordo
com aquilo que for estabelecido por sentença ou acórdão judicial. É o que
chamamos de ativismo judicial, expressão esta que indica um avanço do juiz para
além do campo hermenêutico, invadindo esferas de competência de outros poderes,
inclusive com o estabelecimento de novas condutas não previstas na legislação em
vigor. Essa nova feição da atividade jurisdicional tem trazido perplexidades e dividido
as opiniões a respeito do papel da Corte Suprema que, a cada dia, prolata novas
decisões políticas, sobre temas eminentemente políticos.
Desse modo, é frequente nos depararmos com debates na televisão, com
reportagens em revistas e jornais, e com a manifestação da doutrina em artigos,
livros e periódicos, fazendo com que esse tema seja cada vez mais discutido, ao
mesmo tempo em que se encontra longe de seu apaziguamento. Certamente esse
tema do ativismo judicial ainda será muito discutido no meio acadêmico, na mídia,
no Congresso Nacional e pelos eleitores.
Exemplo do impacto que o ativismo judicial tem exercido na mídia é a
manifestação de Gilberto Bercovici (2004), segundo o qual o Judiciário não detém o
monopólio do direito constitucional, mas tanto o direito constitucional quanto a

1
interpretação da Constituição resultam de uma ação coordenada entre os poderes
políticos e o Judiciário.
O impacto no Congresso não é menos significativo. O Deputado Maurício
Rands (2008), chama a atenção para o ativismo judicial que resulta do fato do juiz
extrapolar suas competências, para formular políticas públicas, em muitos casos, até
mesmo impondo preferências pessoais, nos casos em que os Poderes Executivo e
Legislativo não falham em prestar adequadamente os serviços públicos esperados
pela população, soluções estas que se revelam simplistas.
Na doutrina, podemos citar a percepção desse fenômeno ativista por Gisele
Cittadino (2002; p. 17), que destaca a ampliação do controle normativo do Poder
Judiciário como um dos temas atualmente debatidos no âmbito da Ciência Política,
da Sociologia do Direito e da Filosofia do Direito. Chama a autora a atenção para o
fato de que essa atuação dos tribunais tem alcançado reflexos sobre os princípios
da separação de poderes e da neutralidade política dos juízes. Essa visão da autora
fica bem explícita no trecho a seguir transcrito:

"A ampliação do controle normativo do Poder Judiciário no


âmbito das democracias contemporâneas é tema central de muitas
das discussões que hoje se processam na ciência política, na
sociologia jurídica e na filosofia do direito. O protagonismo recente
dos tribunais constitucionais e cortes supremas não apenas
transforma em questões problemáticas os princípios da separação
dos poderes e da neutralidade política do Poder Judiciário, como
inaugura um tipo inédito de espaço público, desvinculado das
clássicas instituições político-representativas."

A neutralidade política é um aspecto bastante interessante dessa discussão,


pois a idéia que sempre se teve acerca do Judiciário foi a de um poder que não se
envolvia nas deliberações políticas, até mesmo ante o princípio da imparcialidade do
juiz. A atividade política, por si só, já implica parcialidade, envolvimento com
determinada ideologia política, tendência política, e os juízes, como bem lembra
Marques de Lima (2009), não podem julgar pressionados pela imprensa e pela
opinião pública, embora devam ser sensíveis à voz do povo.
Alguns temas refletem uma nova modalidade de expansão do Judiciário,
adentrando questões eminentemente políticas, como a verticalização, a instalação
obrigatória de comissões parlamentares de inquérito pelo presidente da respectiva
casa legislativa e a perda de mandato decorrente da troca de partido. Deparamo-nos
2
também com declaração do Presidente do Supremo Tribunal Federal, no sentido de
que o Supremo Tribunal Federal é a casa do povo e que cabe a ela suprir as
deficiências do Legislativo (Mendes, 2008). Esta é uma questão importante no que
diz respeito à representatividade. Embora não se tenha a intenção de debater o
tema da representatividade neste estudo, é importante que se faça menção acerca
desse aspecto, que certamente é influenciado pelo novo cenário político e jurídico.
Comentário interessante é feito por Adão Clóvis (2003; pp. 571/572) no que tange à
crise na democracia representativa:

"Os parlamentos por sua vez, encontram-se vazios de


poderes autônomos, sendo as questões cruciais que envolvem o
destino das sociedades decididas cada vez mais por organizações e
instituições de caráter econômico (...) Paradoxalmente, esta
realidade pode ser constatada através da composição sócio-
econômica dos parlamentos em relação ao percentual representado
por operários, desempregados ou minorias étnicas. E por último,
mas não necessariamente nesta ordem, podemos nos remeter à
representação das mulheres nos parlamentos, uma vez que elas
constituem maioria da população nos países ocidentais.(...) Desta
forma não é difícil chegarmos à conclusão de que os parlamentos
não refletem a composição real das classes e grupos concretamente
existentes na sociedade.(...) Frente a todas essas contradições,
embora insistam muitos políticos e teóricos empenhados na defesa
da democracia representativa, formas de participação direta como
Referendo e Plebiscito não parecem constituir-se em mecanismos
adequados para dirimir as contradições existentes, uma vez que
estes não modificam a essência do sistema representativo que
radica em um sistema eleitoral e de partidos totalmente incapazes de
modificar a situação por eles mesmos gerada."

Nem toda voz, porém, é discordante com relação a essa postura das cortes
supremas no julgamento de questões políticas. Há quem entenda que as cortes
supremas detêm prerrogativas de representação do cidadão. É o caso, por exemplo,
da teoria de Robert Alexy (2007), segundo a qual parlamento representa o cidadão
politicamente e as supremas cortes o fazem argumentativamente. A tese da
representatividade pela argumentação se baseia na participação de entidades,
associações, advogados públicos e privados nos debates que envolvem os
julgamentos realizados no âmbito das cortes supremas. Esses novos atores do
processo de julgamento de matéria constitucional seriam um elo entre a sociedade
e os juízes, produzindo um novo tipo de entrosamento entre o Judiciário e o povo.
Daí resultaria, no caso brasileiro, essa legitimidade do Supremo para representar a
vontade popular.

3
A partir da constatação de que essa matéria tem ganho foros de discussão
entre a sociedade civil, políticos e acadêmicos, e de que há uma ativismo judicial
instalado no âmbito do Supremo Tribunal Federal, a questão que se coloca, como
decorrência, é a seguinte: por que razão questões eminentemente políticas
estão sendo, cada vez mais, decididas no âmbito Supremo Tribunal Federal?
A fim de buscar a resposta à pergunta formulada, esta pesquisa se
desenvolverá a partir do estudo de três casos que tratam de questões
eminentemente políticas: a verticalização das coligações partidárias, a instalação
obrigatória de comissão parlamentar de inquérito e a perda de mandato decorrente
da troca de partido. Questão política, na definição de Marques de Lima (2009, p. 78),
“diz respeito ao exercício da conveniência de se adotar determinada medida política
que a Constituição atribui a certo integrante do poder público, em sua função de
governo”. Tratando-se de questões intrinsecamente políticas, e não judiciais, fica
bem evidente que as decisões quanto a essas matérias, tomadas por órgãos do
Judiciário, demonstram um deslocamento de temas políticos para outra arena de
deliberação, a saber, o Supremo Tribunal Federal.
Em diversos estudos realizados sobre esse tema, encontramos várias
hipóteses que buscam explicar o fenômeno do ativismo judicial, tanto nas teorias
estrangeiras como no Brasil. A seguir, faremos um resumo dessas principais teorias,
a fim de verificar até que ponto são válidas para explicar a análise e o julgamento de
questões políticas pelo Supremo Tribunal Federal.

4
CAPÍTULO 1

O ATIVISMO JUDICIAL NA TEORIA POLÍTICA CONTEMPORÂNEA

5
A questão do ativismo judicial e da judicialização da política vem sendo
bastante pesquisada a partir dos anos 90, tanto no Brasil como no exterior.
Procuraremos, neste trabalho, fazer um resumo das principais abordagens acerca
desses temas. Os embates travados entre as casas legislativas e os tribunais não é
um realidade verificada apenas no sistema político brasileiro, mas têm sido
identificados igualmente em diversos países, diante do que podemos afirmar que se
trata de uma tendência global, e não apenas desta ou daquela sociedade.
Passaremos a comentar as constatações e opiniões de diversos autores
tanto brasileiros como estrangeiros, para demonstramos que tanto a judicialização
da política como o ativismo judicial estão presentes vários outros sistemas políticos
e causam a mesma estranheza e as mesmas reações que presenciamos no Brasil.
Por exemplo, Ronald Dworkin (2006; p. 135), constatando esse fenômeno na
sociedade norte-americana, afirma que “em décadas recentes, as principais batalhas
sobre a natureza da democracia tem sido travadas em torno da autoridade de juízes
e da Suprema Corte para declarar a inconstitucionalidade de atos dos outros órgãos
do governo”.
No Brasil não tem sido diferente. Com a participação do Supremo Tribunal
Federal em decisões de grande interesse social, como células tronco, direitos
patrimoniais decorrentes da união homoafetiva, demarcação de terras indígenas,
entre outras, a matéria tem ganho realce e diversos autores tem-se debruçado sobre
esse tema. Antes de prosseguirmos nessa análise, é importante estabelecermos a
distinção entre ativismo judicial e judicialização da política, expressões estas, muitas
vezes, utilizadas como sinônimas para se referirem a um mesmo fenômeno, mas
que possuem significados diferentes que precisam ser esclarecidos, para que se
possa compreender melhor esse fenômeno.
Um dos estudos mais citados a respeito da judicialização da política tem sido
a obra de Vallinder e Tate (1995). De acordo com a visão desses autores, o
fenômeno ocorreria a partir da ampliação da atividade do Judiciário na análise e
julgamento de temas ligados à atuação de outros poderes. Assim, quando Vallinder
e Tate (1995) formulam a tese da judicialização da política, estão tratando do
controle dos outros poderes pelo Judiciário, em face dos princípios que regem um
Estado de Direito.

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A judicialização da política tem a ver com a transformação de questões
políticas em jurídicas, sobretudo diante dos direitos e garantias fundamentais, cuja
integridade compete ao juiz manter. A judicialização a que se referem Vallinder e
Tate (1995) resulta hodiernamente de um normal equilíbrio entre os poderes e do
exercício das competências do Judiciário, estabelecidas na Constituição.
Segundo Vallinder e Tate (1995), os dois modos mais expressivos da
judicialização da política ocorrem quando há uma provocação do jurisdicionado e
quando os poderes políticos passam a assimilar essas decisões no âmbito de sua
atuação. A judicialização da política pode ocorrer independentemente do ativismo
judicial e este também pode se verificar sem aquela.
No Brasil, destacamos as lições de Luís Roberto Barroso (2010; p. 6), que
tem-se debruçado sobre essa problemática e, que, ao definir, a judicialização da
política, explica que :
“Judicialização significa que questões relevantes do ponto
de vista político, social ou moral estão sendo decididas, em caráter
final, pelo Poder Judiciário. Trata-se, como intuitivo, de uma
transferência de poder para as instituições judiciais, em detrimento
da instâncias políticas tradicionais, que são o Legislativo e o
Executivo.”

É importante dizermos que judicialização da política e ativismo judicial não se


confundem nem são termos sinônimos. Essa é a linha conceitual que se adota nesta
tese, procedendo à distinção entre judicialização e ativismo. Embora o objetivo deste
estudo seja identificar as causas do ativismo, é necessário fazer a distinção entre
esses dois conceitos, para que não haja dúvida quanto aos casos tomados como
exemplo nesta pesquisa. Como nos dá ciência Keenan D. Kamiec (2004; pp.
1445/1447), o termo “ativismo judicial” foi utilizado pela vez primeira por Arthur
Schlesinger, em janeiro de 1947, em artigo publicado numa revista popular, no qual
ele traçava um perfil dos nove juízes da Corte Suprema nos Estados Unidos. Nesse
artigo, os juízes Black, Douglas, Murphy e Rutlege foram classificados por
Schlesinger como “ativistas judiciais”.
Esses juízes foram assim considerados tendo em vista que desempenhavam
um papel ativo na promoção do bem-estar social e acreditavam que a lei e a política
eram elementos inseparáveis. Nessa linha, Kermit Rooselvet III (2006) aborda o
ativismo judicial na Suprema Corte dos Estados Unidos, a partir de decisões que

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contrariam o pleno significado da Constituição para promover as preferências
pessoais dos juízes, quando extrapolam o caso concreto e nas hipóteses de
contrariedade de lei estadual ou federal.
Nesse mesmo sentido Robert Juul (2000; p. 70) entende que o “ativismo
judicial ocorre quando o judiciário ultrapassa a linha que separa as esferas judicial e
legislativa”. Afirma ainda Robert Juul (2000; p. 71) que “nos Estados Unidos, a
Constituição investe apenas o Congresso na função de poder legislativo. Entretanto,
a Corte Suprema continua a exercer poder legislativo por meio do uso de ficções e
evasões”.
Luís Roberto Barroso (2010; p. 9) faz uma abordagem histórica acerca do
ativismo judicial e apresenta a seguinte definição para essa forma de expansão do
Judiciário:

“Ativismo judicial é uma expressão cunhada nos Estados


Unidos e que foi empregada, sobretudo, como rótulo para qualificar
a atuação da Suprema Corte durante os anos em que foi presidida
por Earl Warren, entre 1954 e 1969. Ao longo desse período,
ocorreu uma revolução profunda e silenciosa em relação a inúmeras
práticas políticas nos Estados Unidos, conduzida por uma
jurisprudência progressista em matéria de direitos fundamentais (...)
Todavia, depurada dessa crítica ideológica – até porque pode ser
progressista ou conservadora – a idéia de ativismo judicial está
associada a uma participação mais ampla e intensa do Judiciário na
concretização dos valores e fins constitucionais, com maior
interferência no espaço de atuação dos outros dois Poderes.”

A significação aqui adotada para o termo “ativismo judicial” será aquela


exposta por Thamy Pogrebinschi (2000; p. 2), que considera “ativista o juiz que: a)
use o seu poder de forma a rever e contestar decisões dos demais poderes do
estado; b) promova, através de suas decisões, políticas públicas; c) não considere
os princípios da coerência do direito e da segurança jurídica como limites à sua
atividade”. Todavia, explica Thamy Pogrebinschi (2000; p. 2):

“Não queremos sustentar que os três critérios acima devam


ser preenchidos simultaneamente para que se identifique um caso
de ativismo. Um juiz pode ser considerado ativista pelo exercício em
graus diferenciados de quaisquer das atitudes acima descritas.
Porém, a negação de qualquer destas atitudes implica, segundo
nossa definição, que ele não seja considerado um ativista. Isto é, um
juiz que se recuse a exercer seu poder de pelo menos uma das
formas acima, não será considerado, nesta artigo, um ativista.”

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Prossegue Thamy Pogrebinschi (2000; p. 2), afirmando que “o ativismo
judicial implica em tomada de posição política; o juiz ativista define-se como um
agente político.”
Mauro Cappelletti (1993), em seus estudos acerca do controle exercido pelo
juiz sobre as atividades dos demais Poderes, foca sobretudo a análise da
construção jurisprudencial e da possibilidade de criação de direito a partir da
atividade interpretativa do juiz. Na visão do autor, o fenômeno é de excepcional
importância, não restrito ao campo do direito judiciário, e sim refletindo mais
amplamente o crescimento da atividade estatal. Assim, a expansão do judiciário
nada mais seria do que uma decorrência do aumento da atividade desenvolvida no
âmbito dos outros Poderes. Mauro Cappelletti (1993, p. 19) entende que o fenômeno
da expansão do papel do judiciário é fruto de um contrapeso necessário dentro de
um sistema democrático, em face da expansão das atividades estatais. Assim
explica o autor esse fenômeno: “A expansão do papel do judiciário representa o
necessário contrapeso, segundo entendo, num sistema democrático de “checks and
balances”, à paralela expansão dos “ramos políticos” do estado moderno”.
Esse argumento de Mauro Cappelletti (1993) contempla um aspecto
importante que é a demanda por pronunciamento judicial, tendo em vista o aumento
da atividade do Estado, o que leva o cidadão, naturalmente, a demandar perante o
juiz quanto aos aspectos que considera lesivos aos seus direitos. Mais atividade
estatal, mais insatisfação por parte da sociedade e, consequentemente, mais
processos judiciais.
Nesse aspecto, Guy Canivet (2006), ao tratar da questão do ativismo judicial,
destaca o respeito e a confiança que a sociedade deposita nos juízes, os quais
possuem a coragem e a dignidade necessárias para julgar as reclamações que lhe
são confiadas pelos cidadãos, em face da violação de seus direitos. Essa confiança,
segundo Guy Canivet (2006), é retirada dos homens políticos e depositada nos
juízes, independentes nas suas decisões.
Assim, partindo desses diferentes comentários acerca da judicialização da
política e do ativismo judicial podemos formular uma primeira hipótese para explicar
esse fenômeno verificado na atividade judicial do Supremo Tribunal Federal.
Lembramos que, nesta tese, analisaremos especificamente o ativismo judicial e suas

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causas. Embora a judicialização da política seja um tema bem imbricado com o
ativismo, não o abordaremos, pois nosso interesse é estudar os casos em que a
decisão judicial foi proferida sobre questões eminentemente políticas, que
ultrapassam o campo da interpretação para representar a criação de novo direito.
Assim,a primeira hipótese a se testada é: o ativismo judicial advém da crescente
demanda por pronunciamento judicial quanto a questões políticas.
Uma idéia que poderia explicar esses julgamentos pela Corte Suprema seria
a de que a própria sociedade estaria requerendo do juiz uma interferência para a
solução de problemas. Essa demanda da população em torno de questões políticas
que, de algum modo, interfeririam nos direitos e garantias legalmente e
constitucionalmente protegidos poderia ser a causa de uma atuação mais intensa
por parte do Supremo Tribunal Federal.
Aspecto interessante trazido suscitado por Guy Canivet (2006) diz respeito à
lentidão do Poder Legislativo. Esta abordagem do citado autor parte da idéia de que
o Legislativo demora para produzir a legislação esperada pela sociedade e
reclamada pelos fatos sociais, decorrendo daí a procura pelo Judiciário a fim de
solucionar os problemas que exigem soluções imediatas.
Em relação a esses aspectos, como nota o citado autor, as questões objeto
de debate e regulamentação se beneficiam da jurisprudência, tendo em vista que
esta permite uma adaptação permanente do direito às necessidades sempre
cambiantes da vida real. A segunda hipótese, então, é a de que o ativismo judicial
decorre do descrédito do Poder Legislativo.
Ao analisar o sistema francês, Antoine Garapon (1999) salienta a influência
crescente da justiça sobre a sociedade e a crise de legitimidade que assola as
democracias ocidentais, como parte de um processo de mudança social. Em sua
abordagem, considera Antoine Garapon (1999) que a expansão do Poder Judiciário
decorre do enfraquecimento do Estado pelo mercado e pelo desmoronamento
simbólico do homem e da sociedade democrática. O aumento de poder da justiça
resulta de uma transferência do simbolismo da democracia da política para a justiça,
como fruto de uma profunda mudança social. A transformação da justiça em símbolo
da moralidade pública e da dignidade democrática é algo positivo, na visão do autor,
que rechaça apenas a substituição do mundo político pelo jurídico.

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Um ponto importante na obra de Antoine Garapon (1999) é o destaque dado
ao controle da moralidade dos atos do poder público, que é matéria pertencente à
atuação e competência do Poder Judiciário. No Brasil, esse aspecto ganha realce
até mesmo em face da dicotomia trazida pelo texto constitucional de 1988 entre
legalidade e moralidade. A questão ética passou a ter foros de legalidade, deixando
ao Judiciário uma nova porta de atuação em relação ao controle da atividade
política.
No caso brasileiro, a moralidade, sobretudo a partir da Constituição de 88,
aparece com maior destaque no que tange aos atos discricionários, uma vez que
nestes o agente estatal possui maior liberdade de atuação. Pode ocorrer que, na
escolha entre várias alternativas, aquela realizada pelo agente público seja legal,
atenda ao interesse público, mas, ainda assim, seja imoral ou ineficiente, revelando-
se incompatível com os princípios constitucionais da moralidade e da eficiência. A
escolha feita pelo agente político, embora formalmente legal, pode contrariar valores
éticos cultivados em determinada comunidade ou, até mesmo, violar direitos
fundamentais.
Embora possa parecer óbvia essa constatação, antes do advento da
Constituição de 1988, a tese predominante era no sentido de ligar a moralidade ao
próprio conceito de legalidade, daí a dificuldade de anulação de atos imorais, porém
não manifestamente ilegais. Para anular um ato imoral, era necessário demonstrar
que esse ato também era ilegal. Após a Constituição de 88, passou-se a ter a
possibilidade de anular ato legal, porém imoral, tendo em vista a autonomia deste
princípio.
Desse modo, até aqui, permanecemos com os argumentos já expostos
anteriormente, ou seja, quanto à combinação da crescente procura por solução
judicial, como resultado do enfraquecimento das instituições políticas. O elemento
novo que podemos recolher em Antoine Garapon (1999) é o controle da moralidade
política pelo Judiciário. A moralidade passa a ser um dos elementos que explicam a
falta de confiabilidade nas instituições políticas e o aumento da procura por soluções
judiciais. Assim, temos a terceira hipótese: o ativismo judicial permite que a
sociedade exerça maior controle da ética na política.
Um ponto importante que tem sido tratado por vários autores, na busca de

11
explicações para essa expansão das atividades judicantes, diz respeito a uma
predisposição existente entre os membros das cortes supremas, o que torna o
ambiente propício a uma mudança de postura, no sentido de decidir questões
políticas, diminuindo a liberdade de escolha dos membros do parlamento quanto às
condutas políticas a serem adotadas diante de diversas hipóteses.
Outro autor que trata do tema é John Ferejohn (2002), que descreve esse
fenômeno, focalizando-se no deslocamento de competências do poder do
Legislativo para os tribunais e outras instituições jurídicas. Essa visão de John
Ferejohn (2002) é pertinente ao que ocorre no caso brasileiro. Exemplos
interessantes citados por ele são a atuação dos juízes interferindo no sistema de
troca de gabinetes, a cassação de primeiros-ministros e presidentes e mesmo a
prisão de ex-ditadores e líderes militares, isto sem falar na intervenção em disputas
eleitorais, como foi o caso da eleição de George W. Bush nos Estados Unidos.
John Ferejohn (2002) analisa a teoria democrática clássica, em que a política
é associada com as atividades desempenhadas pelo Legislativo e o Direito, por sua
vez, com as competências do Judiciário. De acordo com o autor, é fato natural que
as questões políticas sejam debatidas no Legislativo, lugar inevitável de travamento
das discussões políticas, que ali se legitimam. Nesse ambiente político, a
contestação aparece como condição necessária, a fim de que os valores
democráticos se tornem realizados. Além disso as normas produzidas no Legislativo
têm caráter genérico, aplicando-se a todas as pessoas e, desse modo, cada um
participa da formação desse corpo legislativo.
Também outro aspecto observado por John Ferejohn (2002) diz respeito à
impossibilidade de controle do eleitor sobre o Judiciário, inclusive para afastar de
sua atuação aquele juiz que não atende aos reclamos da comunidade, que não
representa bem os interesses dos seus representados, o que acaba por provocar um
forte deficit de democracia, não compensável nas urnas, uma vez que os juízes não
são eleitos pelo povo e gozam de vitaliciedade, não podendo ser substituídos pela
vontade do povo, por meio do voto, como exercício da cidadania.
Entende esse autor que as cortes estão significativamente aptas e desejosas
de limitar e regular o exercício da autoridade parlamentar, pela imposição de limites
substantivos ao poder das instituições legislativas. Além disso, as cortes têm-se

12
tornado arenas de elaboração de políticas substantivas. Ainda, segundo John
Ferejohn (2002), os juízes têm estado desejosos de regular a conduta da atividade
política, quer no âmbito da legislatura, das agências, quer em relação ao eleitorado,
pela construção e reforço de modelos de comportamento aceitável para grupos de
interesse, partidos políticos e agentes públicos eleitos e indicados. Essa tendência
não se verifica apenas no sistema político brasileiro, mas em outros países, o que
demonstra uma vocação universal de crescimento e ampliação de competências do
Poder Judiciário ante os poderes políticos.
John Ferejon (2002) aponta dois argumentos para essa expansão por parte
do Judiciário. Um é chamada de hipótese de fragmentação. Isto significa que a
fragmentação ocorrida entre os ramos políticos diminui sua capacidade de legislar
ou de tornar-se o centro das decisões políticas. O segundo é a questão dos direitos,
que faz com que as cortes sejam vistas com maior confiabilidade na proteção de um
amplo rol de valores importantes contra abusos políticos.
A fragmentação ocorrida entre os ramos políticos, com a diminuição da sua
capacidade de legislar e o deslocamento da confiabilidade das decisões para o
judiciário podem ser vistos como fatores que geram o enfraquecimento das
instituições políticas. O argumento dos direitos e da confiabilidade nas decisões
judiciais pode provocar o aumento de demanda por pronunciamento judicial por
parte da sociedade e de instituições políticas. Isto nos remete aos primeiros
argumentos, não havendo fundamento novo quanto a estes aspectos. Todavia,
John Ferejohn (2002) acrescenta um elemento novo, que é a vontade do Judiciário
de decidir questões políticas. Portanto, temos a quarta hipótese: o voluntarismo
dos membros do Poder Judiciário em decidir questões políticas está na origem
do ativismo judicial.
A questão do ativismo judicial também é estudada por Dieter Grimm (2004),
que observa esse avanço do Judiciário na arena política, sob a ótica do ativismo
judicial. O autor analisa o processo geral de regulação de nossa vida e à expansão
da produção legislativa e da legislação. O aumento do processo regulatório levaria a
uma expansão do controle por parte do juiz. Desse modo, afirma Dieter Grimm
(2004, p. 17) que o título “imperialismo judicial” cunhado por Robert Badinter,
“sugere que a crescente importância dos tribunais no último século tem sua principal

13
razão no ativismo judicial. Os juízes conquistam cada vez mais terreno que era
formalmente reservado à decisão política ou auto-regulação social’.
Outro ponto tratado por Dieter Grimm (2004) é a vontade dos políticos de se
submeterem ao escrutínio judicial. Eles estão preparados para permitir que os juízes
revisem os atos políticos. A falta de envolvimento dos parlamentares com
determinadas matérias polêmica tem feito com que a sociedade leve essas questões
ao Poder Judiciário, para que este produza soluções para os casos apresentados.
Quando pensamos, por exemplo, no que acontece com o trabalho de comissões
parlamentares de inquérito, logo encontramos campo fértil para essa integração
entre Legislativo e Judiciário na regulamentação das atividades desenvolvidas pelos
parlamentares que compõem essa comissões.
Além desses aspectos, Dieter Grimm (2004) aborda a internacionalização do
judiciário. Em outros sistemas, como o europeu, a internacionalização pode ser de
grande importância, em face da existência de instituições supranacionais, que
acabam por pressionar e influenciar as instituições locais. No Brasil, essa hipótese
não ganha esse realce, já que o Mercosul não se encontra fundado nas mesmas e
bases e nos mesmos moldes da União Européia, donde se deduz o desinteresse
desse argumento para os casos que são estudados nesta tese.
O tópico mais importante levantado por Dieter Grimm (2004) é concernente às
falhas dos partidos políticos numa democracia pluralista, o que faz com que os
políticos percam o interesse em questões de longo prazo. Os parlamentares estão
mais preocupados com a reeleição do que com a promoção de novos valores. Este
aspecto é também importante e está relacionado com a vontade do legislador de se
submeter ao crivo do juiz, deixando algumas questões polêmicas para exame
judicial. Esta questão é interessante como omissão do legislador.
independentemente da inquirição de sua vontade.
Excetuando a questão da internacionalização do Judiciário, os outros
argumentos trazidos por Dieter Grimm (2004) também dizem respeito ao
enfraquecimento das instituições políticas, da diminuição de sua confiabilidade e da
busca por mais participação do Judiciário nas questões sociais. Por não se
acrescentar argumentos novos, continuamos com os itens anteriormente
mencionados, nos quais se podem inserir os comentários de Dieter Grimm (2004).

14
Ainda analisando os autores estrangeiros, Ran Hirschl (2008), professor de
Ciência Política e Direito da Universidade de Toronto, chama a atenção para a
expansão dessa atividade de controle da política para além das questões jurídicas
ou da cooperação transnacional, para englobar o que ele denomina “megapolítica”,
ou seja, questões de definitiva e extrema significação política, que freqüentemente
define e divide todas as políticas. Isto vai desde resultados eleitorais e corroboração
de mudanças do regime a questões de guerra e paz, problemas de identidade
coletiva fundacional, processo de construção da nação até processos pertinentes à
natureza e definição do corpo político.
Entre as causas desse fenômeno, Ran Hirschl (2008) menciona: a
proliferação de agências reguladoras; aumento da complexidade e contingência das
sociedades modernas; e criação e expansão do Welfare State; discurso da
prevalência dos direitos; aspectos institucionais, com a proliferação da democracia;
proliferação de tribunais supranacionais; cortes imperialistas e juízes ávidos de
poder; delegação de poderes do Legislativo para o Judiciário; expectativa quanto ao
tempo de permanência no poder. Assim como John Ferejohn (2002), Ran Hirschl
(2008) também destaca o voluntarismo judicial no julgamento de questões políticas.
No Brasil, a questão do ativismo judicial também tem sido debatida.
Destacamos dois autores, que têm analisado bem essa questão do ativismo judicial.
Werneck Vianna (1999), examinando os efeitos da legislação trabalhista na
expansão do Poder Judiciário, chama a atenção para o modelo de controle de
constitucionalidade, com a instituição de uma comunidade de intérpretes, como um
elemento que propiciou esse fenômeno no Brasil.
O progresso no controle de constitucionalidade, sobretudo com a Constituição
de 1988, imprimiu uma dinâmica especial aos trabalhos do Supremo Tribunal
Federal, colocando-o como guardião de direitos e garantias fundamentais, numa
proporção sem precedentes no sistema brasileiro. A mediação das relações sociais
e a agenda igualitária do Welfare State ingressam como fatores importantes nesse
quadro de conquistas de competências pelo Judiciário, favorecendo a expansão do
Judiciário, no caso brasileiro. Os argumentos trazidos por Werneck Vianna (1999),
também podem ser enquadrados nas explicações anteriormente formuladas.
Nesse mesmo aspecto, Marques de Lima (2009, p. 39) comenta o modelo

15
constitucional no Welfare State, fazendo a seguinte abordagem a respeito do modelo
social de constitucionalismo e dos valores sociais do povo, que acabam por exercer
influência no modelo interpretativo adotado nos tribunais. Assim se expressa o autor:

“A CF de 1988 adota um modelo social de


constitucionalismo, sobre o qual se ergue o Estado. Isto implica dizer
que o ordenamento deve expressar os valores sociais do povo, e a
interpretação há de estar afirmada com o sentimento popular,
assegurando a dignidade humana, o regime de liberdade, os valores
da democracia. É o Estado de bem-estar, no que seja de possível
concretização, posto desejável. Aí, entra a função do intérprete, do
aplicador da Constituição, tornando-a viva, numa mágica que retira
seu texto estático do papel e o transforma na força motriz das
relações jurídicas (rectius, constitucionais), políticas, sociais,
econômicas, etc.”

Mais recentemente, em 2008, a questão do ativismo judicial foi estudada por


Ferraz Júnior (2008). Esse autor analisa diversas questões, entre elas a
verticalização e a fidelidade partidária, e afirma que o modelo de governança
eleitoral adotado pelo País fez com que o Tribunal Superior Eleitoral avançasse no
seu entendimento sobre o alcance do texto constitucional, ao responder a uma
consulta, valendo-se de um instrumento juridicamente precário. Dois argumentos
são formulados pelo autor.
O primeiro afirma que essa atuação do Judiciário refletia certa inoperância do
Legislativo, o que se deve à dificuldade de definir e aprovar agenda própria, ao lado
da existência de uma legislação frágil, dúbia e instável para regular a competição
político-partidária. O segundo argumento é o de que o Judiciário tende a atuar
independentemente de haver falhas falhas na legislação. Observa o autor um
voluntarismo para identificar e corrigir, por meio de processo interpretativo inovador,
possíveis defeitos da competição político-partidária. Conclui o citado autor que nas
questões da verticalização, do número de vereadores, da cláusula de barreira e do
fundo partidário, esse voluntarismo das Cortes é o elemento que melhor explica o
fenômeno.
Nessa linha defendida por Ferraz Júnior (2008) quanto o voluntarismo do
judiciário na tomada de decisões políticas, encontramos as referências feitas por
Laurent Pech (2001) acerca da criação de princípios no âmbito da jurisprudência, o
que permite a abertura de um campo novo de atuação pelo juiz. Desse modo, o
16
próprio juiz promove a criação de princípios indeterminados que permitirão, no
futuro, uma extensão da sua atividade interpretativa, gerando o ativismo judicial.
Essa atitude do juiz tem levado a uma apropriação da política pelo direito na
visão de Jacques Chevalier (1996), segundo o qual as questões políticas são
submetidas ao filtro do direito, levando a jurisprudência constitucional a ocupar uma
posição de destaque nos debates políticos, sendo também fonte permanente de
soluções para os debates travados na arena política.
Segundo Ferraz Júnior (2008), quanto à questão da fidelidade partidária, tanto
o voluntarismo quanto a inoperância legislativa e a fragilidade do sistema normativo
propiciaram esse avanço do juiz sobre matéria política. Na visão desse autor, o
Legislativo delega responsabilidades ao Judiciário quando deixa de regulamentar
matéria de seu interesse. Por outro lado, o Supremo Tribunal Federal e o Tribunal
Superior Eleitoral passam a adotar uma postura mais arrojada na sua atuação, por
meio de interpretações inovadoras, mostrando sua disposição em decidir a respeito
de questões próprias da competição político-partidária.
Os argumentos de Ferraz Júnior (2008) sobre inoperância do Legislativo,
legislação frágil, dúbia e instável para regular a competição político-partidária
remetem à hipótese de descrédito do Poder Legislativo e do aumento de procura
pelo Judiciário, conforme já analisamos nos autores citados anteriormente. O
segundo argumento, a respeito do voluntarismo, é idêntico aos que mencionam John
Ferejohn (2002) e Ran Hirschl (2008), ou seja, a vontade do Judiciário de identificar
e corrigir, por meio de processo interpretativo inovador, possíveis defeitos da
competição político-partidária.
Assim, sintetizando todos esses fundamentos trazidos pelos autores
analisados, temos quatro argumentos teóricos que serão transformados em
hipóteses, a serem testadas nos casos objeto de estudo. Esses argumentos teóricos
são os seguintes:
O ativismo judicial advém da crescente demanda por pronunciamento
judicial quanto a questões políticas.
O ativismo judicial decorre do descrédito do Poder Legislativo.
O ativismo judicial permite a realização de um maior controle pela
sociedade da ética na política.

17
O voluntarismo dos membros do Poder Judiciário na tomada de
decisões políticas está na origem do ativismo judicial.
Será que esses argumentos são suficientes para explicar a realidade
brasileira? O Supremo Tribunal Federal está decidindo questões políticas devido a
uma crescente demanda por esses temas por parte da sociedade? Existe uma
vontade por parte de seus Ministros de resolver questões políticas? As instituições
políticas estão realmente caindo em descrédito perante seus representados? Essas
argumentações teóricas serão testadas no nosso estudos, a fim de comprovarmos
se elas explicam o ativismo existente no Supremo Tribunal Federal ou se
necessitamos de outras explicações que evidenciem as causas dessa expansão de
atividade na Suprema Corte.

18
CAPÍTULO 2

METODOLOGIA DA TESE

19
Os argumentos teóricos que extraímos dos diversos autores, analisados no
capítulo 1, serão transformados em hipóteses neste estudo, a fim de testarmos sua
validade nos casos da verticalização, do controle judicial de comissões
parlamentares de inquérito e de perda de mandato por troca de partido. Esta tese
será desenvolvida principalmente por meio de pesquisa qualitativa.
A atividade do expansionismo judicial encontra-se estreitamente relacionada à
aplicação de princípios e à atividade hermenêutica desenvolvida pelo juiz. Com a
utilização da análise dos votos proferidos nos julgamentos, será possível extrair os
argumentos que fundamentam a análise e julgamento de questões eminentemente
políticas. A análise comparativa de decisões proferida em momentos distintos, sobre
questões semelhantes, permitirá a abordagem acerca do processo histórico de
modificação do comportamento da Corte diante desses temas.
Embora haja uma predominância do método qualitativo, não se afasta a
utilização, ainda que em menor escala, de dados estatísticos, com o uso de tabelas
e gráficos, que permitirão demonstrar até que ponto as hipóteses levantadas nesta
tese interferem na expansão do Supremo Tribunal Federal, quanto à análise e
decisões proferidas em matéria de cunho predominantemente político. Serão
também utilizados dados constantes de outras pesquisas e dados gerados pelo
próprio Supremo Tribunal Federal. A pesquisa qualitativa, por sua vez, permitirá
observar as características específicas de cada decisão, no que tange aos
argumentos principiológicos e hermenêuticos de que lançam mão os juízes em suas
argumentações.
Nas decisões fundamentadas na interpretação de conceitos vagos, o método
qualitativo é de grande utilidade, para que se possa proceder à comparação dos
casos e dos fundamentos aplicados, levando-se em consideração o tempo, o
ambiente político e as características culturais. O método aqui utilizado será o
hipotético-dedutivo. Inicialmente, partiremos da formulação de um problema: o
ativismo judicial no Supremo Tribunal Federal. A partir da identificação do problema,
levantamos hipóteses prováveis da causa desse ativismo, decorrentes da análise
feita sobre a principal literatura existente acerca do tema. Trabalharemos com três
estudos de caso, que dizem respeito a questões eminentemente políticas, que são a
verticalização de coligações, a perda de mandato por troca de partido e a

20
obrigatoriedade de instalação de comissão parlamentar de inquérito, determinada
pelo Supremo Tribunal Federal.
O caso da verticalização, objeto do primeiro estudo de caso, decorre de uma
decisão do Tribunal Superior Eleitoral, mantida pelo Supremo Tribunal Federal, como
decorrência da interpretação da lei feita pela Corte Eleitoral, em face da realidade
política que se implantou no País, com a prática das coligações de partidos, para as
eleições em todos os níveis da Federação. A utilização de alguns dados estatísticos
ajudarão a testar as hipóteses estabelecidas para esta pesquisa, com relação a essa
questão das coligações dos partidos, sobretudo no que diz respeito à importância
dos partidos para os eleitores, o que poderia ter influenciado essa medida da
verticalização adotada pelo Tribunal Superior Eleitoral e não modificada pelo
Supremo Tribunal Federal.
O confronto de opiniões e de argumentos manifestados em diversas ocasiões
pelos magistrados é de grande importância para a compreensão dessa postura
adotada pelas Cortes Superiores brasileiras. O método qualitativo propiciará a
análise de entrevistas já feitas anteriormente com Ministros do Supremo e a
avaliação de documentos relativos aos julgamentos ocorridos. As impressões
colhidas da sociedade e das instituições políticas também constituem importante
elemento de investigação do ativismo judicial. Será feito levantamento de
informações constantes de artigos, de reportagens divulgadas pela mídia, de
decisões da Corte Suprema, de fatos e fenômenos ocorridos no âmbito do Supremo
Tribunal Federal.
O segundo estudo de caso diz respeito a decisões políticas tomadas no
âmbito do Supremo em questões relacionadas à instalação obrigatória de
comissões parlamentares de inquérito, quando as lideranças dos partidos se
recusam a indicar membros para comporem a comissão. Nestes casos, o Supremo
tem determinado que o Presidente da Casa Legislativa indique os integrantes da
comissão. Será necessário investigar a natureza das questões que têm sido levadas
ao Supremo, as razões desse comportamento e os argumentos utilizados na Corte
para justificar suas decisões.
A atividade desenvolvida no âmbito dessas comissões parlamentares de
inquérito é muito vasta e muito dinâmica. Através dos anos, o crescimento desses

21
inquéritos parlamentares tem lançado questionamento de vários tipos sobre direitos
fundamentais, direitos de minorias e sobre o papel político das comissões
parlamentares de inquérito. O tamanho dos relatórios apresentados por essas
comissões mostram que essa atividade política experimentou um crescimento, em
termo de depoimentos, de documentos analisados, de pessoas investigadas e
também de contestações judiciais de sua atuação. O estudo comparativo dos
diferentes momentos de ação desses núcleos políticos investigatórios é de
importância fundamental para verificarmos até que ponto a credibilidade das
instituições políticas sofreu algum desgaste e ocorreu a transferência de confiança
para o Judiciário.
Finalmente, teremos a perda de mandato pela troca de partido, como o
terceiro estudo de caso. Aqui também, embora alguns números possam ser de
ajuda, método qualitativo revela-se imprescindível para o estudo do fenômeno. A
troca de partidos não é algo novo na realidade política brasileira e, em outros
julgamentos, a Suprema Corte teve a oportunidade de julgar questões envolvendo
parlamentares que trocaram de partido. As soluções, entretanto, não eram iguais às
que atualmente são adotadas, tendo havido modificação no entendimento dos
membros da Corte Suprema. Feitas essas observações, reafirmamos, então as
quatro hipóteses a serem testadas, em cada um desses casos estudados, como
possíveis explicações para as causas do ativismo judicial no Supremo Tribunal
Federal com relação a essas questões eminentemente políticas.
A primeira hipótese é a de que o ativismo judicial advém da crescente
demanda por pronunciamento judicial quanto a questões políticas.
É necessário que se compreenda em que consiste a atividade judicial e a
atividade política, para que possamos formular uma explicação abalizada quanto ao
porquê do crescimento da atuação judicial e por que essa atividade vem adentrando
o mundo político.
O mero crescimento da atividade judicial não significa, por si só, um
adentramento por parte de um Poder nas atribuições e competências de outro. Antes
é necessário se investigar se o Poder Judiciário está tratando de temas inerentes
exclusivamente à interpretação e aplicação da legislação e das normas
constitucionais. Ao juiz não é permitido escusar-se de aplicar a lei aos casos

22
concretos que lhe são submetidos, diante do que não se pode analisar o
expansionismo judicial pela ótica de sua quantidade, mas quanto à natureza das
questões debatidas e julgadas.
Nesse sentido, vale a pena refletir acerca do pronunciamento feito pelo
Ministro Celso de Mello (2006) de que o Supremo Tribunal Federal não pode permitir
a instauração de círculos de imunidade na atuação doa Poder Público, o que
provocaria uma fragmentação dos direitos dos cidadãos, a degradação das
instituições e o aniquilamento das liberdades públicas.
Esta questão diz respeito mesmo à própria representatividade, e, neste
aspecto, pode ocorrer que a atividade política venha a desbordar de seus limites
constitucionalmente instituídos, ultrapassando o campo da representatividade,
diante do que o juiz encontra-se legitimado e autorizado a restabelecer as funções
do Poder Legislativo, adequando-as aos mandamentos expendidos na Carta Magna.
A crescente provocação do Judiciário poderia ser resultado de um daquilo que
Dieter Grimm (2004; p. 31) “processo geral de regulação legal de nossa vida e a
expansão do processo legislativo e da legislação”.
Essa expansão da regulamentação das relações sociais foi estudada por
Werneck Vianna (1999), que analisou essa questão no âmbito da legislação
trabalhista do Wellfare State no Brasil, chegando à conclusão de que a adoção do
modelo de controle abstrato de constitucionalidade e a instituição de uma
comunidade de intérpretes gerou ambiente propício à judicialização da política. Mais
do que isto, pode-se observar, no Brasil, uma tendência, cada vez, maior de inserir
na Constituição questões que antes eram tratadas pela legislação ordinária.
Há uma vocação, na modernidade, para a constitucionalização do direito
privado. Cada vez mais questões que dizem respeito às relações sociais são
transferidas para o nível constitucional, na crença de que, assim, serão mais
garantidas, mais respeitadas. Isso faz com que a participação do juiz, sobretudo
aquele que integra a Suprema Corte, seja, cada vez maior, com a diversidade de
chamados para se pronunciar sobre questões relativas a direitos e garantias
fundamentais.
O crescimento da busca pelo pronunciamento judicial também pode ser
resultado da atribuição de novas competências ao Poder Judiciário, pelo Legislador.

23
O próprio Parlamento poderia estar contribuindo, por meio da legislação, para o
crescimento do ativismo judicial. Ao instituir, por exemplo, o mandado de injunção,
permitiu que o julgador fizesse o papel de legislador, a fim de suprir uma lacuna
legislativa que impedisse o exercício de direitos e garantias fundamentais, políticos e
de cidadania, por parte do cidadão. Para averiguar a validade dessa hipótese de
crescimento da demanda por pronunciamento judicial, como causa de ativismo
judicial no Brasil, analisaremos os dados relativos à propositura de ações que visam
ao controle da constitucionalidade das leis: ação declaratória de constitucionalidade,
ação direta de inconstitucionalidade e ação de descumprimento de preceitos
fundamentais.
A ação de inconstitucionalidade por omissão não constará dos dados
utilizados nesta tese, tendo em vista que, até 2008, o próprio Supremo Tribunal
Federal a incluía nas estatísticas relativas à ação direta de inconstitucionalidade.
Somente a partir de 2008 é que essa ação passou a ter seus dados divulgados
autonomamente. Como os casos que são analisados nesta tese são anteriores a
essa data, os dados da ação de inconstitucionalidade por omissão não teriam efeito
metodológico para a comprovação das hipóteses levantadas.
Também é necessário analisar as razões que levaram à busca pelo
pronunciamento judicial e os argumentos utilizados pelos magistrados para justificar
a ingerência do Judiciário em questões de cunho político, que antes eram objeto de
deliberação no âmbito das instituições políticas. A análise dos acórdãos é de
essencial importância para entender essa causa de ativismo do Supremo Tribunal
Federal.
A segunda hipótese é a de que o ativismo judicial decorre do descrédito
do Poder Legislativo.
É necessário também examinar se a atuação do Poder Legislativo deixou de
corresponder às expectativas da sociedade, ansiosa por mudanças e por
regulamentações de temas sociais sensíveis quanto aos quais o legislador não está
atuando de forma satisfatória. Lembramos que essa análise se refere não à
atividade genérica do parlamento, mas aos casos aqui estudados, que dizem
respeito a temas estritamente políticos, nos quais se detectou a presença de
ativismo judicial. Neste aspecto, cumpre mencionar a questão do controle de

24
constitucionalidade das leis, função constitucionalmente atribuída ao Supremo
Tribunal Federal, exercendo este a função de guardião maior da Constituição, dentro
de uma concepção clássica de que a última palavra em matéria constitucional
pertence a essa Corte, o que poderia explicar sua constante manifestação em
questões políticas, a título de garantia do cumprimento da Carta Magna. É
necessário examinar se estas circunstâncias explicariam o ativismo judicial.
Entretanto, esse argumento também encontra objeções, como é o caso da
visão manifestada por Gilberto Bercovici (2004; p. 11), que não considera o direito
constitucional como monopólio do Judiciário. Ao contrário, sustenta o entendimento
de que a interpretação constitucional resulta de ação coordenada entre os três
poderes da República, o que retiraria do Judiciário a palavra final nas questões
constitucionais. Esse ponto de vista é compartilhado por Kermit Roosevelt III ( 2006;
p. 7) para quem “a Constituição não pertence aos juízes, como um mistério inteligível
apenas para uma casta sacerdotal, e ela não pertence aos ativistas políticos, como
um palco de discursos incendiários. Ela pertence ao povo.”
Essa abordagem nos leva a considerar que o Congresso também dispõe de
uma parcela de controle da constitucionalidade dos atos legislativos. Tanto isso é
verdade, que nas duas casas do Congresso Nacional existem Comissões de
Constituição e Justiça, às quais compete examinar a constitucionalidade dos
projetos de lei e a admissibilidade das propostas de emenda à Constituição. Assim,
podemos dizer que o Congresso Nacional também é guardião da Constituição,
havendo no Brasil um tipo de controle de constitucionalidade prévio e político,
realizado no âmbito do Poder Legislativo.
Para analisar esses aspectos, também serão utilizadas entrevistas,
reportagens e notícias veiculadas pela mídia, como uma forma de verificar a opinião
que está sendo divulgada a respeito do trabalho dos parlamentares. Essas
informações divulgadas pelos veículos de comunicação poderão ajudar a identificar
o desgaste da confiança que o eleitor possui nos seus representantes.
A terceira hipótese é a de que o ativismo judicial permite a realização de
um maior controle pela sociedade da ética na política.
A questão da ética na política vem sendo muito debatida, em todas as esferas
de atuação do Poder Público, no âmbito dos três Poderes. Medidas administrativas,

25
políticas e judiciais têm sido tomadas para impedir que a atividade estatal desborde
para o campo da imoralidade pública, em que interesses escusos passam a assumir
a finalidade dessa atuação dos agentes públicos.
Sobretudo, a partir da Constituição de 1988, o princípio da moralidade ganhou
realce, destacando-se da legalidade, passando a ser um princípio autônomo. Isto
tem não só servido de incentivo como propiciado mecanismos de maior controle da
questão ética na atividade política. Por outro lado, são numerosos os casos de
envolvimento de autoridades com atividades moralmente reprováveis, como se
costuma observar diariamente nas notícias veiculadas pela mídia. A análise das
ações judiciais quanto pedidos formulados e os argumentos expostos na decisão
serão de grande utilidade para que se possa verificar até que ponto a questão da
ética na política tem servido de fundamento para que as questões eminentemente
políticas sejam levadas ao Supremo e decidida no âmbito daquela Corte.
Finalmente, a quarta hipótese é a de que o voluntarismo dos membros
do Poder Judiciário na tomada de decisões políticas está na origem do
ativismo judicial.
Um elemento que pode ser indicativo desse voluntarismo do Supremo é a
modificação na dinâmica dos processos que envolvem o controle abstrato de
constitucionalidade. É interessante observarmos como se têm comportado as
estatísticas acerca dos julgamentos dessas ações constitucionais, a fim de
verificarmos se houve mudança significativa no perfil da atual Corte Suprema. Uma
mudança expressiva nas demandas por esses pronunciamentos pode ter criado um
ambiente propício para mudanças na atuação da Corte com o consequente
julgamento de questões políticas.
Analisaremos os dados relativos à distribuição da ação declaratória de
constitucionalidade, da ação direta de inconstitucionalidade e da ação de
descumprimento de preceito fundamental entre 1999 e 2009, o que permitirá verificar
em que medida essas matérias tem sido suscitadas perante o Supremo Tribunal
Federal e qual o grau de insatisfação com as leis produzidas nesse período.
A comparação entre decisões proferidas em períodos anteriores e recentes, a
respeito dos três casos estudados nesta tese, servirá como instrumento de análise
da mudança de entendimento processada na Corte e do grau de voluntarismo

26
quanto à tomada de decisões políticas. Serão analisados acórdãos proferidos no
passado e no presente sobre temas idênticos, relacionados à atividade política,
comparando-se os argumentos proferidos e os fatos existentes. São essas as bases
metodológicas sobre as quais se fundamentam esta tese, a partir das quais
passaremos aos estudos de caso.
Também examinaremos como o Poder Legislativo tem atuado, nesses
momentos em que o Supremo julga ações ajuizadas contra leis e atos normativos
oriundos do Congresso Nacional, a fim de verificarmos se o Supremo está agindo
em um vácuo normativo deixado pelo Poder Legislativo. Assim, examinaremos a
produção legislativa do Parlamento nesses períodos, inclusive com o uso de tabela e
de gráfico, para que se possa verificar, também, a mudança de comportamento da
atividade legislativa nesse intervalo.

27
CAPÍTULO 3

A VERTICALIZAÇÃO DAS COLIGAÇÕES PARTIDÁRIAS

28
A polêmica a respeito da verticalização das coligações partidárias teve início
em 2001, em face de consulta formulada pelos Deputados Federais Miro Teixeira,
José Roberto Batochio, Fernando Coruja e Pompeo de Mattos ao TSE. A consulta,
tinha por objetivo garantir a coligação que estava sendo costurada entre PT e PDT,
em São Paulo, para lançar José Genoíno como candidato ao Governo.
Argumentava-se com base na Lei nº 9.504, de 1997, que estabelece normas
para eleições, sobre o alcance do disciplinamento nela contido quanto às coligações.
Mais especificamente indagava-se acerca do sentido do art. 6º dessa Lei, que
faculta aos partidos políticos, dentro da mesma circunscrição, celebrar coligações
para eleição majoritária, proporcional, ou para ambas, podendo, neste último caso,
formar-se mais de uma coligação para a eleição proporcional dentre os partidos que
integrem a coligação para o pleito majoritário.
Em face desse dispositivo, indagava-se se um determinado partido poderia
celebrar coligação para eleição de Presidente da República com alguns outros
partidos e, ao mesmo tempo, celebrar coligação com terceiros partidos, os quais
também possuíam candidato à Presidência da República, visando à eleição de
Governador de Estado da Federação.1

1
“EXMº SR. PRESIDENTE DO EGRÉGIO TRIBUNAL SUPERIOR

MIRO TEIXEIRA, Deputado Federal do Partido Democrático Trabalhista – PDT, eleito pela população do
Estado do Rio de Janeiro, JOSÉ ROBERTO BATOCHIO, Deputado Federal do Partido Democrático Trabalhista
– PDT, eleito pela população do Estado de São Paulo, FERNANDO CORUJA, Deputado Federal do Partido
Democrático Trabalhista – PDT, eleito pela população do Estado de Santa Catarina e POMPEO DE MATTOS,
Deputado Federal do Partido Democrático Trabalhista – PDT, eleito pela população do Estado do Rio Grande do
Sul vêm, com fulcro no art. 23, inciso XII da Lei nº 4.737 de 1965 – Código Eleitoral formular a presente
Consulta sobre a seguinte situação em tese:
A Lei nº 9.504, de 1997, que "estabelece normas para eleições" dispõe, no que concerne ao
disciplinamento das coligações, no caput de seu art. 6º, o que se segue:
"Art. 6º É facultado aos Partidos Políticos, dentro da mesma circunscrição, celebrar coligações
para eleição majoritária, proporcional, ou para ambas, podendo, neste último caso, formar-se mais de
uma coligação para a eleição proporcional dentre os Partidos que integram a coligação para o pleito
majoritário."
Em face deste parâmetro normativo, indaga-se:
Pode um determinado partido político (partido A) celebrar coligação, para eleição de Presidente da
República, com alguns outros partidos (partido B, C e D) e, ao mesmo tempo, celebrar coligação com terceiros
partidos (E, F e G, que também possuem candidato à Presidência da República), visando à eleição de
Governador de Estado da Federação ?
Pelo exposto, em face da questão posta à suprema deliberação do Tribunal Superior Eleitoral ser
formulada em tese, esperam os consulentes vê-la respondida, com a maior brevidade possível, tendo em vista a
aproximação do período eleitoral.
Termos em que pedem e esperam deferimento.
Brasília, 08 de agosto de 2001
Dep. Miro Teixeira
Dep. José Roberto Batochio
Dep. Fernando Coruja
Dep. Pompeo de Mattos”

29
Em 26 de fevereiro de 2002, foi editada pelo Tribunal Superior Eleitoral a
Resolução nº 20.993, cujo Relator era o Ministro Fernando Neves. Essa Resolução,
no seu art. 4º, § 1º, dispunha que:

"Os partidos políticos que lançarem, isoladamente ou em


coligação, candidato à eleição de presidente da República não
poderão formar coligações para eleição de governador/a de Estado
ou do Distrito Federal senador/a, deputado/a federal e deputado/a
estadual ou distrital com partido que tenha, isoladamente ou em
aliança diversa, lançado candidato/a à eleição presidencial (Lei nº
9.504/97, art. 6º; Consulta nº 715, de 26.2.02)."

A partir dessa resposta dada à consulta formulada sobre coligações, foi


instituída, no ordenamento eleitoral brasileiro, a verticalização das coligações. Isto
significava que, se um partido decidisse se coligar nacionalmente para apoiar um
candidato comum à Presidência da República, não poderia ser feita outra coligação
estadual ou distrital diversa da nacional. Daí a designação de “verticalização”, uma
vez que qualquer outra coligação local deveria guardar simetria com a coligação
para presidente da República. De acordo com o Tribunal Superior Eleitoral, essa
regra decorria de interpretação do art. 6º da Lei nº 9.504/97, que trata das coligações
partidárias.
O Tribunal Superior Eleitoral, em cumprimento ao disposto no art. 105 da Lei
n.º 9.504/97 (até o dia 5 de março do ano da eleição, o Tribunal Superior Eleitoral
expedirá todas as instruções necessárias à execução desta Lei), ao aprovar as
instruções para as eleições de 2006, em 03.03.2006, manteve a regra de
verticalização das coligações adotada no pleito de 2002. Isto demonstra que houve
uma clara mudança de orientação na Corte no sentido de alterar a configuração do
cenário político no que tange à disputa eleitoral.
Ao tempo dessa decisão do Tribunal Superior Eleitoral, estava em vigor a Lei
n.º 9.504, de 30 de setembro de 1997, cujo art. 6º faculta aos partidos políticos,
dentro da mesma circunscrição, celebrar coligações para eleição majoritária,
proporcional, ou para ambas, podendo, neste último caso, formar-se mais de uma
coligação para a eleição proporcional dentre os partidos que integram a coligação
para o pleito majoritário. A Lei atribuía aos partidos a decisão quanto à realização
não de coligações. Não havia vácuo legislativo que justificasse um pedido dos
partidos com o objetivo de se fixar judicialmente uma solução para as eleições a
30
serem realizadas.
Do modo como a questão se encontrava tratada na legislação eleitoral, os
partidos tinham a liberdade política de se coligarem de acordo com as conveniências
políticas ditadas pelo momento e pelas circunstâncias. A situação era de
conveniência política dos partidos, decisão a ser tomada no âmbito interno das
instituições políticas. A atividade política estava sendo desenvolvida dentro de um
processo de normalidade democrática. As regras do jogo político eram bem claras e
já vinham sendo aplicadas há algum tempo, sem maiores polêmicas ou
questionamentos.
Contra o entendimento adotado pelo TSE com relação à verticalização das
coligações partidárias, foi proposta, pelo Partido Comunista do Brasil - PC do B,
Partido Liberal – PL, Partido dos Trabalhadores – PT, Partido Socialista Brasileiro –
PSB e Partido Popular Socialista – PPS, a ADI nº 2.626-7 contra o § 1º do art. 4º da
Instrução nº 55, aprovada pela Resolução nº 20.993, de 2002. Entendeu a Corte
tratar-se de ato normativo secundário, não sujeito ao controle de constitucionalidade.
Uma vez que o dispositivo foi impugnado como resultado de uma resposta à
consulta regularmente formulada por parlamentares no objetivo de esclarecer o
disciplinamento das coligações, tal como previsto no art. 6º da Lei 9.504/97,
entendeu a Corte que o objeto da ação consistia, inegavelmente, em ato de
interpretação. Quanto à discussão sobre se essa interpretação havia excedido ou
não os limites da norma que visava integrar, isto exigiria, necessariamente, o seu
confronto com esta regra, o que restava inviável tendo em vista a impossibilidade de
controle concentrado da legalidade do poder de regulamentar.
O Supremo entendeu que se tratava de mera atividade hermenêutica, embora
esta tivesse resultado na criação de novo direito não previsto na legislação nem na
Constituição Federal. Assim, deixou o Supremo de analisar o mérito da questão,
restringindo-se ao cabimento ou não da ação direta de inconstitucionalidade no caso
em exame. Com essa decisão, ficou mantida a Resolução do Tribunal Superior
Eleitoral que instituiu a verticalização. O Supremo poderia ter modificado a solução
adotada pelo TSE, afastando a regra da verticalização, mas não o fez, concluindo
pela impossibilidade de exame do mérito das ações propostas em face de questão
formal prejudicial.

31
Embora a resolução tenha sido editada pelo Tribunal Superior Eleitoral, e não
pelo Supremo Tribunal Federal, há dois aspectos que devemos considerar nesta
análise. A primeira é a de que, dos sete membros que compõem o TSE, três são
Ministros do Supremo e é, dentre estes que se escolhe o Presidente da Corte
Superior Eleitoral. Assim, há uma forte influência dos ministros do Supremo nas
decisões do Tribunal. Além deste aspecto, a decisão do TSE sempre está sujeita ao
exame do Supremo em matéria constitucional, como é o caso da verticalização de
coligações.
Isto demonstra que a confirmação ou não dessa forma de ativismo judicial
compete ao Supremo Tribunal Federal, daí por que, nesta tese, consideramos a
Corte Suprema como a arena de deliberação política nessa matéria, e não o Tribunal
Superior Eleitoral, uma vez que a decisão definitiva sobre o tema será tomada no
âmbito do Supremo, e não do TSE. Se o Supremo tiver uma postura ativista nessa
matéria, a decisão do TSE será mantida; do contrário, poderá ser modificada. Isto
indica a importância do Supremo na condução dessa postura ativista, já que, nesta
Corte, se decide, em última instância, as questões constitucionais examinadas por
instâncias inferiores.
Isso não demorou a provocar uma reação no âmbito do Legislativo, que,
insatisfeito com a nova regulamentação do processo eleitoral. Desse modo, em
08.03.2006 as mesas diretoras do Senado e da Câmara dos Deputados
promulgaram a Emenda Constitucional n.º 52, publicada no D.O.U. de 09.03.2006,
assegurando aos partidos políticos autonomia para adotar os critérios de escolha e o
regime de suas coligações eleitorais, sem obrigatoriedade de vinculação entre as
candidaturas em âmbito nacional, estadual, distrital ou municipal. Ficava
caracterizada a divergência de entendimento e de vontade política entre os Poderes
Legislativo e Judiciário.
Com a promulgação e publicação da Emenda Constitucional n.º 52 nova
polêmica foi instalada: essa nova regra, que estabelecia o fim da verticalização
compulsória das coligações, já poderia ser aplicada para as eleições de 2006 ou se
submeteria ao princípio da anualidade das leis eleitorais, previsto no art. 16 da
Constituição Federal? A lei que alterar o processo eleitoral entrará em vigor na data
de sua publicação, não se aplicando à eleição que ocorra até 1 (um) ano da data de

32
sua vigência. Essa é a regra do nosso sistema, que seria logo determinada pela
Suprema Corte. A Emenda constitucional nº 52, que deu nova redação ao § 1º do
art. 17 da Constituição Federal para disciplinar as coligações eleitorais, tinha o
seguinte teor:
“AS MESAS DA CÂMARA DOS DEPUTADOS E DO
SENADO FEDERAL, nos termos do § 3º do art. 60 da
Constituição Federal, promulgam a seguinte Emenda ao texto
constitucional:
Art. 1º O § 1º do art. 17 da Constituição Federal passa a
vigorar com a seguinte redação:
“Art. 17. ........................................
1º É assegurada aos partidos políticos autonomia para
definir sua estrutura interna, organização e funcionamento e
para adotar os critérios de escolha e o regime de suas
coligações eleitorais, sem obrigatoriedade de vinculação entre
as candidaturas em âmbito nacional, estadual, distrital ou
municipal, devendo seus estatutos estabelecer normas de
disciplina e fidelidade partidária.
............................................................................." (NR)

Art. 2º Esta Emenda Constitucional entra em vigor na data


de sua publicação, aplicando-se às eleições que ocorrerão no
ano de 2002.

Brasília, em 8 de março de 2006.”

Em seguida à promulgação da Emenda Constitucional n.º 52 a Ordem dos


Advogados do Brasil interpôs no Supremo Tribunal Federal a Ação Direta de
Inconstitucionalidade nº 3.685, que foi julgada no dia 22.03.05, no sentido de que a
Emenda Constitucional nº 52, deveria respeitar o princípio da anterioridade eleitoral
previsto no art. 16 da Constituição Federal. A Relatora, Ministra Ellen Gracie,
reconheceu que a Emenda Constitucional violou a Constituição Federal e julgou
procedente o pedido formulado para declarar a inconstitucionalidade da expressão
“aplicando-se às eleições que ocorrerão no ano de 2002”, contida no artigo 2º da
emenda atacada. A Ministra também deu interpretação conforme à Constituição, à
parte remanescente da emenda, no sentido de que as novas regras sejam aplicadas
somente após um ano da data de sua vigência. A decisão foi proferida por nove a
dois votos, tendo havido divergência dos Ministros Marco Aurélio e Sepúlveda
Pertence.
A Advocacia-Geral da União contestou a alegação de inconstitucionalidade,
sob o argumento de que a anualidade não se aplica a essa matéria, que diz respeito
a coligações partidárias, que afeta o direito partidário, e não o processo eleitoral.
Alegou ainda que se o próprio Tribunal Superior Eleitoral, em 2002, estabeleceu
33
exegese sobre as alianças partidárias, sem ferir o princípio da segurança jurídica,
com muito mais razão a emenda constitucional não poderia violar tal princípio, ao se
aplicar às eleições de 2006.
A Emenda Constitucional nº 52, promulgada em 8 de março de 2006,
assegurou aos partidos políticos autonomia "para adotar os critérios de escolha e o
regime de suas coligações eleitorais, sem obrigatoriedade de vinculação entre as
candidaturas em âmbito nacional, estadual, distrital ou municipal". Decidida a
matéria por meio da emenda constitucional, restava a questão da aplicação imediata
da nova regra eleitoral. Em seu voto a respeito dessa questão, a Ministra Ellen
Gracie argumenta com o afastamento de qualquer pretensão de alcançar efeito
retroativo do comando constitucional relativamente às eleições de 2002. Isto
resultou, obviamente, na adoção da regra da verticalização para esse período
eleitoral.
Resolvida a questão da implantação ou não da verticalização ao sistema
eleitoral brasileiro, restava a delimitação temporal da vigência da nova regra
constitucional definida no âmbito do Poder Legislativo, diante do que a Suprema
Corte concluiu pela necessidade de se obedecer ao princípio da anterioridade. Neste
ponto da análise da questão da verticalização das coligações, já podemos testar as
hipóteses formuladas anteriormente para verificarmos se são válidas ou não para
explicar o ativismo judicial no âmbito do Supremo Tribunal Federal .
A primeira hipótese é a de que o ativismo judicial advém da crescente
demanda por pronunciamento judicial quanto a questões políticas.
No que tange à questão da coligação de partidos, o número de processos no
Supremo Tribunal Federal é inexpressivo, constando de apenas quatro demandas
específicas sobre coligações partidárias:
− Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 3.685/2006;
− Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 2.626/2002;
− Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 2.628/2002 e
− Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 1.407/1996.
Dessas ações, as três primeiras dizem respeito ao mesmo caso, a saber, a
verticalização imposta pelo Tribunal Superior Eleitoral em 2002. A última refere-se à
proibição, limitação de coligações partidárias, pela Lei nº 9.100/1995, apenas para

34
eleições proporcionais. Além disso, deve-se registrar que essas ações foram
movidas por partidos políticos contra a regra da verticalização das coligações.
Se fossemos adotar a demanda de partidos como justificativa para o ativismo
judicial, teríamos de concluir que a demanda não surtiu qualquer efeito, pois as
ações que foram propostas perante o Supremo com a finalidade de acabar com a
verticalização das coligações não produziram os resultados esperados. Além do
mais, a verticalização não decorreu de ações propostas perante o Tribunal Superior
Eleitoral, mas de uma consulta formulada acerca das coligações partidárias, tendo
em vista o interesse de partidos com relação a uma determinada candidatura no
Estado de São Paulo.
A partir dessa consulta, foi formulada a resolução que estabeleceu a
verticalização, conta a qual foram interpostas algumas ações diretas de
inconstitucionalidade, que não lograram êxito em afastar os preceitos contidos na
referida resolução. Assim, podemos concluir que a regra da verticalização não é
resultado do aumento de demanda por pronunciamento judicial quanto à questão da
verticalização de coligações partidárias.
A segunda hipótese é a de que o ativismo judicial decorre do descrédito
do Poder Legislativo.
Essa hipótese deve ser confrontada com a opinião do eleitor, para que se
possa comprovar se há ou não incompatibilidade entre a formação de coligações
partidárias e a vontade do eleitor. Se o eleitor que vota em candidatos de um partido
rejeita os de outros, então a coligação se manifesta como algo contrário ao
sentimento do eleitor. Sabedor disto, se os parlamentares não tomaram medidas
para modificar a legislação, atendendo aos anseios dos eleitores, então pode-se
constatar o descrédito do Parlamento. Todavia, se o eleitor simpático a um partido
também não rejeita outros partidos que se alinhem com o partido de sua preferência,
então não podemos dizer que a coligação desses partidos se choca com a vontade
dos eleitores. Neste caso, se o Parlamento permite tal coligação, não alterando as
regras do jogo, não se pode falar em descrédito quanto a esse tema.
Estudos realizados por Paiva, Braga e Pimentel Júnior (2007), a respeito da
diferenciação dos partidos para o eleitorado, mostram que muitos eleitores que
gostam de um partido tendem a gostar também de outros. Avaliar esse sentimento

35
do eleitor é importante para caracterizar até que ponto a coligação de partidos
diferentes se confronta com a vontade do eleitor, colocando em risco a credibilidade
das instituições democráticas e servindo como fundamento para a interferência do
Judiciário na vida política.
A metodologia adotada pelos autores citados foi a escala de sentimentos
partidários, a fim de explicar como os partidos estão presentes no eleitorado. Essa
escala leva em conta os seis maiores partidos em 2002 e 2006, exatamente no
período em que ocorreu essa polêmica sobre a verticalização. Analisaremos as
mesmas tabelas por eles utilizadas, a fim de analisar a importância dos partidos na
escolhas dos eleitores. Essas tabelas (cuja numeração é 5.1 e 5.2 no estudo dos
autores citados) aqui serão adotadas como tabela 1 e tabela 2.

TABELA 1
Correlação de Pearson
Ano de 2002
PT PDT PSDB PFL PMDB PTB
PT 1
PDT 0,355 1
PSDB 0,083 0,222 1
PFL 0,053 0,199 0,427 1
PMDB 0,059 0,163 0,441 0,362 1
PTB 0,109 0,431 0,361 0,341 0,353 1
Fonte: ESEB, 2002 e 2006

36
TABELA 2
Correlação de Pearson
Ano de 2006
PT PDT PSDB PFL PMDB PTB
PT 1
PDT 0,437 1
PSDB 0,123 0,591 1
PFL 0,301 0,733 0,708 1
PMDB 0,304 0,686 0,636 0,700 1
PTB 0,374 0,816 0,656 0,762 0,712 1
Fonte: ESEB, 2002 e 2006

Nas tabelas 5.1 e 5.2, os autores tratam do coeficiente de correlação de


Pearson com relação aos sentimentos partidários dos eleitores e os vários partidos
tanto em 2002 quanto em 2006. Em relação ao ano de 2002, a tabela demonstra
que, em relação ao PT, PDT e PTB, os eleitores simpáticos a um desses partidos
também simpatizavam com os outros. Por outro lado, os eleitores do PT não nutriam
sentimentos estreitos com o PSDB, PFL, PMDB. Em relação aos demais partidos, os
eleitores tendiam a gostar de todos.
Já na tabela referente ao ano de 2006, praticamente não havia diferenciação
de partidos no sentimento do eleitorado, sendo indiferente este ou aquele partido. Os
autores também analisarem essa questão, utilizando da análise fatorial, técnica esta
que consiste em explicar a correlação ou covariância, entre um conjunto de
variáveis, em termos de um número limitado de variáveis não-observáveis. Havendo
diferenciação entre os partidos, o número de fatores se aproximará do número de
partidos. Por outro lado, se a diferenciação for insignificante, o número de fatores se
afastará do número de partidos. Havendo um só fator, fica demonstrada a
inexistência de diferenciação.
De acordo com a análise dos autores, em 2002, os sentimentos dos eleitores
oscilavam entre dois componentes partidários: um composto do PT e PDT; o outro,
do PSDB, PFL, PMDB e PTB, o que demonstra a existência de uma pequena
diferenciação dos eleitores em relação aos partidos expostos. Ainda de acordo com

37
as tabelas, em 2006, essa pequena diferenciação existente em 2002 desaparece, o
que pode ser comprovado pela obtenção do fator 1.
A análise dos dados examinados não demonstra que os eleitores consideram
a coligação de partidos diferentes como algo ruim ou que isso provoca o descrédito
dos representantes políticos. Por outro lado, a legislação aplicada às eleições
permitia que as coligações fossem realizadas. No Tribunal Superior Eleitoral, o
Ministro Marco Aurélio pronunciou-se contra a verticalização, por considerá-la lesiva
à autonomia dos partidos políticos, uma vez que os submete a uma "camisa-de-
força".
Vamos, porém, inserir mais um elemento nessa análise: o fato de que o Poder
Legislativo não estava inerte nessa seara. Ao mesmo tempo em que o Tribunal
Superior Eleitoral estabelecia a regra da verticalização, alguns projetos de lei
tramitavam no Congresso Nacional acerca do tema, o que mostra uma concorrência
entre os Poderes Judiciário e Legislativo, no que tange à normatização legal das
coligações partidárias. A tabela abaixo deixa claro que, nessa ocasião, havia
movimentação legislativa em torno desse tema.

TABELA 3
Projetos de Lei sobre coligações partidárias entre 1995 e 2003
1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003
2 0 1 0 0 1 1 3 5

Entre esses períodos, podemos observar que, nos anos de 2002 e 2003,
foram registros os maiores volumes de proposições que tratavam da questão das
coligações partidárias. O total de proposições entre 1995 e 2003 é de 13. Desse
número, 8 foram apresentadas em 2002 e 2003, mais da metade portanto, o que
mostra que, no momento em que o Tribunal Superior Eleitoral estabeleceu a regra
da verticalização, havia matérias em trâmite no Congresso Nacional sobre esse
assunto. Registra-se nesse instante uma competição por temas políticos entre
Legislativo e Judiciário. Podemos assim resumir o conteúdo das principais
proposições:

38
PL 2679/03 - Dispõe sobre as pesquisas eleitorais, o voto de legenda em
listas partidárias preordenadas, a instituição de federações partidárias, o
funcionamento parlamentar, a propaganda eleitoral, o financiamento de campanha e
as coligações partidárias, alterando a Lei nº 4.737, de 15 de julho de 1965 (Código
Eleitoral), a Lei nº 9.096, de 19 de setembro de 1995 (Lei dos Partidos Políticos) e a
Lei nº 9.504, de 30 de setembro de 1997 (Lei das Eleições).
PL 1067/03 - Altera a redação do caput, § 1º, 2º e inciso I do § 3º, do art. 6º, e
§ 3º do art. 15, da Lei nº 9.504, de 30 de setembro de 1997, vedando a celebração
de coligações partidárias na faixa proporcional.
PL 82/03 - Proíbe coligações partidárias nas eleições proporcionais e dá nova
redação ao art. 6º da Lei nº 9.504, de 30 de dezembro de 1997.
PL 7056/2002 - Altera a Lei nº 9.096, de 19 de setembro de 1995, que
"Dispõe sobre partidos políticos, regulamenta os arts. 17 e 14, § 3º, inciso V, da
Constituição Federal", para dar novo disciplinamento ao acesso gratuito ao rádio e à
televisão.
PL 350/95 - Altera dispositivos da Lei nº 4.737, de 15 de julho de 1965
(Código Eleitoral). Esse projeto impede as coligações partidárias para o sistema
proporcional.
Mais uma vez, percebe-se que não ocorre descrédito em relação à atuação
do Poder Legislativo, em virtude de sua inércia. À época em que essa questão da
coligação de partidos era discutida no âmbito do Tribunal Superior Eleitoral, existiam
em tramitação diversos projetos de lei contemplando essa matéria, o que mostra que
o ativismo judicial praticado pelo Tribunal e mantido pelo Supremo Tribunal Federal
não tinham qualquer relação com o descrédito do Poder Legislativo. Isto nos leva a
concluir que a segunda hipótese não se presta a explicar o ativismo judicial
verificado na questão da verticalização de coligações partidárias.
A terceira hipótese é a de que o ativismo judicial permite a realização de
um maior controle pela sociedade da ética na atividade política.
Resta-nos observar se essa questão da verticalização se inclui no conceito de
ética na política, em relação ao qual existam debates no meio da sociedade, com
orientações partidárias não definidas, exigindo um pronunciamento judicial, a fim de
situar a questão dentro dos parâmetros constitucionais, por meio de um processo

39
hermenêutico.
A coligação entre partidos obedece a interesses políticos locais, regionais,
que, em última instância, atinam com as conveniências políticas dos representados
naquele Estado ou Município. Isso tudo faz parte do processo democrático, em que
o eleitor deve ser soberano para definir aquilo que melhor lhe convém politicamente
e que melhor atenderá aos reclamos de sua coletividade de cidadãos.
As diferenças culturais, sociais, administrativas e políticas condicionam
decisões tomadas pelos partidos, candidatos e eleitores no âmbito da política local.
Cabe, assim, ao eleitor decidir se a coligação é de interesse público ou se fere a
vontade do eleitor, o que deve ser decidido nas urnas. Outra possibilidade, quando o
eleitorado não está satisfeito com os rumos tomados pelas instituições políticas, é a
modificação dos sistema por meio dos representantes do povo, em nome por conta
deste, solução esta que envolve o poder de legislar conferido pelo povo aos seus
representantes no Congresso.
Se um partido que dispõe de candidato próprio à Presidência pode,
posteriormente às eleições, apoiar a política adotada pelo Presidente eleito, pela
mesma razão pode formar coligações locais que, ao final, redundarão nesse apoio
final, independentemente de quem seja eleito. Neste aspecto, não há qualquer
prejuízo para o eleitorado, que pode ver seus ideais realizados, independentemente
de siglas partidárias. Já haveria uma predisposição de apoio, de composição política
em benefício do povo, o que redundaria em proveito político para os eleitores, que
seriam contemplados, ao final do processo, como maiores beneficiários desse
acordo político efetivado antes das eleições.
Essas decisões políticas são tomadas em função de interesses políticos,
envolvem questões ideológicas, tratam de composição de forças políticas, todos
estes aspectos estranhos à atividade neutra e imparcial do juiz. Pronunciando-se
sobre a definição das decisões políticas, esclarece Richard Posner (2008; p. 312)
que:
“Uma decisão que toma partido em questões morais que dividem o
público em linhas partidárias e não podem ser resolvidas por análises
especializadas, impostas por razões legais convencionais, é uma
decisão política.”

Alheio e distante do ambiente político e dessa prática ideológica, ao juiz falta

40
a vivência política e o envolvimento ideológico necessários à uma compreensão
mais aprofundada desse ambiente político e de suas necessidades. Nesse sentido,
reconhece Alain (1985, p. 255) que:

“Há magistrados que têm por encargo manter a igualdade, a paz, a


ordem; mas esses magistrados não devem agir em nome de um
partido. Por exemplo, é bem claro que os julgamentos dos tribunais não
deveriam ser mudados em nada quando um progressista assumisse o
poder no lugar de um radical muito radical”.

A derrubada da verticalização pelos representantes eleitos mostra que a


vontade política imperante não era no sentido de se estabelecer a verticalização, e
sim de se permitir a coligação dos partidos, como permitia a lei eleitoral. Havia um
descompasso entre a vontade dos eleitores, manifestada por meio de seus
representantes eleitos nas urnas, e aquela esposada pelos integrantes do Tribunal
Superior Eleitoral e do Supremo Tribunal Federal. Diante dessa atuação do
Judiciário, o Congresso reagiu e promulgou emenda constitucional, revertendo a
decisão judicial e permitindo a efetivação das referidas coligações, derrubando,
assim, a verticalização imposta pelo Judiciário. Diante dos fatos analisados, não há
elementos que permitam concluir no sentido de que as coligações eram tidas por
antiética pelos eleitores e que essa circunstância justificava o ativismo judicial.
Como afirma John Ferejohn (2002), o Judiciário está significativamente
desejoso de controlar a atividade política, passando a decidir sobre questões
políticas, como a conduta dos homens políticos, as regras a serem adotadas nas
eleições, o financiamento de campanhas, entre outros temas. Essa assertiva nos
leva à análise da quarta hipótese, que tem a ver com essa vontade dos juízes de
deliberarem acerca de questões políticas.
Finalmente, a quarta hipótese é a de que o voluntarismo dos membros
da Corte em decidir questões políticas está na origem do ativismo judicial.
A defesa do direitos e garantias fundamentais tem exercido grande influência
na atuação dos juízes. A inserção nos textos das constituições modernas de
garantias e direitos fundamentais não contemplados em épocas mais remotas tem
provocado uma crescente busca por pronunciamentos judiciais sobre os mais
diversos temas.
No Estado Democrático de Direito, a defesa dos direitos individuais e a
41
limitação da atividade estatal tornaram-se preocupação constante nas agendas dos
Três Poderes,o que tem influenciado os destinos e as ações das instituições
democráticas. A partir desse ponto, já podemos verificar que o controle da atividade
estatal pelo Judiciário segue uma lógica de necessária conformação de seus limites
aos novos princípios constitucionais. Todavia, essa crescente normatização de
direitos individuais e a consequente participação do Poder Judiciário na delimitação
dos preceitos legais e constitucionais deve igualmente balizar-se pelos princípios
constitucionais que regem a separação de Poderes e pelas normas constitucionais
que estabelecem as competências de cada um.
Bernard Chantebout (2008; pp. 106-107), analisando o modelo político
americano, observa, no que tange à repartição de competências entre os poderes
nos Estados Unidos, que:

“Apenas por uma simplificação abusiva, fala-se que a


Constituição americana confere ao Presidente a função executiva,
ao Congresso, a função legislativa, e ao Judiciário, a função
judiciária. Num sistema de freios e contrapesos, a Constituição
evita essa especialização e fixa o papel de cada um desses
órgãos de modo a evitar que, um, adentrando o campo de
atividade de outro, pudesse paralisar suas iniciativas, o que seria
perigoso para os cidadãos”.

Nessa questão da verticalização, além de haver lei vigente que permitia essa
prática, o Congresso também encontrava-se em discussão sobre a matéria, em face
dos diversos projetos de lei que ali tramitavam, como já vimos na tabela 3,
anteriormente comentada. Outro aspecto que merece análise diz respeito ao
princípio da anterioridade eleitoral reconhecida pelo Supremo Tribunal Federal,
quando a questão eleitoral foi disciplinada por meio de instrumento legislativo
originado no Parlamento. É curioso que esse mesmo critério não foi obedecido,
quando o Tribunal Superior Eleitoral impôs a regra da verticalização por meio de
Resolução, cuja aplicação teve efeitos imediatos, sem que se cogitasse da aplicação
da regra da anterioridade eleitoral.
A decisão do Tribunal foi tomada no ano de 2002, ou, seja, no mesmo ano em
que ocorreram as eleições Sua aplicação no mesmo ano ia de encontro ao princípio
da anualidade. A norma estabelecida pelo Tribunal seria executada no mesmo ano,

42
sem o interstício de um ano. No momento em que o Congresso modificou a
Constituição, em sentido contrário às decisões do Tribunal Superior Eleitoral e do
Supremo Tribunal Federal, o princípio da anterioridade se fez obrigatória.
A segurança jurídica implica a previsibilidade das decisões, que embora
possam oscilar de acordo com circunstâncias específicas do caso concreto, devem
manter certa coerência em face do sistema como um todo, um determinado
paralelismo, uma simetria com a jurisprudência dominante, que permitam a previsão
por parte dos jurisdicionados. Nesse sentido, valiosa lição de Thamy Pogrebinschi
(2000, p.13), em que se coloca essa questão da previsibilidade dos julgamentos nos
seguintes termos:

“A idéia do romance seqüencial possibilita a compreensão do


papel da segurança jurídica no pensamento de dworkiniano. A
necessária consistência que o capítulo novo deve manter em relação
aos anteriores indica exatamente a necessidade de manter-se um
sistema de direito que seja previsível e coerente com o seu passado.
Vale dizer, por mais que o Juiz Hércules inove, identificando um novo
princípio moral que jazia implícito na Constituição e sua carta de
direitos, esta inovação será sempre consistente e coerente com a
história e a prática constitucionais de seu país. Toda decisão do Juiz
Hércules pode ser, portanto, em alguma medida prevista. A integridade
implica, assim, em previsibilidade. O Direito dworkiniano não é incerto.
A vinculação com a história e com a estrutura do direito impede que o
Juiz Hércules decida contrariamente a pressupostos já bem
conhecidos de seu público.”

Alberto Rollo (2006) considera que a verticalização foi instituída como


instrumento para facilitar a vida dos donos do poder. A seu ver a verticalização
beneficia, principalmente, os ocupantes do poder, pois é muito mais fácil impor a
verticalização a fim de exigir fidelidade aos partidos que fazem parte do poder e da
estrutura governista.
O que faria com que o Supremo reconhecesse a necessidade de interstício
para a aplicação da emenda promulgada pelo Congresso Nacional e não a
determinasse também para as normas criadas pelo Tribunal Superior Eleitoral sobre
a mesma questão? A aplicabilidade da regra criada pelo Tribunal é imediata,
enquanto a lei criada pelo Parlamento deve obedecer a um intervalo antes de
começar a produzir efeitos?
Analisando essa questão dos poderes dos juízes, quando se trata de
processo legislativo, o Conselho de Estado francês teve a oportunidade
recentemente de delimitar a extensão de seus poderes, na Decisão nº 2001-444 DC,
43
de 9 de maio de 2001. Como nos dá ciência Dominique Grandguillot (2008), o
Conselho Constitucional foi acionado pelo Primeiro Ministro, seguindo as
competências constitucionais deste, em 25 de abril de 2001, com base nos arts. 46 e
61, da Constituição francesa, em face da Lei Orgânica que modificou a data de
expiração de poderes da Assembléia Nacional, alongando-a em onze semanas. Os
citados artigos da Constituição Francesa obrigam a submissão das leis orgânicas ao
crivo do Conselho Constitucional, antes de sua promulgação.
Entendeu o Conselho que o legislador orgânico é competente nos termos do
art. 25 da Constituição para fixar a data de duração dos poderes de cada assembléia
eleita, podendo livremente modificar esta duração, desde que respeite as regras e
princípios constitucionais relativos ao sufrágio universal, igualitário e secreto e ao
exercício do direito de sufrágio em um período razoável. Afirmou, ainda, que o
Conselho Constitucional não dispõe de um poder geral de apreciação e de decisão
da mesma natureza daquele do parlamento e que não lhe cabe perquirir se o objeto
assinalado pelo legislador poderia ser obtido por outras vias, desde que as
modalidades adotadas pela lei não sejam manifestamente inapropriadas a esse
objetivo.
De acordo com a decisão proferida, o prolongamento de onze semanas
aparece como necessário estritamente à realização do objetivo da lei e se reveste de
um caráter de excepcionalidade e transitoriedade. Assim a lei foi declarada de
acordo com a Constituição. O Conselho Constitucional, nessa decisão, autolimitou
seus poderes, reconhecendo que a legislação positiva compete ao legislador, dentro
do respeito aos princípios constitucionais. Solução diversa foi adotada pelo Tribunal
Superior Eleitoral e pelo Supremo Tribunal Federal na questão da verticalização.
Embora existente lei sobre a matéria, reconhecendo a autonomia partidária, as
Cortes decidiram mudar essas normas de comportamento na atividade política, por
meio da verticalização de coligações.
Esses aspectos revelam a disposição existente no âmbito dessas Cortes
Judiciais de julgar e decidir questões políticas, criando novos direitos, do que
decorre válida a tese do voluntarismo em questões marcantemente políticas. Nesse
contexto, são significativas as afirmações do Ministro Celso de Mello (2006), a
respeito de um papel mais ativo dos juízes na interpretação da lei.

44
Essas manifestações apontam para uma insatisfação com a qualidade da
atuação do Poder Legislativo, o que estaria justificando uma participação mais ativa
por parte do Supremo, a fim de compensar a lacuna deixada pelo legislador, com
vistas ao aprimoramento da legislação. O Supremo passa a se preocupar com a
qualidade das leis, em face de sua aplicação à coletividade e seus efeitos em
relação aos direitos e garantias fundamentais dos cidadãos.
Richard Posner (2008; p. 269) reconhece, no modelo americano, uma
natureza política nas decisões proferidas pelo juiz constitucional, ou seja, aquele
com atribuições de interpretação da Constituição. Nesse aspecto, explicita o citado
autor que
“os juízes da Suprema Corte dos Estados Unidos,
particularmente quando decidem questões constitucionais, são
juízes políticos (...) Mas os juízes políticos são pragmáticos, se o que
os move, como acredito que seja principalmente, são as
consequências políticas de suas decisões”.

Desse modo, os Ministros da Suprema Corte, ao interpretarem as leis, vão


além da simples interpretação, e passam a se preocupar com os reflexos políticos de
sua decisão, diante do que acabam por modificar o direito naquilo que consideram
de má qualidade jurídica, social e política. A lei sofre uma espécie de atualização,
feita pelo processo hermenêutico criador de novos direitos, o que resulta em
ativismo judicial. É o que aconteceu, no Brasil, quando, por meio de resolução, o
Tribunal Superior Eleitoral criou novas regras de conduta política para as eleições,
não decorrentes da lei ou da Constituição, mas fruto de um processo hermenêutico
inovador no mundo jurídico.
Celso de Mello (2006) chama a atenção para o fato de que o Supremo
Tribunal Federal, após o advento da Constituição de 1988, tomou consciência da
grande importância do seu papel institucional. Essa afirmação quanto a tomar
consciência de um novo papel já é indício de um voluntarismo quanto à análise e
julgamento de temas eminentemente políticos.
O fundamento para essa mudança de paradigma é a própria atividade
jurisprudencial que faz com que o Supremo, na visão de Celso de Mello (2006),
passe atuar no papel de revisor da Constituição, por meio de processos
hermenêuticos. Essa tendência de atualizar a Constituição, por meio de processo
hermenêutico também é percebida por Bernard Chantebout (2008) no que diz
45
respeito à proteção dos direitos e das liberdades dos cidadãos.
Embora se possa dizer que o voluntarismo seja causa do ativismo, esse
argumento, por si só, é insuficiente, se não examinarmos as circunstâncias que
possibilitam seu surgimento. Se apenas dissermos que o Judiciário tem vontade de
expandir seu campo de atuação, estaremos fazendo alusão a um móvel, ou seja, a
um elemento psicológico. Precisamos situar esse voluntarismo dentro de um
contexto institucional, examinando o histórico de decisões da Corte e panorama
constitucional vigente no País, para, a partir desses aspectos, concluirmos ou não
pela existência de uma voluntarismo no âmbito do Tribunal.
Como se observa das análises feitas até aqui, tem havido, no âmbito da
Suprema Corte, um redimensionamento da atividade hermenêutica, o que está
permitindo, com a adoção de princípios criados pelos seus integrantes, o avanço da
atividade judicial para além da atribuição interpretativa, com a criação de novos
direitos. Ao interpretar a lei, o juiz, entendendo que essa lei não mais atende às
necessidades sociais, apresenta novas soluções para questões que lhe são
submetidas, estabelecendo condutas diversas até mesmo daquelas descritas na lei.
Isto representa ativismo judicial, por meio da adoção de novos paradigmas
hermenêuticos.
Neste caso da verticalização, embora a interpretação tenha sido o elemento
utilizado com argumento para a mudança efetivada pelo Tribunal Superior Eleitoral e
mantida pelo Supremo Tribunal Federal, o que houve, na verdade, foi um processo
de criação de direito novo. O Ministro Celso de Mello (2006), quanto a esse aspecto
criador da hermenêutica, entende que o Supremo exerce uma função política por
meio do processo interpretativo, para atender à finalidade a que a lei se destina.
Decidir questões políticas por meios interpretativos constitui ativismo judicial, que
decorre do voluntarismo e se concretiza pela via hermenêutica.
Em relação a esse aspecto, Ran Hirschl (2008; p. 97) afirma que “até mesmo
os críticos politicamente astutos do ativismo judicial, quer de esquerda ou de direita,
freqüentemente acusam os juízes e as cortes imperialistas “famintos de poder” de
expropriarem a constituição, sendo tão assertivos ou superenvolvidos em decisões
morais e políticas, então desrespeitando os princípios fundamentais da separação
dos poderes e da governança democrática”.

46
Além da adoção de um novo paradigma hermenêutico, outro aspecto que
envolve o voluntarismo da Corte na decisão de temas políticos é a utilização do
critério de baixa qualidade da produção legislativa para justificar a análise de
matérias eminentemente políticas. Ora o que é baixa qualidade da lei? A qualidade
da leis não pode ser medida por meios eletrônicos, como se mede a temperatura a
altitude ou outro fenômeno físico. Trata-se evidentemente de uma avaliação
subjetiva, produzida no âmbito da Corte Suprema. Uma das justificativas para
afirmar a má qualidade da produção legislativa é o volume de ações ligadas ao
controle abstrato de constitucionalidade das leis.
Por isso, é importante verificarmos como as estatísticas têm evoluído nos
últimos anos com relação a esse tipo de ação no Supremo Tribunal Federal. Para
termos uma dimensão desse tema, utilizaremos tabelas obtidas no site do próprio
Supremo Tribunal Federal, acerca da movimentação processual na Corte, por classe
de processo. Os dados a seguir foram obtidos no site do Supremo Tribunal Federal
Portal de Informações Gerenciais do Supremo Tribunal Federal em maio de 2010.
Celso de Mello (2006) considera as leis brasileiras, em geral, de baixa
qualidade e se fundamenta na freqüência com que o Judiciário declara a
inconstitucionalidade das leis aprovadas pelo legislador brasileiro. Isso, na visão do
Ministro, justifica uma maior interferência do Supremo nas questões política. Será
que as ações visando ao controle abstrato de constitucionalidade das normas
comprovam a baixa qualidade das leis? Esse aspecto pode ser analisado por meio
de uma avaliação do comportamento dessas ações ao longo do tempo.
Procederemos a uma investigação dos dados relativos à propositura dessas ações
perante o Supremo.
Vamos verificar o número de ações que tratam especificamente do controle
abstrato de constitucionalidade: ação declaratória de constitucionalidade, ação direta
de inconstitucionalidade, e ação de descumprimento de preceito fundamental.
Deixamos de fora a ação de inconstitucionalidade por omissão, pois só a partir de
2008 passou a figurar em estatística independente. Antes disso, essa ação era
computada juntamente com a ação direta de inconstitucionalidade.
A análise desses dados poderão mostrar se, de fato, a baixa qualidade da
produção legislativa se revela por meio do aumento de demanda por

47
pronunciamento da Corte Suprema de inconstitucionalidade de leis. Utilizamos os
dados referentes ao número de ações distribuídas em cada ano. Deixamos de incluir
o ano de 2010, pois ainda encontra-se em curso, no momento desta análise.
Vamos analisar a quantidade de julgamentos proferidos em cada uma dessas
ações constitucionais entre os anos de 1999 e 2009, período este suficiente para
nos dar uma visão panorâmica acerca da movimentação processual no Supremo.
Além disto, os três casos que estamos estudando são recentes e se situam dentro
desse intervalo de tempo, o que permite comparar os dados com a nova postura do
Supremo Tribunal Federal.

TABELA 4
Ação declaratória de constitucionalidade
1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009
2 0 1 0 0 1 1 3 5 1 4

TABELA 5
Ação direta de inconstitucionalidade
1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009
185 257 209 204 306 285 258 192 158 177 173

TABELA 6
Ação de descumprimento de preceito fundamental
1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009
0 10 14 12 10 16 24 20 21 21 43

Vamos transformar essas informações nos gráficos 1, 2 e 3, a seguir, os quais


nos permitirão visualizar o comportamento dos números ao longo desse período.
Assim, poderemos observar a evolução das demandas relativas às ações de
controle abstrato de constitucionalidade, ao longo desse período.

48
1999
Gráfico 1 2000
5 2001
2002
4
2003
3 2004
2005
2
2006
1 2007
2008
0
2009
O gráfico de nº 1 acima exposto nos revela que, a partir de 1999, até 2005, há
uma estabilidade no número de ações distribuídas para julgamento. Em 2006 e
2007, ocorre um ligeiro aumento, seguindo-se uma queda em 2008, com uma alta
novamente em 2009. Entretanto, temos dois aspectos importantes a considerar
acerca dessa ação. A primeira é que o número de ações distribuídas, mesmo no ano
de 2007, em que o gráfico atinge seu patamar mais alto, não passa de cinco ações,
o que, em valores absolutos, não representa expressiva demanda em torno da
questão constitucional.
Ainda que tenha havido um aumento da quantidade de ações propostas, esse
número não chega a ser tão expressivo a pondo de sugerir que o aumento de
demandas por pronunciamento quanto à constitucionalidade das leis foi o fator
responsável pelo avanço do Supremo Tribunal Federal na análise e julgamento de
questões de natureza eminentemente política.
O segundo comentário diz respeito à natureza dessa ação. Como o próprio
nome sugere, trata-se de ação declaratória de constitucionalidade. A ação
declaratória de constitucionalidade foi criada pela emenda constitucional nº 3, de 17
de março de 1993 e tem como finalidade afastar a insegurança jurídica, a dúvida, a
incerteza quanto à validade de lei ou ato normativo federal. Quando surgirem
controvérsias acerca da constitucionalidade da lei, inclusive com pronunciamentos
judiciais diferentes em diversos tribunais, o que poderia gerar insegurança quanto à
sua aplicabilidade ou não, provocando soluções divergentes para casos
semelhantes, cabe a ação declaratória de constitucionalidade.
Assim, podemos concluir que o aumento de volume dessas ações em 2006,
2007 e 2009 indica que as leis foram bem defendidas junto ao Supremo, o que
atesta a sua boa qualidade. As estatísticas relativas à ação declaratória de
constitucionalidade afastam a incidência da segunda hipótese. Precisamos analisar
as demais ações para verificar se elas apontam para a má qualidade das leis.
A situação é diferente, quando se trata de ação direta de
inconstitucionalidade, em que se busca atacar a lei, questionando sua validade em
49
confronto com a Constituição Federal. Neste caso, procura-se demonstrar que a lei
desrespeita o texto constitucional, o que pode ser interpretado como má qualidade
da lei e aí, sim, um aumento da demanda perante o Supremo Tribunal Federal, com
o objetivo de impedir os efeitos de leis inconstitucionais, poderia demonstrar que há
um grande número de leis consideradas de baixa qualidade.
Se conseguirmos evidenciar essa realidade, a partir das informações
estatísticas fornecidas pelo próprio Supremo Tribunal Federal, será possível
caminharmos na demonstração de que as leis produzidas no âmbito do Congresso
Nacional têm sofrido uma crise de credibilidade. O próximo gráfico diz respeito às
estatísticas da ação direta de inconstitucionalidade, a fim de mostrar se houve ou
não crescente procura pelo pronunciamento da Suprema Corte de
inconstitucionalidade de leis.

Gráfico 2 1999
2000
350
2001
300 2002
250 2003
200 2004
150 2005
100 2006
2007
50
2008
0
2009
Entre 1999 e 2000, há um ligeiro aumento do número de ações. Entre 2000 e
2002, cai o volume dessas ações no Supremo. De 2002 a 2003, volta a subir a
demanda por declaração de inconstitucionalidade de leis. Entre 2003 e 2007, ocorre
uma queda expressiva, ficando o número de ações propostas em 2007 abaixo do
patamar registrado em 1999. Embora sofra um pequeno aumento em 2008, volta a
cair em 2009, continuando abaixo do volume registrado em 1999.
No momento em que o Supremo Tribunal Federal passa a decidir questões
políticas, não há mudança significativa no volume de ações de inconstitucionalidade,
que indique um inconformismo com a qualidade das leis. Ao contrário, em 2009, o
número de ações encontra-se menor do que em 1999. Não há qualquer

50
demonstração de que a qualidade das leis é ruim e que o Supremo Tribunal Federal
esta sendo chamado a corrigir essa distorção.
Poderíamos questionar se essa diminuição se deveu ao número de súmulas
vinculantes editadas pelo Supremo Tribunal Federal, o que poderia estar produzindo
essa diminuição no volume de ações diretas de inconstitucionalidade. A súmula
vinculante é um instituto que obriga os juízes de instâncias inferiores a seguirem a
jurisprudência dos tribunais superiores. Para verificarmos se esse fator influenciou o
panorama de julgamentos, citamos notícia divulgada pelo Conselho Federal da
Ordem dos Advogados, no dia 02 de janeiro de 2009, intitulada “Balanço do STF
sobre 2008 mostra redução de 16,5% no número de novas ações.” Essa texto
destaca alguns fatores interessantes para nossa análise.
O primeiro aspecto é o de que a súmula vinculante não tem impacto apenas
nas ações de controle de constitucionalidade, mas também em outros processos,
como recursos extraordinários e medidas cautelares por exemplo. Cabe ressaltar
que as 10 súmulas vinculantes a que se refere o balanço foram produzidas no ano
de 2008. A própria súmula vinculante só foi criada pela Emenda Constitucional nº 45,
de 8 de dezembro de 2004.
Todavia, de acordo com o gráfico nº 2, a partir de 2003 já havia uma
acentuada tendência de queda no volume de ações diretas de inconstitucionalidade,
muito antes da criação da súmula vinculante. Em 2007, antes da edição dessas 10
súmulas vinculantes, volume das ações já estava abaixo do registrado em 1999. Não
foi a súmula vinculante o fator responsável pela diminuição do número de ações de
inconstitucionalidade.
Outro aspecto importante é que as decisões concluindo pela
inconstitucionalidade não atingem um volume tão expressivo, a ponto de confirmar a
má qualidade das leis aprovadas no Congresso Nacional. Sobre esse aspecto vale
citar pesquisa realizada por Thamy Pogrebinschi (2010), segundo a qual é
inexpressivo o total das decisões do Supremo que declararam a
inconstitucionalidade de leis e atos normativos promulgados pelo Congresso
Nacional. De acordo com essa pesquisa, o Supremo confirma a grande maioria
dessas leis e atos normativos, sendo que apenas 13,32% das ações diretas de
inconstitucionalidade e arguições de descumprimento de preceito fundamental foram

51
julgadas procedentes.
Ainda nesse estudo, Thamy Pogrebinschi (2010, p.3) afirma que “de todas as
impugnações de leis emanadas pelo Congresso nos últimos 21 anos decididas pelo
STF, 74,35% foram indeferidas sem sequer ter o seu mérito discutido”. Conclui a
Autora que o Supremo Tribunal Federal tem confirmado a expressiva maioria das
leis produzidas no Congresso Nacional, tendo em vista que indeferiu, com ou sem
julgamento de mérito, 86,68% das ações ajuizadas nos últimos 21 anos.
Finalmente, comentaremos o instituto da repercussão geral, que, de acordo
com o balanço feito, influiu também na diminuição dos processos no Supremo, no
ano de 2008. A Repercussão Geral é um instrumento processual criado pela
Emenda Constitucional nº 45, de 8 de dezembro de 2004, cujo objetivo é possibilitar
que o Supremo Tribunal Federal selecione os Recursos Extraordinários que irá
analisar, de acordo com critérios de relevância jurídica, política, social ou econômica.
Assim, por valer apenas para os recursos extraordinários, e não para as ações de
inconstitucionalidade, não nos prolongaremos na análise deste instituto. O objetivo
de termos mencionado esse instrumento é que ele aparece no balanço comentado e
poderia surgir alguma dúvida quanto à sua influência na análise do controle de
qualidade das leis em face das demandas propostas perante o Supremo.
Passemos à análise dos números relativos às arguições de descumprimento
de preceito fundamental. Todavia, precisamos saber se a natureza dessa ação
guarda algum tipo de relação com o inconformismo resultante das leis aprovadas no
Congresso Nacional. Como essa ação possui um crescimento significativo, não
podemos deixar de comentá-la, pois dúvidas poderiam surgir quanto à migração de
demandas de um tipo para outro, principalmente considerando que muitas dessas
ações são mais recentes do que outras.

52
Gráfico 3 1999
2000
50 2001
2002
40
2003
30 2004
2005
20
2006
10 2007
2008
0
2009

Como se pode ver do gráfico acima, a ação de descumprimento de preceito


fundamental tem experimentado um crescimento significativo. Saindo do zero em
1999, atingiu a marca de 43 em 2009, o que revela um grande crescimento da
demanda por esse tipo de pronunciamento judicial no âmbito do Supremo Tribunal
Federal. Entretanto, cabe aqui também analisar a natureza da ação de
descumprimento de preceito fundamental, para saber até que ponto ela pode indicar
uma baixa qualidade na produção de leis.
Conforme bem nos explica Alexandre de Moraes (2006; 708), essa ação cabe
em três casos e refere-se à concretização da lei:

“A lei possibilita a arguição de descumprimento de preceito


fundamental em três hipótese – para evitar lesão a preceito
fundamental, resultante de ato do Poder Público; para reparar lesão
a preceito fundamental resultante de ato do Poder Público e quanto
for relevante o fundamento da controvérsia constitucional sobre lei
ou ato normativo federal, estadual ou municipal, incluídos os
anteriores à Constituição; ressalte-se que a arguição de
descumprimento de preceito fundamental deverá ser proposta em
face de atos do poder público já concretizados, não se prestando
para a realização de controle preventivo desses atos.”

Como se pode observar, portanto, o aumento expressivo da propositura de


ação de descumprimento de preceito fundamental perante o Supremo não atesta
o inconformismo com a lei ou a arguição de sua má qualidade. Isto ocorre porque a
ação de descumprimento de preceito fundamental diz respeito à concretização, à
execução de atos do poder público, não tendo por alvo o controle de
constitucionalidade abstrato de lei ou ato normativo. Desse modo, o grande aumento

53
verificado nessas demandas não guarda qualquer relação com a qualidade das leis.
O voluntarismo da Corte na análise de questões eminentemente políticas tem
estreita ligação com a adoção da teoria da representatividade do povo pelo juiz pela
argumentatividade. Este é um novo modelo hermenêutico, que permite uma atuação
mais ativa, mais arrojada, ultrapassando as tradicional fronteiras. Seguindo essa
tendência, o ativismo judicial no Brasil pode avançar mais ainda nessa seara
política, buscando o Supremo ampliar seu campo de atuação como representante da
vontade popular. Esse fenômeno foi observado por Ferraz Júnior (2008; p. 85),
segundo o qual:

“A constitucionalização da prática política não foi aqui,


portanto, o resultado de uma mera opção política, mas a reação ao
avanço do Judiciário brasileiro sobre os padrões definidos
historicamente pelos próprios partidos políticos e sobre a orientação
formada na redemocratização”.

O ativismo do Supremo Tribunal Federal, na questão da verticalização das


coligações, decorre de um voluntarismo dos membros da Corte em decidir questões
eminentemente políticas. Embora, não tendo analisado o mérito das ações
referentes à verticalização de coligações estabelecidas pelo Tribunal Superior
Eleitoral em 2002, os argumentos trazidos nos processos, deixam em evidência
essa disposição de avançar sobre questões marcantemente política. Isto pode ser
constatado no confronto do Acórdão proferido em 1996 com os Acórdãos prolatados
em 2002 e 2006.
Vamos analisar primeiramente a Ação Direta de Inconstitucionalidade nº
1.407, de 1996, proposta pelo PC do B, acerca de coligações partidárias para as
eleições municipais de 1996.2 Nesta hipótese, a Lei nº 9.100, de 1995, no art. 6º,

2
“Ementa: Ação Direta de Inconstitucionalidade - Eleições municipais de 1996 – Coligações partidárias
apenas para eleições proporcionais – Vedação estabelecida pela Lei nº 9.100/95 (art. 6º) – Alegação de ofensa
ao princípio da autonomia partidária (CF, art. 17, § 1º) e de violação aos postulados do pluripartidarismo e do
regime democrático – Ausência de plausibilidade jurídica – Medida cautelar indeferida. Partido político – Ação
direta – Legitimidade ativa – Inexigibilidade do vínculo de pertinência temática. - Os Partidos Políticos, desde que
possuam representação no Congresso Nacional, podem, em sede de controle abstrato, argüir, perante o
Supremo Tribunal Federal, a inconstitucionalidade de atos normativos federais, estaduais ou distritais,
independentemente de seu conteúdo material, eis que não incide sobre as agremiações partidárias a restrição
jurisprudencial derivada do vínculo de pertinência temática. Precedente: ADIN nº 1.096/RS, Rel. Min. Celso de
Mello. Autonomia partidária – Reserva constitucional de disciplinação estatutária(CF, ART. 17, § 1º). - O
postulado constitucional da autonomia partidária criou, em favor dos Partidos Políticos - sempre que se tratar da
definição de sua estrutura, de sua organização ou de seu interno funcionamento - uma área de reserva
estatutária absolutamente indevassável pela ação normativa do Poder Público. Há, portanto, um domínio
constitucionalmente delimitado, que pré-exclui - por efeito de expressa cláusula constitucional (CF, art. 17, § 1º) -
54
restringia as coligações de partidos apenas para as eleições proporcionais. O PC do
B alegou que se tratava de violação da autonomia partidária instituída pelo art. 17, §
1º, da Constituição Federal, bem como de violação dos postulados do
pluripartidarismo e do regime democrático.
A Corte concluiu que, embora existindo uma reserva estatutária indevassável
pela ação normativa do poder público, o princípio da autonomia partidária não
restringe o poder normativo do Congresso por meio de lei. Vamos extrair os pontos
principais desse argumento. Em primeiro lugar, a Corte argumentou com o § 1º do
art. 17 da Constituição, para concluir que havia uma reserva estatutária em favor dos
partidos. Essa reserva diz respeito, segundo o Acórdão, à definição de sua estrutura,
de sua organização e de seu interno funcionamento, área essa indevassável pela
ação normativa do poder público. Argumento ainda adotado no Acórdão é o de que
não há possibilidade de intervenção em tudo que disser respeito à intimidade
estrutural, organizacional e operacional dos partidos políticos.
O segundo ponto destacado no Acórdão, é que essa autonomia partidária não

qualquer possibilidade de intervenção legislativa em tudo o que disser respeito à intimidade estrutural,
organizacional e operacional dos Partidos Políticos. Precedente: ADI nº 1.063-DF, Rel. Min. Celso de Mello.
Processo eleitoral e princípio da reserva constitucional de competência Legislativa do Congresso Nacional (CF,
art. 22, I). - O princípio da autonomia partidária - considerada a estrita delimitação temática de sua abrangência
conceitual - não se qualifica como elemento de restrição ao poder normativo do Congresso Nacional, a quem
assiste, mediante lei, a competência indisponível para disciplinar o processo eleitoral e, também, para prescrever
regras gerais que os atores do processo eleitoral, para efeito de disputa do poder político, deverão observar, em
suas relações externas, na celebração das coligações partidárias. Submissão normativa dos partidos políticos às
diretrizes legais do processo eleitoral. Os Partidos Políticos estão sujeitos, no que se refere à regência normativa
de todas as fases do processo eleitoral, ao ordenamento jurídico positivado pelo Poder Público em sede
legislativa. Temas associados à disciplinação das coligações partidárias subsumem-se à noção de processo
eleitoral, submetendo-se, em conseqüência, ao princípio da reserva constitucional de competência legislativa do
Congresso Nacional. Autonomia partidária e processo eleitoral. - O princípio da autonomia partidária não é
oponível ao Estado, que dispõe de poder constitucional para, em sede legislativa, estabelecer a regulação
normativa concernente ao processo eleitoral. O postulado da autonomia partidária não pode ser invocado para
excluir os Partidos Políticos - como se estes fossem entidades infensas e imunes à ação legislativa do Estado -
da situação de necessária observância das regras legais que disciplinam o processo eleitoral em todas as suas
fases. Vedação de coligações partidárias apenas nas eleições proporcionais – Proibição legal que não se revela
arbitrária ou irrazoável – Respeito à cláusula do substantive due process of law. - O Estado não pode legislar
abusivamente. A atividade legislativa está necessariamente sujeita à rígida observância de diretriz fundamental,
que, encontrando suporte teórico no princípio da proporcionalidade, veda os excessos normativos e as
prescrições irrazoáveis do Poder Público. O princípio da proporcionalidade - que extrai a sua justificação
dogmática de diversas cláusulas constitucionais, notadamente daquela que veicula a garantia do substantive
due process of law - acha-se vocacionado a inibir e a neutralizar os abusos do Poder Público no exercício de
suas funções, qualificando-se como parâmetro de aferição da própria constitucionalidade material dos atos
estatais. A norma estatal, que não veicula qualquer conteúdo de irrazoabilidade, presta obséquio ao postulado da
proporcionalidade, ajustando-se à cláusula que consagra, em sua dimensão material, o princípio do substantive
due process of law (CF, art. 5º, LIV). Essa cláusula tutelar, ao inibir os efeitos prejudiciais decorrentes do abuso
de poder legislativo, enfatiza a noção de que a prerrogativa de legislar outorgada ao Estado constitui atribuição
jurídica essencialmente limitada, ainda que o momento de abstrata instauração normativa possa repousar em
juízo meramente político ou discricionário do legislador.”

55
pode afastar o poder normativo do Congresso Nacional, a quem assiste, mediante
lei, a competência indisponível para disciplinar o processo eleitoral. O Acórdão
afirma que “temas associados à disciplinação das coligações partidárias submetem-
se à noção de processo eleitoral, submetendo-se, em consequência, ao princípio da
reserva constitucional de competência legislativa do Congresso Nacional”.
O terceiro ponto diz respeito á coligação partidária como processo eleitoral. O
Acórdão assevera que “o princípio da autonomia partidária não é oponível ao
Estado, que dispõe de poder constitucional para, em sede legislativa, estabelecer a
regulação normativa concernente ao processo eleitoral”. Esse era o entendimento do
Supremo Tribunal Federal em 1996, seis anos antes da decisão do Tribunal Superior
Eleitoral de estabelecer a verticalização das coligações. Vamos examinar os
Acórdãos que tratam dessa questão, sob o novo enfoque adotado naquela Suprema
Corte, a partir de 2002.
Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 2.626, de 2002. Esta ação foi
proposta pelo PC do B e outros contra a verticalização imposta pelo Tribunal
Superior Eleitoral.3 O Supremo entendeu que se tratava de interpretação da lei e
que, portanto, não a matéria não poderia ser questionada por meio da ação direta de
inconstitucionalidade. Assim, deixou de examinar o mérito, permitindo que a decisão
do Tribunal Superior Eleitoral tivesse plena vigência. Vamos trazer os três pontos
comentados na Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 1.407, de 1996, para
comparar com os argumentos utilizados na Ação Direta de Inconstitucionalidade nº
2.626, de 2002.
O primeiro é o de que o § 1º do art. 17 da Constituição estabelecia uma

3
“Ação direta de inconstitucionalidade. Parágrafo 1º do artigo 4º da Instrução nº 55, aprovada
pela Resolução nº 20.993, de 26.02.2002, do Tribunal Superior Eleitoral. Art. 6º da Lei nº 9.504/97. Eleições de
2002. Coligação partidária. Alegação de ofensa aos arts. 5º, II e LIV, 16, 17, § 1º, 22, I e 48, caput, da
Constituição Federal. Ato normativo secundário. Violação indireta. Impossibilidade do controle abstrato de
constitucionalidade. Tendo sido o dispositivo impugnado fruto de resposta à consulta regularmente formulada por
parlamentares no objetivo de esclarecer o disciplinamento das coligações tal como previsto pela Lei 9.504/97 em
seu art. 6º, o objeto da ação consiste, inegavelmente, em ato de interpretação. Saber se esta interpretação
excedeu ou não os limites da norma que visava integrar, exigiria, necessariamente, o seu confronto com esta
regra, e a Casa tem rechaçado as tentativas de submeter ao controle concentrado o de legalidade do poder
regulamentar. Precedentes: ADI nº 2.243, Rel. Min. Marco Aurélio, ADI nº 1.900, Rel. Min. Moreira Alves, ADI nº
147, Rel. Min. Carlos Madeira. Por outro lado, nenhum dispositivo da Constituição Federal se ocupa diretamente
de coligações partidárias ou estabelece o âmbito das circunscrições em que se disputam os pleitos eleitorais,
exatamente, os dois pontos que levaram à interpretação pelo TSE. Sendo assim, não há como vislumbrar, ofensa
direta a qualquer dos dispositivos constitucionais invocados. Ação direta não conhecida. Decisão por maioria.”

56
reserva estatutária em favor dos partidos. Em relação à verticalização das
coligações, a Corte entendeu que “nenhum dispositivo da Constituição Federal se
ocupa diretamente de coligações partidárias ou estabelece o âmbito das
circunscrições em que se disputam os pleitos eleitorais, exatamente, os dois pontos
que levaram à interpretação pelo Tribunal Superior Eleitoral”. O Supremo Tribunal
Federal entendia, em 1996, que a questão da coligação partidária possuía
tratamento constitucional, inserido no art. 17, § 1º, da Constituição Federal. Em
2002, a mesma Corte, interpretando o mesmo dispositivo constitucional, entendeu
que ele não se aplica às coligações. Trata-se de uma decisão diametralmente oposta
àquela tomada anteriormente. Outro detalhe interessante é que o Relator era o
mesmo. Nos dois casos, a ação foi relatada pelo Ministro Celso de Mello.
O segundo argumento adotado em 1996, é o de que “temas associados à
disciplinação das coligações partidárias submetem-se à noção de processo eleitoral,
submetendo-se, em consequência, ao princípio da reserva constitucional de
competência legislativa do Congresso Nacional”. Em 2002, a decisão do Supremo
Tribunal Federal afirma que a disciplina das coligações partidárias consiste
inegavelmente em ato de interpretação. Em 1996, a disciplina das coligações
partidárias era reserva constitucional do Congresso Nacional. Em 2002, passou a
ser regulamentada por processo hermenêutico.
O terceiro ponto afirmado pelo Supremo Tribunal Federal em 1996 é o de que
a regulamentação normativa referente à coligação partidária é processo eleitoral.
Ora a Constituição Federal dispõe no art. 16 que “a lei que alterar o processo
eleitoral entrará em vigor na data de sua publicação, não se aplicando à eleição que
ocorra até um ano da data de sua vigência”. Desse modo, processo eleitoral se
altera por lei, e não por processo hermenêutico.
Além disso, a alteração deve obedecer ao princípio da anualidade. Isso quem
diz é a Constituição; portanto, matéria constitucional. Ocorre que, em 2002, o
Supremo Tribunal Federal admitiu que o Tribunal Superior Eleitoral alterasse o
processo eleitoral por resolução e instrução e que essa alteração fosse aplicada
para a eleição no mesmo ano. E afirmou categoricamente que “não há como
vislumbrar, ofensa direta a qualquer dos dispositivos constitucionais invocados”.
A Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 2.628, de 2002, e a Ação Direta de

57
Inconstitucionalidade nº 3.685, de 2006, versam também sobre a mesma questão da
verticalização de coligações imposta pelo Tribunal Superior Eleitoral, de forma que
os argumentos já expostos quanto à Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 2.626,
de 2002, são igualmente válidos para essas outras. A decisão proferida foi a mesma
já transcrita na Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 2.626, sem julgamento de
mérito.
Após essa comparação entre as decisões proferidas nos acórdãos de 1996 e
2002, podemos concluir que não havia fundamento constitucional ou legal que
autorizasse o Tribunal Superior Eleitoral ou o Supremo Tribunal Federal a decidir a
respeito da verticalização de coligações, estabelecendo regras novas de direito. Se
não havia fundamento para esse ativismo, o único elemento capaz de explicar esse
fenômeno é voluntarismo da Corte em analisa e julgar questões eminentemente
políticas.
Esse voluntarismo, por sua vez, reforça a busca por novos pronunciamentos
judiciais, em questões que antes eram decididas na arena política. Isto pode ser
bem exemplificado com a trajetória estatística do mandado de injunção. Faremos a
exposição das estatísticas do mandado de injunção entre 1999 e 2009, pelo número
de ações distribuídas. Após a tabela, exibiremos o gráfico 4, relativo aos dados da
tabela 7.

TABELA 7
Mandado de Injunção
1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009

21 17 27 20 14 17 16 17 48 135 1365

58
Gráfico 4
1999
1400 2000
1200 2001
2002
1000
2003
800
2004
600 2005
400 2006
200 2007
0 2008
2009

Já de início, podemos observar uma alteração substancial no comportamento


dessa modalidade de ação impetrada perante a Corte Suprema, a partir do ano de
2007. Anteriormente, os números não sofriam muita alteração, aumentando ou
diminuindo dentro de um padrão mais ou menos estável, o que não traz
repercussões para a hipótese que estamos testando. Somente a partir de 2007,
vamos encontrar uma mudança que pode nos servir de explicação para o fenômeno
do ativismo judicial. Transpondo-se esses dados para um gráfico, teremos a
seguinte configuração.
O entendimento do Supremo Tribunal Federal até 2007 era no sentido de que
o mandado de injunção não se produzia o efeito de criar norma para o caso
concreto. Sendo provido o mandado de injunção, o Supremo Tribunal Federal
comunicava ao Congresso Nacional e necessidade de elaborar norma que
permitisse o exercício do direito impedido. Se se tratasse de ato do Poder Executivo,
era fixado prazo para que o ato normativo fosse produzido. Em 25 de outubro de
2007, no julgamento do Mandado de Injunção nº 708, Relator Ministro Gilmar
Mendes, o Supremo Tribunal Federal mudou esse entendimento e deferiu o
mandado de injunção, para determinar a aplicação das Leis nºs 7.701/1988 e
7.783/1989 aos conflitos e às ações judiciais que envolvam a interpretação do direito
de greve dos servidores públicos civis.
A partir desse momento, pode-se observar no gráfico nº 4, um crescimento
impressionante do número de ações distribuídas, o que demonstra claramente que a
decisão de criar norma para o caso concreto no mandado de injunção gerou uma
reação por parte do jurisdicionado, no sentido de propor novas ações. Até 2007, o
59
maior número registrado foi de 27 mandados de injunção, em 2001. Em 2007, esse
número já passava para 48 e, em 2009, chega ao volume estonteante de 1.365
ações. Em termos percentuais, isto representa mais de 2.700% (dois mil e
setecentos por cento) de aumento em relação ao ano de 2007, em que o número de
ações já estava em crescimento por conta da nova decisão adotada pelo Supremo
Tribunal Federal.
Logo, não foi o volume de ações propostas que levou o Tribunal a mudar sua
orientação jurisprudencial. Se, após o crescimento de mais dois mil e setecentos por
cento no número de mandados de injunção, o Tribunal tivesse decidido mudar sua
orientação jurisprudencial, aí, sim, estaria constatada a influência do crescimento da
demanda na decisão da Corte. O que se constata é o inverso. Após a Corte ter
mudado de orientação, os mandados de injunção cresceram mais de dois mil e
setecentos por cento.
Enquanto a Corte decidia por não criar regra para o caso concreto, o volume
de ações se mantinha muito baixo, como se pode ver no gráfico nº 4, acima exposto.
A partir do momento em que o Tribunal mudou de entendimento e passou a construir
a solução jurídica para o caso concreto, esse número de ações sofreu uma alta
vertiginosa. A mudança de orientação da Corte produziu o crescimento das
demandas, e não o contrário, o que mostra que outra foi a causa dessa mudança de
entendimento na Corte.
O voluntarismo do Supremo Tribunal Federal produziu o ambiente propício
para o ativismo judicial. Havendo essa disposição por parte dos juízes de decidir
questões eminentemente políticas, qualquer provocação do Judiciário por parte da
sociedade ou das instituições políticas poderia desencadear esse processo, por
meio de instrumentos hermenêuticos, utilizados a serviço da criação de novos
direitos. Diante de todos os fatos e argumentos expostos, concluímos que, no caso
da verticalização de coligações, o voluntarismo do Supremo Tribunal Federal foi o
responsável pelo ativismo judicial, confirmando-se a quarta hipótese.
O próximo item em que o ativismo judicial se faz presente diz respeito à
instalação obrigatória de comissões parlamentares de inquérito no Brasil, as quais
têm poderes de investigação próprios das autoridades judiciais, cuja finalidade é
política, e não judicial.

60
CAPÍTULO 4

INSTALAÇÃO OBRIGATÓRIA DE COMISSÕES PARLAMENTARES DE


INQUÉRITO

61
As comissões parlamentares de inquérito são previstas na Constituição
Federal, no art. 58, §3º, que as estabelece com poderes de investigação próprios
das autoridades judiciais, além de outros previstos nos regimentos internos, para a
apuração de fato determinado e por prazo certo. Preenchidos esses requisitos
constitucionais (CF, art. 58, § 3º), impõe-se a criação da Comissão Parlamentar de
Inquérito, independentemente da vontade dos demais membros da casa legislativa,
competindo ao presidente da casa legislativa a emissão do ato de criação da
comissão. Trata-se de criação, ou seja, de um ato do presidente que faz nascer a
comissão parlamentar de inquérito, assim como ocorre em outros países, em que a
criação da comissão parlamentar inquérito é reclamada pela minoria parlamentar,
como na Letônia(1/3), na Alemanha(1/4), na Grécia(2/5) e em Portugal(1/5) (GILLES
TOULEMONDE, 2006).
Na França, as comissões de inquérito parlamentar são criadas mediante
proposta de resolução, objeto de deliberação da Assembléia Nacional em seção
pública, após o parecer da comissão permanente competente. Observa-se uma
diferença na maior dificuldade de criação desse tipo de comissão se comparado ao
que ocorre no Brasil. O projeto de resolução envolve uma deliberação da
composição da casa legislativa, ou seja, tem estreita ligação com a vontade da
maioria.
No Brasil, basta o requerimento apresentado à mesa, seguindo-se, se estiver
em ordem, ato do presidente criando a comissão. Trata-se de um processo bastante
singelo. Essa criação automática, a partir do requerimento de um terço dos membros
da casa legislativa ou do Congresso Nacional, em caso de comissão mista, gerou o
entendimento de que, no Brasil, a comissão parlamentar de inquérito é um direito de
minoria, uma vez que basta o quorum de um terço para demandar sua criação.
A defesa dos direitos fundamentais e das minorias parlamentares tem levado
o Supremo a decidir pela instalação obrigatória de comissões parlamentares de
inquérito. Essa tendência de proteção da minoria contra a maioria existe em outros
países, como na França, fenômeno este percebido por Guy Canivet (2006), segundo
o qual o controle de constitucionalidade da lei é utilizado frequentemente como
mecanismo de proteção da minoria contra a maioria.
No ano de 2004, foi impetrado por senadores contra o Presidente do Senado

62
Federal, perante o Supremo Tribunal Federal, o Mandado de Segurança nº. 24.831-
DF, cujo Relator foi o Ministro Celso de Mello. O objetivo desse mandado de
segurança era determinar a instalação de Comissão Parlamentar de Inquérito, com o
objetivo de investigar e apurar a utilização das casas de bingo para a prática de
crime de lavagem ou ocultação de bens, direitos e valores, bem como a relação
dessas casas e das empresas concessionárias de apostas com o crime organizado,
conforme o conteúdo do Requerimento nº 245/2004, encabeçado pelo Senador
Magno Malta.
Ocorre que, criada a comissão por ato do Presidente, apenas os Senadores
Jefferson Peres, líder do PDT, e Efraim Moraes, líder da minoria PFL/PSDB, fizeram
a indicação dos membros para compor a comissão, enquanto os líderes do PMDB,
do bloco de apoio ao Governo (PT, PSB, PTB,PL), do PTB, PSB E PPS deixaram de
proceder à indicação, inviabilizando o funcionamento da comissão.
O Senador Arthur Virgílio levantou questão de ordem perante o Presidente do
Senado, no sentido de que este indicasse os membros para a comissão, pleito este
que não foi atendido. Entendeu o Presidente do Senado, que lhe faltava
competência para a prática desse ato, diante do que dispõem os arts. 66 e 78 do
Regimento Interno. Esses dispositivos atribuem o poder de nomear membros para a
comissão parlamentar de inquérito apenas aos líderes. Daí o inconformismo dos
Senadores Pedro Simon e outros, que impetraram mandado de segurança perante o
Supremo Tribunal Federal. No mandado de segurança impetrado, foi alegado que,
no sistema brasileiro, existe o reconhecimento do direito de oposição e da
prerrogativa da investigação parlamentar como direito das minorias parlamentares.
Esse entendimento, segundo os impetrantes, estaria fundamentado no art.
58, § 3º, da Carta Política, que, ao prever a criação de comissão parlamentar de
inquérito por proposta de um terço da casa legislativa, estaria a atribuir uma
irrecusável significação político-jurídica, que se impõe mesmo à maioria do
Parlamento. Essa forma de proteção dos direitos das minorias parlamentares
justificaria, na visão dos impetrantes, a determinação de instalação da comissão, por
parte do Judiciário, com a obrigação do presidente da casa legislativa de indicar os
membros para comporem a comissão, uma vez que não o façam os respectivos
líderes de partidos.

63
Note-se que, de acordo com o Regimento do Senado, a competência para
designar os membros da comissão, pertence aos líderes, e não ao presidente.
Todavia, a partir da adoção desse princípio constitucional de proteção das minorias
parlamentares, alegado pelos impetrantes e adotado pelo Supremo Tribunal Federal,
a obrigatoriedade de instalação da comissão se deslocaria para o presidente da
casa legislativa, ainda que diante da ausência de previsão regimental.
Instado a prestar as informações no mandado de segurança, o Presidente do
Senado Federal argumentou que o Supremo Tribunal Federal não tinha jurisdição
constitucional para apreciar essa matéria, que traduzia questão de índole regimental,
“essencialmente imune ao controle do Poder Judiciário”, orientação esta, inclusive,
adotada anteriormente pelo próprio Supremo Tribunal Federal.
Esse argumento entretanto não sensibilizou os membros da Suprema Corte e
foi afastado, sob a alegação de que se tratava de ofensa a direitos impregnados de
estatura constitucional. Nesse sentido, o relator do mandado de segurança, Ministro
Celso de Mello argumentou com a fórmula política do regime democrático, para
concluir que nenhum dos Poderes da República está acima da Constituição e das
leis e que nenhum órgão do Estado encontra-se imune à força da Constituição e ao
império das leis.
Estabelecida essa postura do Supremo Tribunal Federal de determinar ao
presidente da casa legislativa ou do Congresso Nacional, no caso de comissão
mista, a designação dos membros da comissão parlamentar de inquérito, caso os
líderes dos partidos não o façam, devemos inquirir sobre as causas desse ativismo,
pondo em teste as hipóteses levantadas nesta pesquisa.
A primeira hipótese é a de que o ativismo judicial advém da crescente
demanda por pronunciamento judicial quanto a questões políticas.
O que ocorre no jogo político é que, quando a oposição não consegue atingir
seus objetivos políticos, recorre ao Judiciário, como forma de garantir os resultados
pretendidos. Aquilo que não se obtém por meio dos instrumentos políticos
disponíveis passa a ser objeto de demanda judicial. Nesse aspecto, é importante
analisar até que ponto a demanda por pronunciamento judicial quanto à instalação
de comissão parlamentar de inquérito influenciou a tomada de decisão da Corte
Suprema de determinar a indicação dos membros pelo presidente da casa

64
legislativa. Os seguintes mandados de segurança foram impetrados, por
parlamentares, perante o Supremo, visando à instalação obrigatória de comissão
parlamentar de inquérito:
Mandado de Segurança nº 24.831 / DF, Relator Ministro Celso de Mello,
julgado em 22/06/2005. São impetrantes o Senador Pedro Simon e outros contra o
Presidente do Senado Federal. Aqui também o Supremo firmou o entendimento de
que comissão parlamentar de inquérito é prerrogativa das minorias parlamentares e
expressão do postulado democrático.
Mandado de Segurança nº 24.845/DF, Relator Ministro Celso de Mello,
julgado em 22/06/2005. Impetrado pelo Senador Efraim de Araújo Morais contra a
Mesa do Senado Federal. O Tribunal entendeu que o Presidente do Senado deveria
aplicar analogicamente o art. 28, § 1º, do Regimento Interno da Câmara dos
Deputados, combinado com o art. 85, caput, do Regimento Interno do Senado
Federal, no sentido de designar os nomes faltantes de senadores para compor a
comissão parlamentar de inquérito.
Mandado de Segurança nº 24.846/DF, Relator Ministro Celso de Mello,
julgado em 22/06/2005. Impetrado pelo Senador Jorge Bornhausen contra a Mesa
do Senado Federal. O Tribunal entendeu que o Presidente do Senado deveria
aplicar analogicamente o art. 28, § 1º, do Regimento Interno da Câmara dos
Deputados, combinado com o art. 85, caput, do Regimento Interno do Senado
Federal, no sentido de designar os nomes faltantes de senadores para compor a
comissão parlamentar de inquérito.
Mandado de Segurança nº 24.847/DF, Relator Ministro Celso de Mello,
julgado em 22/06/2005. Foi impetrado pelo Senador José Jorge contra a Mesa do
Senado. Entendeu o Supremo que a ofensa ao direito das minorias parlamentares é
um desrespeito ao próprio povo que se encontra representado pelas minorias
atuantes nas Casas do Congresso Nacional.
Mandado de Segurança nº 24.848/DF, Relator Ministro Celso de Mello,
julgado em 22/06/2005. Impetrado pelo Senador Demóstenes Torres contra a Mesa
do Senado Federal. O Tribunal entendeu que o Presidente do Senado deveria
aplicar analogicamente o art. 28, § 1º, do Regimento Interno da Câmara dos
Deputados, combinado com o art. 85, caput, do Regimento Interno do Senado

65
Federal, no sentido de designar os nomes faltantes de senadores para compor a
comissão parlamentar de inquérito.
Mandado de Segurança nº 24.849 / DF, Relator Ministro Celso de Mello,
julgado em 22/06/2005. Foi impetrado pelo Senador José Agripino Maia contra a
Mesa do Senado Federal. Entendeu o Supremo que a representação política
envolve não apenas legislar, mas também fiscalizar os órgãos e agentes do Estado.
Adotou o entendimento de que, uma vez atendidas as exigências constitucionais
para criação de comissão parlamentar de inquérito, é obrigação do presidente da
casa legislativa tomar as medidas necessárias para a efetiva instalação da
comissão. Disse mais ainda que não compete ao presidente da casa legislativa
qualquer apreciação de mérito acerca da investigação parlamentar.
Mandado de Segurança nº 26.441 / DF, Relator Min. Celso de Mello, julgado
no dia 25/04/2007. Os impetrantes foram os Deputados Antônio Carlos Pannunzio,
Fernando Coruja e Onyx Lorenzoni e os impetrados, a Mesa da Câmara dos
Deputados e o Presidente da Câmara dos Deputados. O Supremo Tribunal Federal
entendeu que a comissão parlamentar de inquérito é prerrogativa das minorias
parlamentares e expressão do postulado democrático. Afirma também a decisão a
existência de um estatuto constitucional das minorias parlamentares, que garante o
direito de investigar, devendo essa prerrogativas ser garantidas pelo Poder
Judiciário, inclusive pela proteção ao direito de oposição.
Dessa investigação, podemos verificar que há um embate de força entre
grupos políticos de maioria e minoria, que não conseguiu ser resolvido no âmbito do
Congresso Nacional, sendo levado ao Supremo pelos inconformados. Diante disso,
o Supremo passou a decidir sobre essa questão política, buscando apoio nos
regimentos das casas. Como o Regimento do Senado não prevê essa atribuição, a
Corte passou a fixar essa nova competência do Presidente do Senado, fazendo
remissão ao Regimento da Câmara dos Deputados.
Dos sete mandados de segurança aqui relacionados, seis foram julgados em
22 de julho de 2005 e tiveram o mesmo relator. Houve, neste momento, uma
explosão de mandados de segurança, em curto espaço de tempo, ou seja, uma
demanda por pronunciamento judicial quanto a uma questão que até então era
resolvida internamente pelas casas legislativas. Os próprios parlamentares

66
romperam com a atitude até então adotada de solucionaram internamente essa
disputa política. Inconformados com as soluções políticas adotadas nessas
circunstâncias, resolveram transferir o campo de deliberação da instituição política
para um órgão judicial.
A não-aceitação por parte de congressistas das decisões tomadas pela
maioria fez com que a deliberação fosse deslocada para o Supremo Tribunal Federal
por iniciativa dos próprios parlamentares que não mais aceitavam que a maioria
detivesse o poder de inviabilizar as investigações políticas propostas pela minoria
em nome de seus representados. Assim, concluímos que a primeira hipótese é
válida para explicar essa tomada de posição do Supremo quanto à questão da
instalação obrigatória de comissão parlamentar de inquérito e a indicação dos
membros pelo presidente da casa legislativa, ante a falta de indicação pelas
respectivas lideranças partidárias.
A segunda hipótese é a de que o ativismo judicial é provocado pelo
descrédito do Poder Legislativo.
A sistemática existente nos diversos sistemas políticos mostram claramente
uma distinção distinção entre as investigações políticas e as de cunho policial ou
judicial. Os trabalhos de uma comissão parlamentar de inquérito não tem o objetivo
de embasar ações judiciais, embora seu relatório possa ser utilizado com essa
finalidade. Entretanto, sua função investigatória tem dois objetivos básicos: o
primeiro é informar a sociedade acerca de questões relevantes e de interesse
nacional, o que inclui a atividade de seus representantes. O outro objetivo é
aprimorar a legislação que regulamenta os fatos sociais por ela investigados.
Na França, os relatos históricos evidenciam uma certa preocupação por parte
de autoridades quanto aos resultados dos trabalhos de comissões parlamentares de
inquérito. Conforme nos relata Gilles Toulemonde (2006), apenas na França a
comissão parlamentar de inquérito não pode funcionar paralelamente com a
investigação judicial. Uma vez que a comissão não busca culpados nem julga, não
interfere na separação dos poderes o fato de haver duas investigações em curso:
uma política e outra judicial.
A apresentação de uma proposta de resolução tendente à criação de uma
comissão de inquérito, no sistema francês, será notificada pelo Presidente da

67
Assembléia Nacional ao Ministro da Justiça. Se este fizer conhecer que a
persecução judicial está em curso sobre os fatos objeto do inquérito parlamentar, a
apresentação da proposta não poderá ser objeto de discussão. Já anunciada a
discussão, esta será imediatamente interrompida. As comissões de inquérito são
criadas para colherem as informações sejam sobre fatos determinados seja sobre a
gestão dos serviços públicos ou das empresas nacionais e seus trabalhos serão
analisados pela Assembléia Nacional.
No sistema político português, caso exista processo criminal em curso, caberá
à Assembléia deliberar sobre a eventual suspensão do processo de inquérito
parlamentar até o trânsito em julgado da correspondente sentença judicial. Assim, ao
mesmo tempo em que se permite que a comissão funcione paralelamente à
investigação judicial, atribui-se o poder de decisão quanto à continuidade de seus
trabalhos ao próprio parlamento. Neste aspecto, a disciplina relativa às comissões
parlamentares de inquérito, no Brasil, segue uma tendência mundial de reconhecer a
separação de funções políticas e judiciais, em favor do inquérito parlamentar.
Os critérios para decisão sobre a instalação ou não de comissão parlamentar
de inquérito continuarão sendo políticos, e, embora seja determinada a instalação
por meio de decisão judicial, o seu funcionamento e as articulações internas
permanecerão atrelados a valores políticos, em face dos dividendos políticos que
poderão ser gerados pelos trabalhos da comissão, independentemente de sua
instalação ser determinada pelo Supremo. Desse modo, a indicação coercitiva de
membros para comporem a comissão de modo algum atrapalha a atividade do
Poder Legislativo, nem substitui competências inerentes a este Poder, uma vez que
os parlamentares continuam, a partir daí, a ter o comando dos destinos da comissão.
Exemplo claro disto é o que ocorreu com a comissão parlamentar de inquérito
das obras inacabadas no ano de 2001, na Câmara dos Deputados. À medida que a
comissão avançava nas investigações, havia divergências entre situação e
oposição, e o funcionamento da comissão passou a ser influenciado pelo jogo
político. As votações no plenário da comissão em alguns momentos eram
inviabilizadas pela falta de quorum. Presidência e relatoria enfrentavam dificuldades
na definição dos rumos da investigação, em face das significativas divergências
políticas entre elas existentes.

68
Muitos requerimentos apresentados deixaram de ser votados, em decorrência
de disputas políticas internas da comissão. Muitos deles sequer entraram em pauta.
Manobras regimentais eram utilizadas de ambos os lados para tentar fazer
prevalecer a vontade política em jogo. Esse embate no seio da comissão não
demorou a produzir resultado concreto quanto aos rumos dos seus trabalhos.
Os membros da comissão encontravam-se reunidos em audiência pública em
São Paulo, na Assembléia Legislativa, ouvindo depoimentos relacionados a obras
inacabadas naquele Estado. Nesse momento, no Plenário da Câmara dos
Deputados, tinha curso uma votação, cujo objetivo era decidir a respeito da
prorrogação ou não dos trabalhos dessa comissão parlamentar de inquérito. As
lideranças, para surpresa dos integrantes da comissão que se encontravam reunidos
em audiências públicas, decidiram, por unanimidade, encerrar os trabalhos da
comissão, não renovando seu prazo de funcionamento e concedendo-lhe um exíguo
prazo de apenas dez dias para conclusão dos seus trabalhos, com a consequente
apresentação do relatório circunstanciados das investigações até então realizadas.
Ocorre que essas investigação ainda estavam recentes, e, diante da
exiguidade do prazo, quase nenhuma conclusão efetiva poderia ser formulada,
havendo necessidade de novas audiências e da análise de diversos documentos
que começavam a ser reunidos pela comissão, para que esta pudesse chegar a uma
conclusão acerca das causas e consequências para os cofres públicos das obras
públicas inacabadas no Brasil. O relatório, naquela ocasião, teve de ser feito
superficialmente, apenas para cumprir a burocracia, uma vez que as principais obras
a serem investigadas ainda não tinham sido objeto de inquérito pela comissão. O
critério político definiu os rumos da comissão, sem que as minorias pudessem fazer
qualquer coisa a esse respeito. Assim, pode-se constatar que a maioria já dispõe de
mecanismos abundantes, até mesmo diante de imprecisões regimentais, para influir
de forma decisiva nos trabalhos das comissões parlamentares de inquérito.
Outra possibilidade de frustração dos direitos das minorias encontra-se na
fase do relatório final, que precisa ser votado e aprovado pelo plenário da comissão.
Se a maioria inviabilizar o quorum de deliberação, a comissão acaba sem relatório,
sem um instrumento final de ação política. Ou se a maioria apresentar um relatório
em substituição, após rejeitar o da minoria, também os resultados esperados pela

69
minoria podem não se consumar e tomar um rumo totalmente diverso de suas
expectativas políticas.
A comissão parlamentar de inquérito do futebol na Câmara dos Deputados foi
um exemplo nítido de que a maioria pode inviabilizar os objetivos traçados pelas
minorias em uma comissão de inquérito. Esta comissão, por ato de seu presidente,
contrário à minoria, encerrou seus trabalhos sem votar o relatório final, impedindo a
produção dos efeitos vislumbrados pela minoria parlamentar interessada na criação
e funcionamento dessa comissão. O Presidente da Comissão, no último dia do prazo
de funcionamento da comissão, encerrou a sessão sem que o relatório fosse posto
em votação e inviabilizou que as conclusões apresentadas naquele relatório fossem
de algum modo aprovadas.
Todo esse cenário acaba por criar uma sensação de frustração não apenas
entre os parlamentares interessados em ver o prosseguimento das investigações
como também na população que enxerga nos seus representantes um instrumento
de defesa de seus direitos e de combate à impunidade. Exemplo disso são as
manifestações de descrédito em relação às comissões parlamentares de inquérito,
como se pode ver, por exemplo, no artigo de Eduardo Militão (2008) intitulado “CPIs
sob descrédito”.
Neste artigo o autor destaca o fato de que de três comissões em
funcionamento no Congresso, em setembro de 2008, a que produzia melhores
resultados era exatamente aquela em que não havia interesses partidários em jogo.
As demais oscilavam entre o absoluto marasmo e a dependência do noticiário
político. A questão gira justamente em torno da queda de braço entre maioria e
minoria, ambiente este desfavorável ao interesse público que passa a ser substituído
pelos interesses partidários.
Outra notícia do Câmara Hoje, do dia 28 de abril de 2008, dava ciência de
que pesquisa da CNT/Sensus mostrava um descrédito da população em relação
às investigações feitas pela CPI dos Cartões Corporativos. Segundo essa pesquisa,
58% dos entrevistados não acreditavam em uma investigação efetiva por parte da
comissão. Essa manifestação de descrédito nas comissões parlamentares de
inquérito também é partilhada pelo Deputado Ney Lopes (2007), Relator da CPI dos
Medicamentos, segundo o qual:

70
“A história se repete. O Congresso Nacional só fala
em instalar Comissões Parlamentares de Inquérito
(CPI). Em si, a intenção é boa. Porém, a descrença
coletiva leva sempre à mesma indagação: “terminará ou
não em pizza?”

Nos Estados Unidos, conforme explica Kenneth Holland (1991; p. 28), “a era
pós-industrial testemunhou um desilusão entre as classes instruídas para com as
instituições políticas tradicionais, incluindo máquinas políticas, partidos políticos, a
burocracia e legislaturas”. O autor citado inclui, entre as causas do ativismo nos
Estados Unidos, o surgimento do legislador profissional, que, preocupado em
reeleger-se, deixa de enfrentar temas polêmicos, que podem gerar prejuízos
eleitorais, ficando essas questões para análise dos juízes, que se encarregam de
solucionar os conflitos surgidos em torno desses temas.
No Brasil, essa frustração e desencanto com decisões políticas tomadas no
âmbito das comissões parlamentares de inquérito, como nesta hipótese de não
indicar os membros da comissão, a fim de impedir sua instalação e funcionamento,
tem servido de fundamento para que o Supremo Tribunal Federal decida a respeito
da instalação obrigatória de comissões parlamentares de inquérito, de modo que a
segunda hipótese também se revela válida neste aspecto.
A terceira hipótese é a de que o ativismo judicial permite a realização de
um maior controle pela sociedade da ética na política.
Em diversas comissões parlamentares de inquérito, ao longo do tempo,
registraram-se violações de direitos e garantias fundamentais de depoentes e
investigados. Exemplos disso são: impedir advogados de atuarem perante a
comissão, coagir testemunhas a depor contra elas mesmas, determinar a prisão
arbitrária de testemunhas e realizar buscas e apreensões sem obediência à forma
legal.
Diante desses acontecimentos, o Supremo Tribunal Federal passou a ser
chamado a se pronunciar sobre os procedimentos adotados nas comissões
parlamentares de inquérito, a fim de garantir o respeito aos direitos fundamentais.
Decisões em habeas corpus e mandados de segurança garantiram o direito da
testemunha que depõe perante comissão parlamentar de inquérito de não se
incriminar, podendo calar-se, quando as informações lhe acarretarem prejuízo, caso

71
em que não se configura o falso testemunho, conforme decisão do Supremo
Tribunal, segundo a qual “não configura o crime de falso testemunho, quando a
pessoa, depondo como testemunha, ainda que compromissada, deixa de revelar
fatos que possam incriminá-la”. (HC nº 73.035 – DF, Relator Ministro Carlos
Velloso).
Esses exemplos mostram que, em certas ocasiões as instituições políticas
exageravam em suas atividades e ultrapassavam os limites da lei, perdendo a
confiabilidade e enfraquecendo o poder da investigação parlamentar. Embora se
trate de inquérito de natureza política, os atos da comissão parlamentar de inquérito
não podem desrespeitar os princípios constitucionais estabelecidos em defesa de
direitos fundamentais. Daí a reação do Supremo Tribunal Federal, interferindo nos
atos da comissão, a fim de assegurar o cumprimento da Constituição e das leis
infraconstitucionais, exercendo seu papel de controle e fiscalização dos atos do
Poder Legislativo.
Na França, a interferência histórica das comissões parlamentares de inquérito
nas atividades do Poder Executivo foi interpretada como ameaça ao princípio da
separação dos Poderes e ao bom funcionamento da administração pública, o que
provocou um cerceamento de seus poderes, com significativa diminuição de suas
prerrogativas. Jacques Desandre (1985, pp. 51-52) nos informa acerca da atuação
dessas comissões, fazendo o seguinte relato histórico:

“Sob as 3ª e 4ª Repúblicas, elas abusaram algumas vezes


de seu poderes. Ocorreu até mesmo invasão da esfera de atuação
do poder judiciário. Elas tinham também, algumas vezes, a
tendência de exercer prerrogativas do executivo. De modo geral,
elas adquiriram uma reputação, mais ou menos justificada, de
‘tombadoras de ministérios’.

Os fundadores da 5ª República decidiram reagir contra uma tradição


considerada nefasta e impuseram às comissões de inquérito um estatuto contendo
obrigações, sem conferir qualquer direito. O rigor dos textos foi, além disso,
consideravelmente agravado pela aparição do fenômeno majoritário, de sorte que,
até o fim dos anos sessenta, o parlamento utilizou pouco o procedimento das
comissões de inquérito. O Senado – do qual a maior parte dos membros da época
da época não pertenciam à ‘maioria presidencial’ –não deixou, entretanto, o

72
procedimento entrar em desuso.
Pouco a pouco, no começo dos anos setenta, os deputados não querendo
ficar como excedentes dos senadores, depois os espíritos evoluem por outras
razões (renovação da Assembléia Nacional em 1973, eleição de um novo presidente
da república em 1974), as reticências observadas no começo da 5ª República
desaparecem ou se atenuam grandemente.
À medida em as comissões funcionavam, a inadequação do estatuto de 1958
tornava-se cada vez mais flagrante e, em 1977, uma modificação substancial foi
votada, restabelecendo o testemunho oral obrigatório, instaurando novas
disposições sobre a comunicação de documentos e prazos de quatro a seis meses
para que as comissões concluíssem sua missão. Desde esta reforma, 22 comissões
funcionaram: 11 na Assembléia Nacional, essencialmente por iniciativa do RPR
entre 1978 e 1981; 11 no Senado que, transformado em câmara de oposição, criou
8 desde 1981, quer dizer, aproximadamente, tanto quanto ao curso dos vinte anos
precedentes. Conforme relata Gilles Toulemonde, 2006), apenas na França a
comissão parlamentar de inquérito não pode funcionar paralelamente com a
investigação judicial. Uma vez que a comissão não busca culpados nem julga, não
interfere na separação dos poderes o fato de haver duas investigações em curso:
uma política e outra judicial.
Com relação ao papel do Supremo de órgão fiscalizador dos atos das
comissões parlamentares de inquérito, entende Carlos Ayres Britto (2006) que não
ocorre “o deliberado propósito de travar, de puxar o freio de mão do carro
parlamentar”. Afirma também o Ministro que:

“As decisões que tenho lido primam por uma fundamentação


técnica. São explicitamente referidas a normas constitucionais de
proteção a bens jurídicos ali rotulados de fundamentais. Se não tenho,
pessoalmente, concedido liminares em habeas corpus e mandados de
segurança contra relatores ou sub-relatores de comissões
parlamentares de inquérito, isto se deve ao fato de que, nos meus
processos, e ainda em caráter prévio e sumário, não tenho concluído
pelo cometimento de abuso ou ilegalidade por parte daquelas
autoridades. Mas cada caso é um caso, como universalmente sabido”.

As questões políticas, quando extrapolam os limites impostos pela


Constituição e pela lei tornam-se questões jurídicas e devem submeter-se ao
controle do Judiciário. O controle da ética no desenvolvimento dos trabalhos da
73
comissão parlamentar de inquérito é um processo decorrente da natural submissão
da atividade política aos princípios constitucionais e diz respeito à atividade
hermenêutica. A expansão dos demais poderes, como bem observa Dieter Grimm
(2004), leva naturalmente à maior atividade de controle por parte do Poder
Judiciário, a fim de adequar essa atuação dos demais poderes à Constituição. À
medida que o Estado avança e começa a interferir nos direitos dos cidadãos, surge o
Judiciário como balizador e limitador dessa atuação, valendo-se da moldura
constitucional e legal para estabelecer os limites de atuação do poder público diante
dos direitos e garantias fundamentais.
Podemos mesmo afirmar que, neste aspecto, a jurisprudência tornou-se fonte
de direito parlamentar, servindo de referência para as decisões tomadas no âmbito
da comissão parlamentar de inquérito, como também costuma ocorrer no sistema
político francês, coma nos dá ciência Michel Laflandre (1996), em que a
jurisprudência do Conselho Constitucional constitui fonte de direito para as decisões
do parlamento. Desse modo, adotando-se a jurisprudência da Corte Suprema, pode-
se construir um desdobramento de estratégias políticas, que combinem a
interpretação e a realidade política do momento, a fim de ajustar o comportamento
dessas comissões aos princípios constitucionais, interpretados pelo Supremo
Tribunal Federal.
A atuação do Supremo no controle da ética na política decorre de sua missão
institucional de garantir direitos fundamentais ameaçados ou violados por qualquer
atividade estatal. Consoante esse entendimento, Marques de Lima (2009, p. 242)
afirma que:

“Na verdade, quanto mais os deputados e senadores se


afastam dos anseios sociais e mergulham na corrupção, mais esta
categoria política (a dos membros do Legislativo) perde sua
legitimidade, pois os poderes que recebeu do povo não foram estes,
com certeza.”

A partir dessa assertiva, podemos dizer que o controle judicial da ética na


atividade política cria um sistema de equilíbrio e fortalece as instituições
democráticas, em proveito dos cidadãos. Bem mencionados, também por Carlos
Ayres Britto (2006), os aspectos das liberdades constitucionais e da cidadania.
Esses parâmetros mostram, efetivamente, a necessidade de se resguardarem a
74
conveniência e a oportunidade políticas de determinadas decisões do parlamento,
que, a despeito de serem questões políticas, interferem diretamente nos direitos
fundamentais estabelecidos pela Carta Constitucional, em conformidade com a
vontade popular.
Todavia, precisamos distinguir entre o exercício da atividade hermenêutica e a
criação de novos direitos. No controle da ética política, se houver formulação de
novos direitos por meio da atividade interpretativa, estaremos diante da hipótese de
ativismo judicial, que vai além da interpretação para gerar direito novo quer seja
constitucional, quer seja infraconstitucional. O controle da ética na atividade
parlamentar justifica a interferência judicial na instalação de comissão parlamentar
de inquérito? Esta é a resposta que precisamos encontrar na análise desta terceira
hipótese.
A falta de indicação de membros para comissão parlamentar de inquérito é
uma forma de burlar o preceito constitucional que garante à minoria o direito de
investigar em nome de seus representados. Utiliza-se a omissão política para
inviabilizar aquilo que é constitucionalmente garantido a um grupo de parlamentares.
Embora sejam momentos distintos a criação e a instalação, elas encontram-se tão
ligadas que a instalação é uma espécie de execução da criação. Fazendo um
paralelo com a decisão do juiz, é como se o juiz prolatasse sentença e o réu
pudesse deixar de cumpri-la.
No caso de criação de comissão parlamentar de inquérito, o presidente da
casa legislativa emite o ato de criação da omissão e os líderes de partidos executam
esse ato, por meio da indicação dos membros que comporão a comissão. Neste
instante, a comissão está verdadeiramente criada. Deixar de indicar os membros é
deixar de executar o ato de criação da comissão, esvaziando o seu conteúdo e
inviabilizando a produção de seus efeitos. Trata-se de uma questão ética, que
precisa ser solucionada à luz dos princípios constitucionais que governam a
atividade parlamentar.
A maioria não pode inviabilizar o direito do povo, por intermédio de seus
representantes, de criar comissão parlamentar para investigar questões de
relevância pública e interesse nacional. Embora seja uma manobra política viável do
ponto de vista do processo legislativo, essa conduta fere o princípio constitucional da

75
moralidade, na medida em que se afasta da representatividade par a qual foi eleito o
parlamentar e inviabiliza, por via transversa, um poder pertencente ao povo for força
da própria Constituição. Daí a decisão política do Supremo de determinar que o
presidente da casa legislativa nomeie os membros da comissão, em substituição aos
líderes partidários omissos.
A importância da opinião pública para os trabalhos da comissão parlamentar
de inquérito fica bem evidenciada em notícia veiculada na Folha de São Paulo do dia
26 de março de 2001, onde se lê o seguinte:

“Os principais líderes da oposição querem utilizar o apoio


popular à CPI da corrupção para pressionar os governistas a assinar
a abertura das investigações. Pesquisa Datafolha publicada ontem
aponta que 84% dos brasileiros são a favor da instalação da CPI”.

A comissão parlamentar de inquérito tem natureza política. Góis de Andrade


(1954; p. 23) chama a atenção para o fato de que é dever dos parlamentares
fiscalizar os atos do governo e informar a sociedade. O parlamento, conforme
explica essa autor, representa os olhos e a voz da população, do que decorre a
predominância da atividade informativa do Congresso.
Essa missão de fiscalização política é verificada em outros ordenamentos
políticos, como na Inglaterra, em que teria surgido esse tipo de comissão. Dentre as
comissões que se formaram ao longo da história do direito inglês, vamos encontrar
as select committees, para o desempenho de atividades, em caráter excepcional,
relacionadas ao exame de projetos de lei, quantos aos quais se imponha algum
dado ou fato de alta relevância ou de particular indagação, incluindo-se nestas, a
comissão de inquérito.
Pelo que se pode observar, esse tipo de comissão tem uma função primordial
no que tange ao aperfeiçoamento da legislação e à informação do público. A sua
natureza, na Inglaterra, é política, diante do que segue, na sua condução
procedimentos políticos e critérios políticos, quer quanto à sua criação, quer quanto
à sua execução. Sendo sua investigação de natureza política, a comissão
representa o parlamento, como um braço deste, não sendo sua natureza diversa da
instituição que representa.

76
Nos Estados Unidos, a primeira comissão de inquérito foi criada para
investigar os massacres pelos índios do exército do General Saint-Clair. A resolução
foi fundada no dever do parlamento de controlar as despesas públicas e no direito de
determinar o impeachment do presidente, garantido pela Constituição. Ela é criada
por meio de resolução da Câmara Legislativa. Os poderes de inquérito, à vezes, são
transferidos a uma comissão permanente, sobre os fatos objetos de suas
atribuições. Nos Estados Unidos, não há qualquer previsão constitucional sobre as
comissões parlamentares de inquérito.
Há, todavia, uma teoria dos poderes implícitos, justificados por Marshall, no
aresto MacCuloch v. Maryland, em 1819, sob a argumentação da legitimidade e da
compatibilidade com a Constituição, o que define os meios corretos e
constitucionais. Por outro lado, os atos do parlamento podem ser examinados pelo
Poder Judiciário, quanto a sua ilegalidade.
A utilização da comissão parlamentar de inquérito como instrumento de
oposição leva a um embate político natural dentro das casas legislativas, com o uso
de todos os recursos políticos disponíveis par ambos os lados. É por isso, que
comissões são criadas, mas não instaladas. Trata-se de um jogo político entre
situação e oposição, situação esta que não pode ignorar os direitos dos cidadãos de
serem informados e de verem investigadas situações de grave interesse nacional. A
própria busca da oposição por pronunciamento judicial faz parte desse jogo político,
como uma forma de obter um resultado político fora das instituições políticas que
não lhe foram favorável, que não lhes garantiram o seu direito previsto na
Constituição, ainda que por via transversa. Quando a oposição não consegue,
dentro do Parlamento, fazer valer sua força política, recorre ao Judiciário, a fim de
mudar essa situação.
A Comissão, como braço do parlamento, deve refletir as tendências políticas
de todos os setores, de todas as correntes de pensamento, incluindo as minorias.
Como aponta Thamy Pogrebisnchi (2009), uma questão se coloca em relação às
demandas que dizem respeito à defesa da representação justa de grupos
historicamente marginalizados tem a ver com o próprio significado das minorias, seu
papel político e o lugar apropriado para representação institucional de seus
interesses. Desse modo, é pacífico que as comissões parlamentares de inquérito

77
representam um forte e necessário instrumento de controle político da atividade
pública bem como de atividades privadas de interesse público. Desse modo, a não
instalação de comissão parlamentar de inquérito nada mais é do que uma manobra
política que inviabiliza o exercício de direito garantido constitucionalmente às
minorias.
Assim, a terceira hipótese é válida para justificar o ativismo judicial ocorrido no
caso específico de determinação judicial de indicação de membros de comissão
parlamentar de inquérito.
Finalmente, a quarta hipótese é a de que o voluntarismo dos membros
do Poder Judiciário na tomada de decisões políticas está na origem do
ativismo judicial.
Ao dispor sobre a comissão parlamentar de inquérito, a Constituição apenas
se refere à criação por requerimento de um terços dos membros da casa legislativa
ou do Congresso Nacional, no caso de comissão mista parlamentar de inquérito. O
texto constitucional não trata de indicação de membros, matéria esta regulamentada
pelos regimentos internos. Também o texto constitucional não se refere à instalação
obrigatória. A criação obrigatória, por proposta de um terço dos membros da casa
legislativa, esgota-se com o ato do seu presidente que cria a comissão. Daí em
diante, criada a comissão, o desenvolvimento de seus trabalhos é regulado apenas
pelo regimento interno da casa legislativa.
A criação de comissões no âmbito do Poder Legislativo é um processo de
desconcentração, que nada mais é do que uma divisão de tarefas internamente,
entre os órgãos políticos. A desconcentração pressupõe a existência de uma
hierarquia e tem a característica da verticalidade. A desconcentração implica
fiscalização, controle hierárquico. A natureza da delegação feita pelo parlamento à
comissão parlamentar de inquérito é de desconcentração, em que o parlamento
continua com as prerrogativas de fiscalização, podendo decidir de forma diferente da
comissão, dando rumos diversos às conclusões por ela estabelecidas. Assim
também o é na teoria política comparada, com examinamos anteriormente, em que
os parlamentos de diversos países têm a prerrogativa de modificar os trabalhos das
comissões parlamentares de inquérito constituídas e dar encaminhamento diverso
do sugerido pela comissão em seu relatório.

78
Se assim não fosse, estaríamos diante de uma situação em que a comissão
disporia de maiores poderes do que a instituição da qual faz parte. Um a comissão
com poderes maiores do que os do parlamento é algo completamente inimaginável.
Assim, a missão de fiscalizar é do parlamento, atribuição esta delegada às
comissões, como entes subordinados à vontade da maioria, da instituição como um
todo.
O direito de investigar, que a Constituição da República atribuiu ao Congresso
Nacional e às casas que o compõem, tem, no inquérito parlamentar, um instrumento
delegado à comissão parlamentar de inquérito, mas que, num plano mais alto,
pertence à instituição maior da qual decorre a comissão. A comissão nada mais é do
que um braço da casa legislativa, e não uma instituição autônoma.
Na Itália, por exemplo, o art. 82 da Constituição prevê a criação pelas
câmaras do parlamento de comissões parlamentares de inquérito sobre matérias de
interesse público. Não há qualquer lei sobre a aplicação do art. 82 das Constituição,
que disponha sobre os princípios gerais e uniformes em matéria de inquérito
parlamentar. Isto causa muitos problemas, conforme nos dá ciência Giuseppe de
Vergottini (1985, p. 43):

«Todavia, esta situação não é satisfatória, porque inúmeros


problemas importantes permanecem sem solução ou se encontram
as pessoas chamadas a depor perante as Comissões ou que
estejam em todo caso relacionadas com sua atividade: no relatório
final, comunicado em 24 de março de 1982 à Presidência das duas
Câmaras pela Comissão de inquérito sobre o ‘Caso Sindona’ (de
acordo com as leis 22 maio 1980, nº 204 e de 23 de junho de 1981,
nº 315), vemos se desenhar as proposições orgânicas em favor de
uma disciplina geral dos inquéritos por intermédio de uma lei ou de
um regimento parlamentar para os procedimentos do inquérito.
Certas iniciativas de lei apresentadas com o objetivo de provocar
uma disciplina uniforme dos inquéritos não foram seguidas.»

Nas condições e dentro dos limites fixados por tratados e no exercício das
suas atribuições, o Parlamento Europeu pode, a pedido de um quarto dos seus
membros, constituir uma comissão temporária de inquérito para analisar alegações
de infração ou de má administração na aplicação do Direito Comunitário cuja
responsabilidade recaia, quer sobre uma instituição ou órgão das Comunidades
Européias, quer sobre a administração pública de um Estado-Membro, quer ainda
sobre pessoas mandatadas pelo Direito Comunitário para aplicar esse Direito. O

79
Parlamento Europeu fixará a composição e as regras de funcionamento interno das
comissões temporárias de inquérito. A composição e as normas de funcionamento
são fixadas internamente pelo Parlamento.
Estes aspectos relativos à natureza da comissões parlamentares de inquérito
tanto no Brasil como em outros países demonstram que há uma autoridade
institucional do parlamento sobre suas comissões, sobre seus órgãos fracionários,
de modo que estes não gozam de total autonomia. Portanto, não é de modo algum
bizarra a interferência da presidência da casa legislativa na comissão, a fim de
garantir o regular desenvolvimento de seus trabalhos. Dentro dessa linha de
raciocínio, encaixa-se bem a determinação do Supremo para que o presidente da
casa legislativa indique os membros da comissão, ainda que tal atribuição não esteja
fixada expressamente nem na Constituição nem no regimento interno da casa.
A adoção de novos parâmetros hermenêuticos, como o reconhecimento de
um estatuto das minorias parlamentares, tem permitido maior controle das atividades
das comissões parlamentares de inquérito pelo Supremo Tribunal Federal. Desse
modo, uma atividade que antes era classificada como interna corporis, afastando o
controle judicial, nesta, nova fase, passa ser controlável pelo juiz. Na visão de
Laurent Pech (2001) o próprio juiz promove a criação de princípios indeterminados
que permitirão uma extensão da atividade interpretativa. Nessa mesma linha,
Étienne Picard (2001, p. 80) se refere à criação de princípios pelo juiz, citando,
como exemplo, o “princípio da preeminência do direito” criado pela Corte Européia.
O argumento para determinar a instalação obrigatória da comissão
parlamentar de inquérito pelo presidente da casa legislativa, no caso de não o
fazerem os partidos, fundamenta-se na tese de que a comissão parlamentar de
inquérito é instrumento da minoria. Este princípio da proteção da minoria
parlamentar não se esgota na criação da comissão parlamentar de inquérito no
termos do que determina o art. 58, § 3º, da Constituição Federal. Criada a comissão
por ato do presidente da casa legislativa, é necessário ainda garantir o
funcionamento da comissão, como tem entendido o Supremo.
Diante da ausência de normas constitucionais e regimentais que estabeleçam
obriguem o presidente da casa legislativa a indicar membros para as comissões de
inquérito, deduz-se que houve uma construção jurisprudencial criando essa nova

80
regra de conduta por meio de decisão judicial. Como bem explica Thamy
Pogrebinschi (2000, pp. 2-3):

“No campo da teoria constitucional contemporânea


o ativismo judicial é freqüentemente associado ao debate
4
entre “interpretativismo” e “não-interpretativismo”. A primeira
corrente determina que os juízes devem se limitar a aplicar
as normas estabelecidas, implícita ou explicitamente, na
constituição. Já a segunda, roga que os juízes superem
estas referências e apliquem normas que transcendam o
5
texto constitucional. Esta é a corrente usualmente vinculada
ao ativismo. Juízes “não-interpretativistas” são tidos, pela
literatura norte-americana, como juízes ativistas. Isto
corrobora a idéia de que o ativismo prescinde o respeito à
coerência do direito e à segurança jurídica. Um juiz não-
interpretativista, como o ativista, não se considera limitado
pelos textos legais.

Todavia, essa solução não é resultado de voluntarismo dos membros do


Tribunal. Como bem afirma Marques de Lima (2009, p. 35), “diversos fatores não
jurídicos influenciam na maneira de se interpretarem as normas, como as convicções
pessoais do intérprete...”. Em relação à conclusão desse autor, podermos inferir que,
convicto de que determinada solução deve ser adotada para o caso concreto, o juiz
passará, em seguida, a construir uma argumentação jurídica que fundamente essa
decisão. O procedimento hermenêutico torna-se fruto de uma convicção pessoal do
julgador, que pode resultar na criação de novo direito, o que continua sento ativismo
judicial. Mas, neste caso específico, esse ativismo não resulta de voluntarismo.
Os regimentos internos das casas legislativas garantem o exercício da
atividade parlamentar pelo plenário, pelas comissões, pelas lideranças, pelos blocos
partidários e pelos seus parlamentares individualmente, como legítimos
representantes do povo, e contém normas de processo legislativo, a fim de organizar
a elaboração de proposições, os debates e as votações. A oposição também é
protegida quanto ao exercício de seus direitos e interesses, resguardados pelas
normas regimentais.
Em outros países, encontramos também uma preocupação em proteger a
oposição, até mesmo em obediência ao princípio da separação de poderes.

4
Veja-se, sobre o assunto, John H. Ely, Democracy and Distrust.
5
John H. Ely, Democracy and Distrust, p. 01.

81
Conforme observa Gilles Toulemonde (2006), os direitos da oposição estão ligados à
própria separação de poderes; negá-los é negar a separação de poderes. O mesmo
Autor nos dá ciência de que, no Reino Unido, reivindica-se a existência de um
estatuto da oposição; todavia, entre esses direitos garantidos à oposição, em
momento algum, são formuladas normas relativas à instalação obrigatória de
membros de comissão parlamentar de inquérito.
Por essa razão, a formação comissão obedece à participação proporcional
dos partidos em sua composição. A participação proporcional dos partidos tem um
alcance democrático, pois permite a atuação das diversas correntes políticas, com a
representação de todos os setores da sociedade, tanto a favor quanto contrários ao
poder dominante. A importância desta representação proporcional foi bem percebida
pela CPI da FUNAI, em seu relatório final, segundo o qual “os senhores
parlamentares que compõem o quadro desta CPI representam, por sábia
determinação constitucional, os vários segmentos da sociedade brasileira”. A
representação proporcional dos partidos ou blocos parlamentares, permite que haja
um amplo debate em torno de questões polêmicas, abrindo-se um espaço
necessário para o confronto de opiniões, em busca de algum ponto de convergência.
A norma criada pelo Supremo Tribunal Federal, que determinou ao Presidente
do Senado Federal a indicação dos membros da comissão, sem que houvesse
norma constitucional ou regimental atribuindo-lhe essa competência, teve como
fundamento a garantia dessa representatividade. Essa situação é descrita por Kermit
Roosevelt III (2006; p. 19), como doutrina criada pela Suprema Corte, que consiste
no “estabelecimento de regras que a Suprema Corte cria para apropriá-las da vasta
linguagem da Constituição para as ocorrências reais de casos particulares”. É o caso
do estatuto de proteção das minorias idealizado pelo Supremo por meio de processo
hermenêutico. Não podemos chamar a isso de voluntarismo.
Analisando essa questão da representatividade das minorias no âmbito das
cortes constitucionais, Thamy Pogrebinschi (2009) traz a lume a discussão a
respeito do lugar de representação desses grupos, inseridos cada vez mais no
conceito de minorias políticas e a possibilidade da defesa de seus interesses pelas
cortes constitucionais. Desse modo, afirma a autora que o caráter não-majoritário
das cortes constitucionais transforma essas instituições em lugar propício para o

82
exercício da representação propriamente política, e não meramente judicial.
O Legislativo toma suas decisões em função da repercussão política dos
trabalhos. Isso tem levado políticos interessados em desencadear um processo de
controle e fiscalização dos atos da administração pública a conclamar a opinião
pública no sentido de pressionar o Poder Legislativo a instalar comissão de inquérito.
É o caso, por exemplo, defendido pelo ex-Presidente da República, à época,
Governador do Estado de Minas Gerais, Itamar Franco, que, segundo notícia
divulgada pela Folha de São Paulo do dia 23 de março de 2001, “defendeu em São
Paulo uma "mobilização nacional nas ruas" pela instalação de uma comissão
parlamentar de inquérito no Congresso para apurar denúncias de corrupção.
"Se o próprio Congresso Nacional está com dificuldades de criar uma CPI, se
o presidente da República impede essa CPI, esse debate tem que ser levado para
fora. Ele não pode ficar cingido hoje ao Congresso", teria dito Itamar, de acordo com
a reportagem mencionada. Todavia, quando os interesses do povo restam
inviabilizados por manobras políticas, é natural que os derrotados no jogo político
recorram ao Judiciário e que este busque uma forma de adequar a prática política
aso interesses públicos. Não se trata de voluntarismo, mas de garantir a supremacia
do interesse público sobre interesses partidários.
Assim, neste caso específico de instalação de comissão parlamentar de
inquérito determinada por decisão judicial, não se confirma a quarta hipótese,
segundo a qual o ativismo do Supremo Tribunal Federal, na questão da
determinação de instalação de comissão parlamentar, decorreu do
voluntarismo de seus membros em decidirem questões políticas.
O terceiro caso a ser estudado concernente à nova face do ativismo judicial
no Brasil diz respeito à perda de mandato em razão da troca de partido, sendo este
o aspecto mais marcante na evidência desse espírito empreendedor do Supremo
Tribunal Federal, na qualidade de elaborador positivo de leis, inclusive de normas
constitucionais.

83
CAPÍTULO 5

A PERDA DE MANDATO DECORRENTE DA TROCA DE PARTIDO

84
Em 27 de março de 2.007, o Tribunal Superior Eleitoral apreciou a Consulta nº
1.398/DF, Relator Ministro César Asfor Rocha, formulada pelo Partido da Frente
Liberal (PFL) – nacional, por seu presidente. Essa Consulta foi formulada com base
em três aspectos legais relativos à eleição para cargos proporcionais:
1. O disposto no art. 108 da Lei nº 4.737/65 que estabelece que a eleição
dos candidatos a cargos proporcionais é resultado do quociente eleitoral
apurado entre os diversos partidos e coligações envolvidos no certame
democrático.
2. A exigência constitucional da filiação do candidato a um partido como
condição de elegibilidade.
3. O cálculo das médias feito em decorrência dos votos válidos atribuídos
aos partidos e coligações.
Tendo em vista essas circunstâncias, a consulta era no sentido de saber se os
partidos e coligações teriam o direito de preservar a vaga obtida nas eleições
proporcionais, no caso de haver cancelamento de filiação ou transferência do
candidato eleito para outro partido ou legenda.6
O Tribunal Superior Eleitoral, vencido o Ministro Marco Aurélio, entendeu
que: a) os partidos e coligações têm o direito de preservar a vaga obtida pelo
sistema eleitoral proporcional, quando houver pedido de cancelamento de filiação ou
de transferência do candidato eleito por um partido para outra legenda; b) o
abandono, pelo eleito, da agremiação partidária pela qual se elegeu resultaria, a
pedido do partido de origem, na perda do mandato; uma vez que os mandatos
eletivos pertencem aos partidos. Algumas hipóteses foram ressalvadas pelo Tribunal
Superior Eleitoral como justa causa para a desfiliação partidária, sem a consequente
perda de mandato, quais sejam: I) incorporação ou fusão do partido; II) criação de

6
“Considerando o teor do art. 108 da Lei nº 4.737/65 (Código Eleitoral), que estabelece que a
eleição dos candidatos a cargos proporcionais é resultado do quociente eleitoral apurado entre os diversos
partidos e coligações envolvidos no certame democrático.
Considerando que é condição constitucional de elegibilidade a filiação partidária, posta para
indicar ao eleitor o vínculo político e ideológico dos candidatos.
Considerando ainda que também o cálculo das médias é decorrente do resultado dos votos
válidos atribuídos aos partidos e coligações.
Indaga-se:
Os partidos e coligações têm o direito de preservar a vaga obtida pelo sistema eleitoral
proporcional, quando houver pedido de cancelamento de filiação ou de transferência do candidato eleito por um
partido para outra legenda?”

85
novo partido; III) mudança substancial ou desvio reiterado do programa partidário;
IV) grave discriminação pessoal.
Caso o partido deixe de formular o pedido, no prazo de trinta dias a partir da
desfiliação, qualquer pessoa que tenha interesse jurídico ou o Ministério Público
poderão, nesse mesmo prazo, requerer a perda de mandato do parlamentar infiel.
Uma vez julgado procedente o pedido, o tribunal decretará a perda do cargo,
comunicando a decisão ao presidente do órgão legislativo competente para que
emposse, conforme o caso, o suplente ou o vice, no prazo de dez dias.
O Partido Social Cristão ajuizou a Ação Direta de Inconstitucionalidade nº
3.999-7 contra as Resoluções nºs 22.610/2007 e 22.733/2008, que disciplinaram a
perda do cargo eletivo e o processo de justificação da desfiliação partidária. O
Requerente entendia que se tratava de usurpação de competência nitidamente
legislativa, representando incursão ilegítima e temerosa do Poder Judiciário em
seara que não lhe é própria e que o Tribunal Superior eleitoral não podia legislar por
meio de resolução, sobre matéria processual reservada à lei formal.
Essa Ação Direta de Inconstitucionalidade foi julgada em 12 de novembro de
2008 e a decisão do Supremo foi pela improcedência da ação, vencidos os Ministros
Joaquim Barbosa (Relator), Marco Aurélio e Eros Grau. Em sua Ementa, o Acórdão
dispõe que “o Supremo Tribunal Federal, por ocasião do julgamento dos Mandados
de Segurança 26.602, 16.603 e 26.604 reconheceu a existência do dever
constitucional de observância do princípio da fidelidade partidária”. Prossegue,
afirmando: “Não faria sentido a Corte reconhecer a existência de um direito
constitucional sem prever um instrumento para assegurá-lo.” (fl.100).
O Ministro Joaquim Barbosa, Relator da Ação, referiu-se a uma afirmação do
Ministro Celso de Mello, no sentido de que “compete ao TSE dispor sobre a matéria
durante o silêncio – eloquente, talvez – do Legislativo”. (fl.116). A orientação do
Relator era a de que, diante da inexistência de um instrumento para garantir o
cumprimento da fidelidade partidária, o Tribunal Superior Eleitoral estava autorizado
a criar esse mecanismo, enquanto não o fizesse o Legislativo.
Nesse momento, o Supremo modificou a jurisprudência segundo a qual a
Constituição não autorizada a perda de mandato por infidelidade partidária,
entendimento esse bem explicitado no voto do Ministro Moreira Alves, proferido na

86
qualidade de Relator do Mandado de Segurança nº 20.927, de 1989, do qual passo
a transcrever o seguinte trecho:

“Ora, se a própria Constituição não estabelece a perda de


mandato para o Deputado que, eleito pelo sistema de representação
proporcional, muda de Partido e, com isso, diminui a representação
parlamentar do Partido por que se elegeu (e se elegeu muitas vezes
graças ao voto da legenda), quer isso dizer que, apesar de a Carta
Magna dar acentuado valor à representação partidária (artigos 5º,
LXX, “a”; 58, § 1º; 58, § 4º; 103, VIII), não quis preservá-la com a
adoção de sanção jurídica da perda do mandato, para impedir a
redução da representação de um Partido no Parlamento. Se o
quisesse, bastaria ter colocado essa hipótese entre as causas de
perda de mandato, a que alude o artigo 55” (fl.12 do voto).

Esse mesmo entendimento foi adotado por Gilmar Mendes, no Mandado de


Segurança nº 23.405, de 2004, no qual concluiu que “é certo que a Constituição não
fornece elementos para que se provoque o resultado pretendido pelo requerente”
(fl.03 do voto). Até então, o Supremo Tribunal Federal entendia que o mandato era
do partido político, porém que a Constituição não autorizava a perda do mandato,
diante do que a Corte não poderia adotar essa solução pretendida pelos
requerentes.
A revista “Valor Econômico”, do dia 4 de julho de 2008, sob o título “Uma
fidelidade partidária para políticos pouco infiéis”, contém reportagem acerca dessa
nova atuação do Judiciário no Brasil, em questões de cunho eminentemente político,
que, até então, eram decididas unicamente na esfera política. O articulador da
matéria considera que o Congresso e o Tribunal Superior Eleitoral vêm mantendo
uma queda-de-braço em torno de regulamentações dos pleitos.
Nessa visão apresentada pelo autor da reportagem citada, o Tribunal tem
sistematicamente extrapolado suas atribuições para exercer um papel de legislador,
enquanto o Congresso tem respondido com mudanças na lei para acomodar
interesses políticos dos parlamentares. Afirma que: um comprime, enquanto o outro
dilata as regras eleitorais, o que acaba por comprometer o princípio da segurança
jurídica.
A segurança jurídica é percebida nesse artigo como um aspecto importante,
que, nesse jogo político, deixou de ser levado em consideração e foi relegado a um
plano secundário. Para o cidadão comum, para a sociedade de um modo geral,
torna-se bastante difícil compreender o que vale e o que não vale nessa arena de
87
deliberação política. O que está em jogo não é apenas o poder de decisão, de
modificação da legislação, mas a própria legitimidade consagrada ao processo
legislativo pelos eleitores nas urnas.
O mesmo sentimento de que o Judiciário deixou de se restringir ao campo
hermenêutico é compartilhado por Luís Roberto Barroso (2010; p. 11), segundo o
qual o Supremo Tribunal Federal inovou e criou direito além do previsto no texto
constitucional, conforme expresso no seguinte trecho:

“No Brasil, há diversos precedentes de postura ativista do


STF, manifestada por diferentes linhas de decisão. Dentre elas se
incluem: a) a aplicação direta da Constituição a situações não
expressamente contempladas em seu texto e independentemente de
manifestação do legislador ordinário, como se passou em casos
como o da imposição de fidelidade partidária...”.

Diante desse cenário, cabe um exame das hipóteses formuladas para


sabermos se se aplicam ao caso da perda de mandato decorrente da troca de
legenda.
A primeira hipótese é a de que o ativismo judicial é provocado pela
crescente demanda por pronunciamento judicial quanto a questões políticas.
No Mandado de Segurança n.º 23.505/04, a questão da perda de mandato
por infidelidade partidária foi enfrentada pela Corte Suprema e o voto do Relator,
Ministro Gilmar Mendes, proferido em 2004 afirma claramente que “a Constituição
não fornece elementos para que se provoque o resultado pretendido pelo
requerente”, a saber, a perda de mandato do infiel. Ressalte-se, portanto, que, em
2004, em época bem recente, o Supremo Tribunal Federal, por meio de seu Ministro
Gilmar Mendes, decidiu, interpretando a Constituição – a mesma vigente hoje -, que
não se encontrava fundamento para impor a perda de mandato como conseqüência
da migração partidária.
Se a Constituição Federal não previa a perda de mandato por infidelidade
partidária, não era possível impor essa sanção por decisão judicial. Esse foi o
entendimento adotado por Gilmar Mendes, naquela ocasião. Outro entendimento
jurisprudencial, adotado pelo Supremo Tribunal Federal no Mandado de Segurança
n° 20.927, afastou a possibilidade da perda de mand ato, em caso de infidelidade.
Dessa vez, a presença do Ministro Moreira Alves, nesse processo, teve

88
significativa importância na condução do problema, embora houvesse votos
discordantes. Não há evidências de qualquer pressão por parte do eleitorado para
que os deputados que trocassem de partido perdessem o mandato. Ao contrário,
como se observa nos Mandados de Segurança nºs 24.602, 26.603 e 24, 26.604,
todos eles foram impetrados por partidos políticos contra ato do Presidente da
Câmara dos Deputados, consistente no indeferimento de requerimento por eles
formulados no sentido de declarar a vacância do mandato de deputados federais
que se desfiliaram de suas agremiações partidárias.
Trata-se de questão eminentemente política, de domínio do Poder Legislativo.
Todavia, diante do inconformismo partidário, a questão foi levada ao âmbito do
Supremo Tribunal Federal, como uma estratégia de se alcançar judicialmente aquilo
que politicamente não foi alcançado. Todavia, essas impetrações foram motivadas
pelo entendimento adotado no âmbito do Tribunal Superior Eleitoral, na Consulta nº
1.398 em que a Corte decidiu que os partidos políticos e coligações têm o direito de
preservar a vaga obtida pelo sistema eleitoral proporcional, quando houver pedido
de cancelamento de filiação ou transferência do candidato eleito, do partido pelo
qual se elegeu outra legenda.
Tivesse o Tribunal Superior Eleitoral mantido o antigo entendimento do
Supremo Tribunal Federal, no sentido de que não havia norma constitucional
autorizadora da decretação de perda de mandato, o desfecho dessa questão teria
sido outro completamente diferente. Por outro lado, ao julgar a ação direta de
inconstitucionalidade nº 3.999-7, se o Supremo tivesse mantido sua orientação
anterior, o debate acerca desse tema teria sido encerrado, e o status quo teria sido
mantido. Entretanto, a Corte Suprema, em outubro de 2007, mudou sua orientação,
contra os votos dos Ministros Eros Grau, Ricardo Lewandowski e Joaquim Barbosa,
admitindo a possibilidade de perda do cargo eletivo, na hipótese de desfiliação
partidária, desde que não amparada por justa causa.
Essa decisão, entretanto, não decorreu de qualquer pressão da sociedade, do
eleitorado, insatisfeito com a situação política decorrente da infidelidade partidária.
Nesse sentido, o Ministro Joaquim Barbosa, no seu voto proferido na qualidade de
Relator da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 3.999-7, julgada em 2008,
manifestou entendimento:
“Sobrepor o partido político, como entidade de
89
arregimentação exclusiva da vontade popular em matéria política, à
intenção do eleitor, individualmente considerado, implica, a meu
sentir, em ruptura do sistema que toma como premissa a
legitimidade e a soberania do eleitor. Entendo que as organizações
partidárias não substituem o eleitor como centro de referência do
sistema político.”

O próprio Relator reconhece que essa questão deve ser tratada pelos órgãos
de representação popular, com base em disposição expressa e inequívoca da
Constituição, embora, ao final do seu voto, conclua que, enquanto o Legislativo não
regulamentar a matéria, pode o Tribunal Superior Eleitoral fazê-lo por exceção. Os
interessados na perda de mandato, decorrente da troca de partido, são os próprios
partidos aos quais pertenciam os parlamentares que mudaram de legenda, pois têm
interesse em manter a vaga, para não diminuir o número de representantes no
Congresso. Esse tipo de demanda, todavia, não é novo. Como vimos, no Mandado
de Segurança nº 20.927/89, o Supremo Tribunal Federal julgou questão semelhante
e concluiu que a Constituição não autorizava a perda de mandato nesse caso.
Dez anos depois, em 2004, o Supremo Tribunal Federal, no Mandado de
Segurança n.º 23.505/04, continuava mantendo essa orientação de impossibilidade
constitucional de perda de mandato por troca de partido. Quando o Tribunal, em
2008, mudou de entendimento, não havia elemento novo nessa discussão suscitada
pelos partidos políticos, que apenas insistiam em manter a vaga ocupada pelo
parlamentar infiel. Não se trata de crescente demanda dos partidos por solução
judicial para conflitos políticos.
As demandas, como podemos constatar, nesta questão da troca de partidos,
se repetem de uma forma semelhante, ao longo do tempo, tanto na sua quantidade
quanto na qualidade. O número das demandas não sofre grandes variações e o
contexto normativo também não foi alterado, pois não houve nenhuma mudança na
Constituição quanto às hipóteses de perda de mandado ou quanto à troca de
partido. A legislação infraconstitucional também não alterou esse panorama.
As normas vigentes continuaram sendo as mesmas de 1989, quando o
Ministro Moreira Alves proferiu seu voto pela impossibilidade aplicar a perda de
mandato para quem trocasse de partido. Assim, a primeira hipótese deve ser
afastada, pois o ativismo do Supremo nessa questão da perda de mandato
decorrente da troca de partido não possui vinculação com o aumento de demandas

90
por pronunciamento judicial quanto a essa questão política específica.
A segunda hipótese é a de que o ativismo judicial é provocado pelo
descrédito do Poder Legislativo.
Neste ponto, devemos indagar se, no Brasil, a omissão ou a inação do Poder
Legislativo quanto à questão da reforma política e, mais especificamente, quanto à
fidelidade partidária, levou o Judiciário a tomar a decisão de determinar a perda de
mandato, quanto o parlamentar trocar de legenda, a fim de devolver a vaga para o
partido pelo qual foi eleito. Ronald Edward Fisher (1977; p. 7), ao analisar o conceito
de ativismo judicial, coloca a inação do legislador como causa do ativismo judicial,
afirmando que “para os ativistas a questão da inação legislativa requer um
indagação judicial quanto à existência de uma obrigação governamental implícita na
Constituição”. Na visão desse autor, quando o Legislativo se omite, ocorre uma
reação dos juízes ativistas, no sentido de decidir as questões não regulamentadas
pelo legislador sobre as quais haja demanda judicial.
Muitos alegam que tal avanço do Tribunal Superior Eleitoral e do Supremo
Tribunal Federal se dão em virtude da omissão do Poder Legislativo, que leva ao
seu descrédito. No caso da fidelidade partidária, não se verifica omissão, conforme
se pode demonstrar com o rol de matérias em tramitação sobre fidelidade partidária
e reforma política. A tabela a seguir, com os números relativos aos anos de 1970 a
2009, foi colhida no site da Câmara dos Deputados. Tendo em vista que o período é
bastante extenso, incluiremos na tabela apenas os anos em que houve
apresentação de propostas, deixando de fora aqueles em que não consta nenhuma
proposição. Em seguida apresentaremos o gráfico nº 5 relativo a essa
movimentação e passaremos a comentar esses dados.

TABELA 8
Proposições sobre fidelidade partidária e reforma política de 1970 a 2009
70 75 76 77 79 83 84 89 90 91 95 97 99 00 01 04 05 07 09

1 2 1 3 1 1 1 1 1 1 7 3 4 2 1 1 3 12 8

91
1970
Gráfico 5
1975
1976
12
1977
10
1979
8 1983
6 1984
1989
4
1990
2
1991
0 1995
1997

Pode-se observar que não é por falta de iniciativa parlamentar que essa
questão da fidelidade partidária tem sido levada ao Supremo Tribunal Federal. A
tabela acima mostra que, de 1970 até 2009, tivemos cerca de 55 iniciativas
parlamentares de algum modo ligadas a essa questão. Se fizermos um corte, a partir
do ano de 2000, verificaremos que, entre 2000 e 2009, foram apresentadas 28
proposições legislativas sobre tema, uma a mais do que durante todo o período de
1970 até 1999, ou seja, em dez anos a produção, nesse campo, foi maior do que
nos trinta anos anteriores. Não se pode, de modo algum, afirmar que a inércia
legislativa justificou essa postura do Supremo Tribunal Federal.
Ao contrário do que pode parecer, o aparente espaço vazio, em diversos
momentos da atividade legislativa, pode ser perfeitamente uma estratégia política
para, surgindo a conveniência, decidir de um ou outro modo, em face das
necessidades políticas que as circunstâncias imponham. Deixa-se um espaço de
manobra que permita ir de um lado a outro, mais à esquerda ou mais à direita, a fim
de estabelecer o equilíbrio de forças. Assim, em momentos de crise, os interesses
políticos podem ser compostos até mesmo com a troca de legenda, o que não leva
necessariamente a um mal, mas pode, inclusive, representar uma forma de decidir
positivamente em benefício de toda a nação. A aprovação de um projeto de grande
repercussão social pode resultar dessa composição de forças políticas, sem a qual
essa decisão poderia se alongar no tempo ou ser tomada em sentido diverso.
Sobre esse aspecto, Thamy Pogrebinschi (2010) afirma que o Supremo não
preenche lacuna deixada por omissão do legislador, pois, nos momentos em que a
92
Corte Suprema julgava procedente ação direta de inconstitucionalidade ou ação de
descumprimento de preceito fundamental, havia uma média de 11,75% de projetos
de lei em tramitação no Congresso Nacional sobre a mesma questão tratada nas
ações ajuizadas.
Não podemos nos esquecer que a obstrução parlamentar ou mesmo a
abstenção do voto são instrumentos legítimos numa democracia representativa.
Diferente é a situação do juiz que não pode se omitir, obstruir votações ou abster-se
de votar. Nesse sentido, bem oportuna a manifestação de John Ferejohn (2002),
quanto ao ambiente de parcialidade, de ideologia e paixão que envolve a arena de
debate e decisão política. Segundo o autor, a teoria democrática associa a política
com as atividades desempenhadas pelo Legislativo e o Direito com as operações do
Judiciário. Assim, a política seria legitimamente exercitada no Legislativo, onde se
desenvolve a contestação política, visando à realização plena dos valores
democráticos. A política, por sua natureza, na visão do autor, é contenciosa, parcial
e ideológica, diferente do que ocorre com a atividade judiciária, neutra, imparcial.
Mesmo a tomada de decisões políticas pelo Congresso Nacional que
desagradem ou sejam consideradas contrárias aos resultados esperados pela
população não pode ser considerada como descrédito da instituição política. É a
conclusão a que chega John Hart Ely (2001; p. 103) segundo o qual não se pode,
com justiça, dizer que o governo funciona mal, apenas porque sua atuação
desagrada ao povo.
Prossegue esse autor afirmando que “em uma democracia representativa as
determinações de valor devem ser feitas pelos representantes eleitos, e, se de fato,
muitos de nós desaprovamos, podemos votar a fim de afastá-los do gabinete”.
Assim, o fortalecimento das instituições políticas, na visão desse autor, deve ser feito
pelos eleitores por meio do voto, e não pelos juízes, decidindo questões políticas.
Essa mudança de entendimento da Suprema Corte, no Brasil, quanto à perda
de mandato decorrente da troca de partido provocou reações adversas no
Congresso. A reação do Congresso a essa interferência do Judiciário em questões
políticas veio posteriormente com a Proposta de Emenda à Constituição nº 04/2007,
apresentada pelos Deputado Flávio Dino e outros, que dá nova redação ao art. 55
da Constituição Federal, dispondo sobre a perda de mandato de Deputados e

93
Senadores, inclusive por infidelidade partidária. Essa PEC foi apensada à de nº
42/95 da Deputada Rita Camata, que também prevê a perda de mandato por
infidelidade partidária, e se encontra em tramitação na Comissão Especial.
Na forma dessa proposta de emenda à Constituição, pratica ato de
infidelidade partidária quem, fora do período delimitado pela Constituição, muda de
partido pelo qual foi eleito, salvo se para participar da criação de outro, ou se
demonstrada que a mudança decorreu de alterações essenciais no programa ou no
estatuto partidários. A mudança de partido passa a ser admitida, sem perda do
mandato, no período de 30 (trinta) dias imediatamente anterior ao término do prazo
de filiação partidária para candidatura à eleição subsequente.
No caso de infidelidade partidária, quando se tratar de Senadores e
Deputados Federais, a perda será decidida pelo Tribunal Superior Eleitoral, por
maioria absoluta, mediante iniciativa do Procurador Geral da República ou de partido
político representado no Congresso Nacional. Quanto aos Deputados Estaduais e
do Distrito Federal e aos Vereadores, cabendo à decisão quanto à perda dos
mandatos aos Tribunais Regionais Eleitorais, por maioria absoluta, mediante
iniciativa do Procurador Regional Eleitoral ou de partido político representado na
Casa a que pertencer o parlamentar.
Em sua justificação, os autores argumentam que “a fidelidade partidária, com
o conseqüente fortalecimento das agremiações, é pressuposto necessário para que
outras mudanças institucionais (voto em “lista fechada”, financiamento público de
campanhas etc) possam ser implantadas de modo adequado”. A fidelidade
partidária não é um tema isolado, mas depende do contexto de uma reforma política
mais ampla, o que só pode ser feito legitimamente pelas Casas do Congresso
Nacional. Busca-se, com a Proposta de Emenda à Constituição, evitar a implantação
de “ditaduras partidárias”.
Ainda nessa esteira, cabe mencionar o Projeto de Lei Complementar 124/07,
do mesmo Deputado Flávio Dino (PCdoB-MA), que regulamenta a perda de mandato
motivada pela troca de partido, quando caracterizada a infidelidade partidária e se
encontra em tramitação na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania.
Trata-se de uma forma de responder ao Supremo Tribunal Federal, indicando que a
decisão sobre questões políticas ainda está a cargo do legislador que não pretende

94
abrir mão dessa prerrogativa constitucional. A proposição regulamenta a
Constituição e permite a mudança partidária apenas durante um período de 30 dias,
no último ano de mandato.
Esse Projeto prevê ampla defesa aos parlamentares ameaçados com a perda
do mandato. O projeto, ao seguir a esteira da decisão do Supremo, representa a
adoção, em nosso sistema político, da tese oficial de que o mandato eletivo pertence
ao partido, e não ao candidato eleito, entendimento este rechaçado até mesmo por
alguns Ministros do Supremo, como acabamos de analisar.
O Projeto prevê um prazo de trinta dias que incidiria no período
imediatamente anterior ao término do prazo de filiação partidária, que hoje é de um
ano. O político eleito para um mandato de quatro anos teria a oportunidade de
mudar de partido, sem perder o mandato, situação esta que melhor se ajusta à
realidade política brasileira. O Projeto também inova ao prever a criação de uma
ação de justificação prévia de desfiliação partidária, que permitiria à Justiça Eleitoral
autorizar a troca de partido, quando houver justo motivo, sem que se aplicasse a
pena de perda de mandato.
Em decorrência dessa análise quanto à atuação do Congresso Nacional no
que tange á questão da fidelidade partidária, não se confirma a segunda hipótese
que diz respeito ao descrédito do Poder Legislativo como causa do ativismo judicial
nessa questão da perda de mandato por troca de partido.
A terceira hipótese é a de que o ativismo judicial permite a realização de
um maior controle pela sociedade da ética na política.
O Parlamento não fez mudanças no texto constitucional, com o objetivo de
modificar essa realidade política da troca constante de legenda, diante do que
devemos indagar se essa postura do parlamentares representa uma atitude antiética
que estaria a merecer uma intervenção mais positiva por parte do Judiciário, em face
da importância ética do problema.
A troca de partidos é vista por Marques de Lima (2009, p. 631) como uma
questão ética que vincula “os representantes do povo à pauta ideológica de seu
Partido”. Considera esse autor que a troca de legenda quebra o compromisso entre
o parlamentar e o partido que o acolhera. O debate em torno da questão ética na
mudança de partido leva-nos a examinar se esse argumento seria suficiente a

95
justificar a adoção pelo Judiciário de uma punição ao infiel, consistente na perda do
mandato parlamentar.
Robert Alexy (2008, p. 544) vislumbra uma certa amplitude na aplicação do
princípio da moralidade, expressando-se da seguinte forma acerca desse tema:

“A vigência das normas de direitos fundamentais significa que o


sistema jurídico é um sistema aberto em face da Moral. Isto é perceptível de
forma clara no caso dos conceitos materiais básicos de direitos fundamentais,
os conceitos de dignidade, de liberdade e de igualdade. Esses conceitos são,
ao mesmo tempo, conceitos fundamentais da Filosofia prática. Com eles, os
princípios mais importantes do direito racional moderno são incorporados à
Constituição e, com isso, ao direito positivo. A definição desses princípios e o
sopesamento entre eles leva ao problema da justiça.”

Se a troca de partidos representa uma conduta antiética, a questão então


estaria inserida entre os temas abrangidos por princípios constitucionais, cuja
interpretação encontra-se na esfera de atuação das Cortes e, como diz Robert Alexy
(2008), conduz a um problema de justiça, o que justificaria a intervenção do
Judiciário com a consequente tomada de decisão política.
Sobre essa questão, vale a pena transcrever o comentário feito por Ferraz
Júnior (2008, p. 173), nos seguintes termos:

“Ainda que considerássemos a migração partidária como um efeito


da falta de compromisso do parlamentar com o partido político, não
poderíamos descartar que a sua prática é estimulada pelo desenho
institucional brasileiro. A combinação de um sistema proporcional de lista
aberta com um regime presidencialista e um pacto federativo que sobre-
representa alguns Estados e sub-representa outros, aliada a uma agenda de
governo extremamente constitucionalizada (Couto, 1997), acaba
transformando a migração partidária em um instrumento do governo para a
formação de sua coalizão.”

Assim, pode-se observar do desenho institucional político brasileiro, como


mencionou Ferraz Júnior (2008), que a migração partidária não era apenas tolerada,
mas decorria inclusive de uma indução da própria realidade política brasileira, em
face dos sistema proporcional de lista aberta, do regime presidencialista e do pacto
federativo, aspectos estes que combinados entre si levaram os partidos políticos a
adotarem soluções consentâneas com a sobrevivência política de suas legendas e
de seus candidatos.
Para uma mudança de atitude, fazia-se necessária uma mudança no plano da
realidade, com a adoção de regime diverso, com modificações na legislação e na
96
própria Constituição, a fim de nortear uma nova conduta política, em que a fidelidade
partidária fosse exigida como regra e a migração partidária sancionada com a perda
do mandato. A grande discussão não é o conteúdo, mas a forma. Não se deve,
neste momento, centralizar a atenção na virtude ou no defeito da migração
partidária. Não se procede a um juízo de valor, neste estudo, acerca da troca de
partido, para defendê-la ou condená-la. Antes o que se observa é o fato de se
estabelecer nova modalidade de perda de mandato, não por meio de emenda à
Constituição, e sim por decisão judicial, ou seja, por um mecanismo construído fora
do parlamento.
Analisando o modelo americano, John Hart Ely (2001; p. 102) afirma que o
sistema americano de democracia representativa “reconhece a inaceitabilidade do
clamor de que o juízes nomeados e vitalícios são melhores refletores de valores
convencionais do que os representantes eleitos (...)”. Esse aspecto põe
questionamento a tese de que a ética é melhor controlada pelo Judiciário. Vamos
examinar se, no Brasil, o controle da ética na política seria uma explicação plausível
para o fenômeno do ativismo judicial em questões eminentemente políticas, como a
perda de mandato decorrente da troca de legenda.
Quando se fala de ética na política trabalha-se com conceitos imprecisos. O
Supremo pretende delimitar o campo de atuação da política, utilizando esses
conceitos para dizer aquilo que é ético, que satisfaz as aspirações do eleitorado. A
Constituição Federal é plena de conceitos imprecisos, como honra, ordem pública,
moral e bons costumes, incontinência pública e escandalosa, probidade
administrativa e assim por diante. A constitucionalização de questões política tem
provocado, em vários países, um avanço extraordinária da atividade judicial. Essa é
a conclusão de Ran Hirschl (2004; p. 208), segundo o qual:

“Em resumo, o impacto da constitucionalização do discurso


político no Canadá, na Nova Zelândia, Israel e África do Sul tem sido
nada menos do que revolucionário. A reforma constitucional, nestes
países, tem gerado um profundo efeito no tipo, no escopo e na
natureza da prática do controle judicial e a consequente diminuição
da legislação.”

Um aspecto importante nesse efeito provocado pela constitucionalização de


questões políticas, é a inevitável utilização de conceitos imprecisos no texto

97
constitucional. O sentido real e preciso das expressões utilizadas pelo comando da
norma não se encontra definido. Assim, a valoração subjetiva na aplicação de tais
conceitos ao caso concreto, pode sofrer diversas variações, dependendo do
intérprete ou aplicador.
Até determinada medida, traçada pelo marco constitucional, pelo
enquadramento hermenêutico do princípio da ética, o juiz pode e deve analisar até
mesmo os critérios de oportunidade e conveniência política, porém isto não lhe
autoriza a prática de atos de legislador positivo. Um exemplo bem indicativo do
alcance desse controle de moralidade política é descrito por Aubin e Lecompte
(2004, p.121) em relação ao juiz constitucional e ao juiz administrativo, como
competentes para impedir o desdobramento, por parte de governantes, de
circunscrições eleitorais, a fim de garantir benefícios eleitorais, o chamado
“gerrymandering”.
Os conceitos jurídicos indeterminados se sujeitam ao controle judicial, em
face da própria natureza da atividade interpretativa da lei exercida por esse Poder.
Todavia, a questão interpretativa do conceito indeterminado diz respeito à
judicialização da política, já que a atividade política deve conter-se nos limites
traçados pela Constituição Federal e o controle da constitucionalidade dessa
atuação política cabe ao Supremo Tribunal Federal. Quando examinamos a questão
do ativismo judicial, estamos nos referindo aos casos em que, o Tribunal, ao
interpretar os conceitos indeterminados, vai além da hermenêutica e passa a criar
direito novo.
A idéia de conceitos imprecisos está vinculada a preceitos que contêm
expressões ou palavras cujo sentido é vago, dependente de interpretação e
valoração quanto ao seu real sentido, quanto ao alcance do seu significado. Aqui
incidem expressões, como boa-fé, notável saber, reputação ilibada, boa conduta,
notória especialização, moralidade pública, bem comum, probidade o que permite ao
juiz avançar na interpretação, fixando novos sentidos à lei em função da variação
das necessidades sociais, o que produziu o avanço do ativismo judicial em nossos
tempos. O próprio conceito de interesse público é um conceito indeterminado, de
forma que uma atividade que atenda ao interesse público em determinado lugar, em
certo momento, pode vir a contrariá-lo em outro lugar ou outra época.

98
Daí a discricionariedade de que sempre dispôs o parlamentar para mudar de
partido, uma vez que tal atitude sempre foi tolerada em nosso sistema político, das
as suas características. Obviamente, assim como o juiz interpreta os termos
indeterminados na aplicação da lei, os políticos também os interpretam no que diz
respeito ao normal desenvolvimento da atividade política, que também lida, a cada
momento com o recurso da interpretação de conceitos constitucionais e legais, bem
como com a interpretação da vontade popular. Naturalmente, isto permite ao
julgador lançar mão de critérios subjetivos, que nortearão a delimitação
jurisprudencial acerca do significado deste ou daquele conceito indeterminado, com
reflexos os mais variados possíveis na conformação dos fatos sociais à lei.
Na Alemanha, encontramos campo frutífero ao desenvolvimento dessa teoria,
destacando-se diversos autores que se dedicaram a esse tema. Na abordagem feita
por Tezner, citado por Antônio Francisco de Sousa (1986, pp. 276-291), os conceitos
legais indeterminados devem submeter-se a uma interpretação de cunho
estritamente jurídico e, consequentemente, a correta aplicação de tais conceitos
indeterminados poderá ser apreciada e fiscalizada pelo Poder Judiciário. Dessa
forma, quando a lei se utiliza de conceitos como interesse público, moralidade, bem
comum e outros, há necessidade da presença do Poder Judiciário na aplicação e
interpretação de tais conceitos, com o fim de resguardar os direitos dos cidadãos
contra possíveis arbitrariedades.
Não podemos dizer que a mudança de partido pelo eleito constitui
arbitrariedade ou violação de direitos e garantias individuais. Ainda que se admita a
mudança de panorama político, que levasse a essa conclusão, a proposta de
mudança deveria partir dos interessados, os eleitores, e a alteração das regras
políticas vigentes estariam a cargo de seus representantes eleitos.
A tecnicidade de que se reveste a delimitação dos conceitos imprecisos deixa
o Supremo com uma autoridade ampliada e quase que isolada na definição do
alcance do texto da Constituição. Essa tecnicidade decorre da especialização de
que se reveste a definição e a delimitação jurídica desses conceitos impreciso, até
mesmo com a aplicação de técnicas hermenêuticas que são ferramentas próprias da
formação e da vivência do magistrado. Essa realidade acaba por gerar uma situação
de poder na conformação dos preceitos insculpidos Carta Magna ou até mesmo a

99
possibilidade de complementá-la naquilo em que for omissa ou desatualizada, frente
à nova ambientação social instalada no País, sobretudo quando diversos setores da
sociedade recorrem à Corte em busca de soluções não formatadas na instância
parlamentar.
Otto Mayer, citado por Antônio Francisco de Sousa (1986, pp. 276-291),
admite certa margem de liberdade, para agir, devendo a discricionariedade ser
exercida de acordo com a conveniência e oportunidade exigidas pelo interesse
público. Entende, todavia, este autor que a liberdade de ação deve ser pautada
pelos fins, servindo os direitos individuais, como margeadores desses limites de
atuação do Poder público.
Mais uma vez são os fins e os direitos individuais que servem de balizamento
para a interpretação judicial, não podendo o juiz fugir desses limites a todos
impostos. Porém, como a ele compete definir o sentido desses conceitos, surge uma
forma de discricionariedade extensa e quase insindicável de atribuir conteúdo a
esses termos que resultem em sua total inversão. Por meio dessa interpretação, o
juiz pode mudar o sentido da lei para dizer o contrário daquilo que está escrito e do
que o legislador idealizou.
A possibilidade de que o Judiciário analise conveniência e oportunidade
permite o questionamento da condução política dos negócios públicos e abre um
flanco para o avanço da atividade judicial sobre o processo legislativo, mais uma vez
em nome do tecnicismo formulado e apresentado como alternativa para uma
adequação da produção legislativa aos fatos sociais concretos. A solução para esse
problema idealizada por Jellinek, citado por Antônio Francisco de Sousa (1986, pp.
276-291), parte da oposição entre liberdade discricionária e vinculação. Apenas a
vontade da lei poderá definir entre o conceito legal indeterminado discricionário e
aquele de natureza jurídica, e, portanto, o controle judicial será a última e decisiva
instância na interpretação da melhor vontade da lei.
Na Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 3.999-7, de 2007, julgada pelo
STF em 2008, o Relator, Ministro Joaquim Barbosa, considerou que “o debate
legislativo é o ambiente adequado para resolver essas e outras questões, que são
eminentemente políticas. Somente em situações extremas e sempre quanto
autorizado expressamente pela Constituição é que o Judiciário pode se manifestar

100
sobre os critérios que orientam a manutenção ou a perda do cargo por infidelidade
partidária”. (fl. 115) Se o ambiente adequado para decidir essas questões políticas,
na qual se inclui a perda de mandato por troca de partido, está claro que a decisão
do Tribunal não foi meramente interpretativa, mas criadora de direito novo. Isto
constitui ativismo judicial.
No sistema francês essa questão estaria bem contornada pelo ar. 5º do
Código Civil francês, segundo o qual é interdito ao juiz pronunciar-se por via de
disposição geral e regulamentar sobre as questões que lhe são submetidas. Quanto
a este ponto, afirma Guy Canivet (2006; pp. 7-32) que os juízes estão persuadidos
de que, assim como a lua brilha com uma luz emprestada do sol, a jurisprudência só
brilha por causa da autoridade que a lei lhe empresta. É bem a definição de Jellinek,
citado por Antônio Francisco de Sousa (1986; pp. 276-291), uma vez que a lei no
caso é o vetor para a própria interpretação que a Corte Suprema lhe dará, uma vez
que tal decisão dos juízes não pode ter luz autônoma, ou seja, não pode decorrer de
uma nova formulação legislativa produzida no espaço judicial.
Sem a participação do astro próprio a produzir a luz legislativa, não pode o
magistrado brilhar por meio de uma luz particular. A Constituição é delimitada, não
produzida no seio da magistratura, sob pena de se esvaziar as atribuições do Poder
Legislativo e de se sobrecarregar o Poder Judiciário com novas atribuições que não
são afeitas a sua natureza. Jellinek, citado por Antônio Francisco de Sousa (1986;
pp. 276-291), destaca o primado da norma legal e o interesse público. A norma legal
não prevê perda de mandato por infidelidade partidária. O interesse público, neste
tema, pode melhor ser delineado por meio das urnas, com a direta manifestação do
eleitor interessado. Assim o Supremo ao analisar o alcance do interesse público,
gerou também um conteúdo político, para além da atividade meramente
interpretativa.
Segundo Laun, citado por Antônio Francisco de Sousa (1986; pp. 276-291),
ocorrendo a hipótese de conceitos legais indeterminados, o intérprete terá a missão
de buscar a única solução adequada, não cabendo, neste caso, falar-se em
discricionariedade, pois, a seu ver, trata-se de apreciação vinculada. Mesmo quando
a lei determina apenas o fim, sem se reportar a motivo e objeto, não é apropriado
falar em discricionariedade, uma vez que, na persecução do fim instituído, deverá

101
ser aplicada a solução mais adequada, a única capaz de atingir tal objetivo
pretendido pelo legislador.
Poderíamos indagar se o Supremo estaria buscando essa única vontade que
deveria prevalecer quanto ao exercício do mandato pelo eleito no seu partido de
origem. Todavia, o citado autor vai buscar essa vontade única no legislador, e não no
intérprete. Daí decorre que só o Poder Legislativo poderia estabelecer a vontade do
eleitor no sentido da perda de mandato do infiel, como decorrência da vontade dos
representados politicamente, seguindo o raciocínio de Laun.
Bernatzik, citado por Antônio Francisco de Sousa (1986; pp. 276-291),
considera a existência do poder discricionário nos conceitos legais indeterminados,
em face da subjetividade presente quando de sua aplicação. A escolha feita estaria
isenta da apreciação do Poder Judiciário, desde que não se afastasse dos fins
sociais visados pelo legislador. Se o legislador não criou a obrigação de fidelidade
partidária e não previu punição para tal prática, então a decisão é política e livre, não
podendo o Judiciário dizer ao candidato eleito em que partido deve permanecer.
Somente a atividade do legislador poderia mudar esse panorama político, por meio
de uma reforma política, a fim de estabelecer conseqüências para a troca de partido.
Qual é a única solução justa no que tange à fidelidade partidária? É a solução
permitida pela Constituição que, ao não limitar a atuação do eleito, deixou em aberto
a possibilidade de troca de partido, sem a conseqüência da perda do mandato. A
solução justa não pode ser aquela que se afaste da vontade popular soberana
exercida diretamente ou por meio dos representantes eleitos. Na ausência dessa
vontade manifestada, a soberania da vontade popular manifestada nas urnas não
pode ser cassada por meio de regras de conduta criadas no bojo de um processo
hermenêutico. A única solução justa deve atentar para o interesse público, no caso,
a vontade do eleitor decorrente do voto. O voto não pode ser cassado por um
processo interpretativo.
Não só em relação ao motivo, mas também quanto à finalidade, poderá
ocorrer a discricionariedade na aplicação de conceitos legais indeterminados. Dessa
forma, se a finalidade estiver expressa mediante conceitos práticos, caberá uma
margem de discricionariedade na solução do problema. Como se vê, haverá sempre,
na aplicação de conceitos indeterminados, a possibilidade de certa margem de

102
discricionariedade, diante do que a interpretação não será, por si só, a via definitiva
na solução do esconder seus reais motivos, subtraindo-se à ação do Poder
Judiciário. Exemplo importante neste sentido diz respeito à moralidade e à ética na
política, como finalidade da lei.
Na verdade, a moralidade e a eficiência quando dizem respeito ao
cumprimento de direitos fundamentais passam a ser sindicáveis pelo Poder
Judiciário, sem qualquer violação do princípio da separação e independência dos
Poderes. A expansão do Poder Judiciário, neste caso, é legítima e tem por
fundamento a própria Constituição. É a própria democracia que se encontra em jogo,
não sendo viável a circunscrição do tem à esfera de deliberação política.
Assim a conveniência e a oportunidade se transmudam em vinculação, donde
se infere que a tendência atual é a supressão da discricionariedade como concebida
na doutrina clássica. Pode-se dizer que uma parte do mérito da atividade política -
aquela em que a conveniência e oportunidade se subjugam a princípios
constitucionais fundamentais, como a moralidade – possuem estreita ligação com a
atividade hermenêutica desenvolvida e analisada no âmbito das Cortes.
Trata-se de uma nova etapa na relação entre Estado e cidadãos. Desaparece
a soberania do governante e, em seu lugar, se estabelece a soberania popular, com
efetivo respeito aos princípios constitucionais, como os da moralidade e da ética na
política. O Estado Democrático de Direito pressupõe a garantia do cidadão diante do
poder estatal, em face das normas jurídicas. A soberania popular ganha realce e não
se pode conceber qualquer ato emanado da autoridade pública que seja
desconforme a essa vontade.
Impossível conceber-se em que um ato estatal imoral, a despeito de legal,
venha ao encontro dos anseios populares, atendendo ao interesse público.
Obviamente, deve repudiar ao interesse público o ato político imoral. Todavia,
circunstâncias distintas são o controle exercido sobre a atividade política e o
exercício do critério de conveniência e oportunidade. Neste sentido, a preocupação
de Mauro Cappelletti (1993; pp. 33), que assim se manifesta sobre esse tema:

"Escolha significa discricionariedade, embora não


necessariamente arbitrariedade; significa valoração e
balanceamento, significa ter presentes os resultados práticos e as
implicações morais da própria escolha; significa que devem ser
empregado não apenas os argumentos da lógica abstrata, ou talvez
103
os decorrentes da análise lingüística puramente formal, mas
também, e sobretudo, aqueles da História e da Economia, da
Política e da Ética, da Sociologia e da Psicologia".

A conclusão a que chega esse autor é a de que o princípio da moralidade


permite ao juiz analisar a conveniência e a oportunidade da atividade política, mas
não exercer o critério de conveniência e oportunidade legislativa. Assim, enquanto
hermeneuta, o juiz aplica o princípio constitucional às situações concretas que lhe
são submetidas; porém essa função não implica e criação de direito novo, enquanto
limitada à atividade interpretativa.
Nesse sentido, pode-se falar em uma reserva interpretativa, como explica
Michel de Guillenchmidt (2008), nos moldes do que ocorre no sistema francês. Por
meio desse recurso, o Conselho Constitucional tem recorrido a fórmulas conhecidas
como reserva de interpretação, que consistem em interpretar a lei impondo certos
limites que, se forem ultrapassados, impregnarão o texto legal de
inconstitucionalidade e o tornarão inaplicável. Desse modo, o Conselho
Constitucional, aos poucos, tem criado um corpo jurídico, formado de regras de
procedimento e de métodos de apreciação, bem como de noções de fundo, cuja
definição lhe parece necessária a respeito da evolução da sociedade.
Essa interpretação de conceitos jurídicos fluidos por si só, entretanto, não são
suficientes a conduzir à criação de hipótese de perda de mandato pelo princípio da
moralidade, daí por que a vontade do magistrado é necessária para que esse
trabalho hermenêutico tenha o alcance de criação de direito novo. Nenhuma
interpretação, por mais extensa que, leva à imposição de pena não prevista na
Constituição. Tendo havido a criação de direito novo, constitucional por meio de
decisão judicial, conclui-se assim que o ativismo judicial, na questão da perda de
mandato como resultado da troca de partido, não pode ser explicado apenas pelo
processo de delimitação do conceito jurídico impreciso relativo à ética na atividade
legislativa e política. Assim, não se confirma a terceira hipótese neste caso
específico.
Finalmente, a quarta hipótese é a de que o voluntarismo dos membros
da Corte em decidir questões de cunho eminentemente político está na origem
do ativismo judicial.
O voluntarismo indica que há uma intenção, uma predisposição, por parte dos

104
membros da Corte de analisar e decidir questões de ordem política. Entretanto, ao
decidir, o juiz utiliza-se sempre de argumentos jurídicos para fundamentar sua
decisão. Para verificarmos a presença desse voluntarismo, devemos analisar o
modelo jurídico, as normas constitucionais em vigor e a argumentação adotada nas
decisões proferidas.
Exemplo de manifestação quanto a esse tema é do Ministro Marco Aurélio
(2007) que considera a decisão do Tribunal Superior Eleitoral sobre a questão da
fidelidade partidária como tendo sido “a decisão mais importante, em termos de
purificação, dos últimos tempos”. Entendeu tratar-se de “um avanço considerável em
termos de cidadania e de fortalecimento dos partidos políticos”.
Essa realidade é importante, pois a frequente troca de ministros na Corte
propicia um ambiente favorável a mudanças de orientação, de rompimento com o
modelo tradicionalmente adotado. As experiências trazidas pelos membros do
tribunal podem influenciar o entendimento adotado quanto às questões políticas.
Esse aspecto é destacado por Marques de Lima, quando afirma que:

“Até a origem dos Ministros do STF, como de resto de


qualquer intérprete, repercute na forma como aplicam a
Constituição e concebem os fenômenos jurídicos, sociais,
econômicos etc.”

Um fato a ser observado é que a mudança na orientação da Corte Suprema


ocorre em um período de frequentes mudanças na composição do Tribunal.
Somente durante o governo Lula, oito ministros novos já foram nomeados para o
Supremo. As nomeações de Ministros para o Supremo pelos presidentes civis, após
O fim da ditadura militar encontram-se assim distribuídas:
TABELA 9
Número de ministros do STF nomeados 5 últimos Presidentes
Nome do Presidente Número de ministros nomeados
José Sarney 5 ministros
Fernando Collor 4 ministros
Itamar Franco 1 ministro
Fernando Henrique Cardoso 3 ministros
Luiz Inácio Lula da Silva 8 ministros

105
A nova composição da Corte, decorrente de uma grande renovação de seus
membros, em um curto período de tempo, permitiu a renovação do paradigmas
adotados em suas decisões. Adotou-se na Corte o entendimento de que o Supremo
também é representante do povo, em decorrência não do voto, mas da
argumentatividade. Essas circunstâncias apontam par a existência de uma
predisposição para o exercício de um papel político por parte da Corte. Até onde
pode ir essa atuação referente a decisões sobre questões políticas depende muito
da autocontenção.
Sobre esse aspecto, o Conselho Constitucional francês, na decisão nº 2001-
444 DC, de 9 de maio de 2001 (Jornal Oficial de 16 de maio de 2001, p. 7.806), a
respeito de lei modificativa do calendário eleitoral de 2002, firmou posição no sentido
de se recusar a controlar as razões que levaram à inversão do calendário eleitoral,
afirmando que esse tipo de escolha é intrinsecamente política e não diz respeito ao
princípio segundo o qual os cidadãos devem exercer seu direito de sufrágio com
periodicidade razoável, segundo explicam Aubin & Lecomte (2004).
A Corte Constitucional francesa praticou uma autolimitação à sua atuação
enquanto guardião da Constituição, decidindo pela impossibilidade de se imiscuir em
questões intrinsecamente políticas, ainda que, no caso citado, dispusesse de um
princípio de direito que lhe permitia pronunciar-se sobre o mérito político da questão,
ou seja, a correção constitucional da mudança do calendário eleitoral, em face do
direito do eleitor ao sufrágio periódico, com intervalo razoável.
Prevalece, naquela Corte, o entendimento de que o Conselho Constitucional
não dispõe dos mesmos poderes gerais de apreciação e de decisão idênticos aos
do Parlamento. Nos Estados Unidos, a doutrina do “judicial self-restraint” evita que
os juizes façam prevalecer suas opiniões pessoais contrárias aos precedentes ou às
leis, como assinala Laurent Pech (2001; p. 85). A nova composição da Corte é um
elemento que fortalece a predisposição da Corte em analisar questões políticas,
permitindo uma mudança de orientação jurisprudencial.
Este aspecto foi suscitado em artigo publicado na Revista Veja, Edição 2.075,
de 27 de agosto de 2008, sob o título “A calma é só aparente”. Esse artigo chama
atenção para o fato de que, “até recentemente, o STF era uma corte dominada por
juristas conservadores, indicados para o cargo antes da redemocratização”,

106
enquanto o atual Supremo, percebendo novas possibilidades de atuação, em face
da Constituição de 88, passou agir nos espaços vazios, deixados pelo legislador.
Aspecto significativo na demonstração dessa predisposição da Corte em
decidir matéria política é a adoção da tese de Robert Alexy (2007), entendendo que
os parlamentares representam a população pelo voto, enquanto a Corte Suprema o
faz como decorrência da representação argumentativa da sociedade, seguindo. Na
linha dessa tese, os tribunais corrigem distorções do Legislativo. A tese da
argumentatividade de Robert Alexy (2007) se baseia na participação de entidades,
associações, advogados públicos e privados. A Corte estaria assim integrada à
sociedade e poderia atender às aspirações do povo, utilizando-se do procedimento
hermenêutico para garantir a obediência aos direitos fundamentais instituídos pela
Constituição Federal.
Neste aspecto, convém analisarmos os três níveis de argumentação
explicados por Robert Alexy (2008), que justificariam a atuação do Judiciário para
garantir o cumprimento, por parte do legislador, de um dever constitucional. O
primeiro nível de argumentação de Robert Alexy (2008, p. 546) é a “argumentação
material” verifica-se quando a Corte Constitucional “faz com que a prerrogativa do
legislador para fazer estimativas e, com isso, a competência de controle do tribunal
dependam, dentre outros, da importância dos bens jurídicos em jogo”.
Para que se constatasse a validade deste argumento à questão da troca de
partido, seria necessário estabelecer o princípio constitucional violado. Nas decisões
proferidas tanto pelo Tribunal Superior Eleitoral como pelo Supremo Tribunal
Federal, não encontramos o princípio constitucional que justifique a imposição da
perda de mandato, por infidelidade partidária. O texto constitucional não contém
qualquer regra nesse sentido e as decisões anteriores do próprio Supremo Tribunal
Federal deixam claro que a Constituição não autoriza a imposição da perda de
mandato. Como o texto constitucional não mudou desde então, com relação a esse
aspecto, não há princípio constitucional violado pela troca de partido, diante do que
não se pode aplicar a argumentação material ao caso, decorrendo daí o
voluntarismo do Tribunal neste caso específico.
Vejamos o segundo nível de argumentação de Robert Alexy (2008, pp. 546-
547), que é a argumentação funcional. Esta ocorre, segundo o autor

107
“quando são aduzidas razões para a atribuição de
competências decisórias que se baseiem em características, reais
ou supostas, dos tomadores de decisão, como, por exemplo, em
uma legitimação democrática mais intensa por parte do legislador
parlamentar, em sua maior capacidade de avaliar situações fáticas
complexas, em uma maior facilidade em corrigir suas decisões e em
uma maior aceitação dessas mesmas decisões; ou, de outro lado,
em um maior grau de imparcialidade do tribunal constitucional, em
sua capacidade para decidir questões jurídicas em sua menor
sujeição a pressões momentâneas.”

Um fator importante que pode ser inserido neste contexto da


argumentação funcional é a idéia de que o Tribunal detém a última palavra em
matéria constitucional e que, por isso, haveria maior credibilidade quanto a suas
decisões. Keith Whittington (2007; p. 7), afirma que “a supremacia judicial assevera
que a Constituição é aquilo que os juízes dizem que ela é, não porque a
Constituição não tenha um sentido objetivo ou porque as cortes não poderiam errar,
mas porque não há outra autoridade interpretativa além da Corte”. Cita, ainda, o juiz
Robert Jackson, o qual teria dito que “nós não somos finais porque somos infalíveis,
mas somos infalíveis, porque somos finais”.
Ao analisarmos essa afirmativa e Keith Whittington (2007), devemos ressaltar,
todavia, que a última palavra do Supremo diz respeito à interpretação da norma
constitucional. Esse é o papel do intérprete, que não se confunde com a produção
da norma, com a elaboração do texto constitucional e sua atualização. A norma hoje
interpretada pelo Supremo, em última instância, pode amanhã ser modificada pela
via da emenda constitucional, deixando para trás o que deliberado judicialmente.
Assim, não se pode afirmar categoricamente que o Supremo tenha a última
palavra em matéria de Constituição. Até mesmo a lei declarada inconstitucional pode
ser refeita pelo legislador nos mesmos moldes, o que levaria a nova declaração de
inconstitucionalidade, o que demonstra que a última palavra, na verdade, não foi a
última, havendo necessidade de novo pronunciamento. Essa decisão formulada no
âmbito do Judiciário não pode ser vista como atividade de interpretação, mas sim lei
nova criada por decisão judicial, acrescentando-se ao art. 55 da Constituição um
novo motivo de perda do mandato.
Resta-nos avaliar o terceiro nível de argumentação, que é a argumentação
metodológica, que segundo Robert Alexy (2008, p. 547), ocorre

108
“quando são utilizados argumentos favoráveis ou contrários à
possibilidade de fundamentação racional de decisões no âmbito dos
direitos fundamentais. As teses a esse respeito vão desde um
profundo ceticismo metodológico, segundo o qual questões
duvidosas só podem ser resolvidas a partir de uma decisão por meio
de uma eliminação autoritária da dúvida, até um abrangente
racionalismo metodológico, segundo o qual há sempre uma única
resposta correta para cada questão jurídica.”

Não se trata, na hipótese em exame, de direito fundamental sobre o qual


exista algum tipo de dúvida quanto a sua solução. Como deixam claro as decisões
proferidas pelos Ministros Moreira Alves e Gilmar Mendes, não há previsão
constitucional para a perda de mandato do parlamentar que mude de legenda,
embora a Corte reconheça que o mandato pertence ao partido, e não ao candidato.
Poderíamos até mesmo argumentar que o direito fundamental que está em jogo é o
do parlamentar ao mandato e o do eleitor de decidir nas urnas se quer ou não a
permanências desses candidatos no Congresso Nacional. A tese da argumentação
só consegue explicar o fenômeno do ativismo, nesta questão da perda de mandato
por troca de partido, quando acrescentamos o elemento voluntarismo associado a
esse princípio hermenêutico adotado pelo Supremo.
Esta decisão é considerada por Gilmar Mendes (2007) como legítima e
benéfica ao cidadão eleitor. Entende o Ministro que o julgamento pela perda do
mandato parlamentar, como decorrência da troca de partido foi um momento
histórico. A seu ver, a presença dos partidos políticos num regime democrático altera
a própria concepção a respeito da democracia. Na sua visão, sendo o regime de
democracia partidária, os candidatos não só recebem os mandatos dos eleitores,
mas, também, dos partidos políticos, o que faz com que a representação seja, ao
mesmo tempo, popular e partidária e o partido o detentor do mandato.
O novo entendimento se firma no fato de que a exigência de filiação partidária
como condição de elegibilidade e a participação do voto de legenda na eleição do
candidato implica perda do mandato do parlamentar que troca de partido. Este é o
único caso de perda de mandato decorrente diretamente de decisão do Supremo
Tribunal Federal. Esta situação traz à luz o voluntarismo da Corte alicerçado na
teoria da argumentação. Robert Alexy (2008, p. 551) reconhece limitações a essa
atuação da Corte Constitucional, ao afirmar que:

“O fato de as questões valorativas deixadas em aberto pelo


109
material normativo existente serem, no processo judicial, objeto não
apenas da argumentação, mas também da decisão, não implica uma
renúncia à racionalidade. Em primeiro lugar, porque essas questões
valorativas são decididas a partir de vinculações que, enquanto tais,
e, como demonstra o modelo, são racionais; em segundo lugar,
porque essas questões valorativas podem ser decididas com base
em uma argumentação prática racional, o que confere à decisão um
caráter racional, mesmo que mais de uma decisão seja possível nos
termos das regras da argumentação prática racional.”

A perda de mandato é estabelecida constitucionalmente, por meio de número


fechado. Desse modo, seguindo a “argumentação prática racional” de Robert Alexy
(2008), qualquer decisão em estabelecer penalidade pela troca de legenda deveria
passar pelo crivo da discussão parlamentar, envolvendo a sociedade civil, e ser
objeto de regulamentação no texto constitucional, seguindo o modelo de
representação política adotado no sistema brasileiro. Como bem lembram Thamy
Pogrebinschi e João Feres (2010, p. 139):

“A ausência do representado é uma presença que ganha


forma no representante e se manifesta através dele. Há, portanto,
um elemento normativo contido na própria gênese do conceito de
representação que não pode ser afastado de qualquer definição que
se confira a ele.”

Gilles Toulemonde (2006) argumenta que as liberdades fundamentais, até


certo ponto, justificam uma participação mais direta, mais incisiva por parte do juiz, a
fim de garantir que os direitos traçados por uma norma constitucional não venham a
cair no vazio. É aceito que as liberdades fundamentais designam liberdades
reconhecidas e garantidas dos cidadãos por uma norma supralegislativa, daí a
necessidade de interferência por parte do Judiciário, toda vez que a norma
supralegislativa estiver em risco de ser desrespeitada ou quando sua violação já
tiver sido perpetrada.
Isto todavia é feito em face da pré-existência da norma supralegal produzida
pelo legislador, não havendo em nosso sistema político autorização para que o juiz
crie a norma supralegislativa que ele próprio aplicará. Predomina o entendimento de
que o Parlamento é o lugar por excelência de produção das leis ou, no dizer de
Gilles Toulemonde (2006; p. 124), “é o lugar de passagem obrigatória da mudança
das leis”. Nesse sentido, Eros Grau (2008) entende que, no Brasil, o poder de
expedir normas primárias pertence ao Poder Legislativo, e não ao Judiciário, diante

110
do que, no seu entender o Tribunal Superior Eleitoral não pode criar normas
prevendo a perda de mandato por parlamentar que trocar de partido. Afirma Eros
Grau (2008) que:

“O Estado-legislador é detentor de duas caracterizadas


vontades normativa: uma é primária, outra é derivada. A vontade
primária é assim designada por se seguir imediatamente à vontade
da própria Constituição, sem outra base de validade que não seja a
Constituição mesma. Por isso que imediatamente inovadora do
Ordenamento Jurídico {sic}, sabido que a Constituição não é diploma
normativo destinado a tal inovação, mas à própria fundação desse
Ordenamento {sic}. Já a segunda tipologia de vontade estatal-
normativa, vontade tão-somente secundária, ela é assim chamada
pelo fato de buscar o seu fundamento de validade em norma
intercalar; ou seja, vontade que adota como esteio de validade um
diploma jurídico já editado, este sim, com base na Constituição.
Logo, vontade que não tem aquela força de inovar o Ordenamento
{sic} com imediatidade” (ADI 2.999, p.130).

Essa afirmação aponta para a ausência, em nosso ordenamento


constitucional, de norma autorizativa para que o juiz estabeleça a pena de perda de
mandato para o parlamentar infiel que trocar de partido. Tratando-se de vontade
primária, só ao legislador é atribuída a função de criar norma que estabeleça os
casos de perda de mandato. Não havendo essa hipótese prevista no texto
constitucional, a decisão judicial de estabelecer esse caso de perda de mandato
resulta de ativismo judicial, ficando em evidência a vontade do julgador em adotar
essa solução por meio de processo hermenêutico.
Essa linha de raciocínio encontra apoio no entendimento do Ministro Celso de
Mello (1989; p. 149), o qual afirmou que;

“A vinculação partidária do mandatário político é tão intensa


– e condicionante -, que a própria ordem jurídica, uma vez mais,
constitucionalizou o dever de fidelidade partidária 9CF/88, art. 17, §
1º), o que não significa porém tenha sido reintroduzida em nosso
Direito positivo a decretabilidade da perda do mandato por ato
caracterizador de infidelidade partidária” (Mandado de Segurança nº
20.927).

Reconhece o Ministro Celso de Mello que, embora da Constituição e da


legislação infraconstitucional resulte que o partido é o titular do mandato
parlamentar, não existe previsão no texto constitucional para que se imponha a
perda de mandato como sanção pela infidelidade partidária. Mais adiante, no seu
voto, Celso de Mello chama a atenção para o fato de que “a Constituição protege o
111
mandato parlamentar” (p. 149) e que os casos de perda de mandato são
taxativamente previstos na Constituição, o que preserva “a própria integridade
jurídica do mandato legislativo (p. 150).
Explica Mello que a perda de mandato prevista na Constituição de 69 foi
abolida com a Emenda Constitucional nº 25 de 1985 e não foi renovada na
Constituição de 88, de modo a não poder ser adotada, por falta de previsão
constitucional. O voto do Ministro Celso de Mello deixa claro que não há
fundamentação constitucional para decretar a perda de mandato legislativo àquele
parlamentar infiel que troca de partido.
A opinião do Deputado Maurício Rands (2008) é diametralmente oposta
àquela esposada pelo Tribunal Superior Eleitoral e pelo Supremo Tribunal Federal.
Maurício Rands (2008) defende a exclusividade da arena política para esse tipo de
deliberação e questiona a legitimidade dessa forma de ativismo judicial. Segundo
ele, o problema surge quando o juiz extrapola seus poderes e passa a formular
políticas públicas, às vezes impondo suas preferências pessoais. Esta é a hipótese
de ativismo judicial da qual estamos tratando, em que o juiz vai além do
procedimento hermenêutico, para criar direito novo.
Maurício Rands (2008) chama a atenção para as soluções simplistas que
surgem quando a justiça é lenta, ocorrendo a tentação de fazê-la com as próprias
mãos. Da mesma forma, quando a reforma política fica paralisada no Congresso
Nacional, recorre-se ao Poder Judiciário para que este estabeleça a fidelidade
partidária, reduza o número de vereadores ou cancele a cláusula de barreira.
Quando se discorda de certa obra pública, pede-se ao Ministério Público que a
questione judicialmente. Argumenta Maurício Rands (2008) com os casos em que
um partido perde uma votação no plenário da Câmara ou do Senado ou discorda de
um ato do Executivo, ingressando com ação direta de inconstitucionalidade, como se
o Judiciário fosse uma espécie de plenário legislativo de segundo grau, citando as
estatísticas segundo as quais de 2003 até a data de publicação do artigo, em 2008,
foram ajuizadas 36 ADIs pelo DEM e 12 pelo PSDB, num total de 50. “
No entendimento do Parlamentar, isso pode significar a alienação da
soberania popular, expressa através dos mandatários eleitos pelo sufrágio universal,
transferindo-a a um corpo técnico não eleito. A opinião de Lebel-Grenier (1999)

112
também não é diferente, quando destaca que, no modelo político canadense, os
juízes sempre foram conscientes do prejuízo que poderia advir de uma subversão do
papel de legislador, com a imposição de novas regras por meio de decisão judicial,
sendo que esta autocontenção começa a desaparecer. Cita Lebel-Grenier (1999) o
caso Vriend, em que a Corte suprema, em vez de simplesmente declarar a
invalidade de constitucional da proteção contra a discriminação contida no Invidual’s
Right Protection Act, a Corte decretou uma modificação judiciária da disposição
legal, a fim de torná-la compatível com a regra constitucional.
Garibaldi Alves (2008), ex-Presidente do Senado Federal, tem a opinião de
que o Judiciário não se limita a interpretar a lei, mas também tem procura fazer leis.
Segundo ele, essa competência e do Legislativo, e não do Judiciário. É bem
evidente a diversidade de opinião que tem-se estabelecido entre legisladores e
juízes quanto ao papel que o Supremo vem desempenhando na elaboração de leis,
diante de determinadas questões políticas.
Toda essa discussão traz a lume o voluntarismo do juiz em criar novos direitos
a partir de um processo hermenêutico, em que o uso da linguagem manifesta a
mente do julgador. Acerca dessa mente revelada no processo da linguagem, Thamy
Pogrebinschi e João Feres (2010, p. 201) nos explicam que:

“O processo humano que possibilita que um indivíduo


aponte significados para outros e para si mesmo, ou seja, aquilo que
possibilita que os indivíduos exerçam um controle sobre os
significados, Mead chama de mente (mind). A mente, portanto,
emerge da linguagem.”

Na análise de Bernard Chevallier (1996), os problemas políticos passaram a


ser filtrados por meio do prisma do direito e codificados em termos jurídicos, o que
faz com que a jurisprudência constitucional ocupe um lugar crucial nos debates
políticos. O direito predomina na discussão das questões políticas, tornando-se fonte
permanente das soluções adotadas na arena política, fazendo com que a política
seja, cada vez mais, apropriada pelo direito e pelo discurso jurídico. Assim, fica mais
fácil compreender essa nova tendência do Supremo Tribunal Federal em se
apropriar de temas políticos como questões atinentes ao seu domínio de atuação.
Todavia, o próprio Bernard Chevallier (1996; p. 175) reconhece que:

“Esta jurisprudência não significa que a política seja a partir


113
de agora tomada inteiramente pela empresa do direito: mesmo se os
atores políticos sacrificarem aos imperativos da justificação jurídica,
isto não quer dizer que suas ações sejam comandadas pelos
pressupostos da racionalidade jurídica.”

Um aspecto importante na análise do voluntarismo é a construção de


soluções consideradas politicamente necessárias por meio do processo
interpretativo. Na Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 3.999/2008, pp. 135-136, o
Ministro Ayres Brito, em defesa da perda de mandato, defende a tese da democracia
partidária como autorizativa da perda de mandato parlamentar. O voto faz alusão ao
vínculo entre eleição popular e democracia, para, em seguida, aludir à democracia
representativa, concluindo que a Justiça Eleitoral brasileira não pode deixar de ter o
poder regulamentar. O voto não faz alusão a qualquer previsão constitucional
autorizativa da perda de mandato, deixando em evidência a vontade do juiz em criar
nova hipótese de perda de mandato. A Ministra Carmen Lúcia, nessa mesma Ação
Direta de Inconstitucionalidade nº 3.999 (p.124), argumenta, para justificar a perda
de mandato, com o princípio da efetividade jurídica, entendendo a perda de mandato
se impõe como garantia do cumprimento da Constituição.
Thamy Pogrebinschi (2000), a esse respeito, analisa a questão do
pragmatismo jurídico, em que o juiz não se restringe a interpretar, mas também
deseja criar lei nova, para adequar a lei às exigências sociais, considerando a autora
esta hipótese como o caso mais puro de ativismo judicial. Explica Thamy
Pogrebinschi (2000) que esse pragmatismo é a revivescência do Realismo Jurídico,
do início do século XX, nos Estados-Unidos, também chamado de Jurisprudência
Sociológica. Explicitando essa atuação do juiz, a autora citada argumenta que “os
juízes pragmatistas fazem o Direito, e não o ‘encontram’. Eles são verdadeiros
criadores do Direito, e não meros reprodutores. Pensar o Direito de forma
pragmatista implica mesmo em desconsiderar a idéia de interpretação judicial. O juiz
pragmatista não interpreta, ele considera conseqüências de decisões alternativas.”
(p. 06)
Em relação a este aspecto Guy Canivet (2006) observa que o poder dos
juízes de criar direito é muito maior, quando se trata de aplicar a Constituição. A
respeito dessa possibilidade de decisão política pelos juízes, Barroso (2010; p. 16)
defende a abstenção do Judiciário, quando não se trate de direitos fundamentais ou

114
de procedimentos democráticos, expondo a seguinte idéia:

“Nas demais situações – isto é, quando não estejam em


jogo os direitos fundamentais ou os procedimento democráticos -,
juízes e tribunais devem acatar as escolhas legítimas feitas pelo
legislador, assim como ser deferentes com o exercício razoável de
discricionariedade pelo administrador, abstendo-se de sobrepor-lhes
sua própria valoração política.”

Um ponto essencial nessa definição do voluntarismo como causa do ativismo


judicial por parte do Supremo tem a ver com os conceitos imprecisos, bem
lembrados por Guy Canivet (2006), utilizados pelo sistema normativo, inclusive a
Constituição. Esse caráter impreciso do texto constitucional foi percebido por
Laurent Pech (2001; p. 81) como indutor do ativismo judicial, no sistema político
francês, quando afirma o autor citado que:

“em razão do caráter vago e fluido do texto


constitucional, a descoberta pelo juiz constitucional de
direitos e liberdades fundamentais que não são explícitos
na Constituição levaria à descoberta de valores, o que
não é uma missão legítima para o juiz”.

Reconhece Laurent Pech (2001) que há um poder de interpretação


discricionária do juiz constitucional, em face do conceitos fluidos dos textos
constitucionais. Há uma certa obscuridade estrutural da Constituição que cede lugar
a um extenso poder de seu intérprete (págs. 78/79).
Esse aspecto é também confirmado por Bastien François (1999; p. 105), ao
afirmar que “o Conselho Constitucional se coloca no centro do processo legislativo e
sua intervenção toma, inevitavelmente, um caráter político”. Essa politização do
controle de constitucionalidade leva, segundo Bastien François (1999; p. 106), a um
processo circular, em que a procura pelo pronunciamento do Conselho
Constitucional permite que ele intervenha no campo do direito e das liberdades,
gerando novas oportunidade de intervenção, por ele próprio, no domínio político.
Luís Roberto Barroso (2010; p. 24) também debruçou-se sobre esse tema,
avaliando a influência da linguagem aberta dos textos jurídicos sobre o ativismo
judicial, no Brasil. Assim, explicita esse autor a questão dos conceitos
indeterminados na Constituição:

“Mas a Constituição se utiliza, igualmente, de inúmeras


115
cláusulas abertas que incluem conceitos jurídicos indeterminados e
princípios (...) Na interpretação de normas cuja linguagem é aberta e
elástica, o direito perde muito da sua objetividade e abre espaço
para valorações do intérprete.”

È bem verdade que o Supremo Tribunal Federal dispõe de uma missão


institucional quanto à delimitação do sentido da Constituição e da lei, o que lhe dá o
poder de determinar o verdadeiro alcance da norma na sua aplicação ao caso
concreto ou, ainda, no controle abstrato de normas, perquirir o sentido da lei que se
adequa à Constituição. Trata-se de uma legitimidade reconhecida no Estado
Democrático de Direito, o que Guy Canivet (2006, pp. 7-32) chama de legitimidade
do respeito e da confiança que suscitam sua independência, sua coragem, a
seriedade e a dignidade de sua atitude.
Essa mudança de postura do Supremo Tribunal Federal quanto à perda de
mandato, provocou reações no Congresso Nacional. Uma das idéias sugeridas pelo
Deputado Flávio Dino, do PC do B do Maranhão foi no sentido de que os ministros
do STF passem a ser eleitos para um mandato com prazo de 11 anos. A sugestão
decorre da necessidade de representatividade popular, uma vez que, para fazer leis,
é necessário ser titular de um mandato político obtido nas urnas. Assim, é possível
que o Poder Legislativo mude as regras constitucionais acerca da composição do
Supremo, da forma de acesso aos cargos, da duração do exercício do cargo de
ministro, entre outros aspectos.
Esse embate de forças poderá levar a mudanças na configuração dos
poderes, com a conseqüente modificação dos princípios da separação de poderes e
da democracia. Talvez estejamos caminhando para uma nova forma de democracia
ou para um novo modelo de governo, em que os Poderes se reorganizam e
procedem a uma divisão de tarefas baseada na integração de funções, num
relacionamento mais estreito entre seus órgãos. Assim, podemos concluir que a
quarta hipótese se confirma em relação à perda de mandato por troca de partido. O
ativismo do Supremo Tribunal Federal, na questão da perda de mandato por
troca de partidos, decorre do voluntarismo dos membros da Corte Suprema em
decidir questões marcantemente políticas.

116
CONCLUSÃO

117
Atualmente, há uma tendência por parte do Supremo Tribunal Federal de
examinar e julgar questões que são eminentemente políticas. Esta não era a
tendência da Corte até bem pouco tempo. Essa nova postura demonstra que houve
uma mudança no entendimento prevalecente no Tribunal. Nesta tese, foram
analisadas quatro hipóteses que buscam explicar essa nova tendência do Tribunal
de examinar e decidir questões de cunho estritamente político. Para cada um dos
três casos abordados, foram testadas quatro hipóteses, a fim de se verificar quais
eram capazes de explicar esse avanço do Supremo Tribunal Federal.
1. O primeiro estudo de caso foi o da verticalização das coligações
partidárias, imposta pelo Tribunal Superior.
A primeira hipótese é a de que o ativismo judicial é provocado pela
crescente demanda por pronunciamento judicial sobre questões políticas.
Ao analisarmos essa argumentação, verificamos que o número de processos
no Supremo Tribunal Federal é inexpressivo, restringindo-se a apenas quatro
demandas específicas sobre coligações partidárias:
- Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 3.685/2006;
- Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 2.626/2002;
- Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 2.628/2002 e
- Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 1.407/1996.
Dessas ações impetradas, as três primeiras referem-se ao mesmo caso, que
é a regra da verticalização imposta pelo Tribunal Superior Eleitoral em para as
eleições de 2002. A última refere-se à proibição, limitação de coligações partidárias,
pela Lei nº 9.100/1995, apenas para eleições proporcionais.
Além disso, deve-se registrar que essas ações foram movidas por partidos
políticos contra a regra da verticalização das coligações, e não a seu favor. Se
fossemos adotar a demanda de partidos como justificativa para o ativismo judicial,
teríamos de concluir que a demanda não surtiu qualquer efeito, pois as ações que
foram propostas perante o Supremo com a finalidade de acabar com a verticalização
das coligações não produziram os resultados esperados.
Por outro lado, a verticalização não decorreu de ações propostas perante o
Tribunal Superior Eleitoral, mas de consulta formulada por alguns parlamentares,
cuja finalidade era indagar acerca da validade de uma candidatura em São Paulo,

118
em face da possibilidade de coligação de partidos. Ao contrário, houve reações
contra a decisão proferida pelo Tribunal Superior Eleitoral, na consulta formulada.
Essa reação veio por intermédio de algumas ações diretas de inconstitucionalidade
que foram propostas perante o Supremo Tribunal Federal e que não conseguiram
mudar a decisão da Corte Superior Eleitoral. O objetivo dessas demandas foi no
sentido de acabar com a verticalização das coligações, pedidos estes que não foram
atendidos pela Suprema Corte.
Em face desses aspectos, concluímos que a regra da verticalização das
coligações partidárias não decorreu do aumento de demanda por pronunciamento
judicial visando a estabelecer qualquer tipo de verticalização. A primeira hipótese
não se confirmou.
A segunda hipótese é a de que o ativismo judicial é provocado pelo
descrédito do Poder Legislativo.
Nos estudos realizados por Paiva, Braga e Pimentel Júnior (2007), utilizados
nesta tese, a respeito da diferenciação dos partidos para o eleitorado, ficou evidente
que muitos eleitores que gostam de um partido tendem a gostar também de outros.
Em relação ao ano de 2002, os dados estatísticos demonstraram que, em
relação ao PT, PDT e PTB, os eleitores simpáticos a um desses partidos também
simpatizavam com os outros. Por outro lado, os eleitores do PT não nutriam
sentimentos estreitos com o PSDB, PFL, PMDB. Em relação aos demais partidos, os
eleitores tendiam a gostar de todos.
Com referência às eleições de 2006, praticamente não havia diferenciação de
partidos no sentimento do eleitorado, sendo indiferente este ou aquele partido. Em
2002, os sentimentos dos eleitores oscilavam entre dois componentes partidários:
um composto do PT e PDT; o outro, do PSDB, PFL, PMDB e PTB, o que demonstra
a existência de uma pequena diferenciação dos eleitores em relação aos partidos
expostos. Em 2006, essa pequena diferenciação existente em 2002 desapareceu,
diante do que podemos constatar que não havia qualquer reação por parte dos
eleitores ao sistema de coligações até então vigente e praticado no País pelos
partidos políticos.
Inserimos outro elemento nessa análise: o fato de que o Poder Legislativo não
estava inerte nessa seara, ao tempo em que o Tribunal Superior Eleitoral estabelecia

119
a regra da verticalização. Alguns projetos de lei tramitavam no Congresso Nacional
acerca do tema, o que mostra uma concorrência entre os Poderes Judiciário e
Legislativo, no que tange à normatização legal das coligações partidárias. A tabela
abaixo deixa claro que, nessa ocasião, havia movimentação legislativa em torno
desse tema.
Entre 2002 e 2003, foram registrados os maiores volumes de proposições que
tratavam da questão das coligações partidárias. O total de proposições entre 1995 e
2003 é de 13. Desse número, 8 foram apresentadas em 2002 e 2003, mais da
metade portanto, o que mostra que, no momento em que o Tribunal Superior
Eleitoral estabeleceu a regra da verticalização, havia matérias em trâmite no
Congresso Nacional sobre esse assunto. Isto nos leva à conclusão de que a
segunda hipótese não se confirma como explicação ao fenômeno do ativismo
judicial verificado na questão da verticalização de coligações partidárias.
Em face de todas essas argumentações, concluiu-se que a segunda hipótese
não se confirma para esse caso específico.
A terceira hipótese é a de que o ativismo judicial permite a realização de
um maior controle pela sociedade da ética na política.
A coligação entre partidos obedece a interesses políticos locais, regionais,
que, em última instância, atinam com as conveniências políticas dos representados
naquele Estado ou Município. As diferenças culturais, sociais, administrativas e
políticas condicionam decisões tomadas pelos partidos, candidatos e eleitores no
âmbito da política local. A decisão quanto à verticalização demonstrou um
descompasso entre a vontade dos eleitores, manifestada por meio de seus
representantes eleitos nas urnas, e aquela esposada pelos integrantes do Tribunal
Superior Eleitoral e do Supremo Tribunal Federal.
A demonstração de que não se estava diante de uma prática política antiética
veio com a reação do Congresso, representante do povo. Não há elementos
objetivos para concluir que as coligações eram tidas por antiéticas pela população
de eleitores e que a decisão da Corte Eleitoral mantida pela Suprema Corte vinha
para corrigir esse vício de falta de ética na atividade política. Não se confirma
também a terceira hipótese, nesta questão da verticalização de coligações.
Finalmente, a quarta hipótese é a de que o voluntarismo dos membros

120
do Supremo Tribunal Federal em decidir questões eminentemente políticas
está na origem do ativismo judicial.
Os estudos feitos concernentes às decisões proferidas pela Suprema Corte e
a análise do comportamento estatístico das ações declaratórias de
constitucionalidade e direta de inconstitucionalidade, da arguição de
descumprimento de preceito fundamental e do mandado de injunção, sobretudo com
o cotejo temporal dos gráficos, revelam a disposição existente no âmbito dessas
Cortes Judiciais de julgar e decidir questões políticas, criando novos direitos, do que
decorre válida a tese do voluntarismo em questões marcantemente políticas.
Avaliamos também citações feitas por ministros do Supremo, como é o caso
do Ministro Celso de Mello (2006), para quem a Corte deve ter um papel mais ativo
na interpretação da lei. Essas manifestações apontam para uma insatisfação com a
qualidade da atuação do Poder Legislativo, o que daria espaço para uma
participação mais ativa por parte do Supremo, a fim de compensar a lacuna deixada
pelo Legislador, com vistas ao aprimoramento da legislação. O Supremo passa a se
preocupar com a qualidade das leis, em face de sua aplicação à coletividade e seus
efeitos em relação aos direitos e garantias fundamentais dos cidadãos.
Isso faz com que a Corte Suprema interprete as leis, indo além da simples
interpretação, e passam a se preocupar com os reflexos políticos de sua decisão,
diante do que acaba por modificar o direito naquilo que consideram de má qualidade
jurídica, social e política. Isto resulta numa espécie de atualização, feita pelo
processo hermenêutico criador de novos direitos, o que se denomina ativismo
judicial.
Embora se possa dizer que o voluntarismo seja causa do ativismo, esse
argumento, por si só, é insuficiente, se não examinarmos as circunstâncias que
possibilitam seu surgimento. É necessário situar esse voluntarismo dentro de um
contexto institucional, levando-se em conta o histórico de decisões da Corte e o
panorama constitucional vigente. Como se concluiu em face das análises feitas até
aqui, tem havido, no âmbito da Suprema Corte, um redimensionamento da atividade
hermenêutica, o que está permitindo, com a adoção de princípios criados pelos seus
integrantes, o avanço da atividade judicial para além da atribuição interpretativa, com
a criação de novos direitos. No bojo do processo hermenêutico, a lei passa a ser

121
atualizada e modificada, quanto a Corte chega à conclusão de que ela não mais
atende às necessidades sociais. O resultado disso é a apresentação de novas
soluções e o estabelecimento de novas regras de conduta. É exatamente o que
ocorreu no caso da verticalização imposta pelo Tribunal Superior Eleitoral e mantida
pelo Supremo Tribunal Federal.
Além da adoção de um novo paradigma hermenêutico, outro aspecto que
envolve o voluntarismo da Corte na decisão de temas políticos é a utilização do
critério de baixa qualidade da produção legislativa para justificar a análise de
matérias eminentemente políticas. Uma das justificativas para afirmar a má
qualidade da produção legislativa é o volume de ações ligadas ao controle abstrato
de constitucionalidade das leis.
Por isso, procedemos à verificação da veracidade dessa afirmação, a partir de
dados estatísticos fornecidos pelo Supremo Tribunal Federal. Examinamos o número
de ações que tratam especificamente do controle abstrato de constitucionalidade:
ação declaratória de constitucionalidade, ação direta de inconstitucionalidade, e
ação de descumprimento de preceito fundamental. Deixamos de fora a ação de
inconstitucionalidade por omissão, pois só a partir de 2008 passou a figurar em
estatística independente. Tomamos por base a quantidade de julgamentos proferidos
em cada uma dessas ações constitucionais entre os anos de 1999 e 2009, período
este suficiente para nos dar uma visão panorâmica acerca da movimentação
processual no Supremo.
A partir de 1999, até 2005, houve uma estabilidade no número de ações de
ações declaratórias de constitucionalidade distribuídas para julgamento. Em 2006 e
2007, ocorre um ligeiro aumento, seguindo-se uma queda em 2008, com uma alta
novamente em 2009. O número de ações distribuídas, mesmo no ano de 2007, em
que o gráfico atinge seu patamar mais alto, não passa de cinco ações, o que, em
valores absolutos, não representa expressiva demanda em torno da questão
constitucional. O pouco questionamento quanto à constitucionalidade das leis indica
que não há grades e constantes dúvidas acerca da qualidade legislativa, ou seja, da
competência dos legisladores para produzirem leis de conformidade com a Carta
Magna. Daí decorre que não é possível inferir a boa ou má qualidade da produção
legislativa com base nessas estatísticas referentes às ações declaratórias de

122
constitucionalidade propostas perante o Supremo Tribunal Federal.
Além disto, a ação declaratória de constitucionalidade foi criada pela emenda
constitucional nº 3, de 17 de março de 1993 e tem como finalidade afastar a
insegurança jurídica, a dúvida, a incerteza quanto à validade de lei ou ato normativo
federal. Desse modo, o objetivo da ação declaratória de constitucionalidade não é
atacar a lei, mas preservar sua integridade, sua legitimidade, diante de
questionamentos contrários. Por essa razão, a ação declaratória de
constitucionalidade, de um modo, geral, pode indicar se existem controvérsias sérias
a respeito da validade de determinada lei, na sua aplicação pelos magistrados ou
pelos administradores públicos, ou, se ainda, existem dúvidas quanto ao seu
alcance e seu significado. Os números referentes à ação declaratória de
constitucionalidade não confirmam a má qualidade da lei.
No que tange à ação direta de inconstitucionalidade, em que se busca atacar
a lei, questionando sua validade em confronto com a Constituição Federal, entre
1999 e 2000, há um ligeiro aumento do número de ações. Entre 2000 e 2002, cai o
volume dessas ações no Supremo. De 2002 a 2003, volta a subir a demanda por
declaração de inconstitucionalidade de leis. Entre 2003 e 2007, ocorre uma queda
expressiva, ficando o número de ações propostas em 2007 abaixo do patamar
registrado em 1999. Embora sofra um pequeno aumento em 2008, volta a cair em
2009, continuando abaixo do volume registrado em 1999.
Podemos ver, claramente, nesse gráfico, que, no momento em que o
Supremo Tribunal Federal passa a ser mais ativista, não há mudança significativa no
volume de ações de inconstitucionalidade. Não existe um inconformismo com a
qualidade das leis produzidas no Congresso Nacional que justifique essa mudança
de comportamento, como decorrência de uma correção de qualidade das leis. Ao
contrário, em 2009, o número de ações encontra-se menor do que em 1999. Mais
uma vez, temos de concluir que não há qualquer demonstração empírica de que a
qualidade das leis seja ruim e que, por isso, o Supremo Tribunal Federal estaria
sendo chamado a corrigir essa distorção por meio de processo hermenêutico, o que
levaria a esse ativismo.
Quanto à possibilidade desse declínio ser resultado direto da edição de
súmulas vinculantes, verificamos que a súmula vinculante só foi criada pela Emenda

123
Constitucional nº 45, de 8 de dezembro de 2004 e as 10 súmulas vinculantes
responsáveis pelo decréscimo de processos no Tribunal foram produzidas no ano de
2008. Todavia, a partir de 2003 já havia uma acentuada tendência de queda no
volume de ações diretas de inconstitucionalidade, ou seja, bem antes mesmo da
criação da súmula vinculante e muito antes da edição dessas 10 súmulas. Mesmo
em 2007, antes da edição dessas 10 súmulas vinculantes, volume das ações já
estava abaixo do registrado em 1999. Portanto, não foi a edição da súmula
vinculante o fator responsável pela diminuição do número de ações de
inconstitucionalidade, embora tenha contribuído para acentuar essa tendência,
autônoma por si só.
Com respeito à ação de descumprimento de preceito fundamental, esta tem
experimentado um crescimento significativo. Saindo do zero em 1999, atingiu a
marca de 43 em 2009, o que revela um grande crescimento da demanda por esse
tipo de pronunciamento judicial no âmbito do Supremo Tribunal Federal. Entretanto,
a ação de descumprimento de preceito fundamental não comprova a má qualidade
da lei, uma vez que tem a ver com a concretização, com a execução de atos do
poder público, e não com o contro abstrato de constitucionalidade de lei ou ato
normativo.
Destaca-se, por outro lado, um crescimento impressionante do número de
mandados de injunção, o que demonstra claramente que a decisão recente da Corte
de criar norma para o caso concreto no mandado de injunção gerou uma reação por
parte do jurisdicionado, no sentido de propor novas ações. Até 2007, o maior número
registrado foi de 27 mandados de injunção, em 2001. Em 2007, esse número já
passava para 48 e, em 2009, chega ao volume estonteante de 1.365 ações. Em
termos percentuais, isto representa mais de 2.700% (dois mil e setecentos por
cento) de aumento em relação ao ano de 2007, em que o número de ações já estava
em crescimento por conta da nova decisão adotada pelo Supremo Tribunal Federal.
Após a Corte ter mudado de orientação, os mandados de injunção cresceram mais
de dois mil e setecentos por cento.
O voluntarismo do Supremo Tribunal Federal produziu o ambiente propício
para o ativismo judicial. Havendo essa disposição por parte dos juízes de ampliar as
competências da Corte, no sentido exercer uma atividade política, decidindo

124
questões eminentemente políticas, a busca por soluções judiciais para questões
políticas por meio de processos hermenêuticos tornou-se possível, com a criação de
novos direitos. É claro que a verticalização não foi imposta pelo Supremo
diretamente, ms pelo Tribunal Superior Eleitoral. Todavia, dentre os membros que
compõem essa Corte Eleitoral, três ministros são do Supremo, o Presidente da
Corte é escolhido entre ministros do Supremo e este tem a possibilidade de mudar a
decisão das outras cortes em matéria constitucional, o que não fez, chancelando
assim a regra da verticalização. No caso da verticalização de coligações, confirma-
se a quarta hipótese quanto ao voluntarismo dos membros do Supremo Tribunal
Federal.
2. O segundo caso estudado foi o da indicação de membros de
comissão parlamentar de inquérito pelo Presidente do Senado Federal, por
determinação do Supremo Tribunal Federal.
A primeira hipótese é a de que o ativismo judicial advém da crescente
demanda por pronunciamento judicial quanto a questões políticas.
Quando a oposição não consegue atingir seus objetivos políticos, recorre ao
Judiciário, como forma de garantir os resultados pretendidos. Aquilo que não se
obtém por meio dos instrumentos políticos disponíveis passa a ser objeto de
demanda judicial. Os seguintes mandados de segurança foram impetrados, por
parlamentares, perante o Supremo, visando à instalação obrigatória de comissão
parlamentar de inquérito:
Mandado de Segurança nº 24.831 / DF, Relator Ministro Celso de Mello,
julgado em 22/06/2005. O Supremo firmou o entendimento de que comissão
parlamentar de inquérito é prerrogativa das minorias parlamentares e expressão do
postulado democrático.
Mandado de Segurança nº 24.845/DF, Relator Ministro Celso de Mello,
julgado em 22/06/2005. O Tribunal entendeu que o Presidente do Senado deveria
aplicar analogicamente o art. 28, § 1º, do Regimento Interno da Câmara dos
Deputados, combinado com o art. 85, caput, do Regimento Interno do Senado
Federal, no sentido de designar os nomes faltantes de senadores para compor a
comissão parlamentar de inquérito.
Mandado de Segurança nº 24.846/DF, Relator Ministro Celso de Mello,

125
julgado em 22/06/2005. O Tribunal decidiu que o Presidente do Senado deveria
aplicar analogicamente o art. 28, § 1º, do Regimento Interno da Câmara dos
Deputados, combinado com o art. 85, caput, do Regimento Interno do Senado
Federal, no sentido de designar os nomes faltantes de senadores para compor a
comissão parlamentar de inquérito.
Mandado de Segurança nº 24.847/DF, Relator Ministro Celso de Mello,
julgado em 22/06/2005. Decidiu o Supremo que a ofensa ao direito das minorias
parlamentares é um desrespeito ao próprio povo que se encontra representado
pelas minorias atuantes nas Casas do Congresso Nacional.
Mandado de Segurança nº 24.848/DF, Relator Ministro Celso de Mello,
julgado em 22/06/2005. A decisão foi no sentido de que o Presidente do Senado
deveria aplicar analogicamente o art. 28, § 1º, do Regimento Interno da Câmara dos
Deputados, combinado com o art. 85, caput, do Regimento Interno do Senado
Federal, no sentido de designar os nomes faltantes de senadores para compor a
comissão parlamentar de inquérito.
Mandado de Segurança nº 24.849 / DF, Relator Ministro Celso de Mello,
julgado em 22/06/2005. Entendeu o Supremo que a representação política envolve
não apenas legislar, mas também fiscalizar os órgãos e agentes do Estado. Adotou o
entendimento de que, uma vez atendidas as exigências constitucionais para criação
de comissão parlamentar de inquérito, é obrigação do presidente da casa legislativa
tomar as medidas necessárias para a efetiva instalação da comissão. Disse mais
ainda que não compete ao Presidente da Casa Legislativa qualquer apreciação de
mérito acerca da investigação parlamentar.
Mandado de Segurança nº 26.441 / DF, Relator Min. Celso de Mello, julgado
no dia 25/04/2007. O Supremo Tribunal Federal decidiu que a comissão parlamentar
de inquérito é prerrogativa das minorias parlamentares e expressão do postulado
democrático. Afirma também a decisão a existência de um estatuto constitucional
das minorias parlamentares, que garante o direito de investigar, devendo essa
prerrogativas ser garantidas pelo Poder Judiciário, inclusive pela proteção ao direito
de oposição.
Dessa investigação, podemos verificar que há um embate de força entre
grupos políticos de maioria e minoria, que não conseguiu ser resolvido no âmbito do

126
Congresso Nacional, sendo levado ao Supremo pelos inconformados. Dos sete
mandados de segurança aqui relacionados, seis foram julgados em 22 de julho de
2005 e tiveram o mesmo relator. Houve, neste momento, uma demanda por
pronunciamento judicial quanto a uma questão que até então era resolvida
internamente pelas casas legislativas. Assim, ficou confirmada a primeira hipótese,
nesse caso da instalação obrigatória de comissão parlamentar de inquérito e a
indicação dos membros pelo Presidente da Senado Federal, ante a falta de
indicação pelas respectivas lideranças partidárias.
A segunda hipótese é a de que o ativismo judicial é provocado pelo
descrédito do Poder Legislativo.
O cenário de disputa entre maioria e minoria acaba por criar uma sensação
de frustração não apenas entre os parlamentares interessados em ver o
prosseguimento das investigações como também na população que enxerga nos
seus representantes um instrumento de defesa de seus direitos e de combate à
impunidade. Exemplo disso são as manifestações de descrédito em relação às
comissões parlamentares de inquérito, como se pode ver, por exemplo, no artigo de
Eduardo Militão (2008) intitulado “CPIs sob descrédito”.
Neste artigo o autor destaca o fato de que de três comissões em
funcionamento no Congresso, em setembro de 2008, a que produzia melhores
resultados era exatamente aquela em que não havia interesses partidários em jogo.
As demais oscilavam entre o absoluto marasmo e a dependência do noticiário
político. A questão gira justamente em torno da queda de braço entre maioria e
minoria, ambiente este desfavorável ao interesse público que passa a ser substituído
pelos interesses partidários.
Outra notícia do Câmara Hoje, do dia 28 de abril de 2008, dava ciência de
que pesquisa da CNT/Sensus mostrava um descrédito da população em relação
às investigações feitas pela CPI dos Cartões Corporativos. Segundo essa pesquisa,
58% dos entrevistados não acreditavam em uma investigação efetiva por parte da
comissão. Essa manifestação de descrédito nas cpis também é partilhada pelo
Deputado Ney Lopes (2007), segundo o qual:

“A história se repete. O Congresso Nacional só fala


em instalar Comissões Parlamentares de Inquérito
(CPI). Em si, a intenção é boa. Porém, a descrença
127
coletiva leva sempre à mesma indagação: “terminará ou
não em pizza?”

Nos Estados Unidos, conforme explica Kenneth Holland (1991; p. 28), “a era
pós-industrial testemunhou um desilusão entre as classes instruídas para com as
instituições políticas tradicionais, incluindo máquinas políticas, partidos políticos, a
burocracia e legislaturas”. O autor citado inclui, entre as causas do ativismo nos
Estado Unidos, o surgimento do legislador profissional, que, preocupado em
reeleger-se, deixa de enfrentar temas polêmicos, que podem gerar prejuízos
eleitorais, ficando essas questões para análise dos juízes, que se encarregam de
solucionar os conflitos surgidos em torno desses temas.
No Brasil, essa frustração e desencanto com decisões políticas tomadas no
âmbito das comissões parlamentares de inquérito, como nesta hipótese de não
indicar os membros da comissão, a fim de impedir sua instalação e funcionamento,
tem servido de fundamento para que o Supremo Tribunal Federal decida a respeito
da instalação obrigatória de comissões parlamentares de inquérito, de modo que a
segunda hipótese também se revela confirmada neste aspecto.
A terceira hipótese é a de que o ativismo judicial permite a realização de
um maior controle pela sociedade da ética na política.
Em diversas comissões parlamentares de inquérito, ao longo do tempo,
registraram-se violações de direitos e garantias fundamentais de depoentes e
investigados, como, por exemplo: impedir advogados de atuarem perante a
comissão, coagir testemunhas a depor contra elas mesmas, determinar a prisão
arbitrária de testemunhas e realizar buscas e apreensões sem obediência à forma
legal. Diante desses acontecimentos, o Supremo Tribunal Federal passou a ser
chamado a se pronunciar sobre os procedimentos adotados nas comissões
parlamentares de inquérito, a fim de garantir o respeito aos direitos fundamentais.
Em vários ocasiões as instituições políticas exageravam em suas atividades e
ultrapassavam os limites da lei, perdendo a confiabilidade e enfraquecendo o poder
da investigação parlamentar. Embora se trate de inquérito de natureza política, os
atos da comissão parlamentar de inquérito não podem desrespeitar os princípios
constitucionais estabelecidos em defesa de direitos fundamentais. Daí a reação do
Supremo Tribunal Federal, interferindo nos atos da comissão, a fim de assegurar o
cumprimento da Constituição e das leis infraconstitucionais, exercendo seu papel de
128
controle e fiscalização dos atos do Poder Legislativo.
As questões políticas, quando extrapolam os limites impostos pela
Constituição e pela lei tornam-se questões jurídicas e devem submeter-se ao
controle do Judiciário. O controle da ética no desenvolvimento dos trabalhos da
comissão parlamentar de inquérito é um processo decorrente da natural submissão
da atividade política aos princípios constitucionais e diz respeito à atividade
hermenêutica. A expansão dos demais poderes, como bem observa Dieter Grimm
(2004), leva naturalmente à maior atividade de controle por parte do Poder
Judiciário, a fim de adequar essa atuação dos demais Poderes à Constituição. À
medida que o Estado avança e começa a interferir nos direitos dos cidadãos, surge o
Judiciário como balizador e limitador dessa atuação, valendo-se da moldura
constitucional e legal para estabelecer os limites de atuação do poder público diante
dos direitos e garantias fundamentais.
Podemos mesmo afirmar que, neste aspecto, a jurisprudência tornou-se fonte
de direito parlamentar, servindo de referência para as decisões tomadas no âmbito
da comissão parlamentar de inquérito. A atuação do Supremo no controle da ética
na política decorre de sua missão institucional de garantir direitos fundamentais
ameaçados ou violados por qualquer atividade estatal. A partir dessa assertiva,
podemos dizer que o controle judicial da ética na atividade política cria um sistema
de equilíbrio e fortalece as instituições democráticas, em proveito dos cidadãos.
Todavia, precisamos distinguir entre o exercício da atividade hermenêutica e a
criação de novos direitos. No controle da ética política, se houver formulação de
novos direitos por meio da atividade interpretativa, estaremos diante da hipótese de
ativismo judicial, que vai além da interpretação para gerar direito novo quer seja
constitucional, quer seja infraconstitucional. A falta de indicação de membros para
comissão parlamentar de inquérito é uma forma de burlar o preceito constitucional
que garante à minoria o direito de investigar em nome de seus representados.
Utiliza-se a omissão de um dever institucional para inviabilizar aquilo que é
constitucionalmente garantido a um grupo de parlamentares. Trata-se de uma
questão ética, que precisa ser solucionada à luz dos princípios constitucionais que
governam a atividade parlamentar. A maioria não pode inviabilizar o direito do povo
de investigar, por meio de seus representantes, questões de relevância pública e

129
interesse nacional.
A comissão parlamentar de inquérito tem natureza política. Góis de Andrade
(1954; p. 23) chama a atenção para o fato de que é dever dos parlamentares
fiscalizar os atos do governo e informar a sociedade. O parlamento, conforme
explica essa autor, representa os olhos e a voz da população, do que decorre a
predominância da atividade informativa do Congresso Nacional. Essa missão de
fiscalização política é verificada em outros ordenamentos políticos, como na
Inglaterra, em que teria surgido esse tipo de comissão. Dentre as comissões que se
formaram ao longo da história do direito inglês, vamos encontrar as select
committees, para o desempenho de atividades, em caráter excepcional,
relacionadas ao exame de projetos de lei, quantos aos quais se imponha algum
dado ou fato de alta relevância ou de particular indagação, incluindo-se nestas, a
comissão de inquérito.
A utilização da comissão parlamentar de inquérito como instrumento de
oposição leva a um embate político natural dentro das casas legislativas, com o uso
de todos os recursos políticos disponíveis par ambos os lados. É por isso, que
comissões são criadas, mas não instaladas. Trata-se de um jogo político entre
situação e oposição, situação esta que não pode ignorar os direitos dos cidadãos de
serem informados e de verem investigadas situações de grave interesse nacional. A
própria busca da oposição por pronunciamento judicial faz parte desse jogo político,
como uma forma de obter um resultado político fora das instituições políticas que
não lhe foram favorável, que não lhes garantiram o seu direito previsto na
Constituição, ainda que por via transversa. Quando a oposição não consegue,
dentro do Parlamento, fazer valer sua força política, recorre ao Judiciário, a fim de
mudar essa situação.
A comissão, como braço do parlamento, deve refletir as tendências políticas
de todos os setores, de todas as correntes de pensamento, incluindo as minorias.
Desse modo, é pacífico que as comissões parlamentares de inquérito representam
um forte e necessário instrumento de controle político da atividade pública bem
como de atividades privadas de interesse público. Desse modo, a não instalação de
comissão parlamentar de inquérito nada mais é do que uma manobra política que
inviabiliza o exercício de direito garantido constitucionalmente às minorias.

130
Assim, a terceira hipótese é válida para justificar o ativismo judicial ocorrido no
caso específico de determinação judicial de indicação de membros de comissão
parlamentar de inquérito.
Finalmente, a quarta hipótese é a de que o voluntarismo dos membros
do Poder Judiciário na tomada de decisões políticas está na origem do
ativismo judicial.
O direito de investigar, que a Constituição da República atribuiu ao Congresso
Nacional e às Casas que o compõem, tem, no inquérito parlamentar, um instrumento
delegado à comissão parlamentar de inquérito, mas que, num plano mais alto,
pertence à instituição maior da qual decorre a comissão. A comissão nada mais é do
que um braço da casa legislativa, e não uma instituição autônoma.
Estes aspectos relativos à natureza da comissões parlamentares de inquérito
tanto no Brasil como em outros países demonstram que há uma autoridade
institucional do parlamento sobre suas comissões, sobre seus órgãos fracionários,
de modo que estes não gozam de total autonomia. Portanto, não é de modo algum
bizarra a interferência da presidência da casa legislativa na comissão, a fim de
garantir o regular desenvolvimento de seus trabalhos. Dentro dessa linha de
raciocínio, encaixa-se bem a determinação do Supremo para que o Presidente do
Senado Federal ou da Câmara dos Deputados indique os membros da comissão,
ainda que tal atribuição não esteja fixada expressamente nem na Constituição nem
no regimento interno.
A adoção de novos parâmetros hermenêuticos, como o reconhecimento de
um estatuto das minorias parlamentares, tem permitido maior controle das atividades
das comissões parlamentares de inquérito pelo Supremo Tribunal Federal. Desse
modo, uma atividade que antes era classificada como interna corporis, afastando o
controle judicial, nesta, nova fase, passa ser controlável pelo juiz. O argumento para
determinar a instalação obrigatória da comissão parlamentar de inquérito pelo
presidente da casa legislativa, no caso de não o fazerem os partidos, fundamenta-se
na tese de que a comissão parlamentar de inquérito é instrumento da minoria. Este
princípio da proteção da minoria parlamentar não se esgota na criação da comissão
parlamentar de inquérito no termos do que determina o art. 58, § 3º, da Constituição
Federal. Criada a comissão por ato do presidente da casa legislativa, é necessário

131
ainda garantir o funcionamento da comissão, como tem entendido o Supremo.
Diante da ausência de normas constitucionais e regimentais que estabeleçam
obriguem o presidente da casa legislativa a indicar membros para as comissões de
inquérito, deduz-se que houve uma construção jurisprudencial criando essa nova
regra de conduta por meio de decisão judicial. Todavia, essa solução não é
resultado de voluntarismo dos membros do Tribunal. O procedimento hermenêutico
torna-se fruto de uma convicção pessoal do julgador, que pode resultar na criação de
novo direito, o que continua sento ativismo judicial. Mas, neste caso específico, esse
ativismo não resulta de voluntarismo.
Em outros países, encontramos também uma preocupação em proteger a
oposição, até mesmo em obediência ao princípio da separação de poderes.
Conforme observa Gilles Toulemonde (2006), os direitos da oposição estão ligados à
própria separação de poderes; negá-los é negar a separação de poderes. O mesmo
autor nos dá ciência de que, no Reino Unido, reivindica-se a existência de um
estatuto da oposição; todavia, entre esses direitos garantidos à oposição, em
momento algum, são formuladas normas relativas à instalação obrigatória de
membros de comissão parlamentar de inquérito. Assim, neste caso específico de
instalação de comissão parlamentar de inquérito determinada por decisão judicial,
não se confirma a quarta hipótese, segundo a qual o ativismo do Supremo
Tribunal Federal, na questão da determinação de instalação de comissão
parlamentar, decorreu do voluntarismo de seus membros em decidirem
questões políticas.
3. O terceiro caso estudado e mais significativo de todos foi a imposição
da perda de mandato parlamentar como sanção pela infidelidade partidária,
decorrente da troca de partido. Aqui também analisamos as quatro hipóteses
levantadas, a fim de testar sua veracidade.
A primeira hipótese é a de que o ativismo judicial é provocado pela
crescente demanda por pronunciamento judicial sobre questões políticas.
No Mandado de Segurança n.º 23.505/04, a questão da perda de mandato
por infidelidade partidária foi enfrentada pela Corte Suprema e o voto do Relator,
Ministro Gilmar Mendes, proferido em 2004 afirma claramente que “a Constituição
não fornece elementos para que se provoque o resultado pretendido pelo

132
requerente”, a saber, a perda de mandato do infiel. Ressalte-se, portanto, que, em
2004, em época bem recente, o Supremo Tribunal Federal, por meio de seu Ministro
Gilmar Mendes, decidiu, interpretando a Constituição – a mesma vigente hoje -, que
não se encontrava fundamento para impor a perda de mandato como conseqüência
da migração partidária. Se a Constituição Federal não previa a perda de mandato
por infidelidade partidária, não era possível impor essa sanção por decisão judicial.
Esse foi o entendimento adotado por Gilmar Mendes, naquela ocasião.
Outro entendimento jurisprudencial, adotado pelo Supremo Tribunal Federal
no Mandado de Segurança n° 20.927/89, afastou a pos sibilidade da perda de
mandato, em caso de infidelidade. Dessa vez, a presença do Ministro Moreira Alves,
nesse processo, teve significativa importância na condução do problema, embora
houvesse votos discordantes. A situação permanece a mesma e a pressão que
verifica em relação a esse tema provém de partidos interessados em conquistarem
vaga no Congresso. Não há pressão da sociedade nem demandas crescentes em
prol da perda de mandato para parlamentares que troquem de legenda.
A segunda hipótese é a de que o ativismo judicial é provocado pelo
descrédito do Poder Legislativo.
Muitos alegam que tal avanço do Tribunal Superior Eleitoral e do Supremo
Tribunal Federal ocorrem em virtude de uma inércia do legislador, que deixa de
exercer sua atividade, regulamentando essas questões, o que permite que outro
Poder passe a sua frente e exerça esse papel. Ora ainda que tal fato ocorresse, o
que não é verdade, analisaremos mais adiante, isso não justificaria o rompimento
com o princípio da separação de poderes.
Não se trata de hipótese de descrédito do Legislativo, devido a sua falta de
interesse em conduzir politicamente essa questão. Como se pode observar dos
dados constantes do site da Câmara dos Deputados, muitas proposições foram
apresentadas, ao longo dos anos, versando sobre fidelidade partidária e reforma
política. Muitos alegam que tal avanço do Tribunal Superior Eleitoral e do Supremo
Tribunal Federal se dão em virtude da omissão do Poder Legislativo, que leva ao
seu descrédito. No caso da fidelidade partidária, não se verifica omissão, conforme
se pode demonstrar com o rol de matérias em tramitação sobre fidelidade partidária
e reforma política.

133
Pode-se observar que não é por falta de iniciativa parlamentar que essa
questão da fidelidade partidária tem sido levada ao Supremo Tribunal Federal.
Entre os anos de 1970 e 2009, tivemos cerca de 55 iniciativas parlamentares de
algum modo ligadas a essa questão. Se fizermos um corte, a partir do ano de 2000,
verificaremos que, entre 2000 e 2009, foram apresentadas 28 proposições
legislativas sobre tema, uma a mais do que durante todo o período de 1970 até
1999, ou seja, em dez anos a produção, nesse campo, foi maior do que nos trinta
anos anteriores. Não se pode, de modo algum, afirmar que a inércia legislativa
justificou essa postura do Supremo Tribunal Federal.
Essa mudança de entendimento da Suprema Corte, no Brasil, quanto à perda
de mandato decorrente da troca de partido provocou reações adversas no
Congresso. A reação do Congresso a essa interferência do Judiciário em questões
políticas veio posteriormente com a Proposta de Emenda à Constituição nº 04/2007,
apresentada pelos Deputado Flávio Dino e outros, que dá nova redação ao art. 55
da Constituição Federal, dispondo sobre a perda de mandato de Deputados e
Senadores, inclusive por infidelidade partidária. Essa PEC encontra-se em
tramitação na Casa, tendo sido distribuída à Comissão de Constituição e Justiça e
de Cidadania.
Na forma dessa proposta de emenda à Constituição, pratica ato de
infidelidade partidária quem, fora do período delimitado pela Constituição, muda de
partido pelo qual foi eleito, salvo se para participar da criação de outro, ou se
demonstrada que a mudança decorreu de alterações essenciais no programa ou no
estatuto partidários. A mudança de partido passa a ser admitida, sem perda do
mandato, no período de 30 (trinta) dias imediatamente anterior ao término do prazo
de filiação partidária para candidatura à eleição subsequente.
No caso de infidelidade partidária, quando se tratar de Senadores e
Deputados Federais, a perda será decidida pelo Tribunal Superior Eleitoral, por
maioria absoluta, mediante iniciativa do Procurador Geral da República ou de partido
político representado no Congresso Nacional. Quanto aos Deputados Estaduais e
do Distrito Federal e aos Vereadores, cabendo à decisão quanto à perda dos
mandatos aos Tribunais Regionais Eleitorais, por maioria absoluta, mediante
iniciativa do Procurador Regional Eleitoral ou de partido político representado na

134
Casa a que pertencer o parlamentar.
Em decorrência dessa análise quanto à atuação do Congresso Nacional no
que tange á questão da fidelidade partidária, não se confirma a segunda hipótese
que diz respeito ao descrédito do Poder Legislativo como causa do ativismo judicial
nessa questão da perda de mandato por troca de partido.
A terceira hipótese é a de que o ativismo judicial permite a realização de
um maior controle pela sociedade da ética na política.
Quando se fala de ética na política trabalha-se com conceitos imprecisos. O
Supremo pretende delimitar o campo de atuação da política, utilizando esses
conceitos para dizer aquilo que é ético, que satisfaz as aspirações do eleitorado. A
Constituição Federal é plena de conceitos imprecisos, como honra, ordem pública,
moral e bons costumes, incontinência pública e escandalosa, probidade
administrativa e assim por diante. A constitucionalização de questões política tem
provocado, em vários países, um avanço extraordinária da atividade judicial.
Um aspecto importante nesse efeito provocado pela constitucionalização de
questões políticas, é a inevitável utilização de conceitos imprecisos no texto
constitucional. O sentido real e preciso das expressões utilizadas pelo comando da
norma não se encontra definido. Assim, a valoração subjetiva na aplicação de tais
conceitos ao caso concreto, pode sofrer diversas variações, dependendo do
intérprete ou aplicador.
Até determinada medida, traçada pelo marco constitucional, pelo
enquadramento hermenêutico do princípio da ética, o juiz pode e deve analisar até
mesmo os critérios de oportunidade e conveniência política, porém isto não lhe
autoriza a prática de atos de legislador positivo. Os conceitos jurídicos
indeterminados se sujeitam ao controle judicial, em face da própria natureza da
atividade interpretativa da lei exercida por esse Poder. Todavia, a questão
interpretativa do conceito indeterminado diz respeito à judicialização da política, já
que a atividade política deve conter-se nos limites traçados pela Constituição
Federal e o controle da constitucionalidade dessa atuação política cabe ao Supremo
Tribunal Federal. Quando examinamos a questão do ativismo judicial, estamos nos
referindo aos casos em que, o Tribunal, ao interpretar os conceitos indeterminados,
vai além da hermenêutica e passa a criar direito novo.

135
A idéia de conceitos imprecisos está vinculada a preceitos que contêm
expressões ou palavras cujo sentido é vago, dependente de interpretação e
valoração quanto ao seu real sentido, quanto ao alcance do seu significado. Aqui
incidem expressões, como boa-fé, notável saber, reputação ilibada, boa conduta,
notória especialização, moralidade pública, bem comum, probidade o que permite ao
juiz avançar na interpretação, fixando novos sentidos à lei em função da variação
das necessidades sociais, o que produziu o avanço do ativismo judicial em nossos
tempos. O próprio conceito de interesse público é um conceito indeterminado, de
forma que uma atividade que atenda ao interesse público em determinado lugar, em
certo momento, pode vir a contrariá-lo em outro lugar ou outra época.
Daí a discricionariedade de que sempre dispôs o parlamentar para mudar de
partido, uma vez que tal atitude sempre foi tolerada em nosso sistema político, das
as suas características. Obviamente, assim como o juiz interpreta os termos
indeterminados na aplicação da lei, os políticos também os interpretam no que diz
respeito ao normal desenvolvimento da atividade política, que também lida, a cada
momento com o recurso da interpretação de conceitos constitucionais e legais, bem
como com a interpretação da vontade popular. Naturalmente, isto permite ao
julgador lançar mão de critérios subjetivos, que nortearão a delimitação
jurisprudencial acerca do significado deste ou daquele conceito indeterminado, com
reflexos os mais variados possíveis na conformação dos fatos sociais à lei.
Na abordagem feita por Tezner, citado por Antônio Francisco de Sousa (1986,
pp. 276-291), os conceitos legais indeterminados devem submeter-se a uma
interpretação de cunho estritamente jurídico e, consequentemente, a correta
aplicação de tais conceitos indeterminados poderá ser apreciada e fiscalizada pelo
Poder Judiciário. Dessa forma, quando a lei se utiliza de conceitos como interesse
público, moralidade, bem comum e outros, há necessidade da presença do Poder
Judiciário na aplicação e interpretação de tais conceitos, com o fim de resguardar os
direitos dos cidadãos contra possíveis arbitrariedades.
Não podemos dizer que a mudança de partido pelo eleito constitui
arbitrariedade ou violação de direitos e garantias individuais. Ainda que se admita a
mudança de panorama político, que levasse a essa conclusão, a proposta de
mudança deveria partir dos interessados, os eleitores, e a alteração das regras

136
políticas vigentes estariam a cargo de seus representantes eleitos.
A tecnicidade de que se reveste a delimitação dos conceitos imprecisos deixa
o Supremo com uma autoridade ampliada e quase que isolada na definição do
alcance do texto da Constituição. Essa tecnicidade decorre da especialização de
que se reveste a definição e a delimitação jurídica desses conceitos impreciso, até
mesmo com a aplicação de técnicas hermenêuticas que são ferramentas próprias da
formação e da vivência do magistrado. Essa realidade acaba por gerar uma situação
de poder na conformação dos preceitos insculpidos Carta Magana ou até mesmo a
possibilidade de complementá-la naquilo em que for omissa ou desatualizada, frente
à nova ambientação social instalada no País, sobretudo quando diversos setores da
sociedade recorrem à Corte em busca de soluções não formatadas na instância
parlamentar.
Otto Mayer, citado por Antônio Francisco de Sousa (1986, pp. 276-291),
admite certa margem de liberdade, para agir, devendo a discricionariedade ser
exercida de acordo com a conveniência e oportunidade exigidas pelo interesse
público. Entende, todavia, este autor que a liberdade de ação deve ser pautada
pelos fins, servindo os direitos individuais, como margeadores desses limites de
atuação do poder público. Mais uma vez são os fins e os direitos individuais que
servem de balizamento para a interpretação judicial, não podendo o juiz fugir desses
limites a todos impostos. Porém, como a ele compete definir o sentido desses
conceitos, surge uma forma de discricionariedade extensa e quase insindicável de
atribuir conteúdo a esses termos que resultem em sua total inversão. Por meio
dessa interpretação, o juiz pode mudar o sentido da lei para dizer o contrário daquilo
que está escrito e do que o legislador idealizou.
A solução para esse problema idealizada por Jellinek, citado por Antônio
Francisco de Sousa (1986, pp. 276-291), parte da oposição entre liberdade
discricionária e vinculação. Apenas a vontade da lei poderá definir entre o conceito
legal indeterminado discricionário e aquele de natureza jurídica, e, portanto, o
controle judicial será a última e decisiva instância na interpretação da melhor
vontade da lei.
Na Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 3.999-7, julgada pelo STF em
2008, o Relator considerou que “o debate legislativo é o ambiente adequado para

137
resolver essas e outras questões, que são eminentemente políticas. Somente em
situações extremas e sempre quanto autorizado expressamente pela Constituição é
que o Judiciário pode se manifestar sobre os critérios que orientam a manutenção ou
a perda do cargo por infidelidade partidária”. (fl. 115) Se o ambiente adequado para
decidir essas questões políticas, na qual se inclui a perda de mandato por troca de
partido, está claro que a decisão do Tribunal não foi meramente interpretativa, mas
criadora de direito novo. Isto constitui ativismo judicial.
Segundo Laun, citado por Antônio Francisco de Sousa (1986; pp. 276-291),
ocorrendo a hipótese de conceitos legais indeterminados, o intérprete terá a missão
de buscar a única solução adequada, não cabendo, neste caso, falar-se em
discricionariedade, pois, a seu ver, trata-se de apreciação vinculada. Mesmo quando
a lei determina apenas o fim, sem se reportar a motivo e objeto, não é apropriado
falar em discricionariedade, uma vez que, na persecução do fim instituído, deverá
ser aplicada a solução mais adequada, a única capaz de atingir tal objetivo
pretendido pelo legislador.
Poderíamos indagar se o Supremo estaria buscando essa única vontade que
deveria prevalecer quanto ao exercício do mandato pelo eleito no seu partido de
origem. Todavia, o citado autor vai buscar essa vontade única no legislador, e não no
intérprete. Daí decorre que só o Poder Legislativo poderia estabelecer a vontade do
eleitor no sentido da perda de mandato do infiel, como decorrência da vontade dos
representados politicamente, seguindo o raciocínio de Laun.
Bernatzik, citado por Antônio Francisco de Sousa (1986; pp. 276-291),
considera a existência do poder discricionário nos conceitos legais indeterminados,
em face da subjetividade presente quando de sua aplicação. A escolha feita estaria
isenta da apreciação do Poder Judiciário, desde que não se afastasse dos fins
sociais visados pelo legislador. Se o legislador não criou a obrigação de fidelidade
partidária e não previu punição para tal prática, então a decisão é política e livre, não
podendo o Judiciário dizer ao candidato eleito em que partido deve permanecer.
Somente a atividade do legislador poderia mudar esse panorama político, por meio
de uma reforma política, a fim de estabelecer conseqüências para a troca de partido.
Qual é a única solução justa no que tange à fidelidade partidária? É a solução
permitida pela Constituição que, ao não limitar a atuação do eleito, deixou em aberto

138
a possibilidade de troca de partido, sem a conseqüência da perda do mandato. A
solução justa não pode ser aquela que se afaste da vontade popular soberana
exercida diretamente ou por meio dos representantes eleitos. Na ausência dessa
vontade manifestada, a soberania da vontade popular manifestada nas urnas não
pode ser cassada por meio de regras de conduta criadas no bojo de um processo
hermenêutico. A única solução justa deve atentar para o interesse público, no caso,
a vontade do eleitor decorrente do voto.
Não só em relação ao motivo, mas também quanto à finalidade, poderá
ocorrer a discricionariedade na aplicação de conceitos legais indeterminados. Dessa
forma, se a finalidade estiver expressa mediante conceitos práticos, caberá uma
margem de discricionariedade na solução do problema. Como se vê, haverá sempre,
na aplicação de conceitos indeterminados, a possibilidade de certa margem de
discricionariedade, diante do que a interpretação não será, por si só, a via definitiva
na solução do esconder seus reais motivos, subtraindo-se à ação do Poder
Judiciário. Exemplo importante neste sentido diz respeito à moralidade e à ética na
política, como finalidade da lei.
Na verdade, a moralidade e a eficiência quando dizem respeito ao
cumprimento de direitos fundamentais passam a ser sindicáveis pelo Poder
Judiciário, sem qualquer violação do princípio da separação e independência dos
poderes. A análise feita pelo Poder Judiciário quanto a essa questão política decorre
da própria sistemática constitucional. O postulado democrático, decorrente do texto
constitucional, leva à necessidade de pronunciamento judicial, a fim de promover a
garantia de princípio e preceito insculpidos na Carta Magna. É a própria democracia
que permite a deliberação política em arena judicial.
Assim a conveniência e a oportunidade se transmudam em vinculação, donde
se infere que a tendência atual é a supressão da discricionariedade como concebida
na doutrina clássica. Pode-se dizer que uma parte do mérito da atividade política -
aquela em que a conveniência e oportunidade se subjugam a princípios
constitucionais fundamentais, como a moralidade – possuem estreita ligação com a
atividade hermenêutica desenvolvida e analisada no âmbito das cortes.
Trata-se de uma nova etapa na relação entre Estado e cidadãos. Desaparece
a soberania do governante e, em seu lugar, se estabelece a soberania popular, com

139
efetivo respeito aos princípios constitucionais, como os da moralidade e da ética na
política. O Estado Democrático de Direito pressupõe a garantia do cidadão diante do
poder estatal, em face das normas jurídicas. A soberania popular ganha realce e não
se pode conceber qualquer ato emanado da autoridade pública que seja
desconforme a essa vontade.
Essa interpretação de conceitos jurídicos fluidos por si só, entretanto, não são
suficientes a conduzir à criação de hipótese de perda de mandato pelo princípio da
moralidade, daí por que a vontade do magistrado é necessária para que esse
trabalho hermenêutico tenha o alcance de criação de direito novo. Nenhuma
interpretação, por mais extensa que, leva à imposição de pena não prevista na
Constituição. Tendo havido a criação de direito novo, constitucional por meio de
decisão judicial, conclui-se assim que o ativismo judicial, na questão da perda de
mandato como resultado da troca de partido, não pode ser explicado apenas pelo
processo de delimitação do conceito jurídico impreciso relativo à ética na atividade
legislativa e política. Assim, não se confirma a terceira hipótese neste caso
específico.
Finalmente, a quarta hipótese é a de que o voluntarismo dos membros
do Supremo Tribunal Federal em decidir questões políticas está na origem do
ativismo judicial.
O voluntarismo indica que há uma intenção, uma predisposição, por parte dos
membros da Corte de analisar e decidir questões de ordem política. Entretanto, ao
decidir, o juiz utiliza-se sempre de argumentos jurídicos para fundamentar sua
decisão. Para verificarmos a presença desse voluntarismo, devemos analisar o
modelo jurídico, as normas constitucionais em vigor e a argumentação adotada nas
decisões proferidas. Essa realidade é importante, pois a frequente troca de ministros
na Corte propicia um ambiente favorável a mudanças de orientação, de rompimento
com o modelo tradicionalmente adotado. As experiências trazidas pelos membros do
tribunal podem influenciar o entendimento adotado quanto às questões políticas.
Um fato a ser observado é que a mudança na orientação da Corte Suprema
ocorre em um período de frequentes mudanças na composição do Tribunal.
Somente durante o governo Lula, oito ministros novos já foram nomeados para o
Supremo. As nomeações de Ministros para o Supremo pelos presidentes civis, após

140
O fim da ditadura militar encontram-se assim distribuídas:

Nome do Presidente Número de ministros nomeados


José Sarney 5 ministros
Fernando Collor 4 ministros
Itamar Franco 1 ministro
Fernando Henrique Cardoso 3 ministros
Luiz Inácio Lula da Silva 8 ministros

A nova composição da Corte, decorrente de uma grande renovação de seus


membros, em um curto período de tempo, permitiu a renovação do paradigmas
adotados em suas decisões. Adotou-se na Corte o entendimento de que o Supremo
também é representante do povo, em decorrência não do voto, mas da
argumentatividade. Essas circunstâncias apontam par a existência de uma
predisposição para o exercício de um papel político por parte da Corte. Até onde
pode ir essa atuação referente a decisões sobre questões políticas depende muito
da autocontenção.
Aspecto significativo na demonstração dessa predisposição da Corte em
decidir matéria política é a adoção da tese de Robert Alexy (2007), entendendo que
os parlamentares representam a população pelo voto, enquanto a Corte Suprema o
faz como decorrência da representação argumentativa da sociedade, seguindo. Na
linha dessa tese, os tribunais corrigem distorções do Legislativo. A tese da
argumentatividade de Robert Alexy (2007) se baseia na participação de entidades,
associações, advogados públicos e privados. A Corte estaria assim integrada à
sociedade e poderia atender às aspirações do povo, utilizando-se do procedimento
hermenêutico para garantir a obediência aos direitos fundamentais instituídos pela
Constituição Federal.
Neste aspecto, convém analisarmos os três níveis de argumentação
explicados por Robert Alexy (2008), que justificariam a atuação do Judiciário para
garantir o cumprimento, por parte do legislador, de um dever constitucional. O
primeiro nível de argumentação de Robert Alexy (2008, p. 546) é a “argumentação
material” verifica-se quando a Corte Constitucional “faz com que a prerrogativa do

141
legislador para fazer estimativas e, com isso, a competência de controle do tribunal
dependam, dentre outros, da importância dos bens jurídicos em jogo”.
Para que se constatasse a validade deste argumento à questão da troca de
partido, seria necessário estabelecer o princípio constitucional violado. Nas decisões
proferidas tanto pelo Tribunal Superior Eleitoral como pelo Supremo Tribunal
Federal, não encontramos o princípio constitucional que justifique a imposição da
perda de mandato, por infidelidade partidária. O texto constitucional não contém
qualquer regra nesse sentido e as decisões anteriores do próprio Supremo Tribunal
Federal deixam claro que a Constituição não autoriza a imposição da perda de
mandato. Como o texto constitucional não mudou desde então, com relação a esse
aspecto, não há princípio constitucional violado pela troca de partido, diante do que
não se pode aplicar a argumentação material ao caso, decorrendo daí o
voluntarismo do Tribunal neste caso específico.
Vejamos o segundo nível de argumentação de Robert Alexy (2008) é a
argumentação funcional. Um fator importante que pode ser inserido neste contexto
da argumentação funcional é a idéia de que o Tribunal detém a última palavra em
matéria constitucional e que, por isso, haveria maior credibilidade quanto a suas
decisões. A última palavra do Supremo diz respeito à interpretação da norma
constitucional. Esse é o papel do intérprete, que não se confunde com a produção
da norma, com a elaboração do texto constitucional e sua atualização. A norma hoje
interpretada pelo Supremo, em última instância, pode amanhã ser modificada pela
via da emenda constitucional, deixando para trás o que deliberado judicialmente.
Assim, não se pode afirmar categoricamente que o Supremo tenha a última
palavra em matéria de Constituição. Até mesmo a lei declarada inconstitucional pode
ser refeita pelo legislador nos mesmos moldes, o que levaria a nova declaração de
inconstitucionalidade, o que demonstra que a última palavra, na verdade, não foi a
última, havendo necessidade de novo pronunciamento. Essa decisão formulada no
âmbito do Judiciário não pode ser vista como atividade de interpretação, mas sim lei
nova criada por decisão judicial, acrescentando-se ao art. 55 da Constituição um
novo motivo de perda do mandato.
Resta-nos avaliar o terceiro nível de argumentação de Robert Alexy (2008),
que é a argumentação metodológica. Não se trata, na hipótese em exame, de direito

142
fundamental sobre o qual exista algum tipo de dúvida quanto a sua solução. Como
deixam claro as decisões proferidas pelos Ministros Moreira Alves e Gilmar Mendes,
não há previsão constitucional para a perda de mandato do parlamentar que mude
de legenda, embora a Corte reconheça que o mandato pertence ao partido, e não ao
candidato. Poderíamos até mesmo argumentar que o direito fundamental que está
em jogo é o do parlamentar ao mandato e o do eleitor de decidir nas urnas se quer
ou não a permanências desses candidatos no Congresso Nacional. A tese da
argumentação só consegue explicar o fenômeno do ativismo, nesta questão da
perda de mandato por troca de partido, quando acrescentamos o elemento
voluntarismo associado a esse princípio hermenêutico adotado pelo Supremo.
O novo entendimento se firma no fato de que a exigência de filiação partidária
como condição de elegibilidade e a participação do voto de legenda na eleição do
candidato implica perda do mandato do parlamentar que troca de partido. Este é o
único caso de perda de mandato decorrente diretamente de decisão do Supremo
Tribunal Federal. Esta situação traz à luz o voluntarismo da Corte alicerçado na
teoria da argumentação.
A perda de mandato é estabelecida constitucionalmente, por meio de número
fechado. Desse modo, seguindo a “argumentação prática racional” de Robert Alexy
(2008), qualquer decisão em estabelecer penalidade pela troca de legenda deveria
passar pelo crivo da discussão parlamentar, envolvendo a sociedade civil, e ser
objeto de regulamentação no texto constitucional, seguindo o modelo de
representação política adotado no sistema brasileiro.
Não havendo essa hipótese prevista no texto constitucional, a decisão judicial
de estabelecer esse caso de perda de mandato resulta de ativismo judicial, ficando
em evidência a vontade do julgador em adotar essa solução por meio de processo
hermenêutico. Toda essa discussão traz a lume o voluntarismo do juiz em criar
novos direitos a partir de um processo hermenêutico, em que o uso da linguagem
manifesta a mente do julgador.
Um aspecto importante na análise do voluntarismo é a construção de
soluções consideradas politicamente necessárias por meio do processo
interpretativo. Na Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 3.999/2008, pp. 135-136, o
Ministro Ayres Brito, em defesa da perda de mandato, defende a tese da democracia

143
partidária como autorizativa da perda de mandato parlamentar. O voto faz alusão ao
vínculo entre eleição popular e democracia, para, em seguida, aludir à democracia
representativa, concluindo que a Justiça Eleitoral brasileira não pode deixar de ter o
poder regulamentar. O voto não faz alusão a qualquer previsão constitucional
autorizativa da perda de mandato, deixando em evidência a vontade do juiz em criar
nova hipótese de perda de mandato. A Ministra Carmen Lúcia, nessa mesma Ação
Direta de Inconstitucionalidade nº 3.999 (p.124), argumenta, para justificar a perda
de mandato, com o princípio da efetividade jurídica, entendendo a perda de mandato
se impõe como garantia do cumprimento da Constituição.
Thamy Pogrebinschi (2000), a esse respeito, analisa a questão do
pragmatismo jurídico, em que o juiz não se restringe a interpretar, mas também
deseja criar lei nova, para adequar a lei às exigências sociais, considerando a autora
esta hipótese como o caso mais puro de ativismo judicial. Explica Thamy
Pogrebinschi (2000) que esse pragmatismo é a revivescência do realismo jurídico,
do início do século XX, nos Estados-Unidos, também chamado de jurisprudência
sociológica.
Um ponto essencial nessa definição do voluntarismo como causa do ativismo
judicial por parte do Supremo tem a ver com os conceitos imprecisos, bem
lembrados por Guy Canivet (2006), utilizados pelo sistema normativo, inclusive a
Constituição. Esse caráter impreciso do texto constitucional foi percebido por
Laurent Pech (2001; p. 81) como indutor do ativismo judicial, no sistema político
francês. É bem verdade que o Supremo Tribunal Federal dispõe de uma missão
institucional quanto à delimitação do sentido da Constituição e da lei, o que lhe dá o
poder de determinar o verdadeiro alcance da norma na sua aplicação ao caso
concreto ou, ainda, no controle abstrato de normas, perquirir o sentido da lei que se
adequa à Constituição. Trata-se de uma legitimidade reconhecida no Estado
Democrático de Direito. Porém a criação de novo direito não resulta apenas do
processo de interpretação de conceitos jurídicos imprecisos, mas está ligado a uma
predisposição da Corte em decidir questões políticas. O processo hermenêutico na
delimitação desses conceitos vagos serve de instrumento par veicular o voluntarismo
de que se apoderou o Supremo Tribunal Federal.
Assim, podemos concluir que a quarta hipótese se confirma em relação à

144
perda de mandato por troca de partido. O ativismo do Supremo Tribunal Federal,
na questão da perda de mandato por troca de partidos, decorre do
voluntarismo dos membros da Corte Suprema em decidir questões
marcantemente políticas.

145
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151
ANEXO I

Juízes devem ter papel mais ativo na interpretação da lei

por Márcio Chaer


As leis brasileiras, de forma geral, são de baixa qualidade. Prova
disso é a freqüência com que o Judiciário constata a
inconstitucionalidade das normas aprovadas pelo legislador brasileiro.
Quem afirma é o ministro do Supremo Tribunal Federal, José Celso de
Mello Filho. Essa precariedade é uma das razões pelas quais os
juízes devem ter um papel mais ativo na interpretação das leis e
mesmo da Constituição, defende ele.
Esse “ativismo judicial”, que nos Estados Unidos serviu para que
a Suprema Corte implementasse os direitos civis como são exercidos
hoje, ganhou espaço inédito no Brasil com a nova composição do STF.
Celso de Mello defende que o Supremo pode e deve suprir as
omissões do legislador, como fez recentemente. Ele assegurou acesso
gratuito a creches escolares a crianças de até seis anos, no município
de Santo André. Com a antiga formação do STF, direitos como esse,
previstos na Constituição, mas ainda não regulamentados por lei, eram
sistematicamente negados.
Celso de Mello defende o papel constituinte do Supremo, na sua
função de reelaborar e reinterpretar continuamente a Constituição. É
essa função, explica ele, que permite ao tribunal atualizar e ajustar a
Constituição “às novas circunstâncias históricas e exigências sociais”,
atuando como “co-partícipe do processo de modernização do Estado
brasileiro.
Foi o ativismo judicial pregado por Celso de Mello que o levou a
estabelecer limites para as Comissões Parlamentares de Inquérito, que
vinham praticando toda sorte de abusos e arbitrariedades. Ardoroso
defensor da liberdade de expressão e dos direitos fundamentais, o
ministro condena os atos de “cesarismo governamental” e se posiciona
radicalmente contra o “uso compulsivo de Medidas Provisórias” por
parte do presidente da República.
152
O novo time do STF prenuncia mudanças, principalmente no
campo da doutrina. E nesse aspecto, o ministro Celso de Mello, que
assume o decanato na Corte com a iminente aposentadoria de
Sepúlveda Pertence, deve encontrar terreno fértil para as teses que
cultiva desde que chegou ao tribunal. A principal delas, expressa
abaixo, é a de um STF menos defensivo, ativo ao ponto de,
cautelosamente, suprir as lacunas da legislação para que prevaleça o
espírito da Carta de 88.
Na entrevista que se segue, a segunda de uma série com os
ministros do STF, feita pelo site Consultor Jurídico para o jornal O
Estado de S.Paulo, Celso de Mello analisa a nova face do tribunal e o
seu papel no Brasil contemporâneo.
Conjur — Comparado a agosto de 1989, quando o senhor
tornou-se ministro, o que mudou nos últimos dezessete anos no
Supremo Tribunal Federal?
Celso de Mello — O STF, sob a atual Constituição, tomou
consciência do alto relevo de seu papel institucional. Desenvolveu uma
jurisprudência que lhe permite atuar como força moderadora no
complexo jogo entre os poderes da República. Desempenha o papel de
instância de equilíbrio e harmonia destinada a compor os conflitos
institucionais que surgem não apenas entre o Executivo e o Legislativo,
mas, também, entre esses poderes e os próprios juízes e tribunais. O
Supremo acha-se investido, mais do que nunca, de expressiva função
constitucional que se projeta no plano das relações entre o Direito, a
Política e a Economia.
O tribunal promove o controle de constitucionalidade de todos os
atos dos poderes da República. Atua como instância de superposição.
A Suprema Corte passa a exercer, então, verdadeira função
constituinte com o papel de permanente elaboração do texto
constitucional. Essa prerrogativa se exerce, legitimamente, mediante
processos hermenêuticos. Exerce uma função política e, pela
interpretação das cláusulas constitucionais, reelabora seu significado,

153
para permitir que a Constituição se ajuste às novas circunstâncias
históricas e exigências sociais, dando-lhe, com isso, um sentido de
permanente e de necessária atualidade. Essa função é plenamente
compatível com o exercício da jurisdição constitucional. O desempenho
desse importante encargo permite que o STF seja co-partícipe do
processo de modernização do Estado brasileiro.
Conjur — Então, a evolução da doutrina e da interpretação
da Constituição tem contribuído mais para aperfeiçoar as normas
no Brasil do que a produção de novas leis?
Celso de Mello — A formulação legislativa no Brasil,
lamentavelmente, nem sempre se reveste da necessária qualidade
jurídica, o que é demonstrado não só pelo elevado número de ações
diretas promovidas perante o Supremo Tribunal Federal, mas,
sobretudo, pelas inúmeras decisões declaratórias de
inconstitucionalidade de leis editadas pela União Federal e pelos
Estados-membros.
Esse déficit de qualidade jurídica no processo de produção
normativa do Estado brasileiro, em suas diversas instâncias decisórias,
é preocupante porque afeta a harmonia da Federação, rompe o
necessário equilíbrio e compromete, muitas vezes, direitos e garantias
fundamentais dos cidadãos da República.
É importante ressaltar que, hoje, o Supremo desempenha um
papel relevantíssimo no contexto de nosso processo institucional,
estimulando-o, muitas vezes, à prática de ativismo judicial,
notadamente na implementação concretizadora de políticas públicas
definidas pela própria Constituição que são lamentavelmente
descumpridas, por injustificável inércia, pelos órgãos estatais
competentes. O Supremo tem uma clara e nítida visão do processo
constitucional. Isso lhe dá uma consciência maior e uma percepção
mais expressiva do seu verdadeiro papel no desempenho da jurisdição
constitucional.
Conjur — Voltando a 1989, quando o senhor desembarca no

154
Supremo, a Constituição de 88 era uma recém-nascida. A quase
totalidade dos ministros estavam condicionados, escolados,
comprometidos com a Carta anterior. Quanto tempo levou para
que a Constituição de 88 realmente fosse incorporada pelo
Tribunal?
Celso de Mello — O Tribunal, orientava-se, então, como
assinala o ministro Sepúlveda Pertence, por uma visão retrospectiva,
que o mantinha vinculado e condicionado por padrões estabelecidos no
passado, em face de anteriores ordens constitucionais. Com o tempo, o
Supremo Tribunal Federal foi evoluindo nesse processo de
interpretação constitucional. Hoje, o STF tem uma outra visão do
processo constitucional. Possui uma nova percepção que põe em
evidência o papel vital desta Corte nesse processo de indagação do
texto constitucional.
Há, no entanto, um longo caminho a percorrer, um longo
itinerário a cumprir, para que a Constituição do Brasil possa,
efetivamente, desenvolver-se em toda a sua integralidade e viabilizar,
desse modo, a consecução dos objetivos que dela são esperados.
Tenho impressão de que esta é uma nova época. Este é um momento
em que o Supremo Tribunal Federal claramente se situa entre o seu
passado e o seu futuro. E esse momento é rico em significação, pois
permitirá que esta Corte interprete a Constituição de forma compatível
com as exigências sociais e políticas que o presente momento histórico
impõe.
Conjur — Esse ativismo não está ainda um tanto quanto
acanhado, considerando que o Mandado de Injunção, um
instrumento importante, por exemplo, ainda não manda nada.
Celso de Mello — Concordo com a sua afirmação. O ativismo
judicial é um fenômeno mais recente na experiência jurisprudencial do
Supremo Tribunal Federal. E porque é um fenômeno mais recente, ele
ainda sofre algumas resistências culturais, ou, até mesmo, ideológicas.
Tenho a impressão, no entanto, de que, com a nova composição da

155
Corte, delineia-se orientação tendente a sugerir, no plano da nossa
experiência jurisprudencial, uma cautelosa prática de ativismo judicial
destinada a conferir efetividade às cláusulas constitucionais, que,
embora impondo ao Estado a execução de políticas públicas, vêm a
ser frustradas pela absoluta inércia – profundamente lesiva aos direitos
dos cidadãos – manifestada pelos órgãos competentes do Poder
Público.
Impõe-se, desse modo, que o Supremo dê passos decisivos não
só a propósito da plena restauração do mandado de injunção, mas,
igualmente, evolua em outros temas constitucionais de grande relevo e
impacto na vida do Estado e dos cidadãos.
Conjur — Com a expansão da legitimidade para permitir o
questionamento da constitucionalidade de leis por parte de outros
agentes que não a Procuradoria-geral da República o Supremo
tentou restringir a aceitação dos pedidos. Por que?
Celso de Mello — A Constituição de 1988 representou um
passo importante na pluralização dos órgãos e agentes ativamente
legitimados ao ajuizamento da ação direta de inconstitucionalidade.
Com a ampliação da legitimidade ativa para o ajuizamento da ação
direta e com a ruptura do monopólio que pertencia, no passado, ao
Procurador-Geral da República, pluralizou-se o debate constitucional,
do que resultou um maior coeficiente de legitimidade política e social
reconhecido aos julgamentos do Supremo Tribunal Federal, na medida
em que, agora, outros setores expressivos da sociedade civil passaram
a ostentar o poder extraordinário de ativar a jurisdição constitucional de
controle em abstrato de que se acha investido o STF. Esse dado é
importante, pois, como se sabe, o Supremo atua como verdadeiro
legislador negativo no processo de controle abstrato de
constitucionalidade, eis que, ao declarar a inconstitucionalidade de uma
lei federal ou estadual, esta Corte exerce uma clara competência de
rejeição, que provoca a exclusão do ato inconstitucional do sistema de
direito positivo. Essencial, desse modo, que se pluralize o debate

156
constitucional e que se aumente a participação da sociedade civil.
ConJur — O país, a Constituição, a doutrina e o quadro
político mudaram. Mas o senhor diria que hoje já há um equilíbrio
na relação entre os poderes? O Supremo já é o poder moderador?
Celso de Mello — O Supremo Tribunal Federal exerce uma
típica função moderadora, como o evidenciam diversos precedentes
firmados por esta Corte, especialmente naqueles casos em que se
estabelecem situações de conflito entre o Executivo e o Legislativo da
União, ou em que se registram os denominados conflitos federativos,
que antagonizam os Estados-membros entre si ou que opõem tais
pessoas políticas à União Federal, ou, ainda, naquelas situações de
litigiosidade entre os Poderes da República. Essa, na realidade, é a
confirmação do papel histórico do Supremo, tal como concebido pelos
fundadores da República. Vale relembrar, no ponto, a célebre
Exposição de Motivos de Campos Salles, então Ministro da Justiça do
Governo Provisório da República, em texto no qual, ao propor a edição
do Decreto 848, de 1890, assinalava que o Poder Judiciário, no novo
regime republicano, passaria a ostentar um perfil institucional mais
expressivo, notadamente porque investido do poder de controle da
constitucionalidade das leis e dos atos dos demais Poderes do Estado.
O Supremo Tribunal Federal, hoje, busca revelar-se fiel ao
mandato que os Fundadores da República lhe outorgaram. É preciso
agir com cautela,no entanto, para que o Supremo Tribunal Federal, ao
desempenhar as suas funções, não incorra no vício gravíssimo da
usurpação de poder.
ConJur — As mudanças se devem a pessoas. Quem são os
doutrinadores que contribuíram, eu sei que é impossível lembrar
de todos, mas pelo menos alguns nomes que contribuíram para a
evolução que o Supremo experimentou até chegar a esse ponto de
agora?
Celso de Mello — São muitos os doutrinadores nacionais cujas
lições, além de valiosas, têm concorrido com expressivo suporte teórico

157
destinado a aperfeiçoar esse processo de construção e elaboração de
uma nova jurisprudência constitucional.
ConJur — Então, inverto. Tivemos aqui durante cerca de 28
anos, um ministro que de certa forma, no arco ideológico,
antagonizava com o seu perfil, que é o ministro Moreira Alves.
Contudo, ele é reconhecido como uma espécie de liderança, voto
condutor em diversas matérias. Qual foi a contribuição de Moreira
Alves para...
Celso de Mello — Moreira Alves foi um dos mais notáveis
ministros que o Supremo Tribunal Federal já teve ao longo de sua
história. Foi meu professor de Direito Civil na Faculdade de Direito da
USP, na velha Academia do Largo de São Francisco.
ConJur — Ele lhe dava boas notas?
Celso de Mello — Ele foi um grande professor, um professor
muito querido pela nossa turma. Didático e profundo, ele nos atendia
com a máxima solicitude, demonstrando a sua inteira dedicação ao
magistério jurídico. Não hesito em dizer que ele foi, realmente, um
grande professor e um notável ministro do Supremo Tribunal Federal.
Eventuais dissensões de fundo doutrinário ou de caráter ideológico
apenas refletem uma constante que se tem revelado, historicamente,
no itinerário que o Supremo tem cumprido ao longo da República
ConJur — Qual é a contribuição do atual decano Sepúlveda
Pertence à doutrina do Supremo de hoje?
Celso de Mello — Tem sido extremamente importante no
delineamento e na formação da jurisprudência do Supremo. Essa
importância resulta não só do grande preparo intelectual de Pertence,
de sua notável experiência profissional, mas, também, do fato de ele
estimular a Corte a debater novas teses e abrir-se, sem quaisquer
preconceitos, a uma nova visão em torno de problemas impregnados
de alta relevância jurídica, social e política.
ConJur —Em matéria penal... ele foi voto condutor em que
matérias?

158
Celso de Mello — A participação do ministro Pertence tem sido
muito fecunda em diversas áreas da jurisprudência constitucional do
Supremo Tribunal Federal, à semelhança do que hoje ocorre, entre
nós, por exemplo, com o ministro Gilmar Mendes, que é o grande
doutrinador da Corte, notadamente no domínio e exposição das
técnicas de controle de constitucionalidade.
ConJur — O senhor identificaria algum aspecto mais
objetivo dessa contribuição?
Celso de Mello — O ministro Gilmar Mendes, no
desenvolvimento do sistema de controle de constitucionalidade, tem
suscitado teses cujo exame vem propiciando a abertura de novas vias
nessa delicada tarefa de fiscalização jurisdicional dos atos do Poder
Público.
ConJur — Outro nome bastante citado na mídia e dentro
dessa fase de maior visibilidade do Supremo é do ministro Marco
Aurélio. Qual a contribuição que ele deu?
Celso de Mello — O ministro Marco Aurélio também tem sido
outra figura importante na construção da jurisprudência do Supremo
Tribunal Federal. O fato de ele, em alguns momentos, proferir votos
vencidos sobre questões polêmicas não desautoriza esta minha
afirmação. Aquele que vota vencido não pode ser visto como um
espírito isolado nem como uma alma rebelde. Como enfatizava
Raymundo Faoro, o voto vencido constitui “o voto da coragem, de
quem não teme ficar só” . Aquele que vota vencido deve merecer o
respeito de seus pares e de seus contemporâneos, pois a História tem
registrado que, nos votos vencidos, reside, muitas vezes, a semente
das grandes transformações.
ConJur — O senhor acredita que bandeiras defendidas por
ele, como, por exemplo, a oposição à prisão civil por dívida do
depositário infiel, ou a obrigatoriedade da prisão enquanto se
apela, como aconteceu com a progressão de regime nos crimes
hediondos, podem vir a se tornar também entendimento coletivo?

159
Celso de Mello — Entendo que sim. É bastante alta tal
probabilidade.
ConJur — Qual é a contribuição para a doutrina do Supremo
de 2006 do ministro Celso de Mello?
Celso de Mello — Apenas a firme disposição de trabalhar muito
e de exercer, com responsabilidade, as graves funções de meu cargo.
ConJur — Os seus colegas citam bastante o trabalho na
área dos direitos fundamentais e garantias individuais e o
entendimento de que a Constituição vale em todo o país. Que não
há ilhas isentas, imunes à Constituição...
Celso de Mello — O Supremo Tribunal Federal não pode
permitir que se instaurem círculos de imunidade em torno do poder
estatal, sob pena de se fragmentarem os direitos dos cidadãos, de se
degradarem as instituições e de se aniquilarem as liberdades públicas.
No regime democrático, não há nem pode haver qualquer instância de
poder que se sobreponha à autoridade da Constituição e das leis da
República.
ConJur — Sobre o desenvolvimento do atual perfil do
Supremo, constata-se que é um Tribunal com muito mais
visibilidade que antes. E nesse tocante chegamos à TV Justiça,
que é um advento recente, mas que contribui. Como o senhor
examina o papel da TV Justiça?
Celso de Mello — A TV Justiça incorporou, ao cotidiano dos
cidadãos, a realidade do Poder Judiciário, expondo-o ao escrutínio
público, como convém a um regime político fundado em bases
democráticas. A visibilidade do poder do Estado representa um dos
pressupostos de legitimação material de seu próprio exercíco.
ConJur — Mesmo com o redimensionamento do papel do
Supremo, uma perspectiva histórica ainda há resistências quanto
à sua independência. Isso aparece em um momento em que há
quem exija ou peça ao Supremo patriotismo no sentido de que
haveria uma certa responsabilidade da governabilidade do

160
Supremo se antepondo aos ditames da Constituição. O senhor
acredita que o ministro do Supremo deve colocar em igual
patamar a letra da Constituição e a preocupação com a
governabilidade?
Celso de Mello — A preocupação com a governabilidade deve
representar um valor a ser considerado nas decisões dos ministros do
Supremo. Mas os juízes desta Corte têm um compromisso mais
elevado no desempenho de suas funções e esse compromisso traduz-
se no dever de preservar a intangibilidade da Constituição que nos
governa a todos. O Supremo Tribunal, como intérprete final da
Constituição, deve ser o garante de sua integridade. Atos de governo
fundados em razões de pragmatismo político ou de mera conveniência
administrativa não podem justificar, em hipótese alguma, a ruptura da
ordem constitucional. Cabe, a esta Corte, impedir que se concretizem,
no âmbito do Estado, práticas de cesarismo governamental ou que se
cometam atos de infidelidade à vontade suprema da Constituição."

161
ANEXO II
Artigo publicado no Boletim Jurídico, do dia 30/01/2006, como parte integrante
da Edução nº 163, sob o título Verticalização, de autoria do Advogado Alberto Rollo,
especialista em Direito Eleitoral, presidente do IDIPEA (Instituto de Direito Político
Eleitoral e Administrativo) e escritor de mais de 14 livros, entre eles: “Propaganda
Eleitoral – teoria e prática” e “O advogado e a administração pública”.
“Trata-se de instituto de direito eleitoral criado para exigir que as coligações
feitas em nível federal não sejam desmanteladas na esfera estadual. Assim, se o PL
tornar a fazer composição com o PT para o pleito presidencial terá que ver essa
coligação repetida em S.Paulo. Ou, como alternativa, poderá lançar candidato
próprio ao governo do estado ou não disputar o pleito para o governo do estado). O
que não poderá fazer é coligar-se, para o pleito estadual, com outro partido (PMDB,
PFL, por exemplo) assim disputando o governo do estado.
Já firmamos opinião, ainda em 2.002, no sentido de considerarmos, a
verticalização, uma camisa de força eleitoral a limitar a atuação partidária. Não
vemos como defender a verticalização como uma demonstração de coerência
partidária. É só olhar para o pleito de 2.002 e verificar que o PT, então de forte
conotação esquerdista, defensor de alteração profunda nas relações com o FMI e a
estrutura bancária acional e internacional, coligou-se com o PL do atual vice-
presidente José de Alencar que, exatamente ao contrário do perfil petista, defendia e
defende o exato cumprimento dos compromissos assumidos com a banca nacional e
internacional.
Essa coligação de dois projetos antagônicos foi realizada e perdura até agora,
sem que dela seja possível extrair qualquer coerência partidária e obediência aos
conflitantes princípios programáticos de ambos os partidos.
Em verdade, a verticalização foi instituída para facilitar a vida dos donos do
poder. Vem em benefício, principalmente, dos ocupantes do poder, seja no passado
(PSDB), seja agora (PT). É muito mais fácil enfiar a camisa de força da
verticalização de forma a exigir fidelidade aos partidos que fazem parte do poder, da
estrutura governista.
Lá atrás chegamos a classificar, nos idos de 2.002, essa verticalização como
comparável ao voto vinculado que, em 1.982 obrigava o eleitor a votar, tanto para o

162
governo do estado, como para deputados federais, estaduais e até para vereador
(porque o pleito foi conjunto, naquele ano) sempre no mesmo partido. Chamou-se,
aquele procedimento de excrescência da ditadura. Situação muito semelhante ao
procedimento de verticalização.
Diga-se mais, que a verticalização foi criada por Resolução do TSE, então
presidido pelo Ministro Jobim, em fevereiro de 1.982, menos de um ano antes do
pleito de outubro de 2.002. Dessa forma entendemos que não há que se falar em
princípio da anualidade agora, se vier a ser promulgada a emenda constitucional que
acaba com a verticalização nesse prazo menor do que um ano antes do pleito, se no
passado a verticalização foi criada pelo TSE com menos de um ano da data do
pleito. Não podemos esquecer que, no TSE têm assento três Ministros do STF o que
já faz supor ser, qualquer julgamento feito no TSE a respeito, uma prévia do que
acontecerá no STF.
Dirão alguns que o princípio da anualidade só se aplica às Leis de regência
da matéria eleitoral E, Resolução não é lei. Diremos nós que Constituição também
não é lei, embora seja ela conhecida como Lei Magna.
Há outros precedentes na Corte Eleitoral Superior, relativos ao princípio da
anualidade. Em S.Vicente, por exemplo, no pleito de 2.002, os vereadores locais
alteraram a Lei Orgânica Municipal diminuindo o número de vereadores. Isso foi feito
em 3 de junho de 2.000, para valer no pleito de outubro do mesmo ano. Pois a Corte
Eleitoral Superior e o STF entenderam que era válida a alteração por não afetar o
processo eleitoral. E, lembremos, a diminuição do número de vagas em um pleito
proporcional, altera, sim, o quociente eleitoral a vigorar naquela eleição. O que nos
permite entender que, a queda da verticalização sendo promulgada até 10 de junho
deste ano, quando começam as convenções partidárias que escolherão os
candidatos ao pleito deste ano, pode entrar imediatamente em vigor valendo para o
pleito de outubro de 2.006, este ano.
Outro argumento “ad terrorem” é aquele de que o tema chegará até o STF,
sendo decidido sabe-se lá quando. Pois, a candidatura de Geraldo Alckmin,
governador de São Paulo, ao pleito de 2.002, só agora, há menos de três meses, foi
examinada e aprovada pelo STF.
Assim, entendemos que é possível impedir a verticalização (se, derrubar não

163
é o termo técnico mais correto) para o pleito deste ano, a partir da promulgação, até
10 de junho do corrente, dessa emenda que está sendo examinada em Brasília.
Finalmente, acreditamos que ela vai ser aprovada porque, o guarda-chuva
que abriga todos os candidatos ao próximo pleito, com a única exceção dos
candidatos a presidente e vice-presidente da república é o guarda-chuva (financeiro
e institucional) do candidato ao governo do estado. E dar liberdade às coligações
estaduais e evitar o tiro no pé, coisa que nenhum deputado ou senador gosta de
fazer.”

164
ANEXO III

Notícia divulgada pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados, no dia 02


de janeiro de 2009, intitulada “Balanço do STF sobre 2008 mostra redução de 16,5%
no número de novas ações.”
“O Supremo Tribunal Federal (STF) recebeu, durante todo o ano passado,
99.218 novas ações para julgar, o que representou uma redução de 16,5% em
relação a 2007. O número de processos em tramitação no Supremo também
diminuiu, passando de 129.206 para 109.204 no período. Além disso, o número de
recursos distribuídos a cada ministro para relatar caiu 41,7% em relação a 2007. Ao
todo, entre acórdãos e concessão de medidas cautelares, o Supremo tomou
123.641 decisões, em 2008, ante 159.522, no ano anterior. Desse total, 4.789
decisões foram de responsabilidade do plenário. As demais decorreram das turmas
e de decisões monocráticas dos 11 ministros.
É a primeira vez, desde a promulgação da Constituição de 88, que o volume
de trabalho da principal Corte do País diminuiu em vez de crescer. O balanço das
atividades do Supremo em 2008 revela que aquela Corte aprovou dez súmulas
vinculantes em 2008 - mecanismo instituído pela Emenda Constitucional 45 que
obriga as instâncias inferiores a seguirem jurisprudência dos Tribunais Superiores -
comparado a apenas três em 2007. Além de ter criado o Conselho Nacional de
Justiça, a Emenda nº 45 abriu caminho para a assinatura, em dezembro de 2004, de
um pacto firmado pelos presidentes dos Três Poderes com o objetivo de assegurar a
aprovação da chamada "reforma infraconstitucional" do Judiciário.
O objetivo da reforma, que teve 39 projetos de lei aprovados entre 2005 e
2007, foi atualizar o Código de Processo Civil de 1973, enxugando prazos,
reduzindo o número de recursos e agilizando as decisões. Uma de suas principais
inovações, que exerceu um papel decisivo na redução do volume de trabalho no
Supremo, em 2008, foi a criação do instituto da repercussão geral. Por esse
mecanismo, quando o STF declara a existência de repercussão numa matéria de
interesse da coletividade, os demais tribunais suspendem automaticamente o envio
de recursos semelhantes, até que a mais alta Corte do País julgue o caso em caráter
definitivo. A decisão por ela adotada deve ser aplicada aos demais processos de

165
idêntico conteúdo por todas as instâncias e braços especializados do Judiciário, o
que ajuda a descongestionar a instituição e aumenta a segurança jurídica.
O balanço das atividades do Supremo em 2008 mostrou, ainda, que cerca de
14,4 mil decisões tomadas pela Corte trataram de matérias de repercussão geral. O
filtro permitiu ao STF deixar de perder tempo com o julgamento de matérias pouco
relevantes, como, por exemplo, os recursos em que se discutia se cabe indenização
por dano moral para torcedores de futebol que se sentirem prejudicados com o
rebaixamento de seu time, se há obrigatoriedade de colocação de semáforos em
faixas de pedestres e se há responsabilidade civil da União no caso de duplicidade
na emissão de Cadastro de Pessoas Físicas - CPF.”

166
ANEXO IV
Proposições apresentadas entre 1995 e 2003 tratando de coligações
partidárias

Orgão Situação
PL-2679/2003 Diversos Diversas
Autor: REFPOLIT .

Data de apresentação: 3/12/2003


Ementa: Dispõe sobre as pesquisas eleitorais, o voto de
legenda em listas partidárias preordenadas, a instituição de
federações partidárias, o funcionamento parlamentar, a
propaganda eleitoral, o financiamento de campanha e as
coligações partidárias, alterando a Lei nº 4.737, de 15 de julho
de 1965 (Código Eleitoral), a Lei nº 9.096, de 19 de setembro
de 1995 (Lei dos Partidos Políticos) e a Lei nº 9.504, de 30 de
setembro de 1997 (Lei das Eleições). Explicação: Projeto da
Reforma Política.

Despacho: À Comissão de Constituição e Justiça e de


Redação
PL-1067/2003 Diversos Diversas
Autor: Pompeo de Mattos - PDT/RS.

Data de apresentação: 22/5/2003


Ementa: Altera a redação do caput, § 1º, 2º e inciso I do § 3º,
do art. 6º, e § 3º do art. 15, da Lei nº 9.504, de 30 de
setembro de 1997, vedando a celebração de coligações
partidárias na faixa proporcional.

PL-82/2003 Diversos Diversas


Autor: Roberto Magalhães - PSDB/PE.

Data de apresentação: 19/2/2003

167
Orgão Situação
Ementa: Proíbe coligações partidárias nas eleições
proporcionais e dá nova redação ao art. 6º da Lei nº 9.504, de
30 de dezembro de 1997.

Despacho: Apense-se a(o) PL 1562/99.


REQ-25/2003
REFPOLIT Arquivada
REFPOLIT
Autor: Luiz Couto - PT/PB.

Data de apresentação: 25/11/2003


Ementa: Requer a realização de Audiência Pública no
município de João Pessoa - PB, para apresentação e
discussão do Anteprojeto de Lei, sobre financiamento público
de campanhas eleitorais, listas preordenadas pelos partidos
nas eleições proporcionais, federações partidárias e
coligações partidárias.

PDC-1652/2002 MESA Arquivada


Autor: SF .

Data de apresentação: 3/4/2002


Ementa: Susta a aplicação do § 1º do art. 4º da Resolução nº
20.993, de 2002, do Tribunal Superior
Eleitoral. Explicação: Suspendendo por um ano a aplicação
da Resolução do TSE que obriga os partidos políticos a
manterem a vinculação das coligações partidárias federais e
estaduais.

Devolvida ao
PDC-1621/2002 MESA
Autor
Autor: Inaldo Leitão.

Data de apresentação: 27/2/2002

168
Orgão Situação
Ementa: Susta os efeitos da Resolução do Tribunal Superior
Eleitoral que resulta na verticalização das coligações
partidárias para as eleições.

PL-7056/2002 MESA Arquivada


Autor: João Sampaio - PDT/RJ.

Data de apresentação: 26/6/2002


Ementa: Alera a Lei nº 9.096, de 19 de setembro de 1995,
que "Dispõe sobre partidos políticos, regulamenta os arts. 17
e 14, § 3º, inciso V, da Constituição Federal", para dar novo
disciplinamento ao acesso gratuito ao rádio e à televisão.
Explicação: Exige que a propaganda eleitoral divulgue a
posição do partido político em relação a Políticas Públicas, as
convenções para escolha de candidatos e a formação de
coligações partidárias; autorizando a participação de filiados
de outros partidos e a propaganda de candidatos a cargo
eletivo.

Despacho: Despacho à CCJR.


REC-228/2002 MESA Arquivada
Autor: José Genoíno - PT/SP.

Data de apresentação: 8/5/2002


Ementa: Recurso contra Decisão da Presidência que
indeferiu Questão de Ordem do Deputado José Genoíno
acerca da tramitação de Projeto de Decreto Legislativo
oriundo do Senado, em face da decisão que o Plenário
tomará com relação ao Recurso nº 211, de 2002, contra
inconstitucionalidade do Projeto de Decreto Legislativo nº
1.621, de 2002 (susta os efeitos da Resolução do Tribunal
Superior Eleitoral que resulta na verticalização das coligações

169
Orgão Situação
partidárias para as eleições).

Despacho: Despacho à CCJR.


VTS-9/2002 CCJR =>
REC-211/2002
Autor: Aldo Arantes - PCdoB/GO.

Data de apresentação: 2/4/2002


Ementa: Contra declaração de inconstitucionalidade do
Projeto de Decreto Legislativo nº 1.612, de 2002, que susta os
efeitos da Resolução do Tribunal Superior Eleitoral resultante
na verticalização das coligações partidárias para as eleições
de 2002

PL-5134/2001 MESA Arquivada


Autor: Inocêncio Oliveira - PFL/PE.

Data de apresentação: 16/8/2001


Ementa: Acrescenta parágrafo único ao art. 61 da Lei nº
9.504, de 30 de setembro de 1997, que "estabelece normas
para as eleições". Explicação: Dispõe que a urna eletrônica
permanecerá na zona eleitoral até quarenta e oito horas antes
do dia da eleição para ser vistoriada pelos partidos e
coligações partidárias.

PL-5061/2001 MESA Arquivada


Autor: Inocêncio Oliveira - PFL/PE.

Data de apresentação: 9/8/2001


Ementa: Acrescenta parágrafo único ao art. 61, da Lei nº
9.504, de 30 de setembro de 1997, que "estabelece normas
para eleições". Explicação: Exige que a urna eletrônica
pemaneça na zona eleitoral até quarenta e oito horas após o

170
Orgão Situação
pleito, para vistoria pelos partidos e coligações partidárias.

Despacho: Despacho à CCJR.


PL-350/1995 MESA Arquivada
Autor: MENDONCA FILHO - PFL/PE.

Data de apresentação: 19/4/1995


Ementa: Altera dispositivos da Lei nº 4.737, de 15 de julho de
1965 (Código Eleitoral). Explicação: DETERMINANDO QUE
NAS ELEIÇÕES PELO SISTEMA PROPORCIONAL NÃO
SERÃO PERMITIDAS COLIGAÇÕES PARTIDARIAS E QUE
SO PODERÃO CONCORRER A DISTRIBUIÇÃO DOS
LUGARES, OS PARTIDOS QUE TIVEREM ATINGIDO
QUOCIENTE ELEITORAL.

Despacho: DESPACHO A CCJR.

171
ANEXO V
Proposições sobre fidelidade partidária e reforma política de 1970 a 2009
Proposição Órgão Situação
EMC-1/2009 -
PEC-42/1995

Autor: Nelson Goetten - PR/SC e outros.


Data de apresentação: 10/6/2009
Ementa: Altera os artigos 17, 45, 46 e 55 da Constituição
Federal, determinando o fim da vinculação entre as
candidaturas em âmbito nacional, estadual, distrital ou
municipal, o fim das coligações partidárias proporcionais, voto
de legenda, o fim da suplência para o cargo de Senador e o
estabelecimento da fidelidade partidária
PL-4635/2009"
Autor: Poder Executivo.
Data de apresentação: 10/2/2009
Ementa: Submete à apreciação do Congresso Nacional, o
texto do projeto de lei que "Altera a Lei nº 9.096, de 19 de
setembro de 1995, e a Lei nº 9.504, de 30 de setembro de
1997, para dispor sobre fidelidade partidária".
Tramitando em Conjunto (Apensada à PL-
PL-4635/2009 CCJC
2211/2007 )
Autor: Poder Executivo.
Data de apresentação: 10/2/2009
Ementa: Altera a Lei nº 9.096, de 19 de setembro de 1995, e a
Lei nº 9.504, de 30 de setembro de 1997, para dispor sobre
fidelidade partidária. Explicação: Estabelece que os
parlamentares que mudarem ou forem expulsos de partido
deixarão de exercer os mandatos, que serão cumpridos pelos
suplentes, já que o mandato pertence ao partido político. Será
permitida a desfiliação partidária em caso de perseguição

172
política, mudança de programa partidário e criação de novo
partido, além de disputa de eleição subsequente, flexibilizando
a fidelidade partidária um mês antes das convenções
partidárias. Proposição que integra a Reforma Política/
Eleitoral.
REQ-79/2009 CLP CLP Arquivada
Autor: Luíza Erundina - PSB/SP.
Data de apresentação: 16/6/2009
Ementa: Requer a realização de Audiência Pública para
recepcionar a entrega e debater a Sugestão de Projeto de Lei
que "Dispõe sobre reforma política regulamentando o art. 14
da Constituição Federal, em matéria de plebiscito, referendo e
iniciativa popular e alterando a Lei n° 4.737, de 1 5 de julho de
1965, a Lei n° 9.096, de 19 de setembro de 1995 e a Lei no
9.504, de 30 de setembro de 1997, para dispor sobre
financiamento dos partidos políticos, sobre voto em listas
partidárias preordenadas e sobre fidelidade partidária.
REQ-6/2009
PEC04295 => PEC04295 Arquivada
PEC-42/1995
Autor: Luciano Castro - PR/RR.
Data de apresentação: 3/6/2009
Ementa: Requer, ouvido o Plenário da Comissão, seja
realizada audiência pública com a presença do Dr. Walter
Costa Porto, ex-Ministro do Tribunal Superior Eleitoral, sobre o
tema "fidelidade partidária".
REQ-5/2009
PEC04295 => PEC04295 Arquivada
PEC-42/1995
Autor: Luciano Castro - PR/RR.
Data de apresentação: 3/6/2009
Ementa: Requer, ouvido o Plenário da Comissão, seja

173
realizada audiência pública com a presença do Dr. Marco
Aurélio de Mello, Ministro do Supremo Tribunal Federal, sobre
o tema "fidelidade partidária".
REQ-4/2009
PEC04295 => PEC04295 Arquivada
PEC-42/1995
Autor: Luciano Castro - PR/RR.
Data de apresentação: 3/6/2009
Ementa: Requer, ouvido o Plenário da Comissão, seja
realizada audiência pública com a presença do Dr. Marcos
Coimbra, do Instituto de Pesquisa Vox Populi, sobre o tema
"fidelidade partidária".
SUG-174/2009
CLP Aguardando Parecer
CLP
Autor: Instituto de Estudos Socioeconômicos.
Data de apresentação: 18/8/2009
Ementa: Sugere Projeto de Lei para dispor sobre reforma
política, regulamentando o art. 14 da Constituição Federal, em
matéria de plebiscito, referendo e iniciativa popular e alterando
a Lei nº 4.737, de 15 de julho de 1965, a Lei nº 9.096, de 19
de setembro de 1995 e a Lei nº 9.504, de 30 de setembro de
1997, para dispor sobre financiamento dos partidos políticos,
sobre voto em listas partidárias preordenadas, sobre
coligações eleitorais, sobre instituição de federações
partidárias e sobre fidelidade partidária. Explicação:
Regulamenta a Constituição Federal de 1988, altera as Leis
nºs 4.737, de 1965 - Código Eleitoral, 9.096, de 1995 - Lei
Orgânica dos Partidos Políticos e 9.504, de 1997 - Lei das
Eleições e revoga o art. 11 da lei nº 6.978, de 1982, os arts. 1º
e 2º da Lei nº 7.015, de 1982; o art. 3º da Lei nº 7.454, de
1985; incisos da Lei nº 9.096; a Lei nº 8.037, de 1990; arts. da
Lei nº 9.504; a Lei nº 9.709, de 1998 e o art. 1º da Lei nº

174
11.300, 2006 - Lei das Eleições, minirreforma eleitoral.
INC-74/2007 MESA Arquivada
Autor: Ribamar Alves - PSB/MA.
Data de apresentação: 27/2/2007
Ementa: Sugere ao Ministro Presidente do Tribunal Superior
Eleitoral - TSE, a realização de um estudo técnico-específico
sobre o tema ''Fidelidade Partidária''.
Despacho: Publique-se. Encaminhe-se.
PEC-182/2007 CCJC Pronta para Pauta
Autor: Senado Federal-Marco Maciel - DEM/PE.
Data de apresentação: 23/10/2007
Ementa: Altera os arts. 17, 46 e 55 da Constituição Federal,
para assegurar aos partidos políticos a titularidade dos
mandatos parlamentares e estabelecer a perda dos mandatos
dos membros do Poder Legislativo e do Poder Executivo que
se desfiliarem dos partidos pelos quais forem eleitos.
Explicação: Altera a Constituição Federal de 1988. PEC da
Fidelidade Partidária.
Despacho: À Comissão de Constituição e Justiça e de
Cidadania. Apensem-se a esta a PEC 85/95 e suas
apensadas, e a PEC 124/07. Proposição Sujeita à Apreciação
do Plenário Regime de Tramitação: Especial
Tramitando em Conjunto (Apensada à
PEC-124/2007 CCJC
PEC-182/2007 )
Autor: Wilson Santiago – PMDB/PB.
Data de apresentação: 12/7/2007
Ementa: Dá nova redação ao inciso V do § 3º do art. 14, ao
art. 16, ao art. 45 da Constituição Federal, para estabelecer
prazos de filiação e desfiliação partidária, para a elegibilidade
e manutenção dos eleitos nos mandatos dos Poderes
Executivos Federal, Estadual, Municipal e dos Poderes
Legislativos Federal, Estadual e Municipal, institui a fidelidade

175
partidária, bem como estabelece o sistema majoritário na
eleição de Deputados Federais, Deputados Estaduais e
Vereadores. Explicação: Altera a Constituição Federal de
1988.
Despacho: À Comissão de Constituição e Justiça e de
Cidadania Proposição Sujeita à Apreciação do Plenário
Regime de Tramitação: Especial
PEC-71/2007 MESA Devolvida ao Autor
Autor: Márcio Junqueira – DEM/RR.
Data de apresentação: 29/5/2007
Ementa: Dá nova redação aos artigos 14, 17, 28, 37, 45, 46,
49, 56 e 82 da Constituição Federal, institui o voto facultativo,
altera a data da posse do Governador de Estado e do
Presidente da República, institui o sistema distrital misto nas
eleições proporcionais, dispõe sobre a remuneração de
Deputados Federais e Senadores, a contratação de parentes
de autoridades da administração pública, institui a candidatura
avulsa, veda a reeleição do Presidente da República,
Governador de Estado e do Distrito Federal e Prefeitos,
estabelece regras sobre renúncia de mandato e reeleição de
Senadores, Deputados Federais, Estaduais e Distritais e
Vereadores, reduz o número de Senadores e estabelece
regras para o reajuste do subsídio de Deputados Federais e
Senadores. Explicação: Altera a Constituição Federal de
1988.
Despacho: Devolva-se ao Autor, por não conter o número
mínimo de assinaturas indicado no inciso I do art. 60, da
Constituição Federal, combinado com o inciso I do art. 201, do
Regimento Interno da Câmara dos Deputados. Oficie-se e,
após, publique-se.
Tramitando em Conjunto (Apensada à
PEC-4/2007 PEC04295
PEC-42/1995 )

176
Autor: Flávio Dino - PCdoB/MA e outros.
Data de apresentação: 14/2/2007
Ementa: Dá nova redação ao art. 55 da Constituição Federal,
dispondo sobre a perda de mandato de Deputados e
Senadores, inclusive por infidelidade partidária. Explicação:
Inclui a infidelidade partidária como causa de perda de
mandato; extingue o voto secreto no processo de cassação de
Deputados e Senadores. Altera a Constituição Federal de
1988.
Despacho: À Comissão de Constituição e Justiça e de
Cidadania Proposição Sujeita à Apreciação do Plenário
Regime de Tramitação: Especial
PL-1723/2007 MESA Arquivada
Autor: Flávio Dino - PCdoB/MA.
Data de apresentação: 8/8/2007
Ementa: Dispõe sobre a interpretação, as conseqüências e os
efeitos das mudanças de filiação partidária. Explicação: Altera
a Lei nº 4.737, de 1966.
Despacho: Prejudico, nos termos do art. 164, II , do RICD.
Oficie-se e, após, publique-se.
PL-1445/2007 MESA Devolvida ao Autor
Autor: Sérgio Barradas Carneiro - PT/BA.
Data de apresentação: 28/6/2007
Ementa: Dispõe sobre o financiamento público de campanhas
eleitorais e fidelidade partidária, e dá outras providências.
Despacho: Devolva-se a proposição, por contrariar o disposto
no art. 67, da Constituição Federal, combinado com o art. 110
e art. 137, § 1º, inciso I, ambos do Regimento Interno da
Câmara dos Deputados. Oficie-se ao Autor e, após, publique-
se. DCD 10/08/07, pág. 39090, col. 02.
PL-1336/2007 MESA Devolvida ao Autor
Autor: Luciano Castro - PR/RR.

177
Data de apresentação: 14/6/2007
Ementa: Altera a redação dos artigos 9º, 11 e 105 da Lei nº
9.504 de 30 de setembro de 1997; dos artigos 88 e 94 da Lei
nº 4.737, de 15 de julho de 1965; do artigo 18 da Lei nº 9.096
de 19 de setembro de 1995, dispondo sobre prazos de filiação
partidária, domicilio eleitoral e fidelidade partidária.
Despacho: Devolva-se a proposição, por contrariar o disposto
no art. 67, da Constituição Federal, combinado com o art. 110
e art. 137, § 1º, inciso I, ambos do Regimento Interno da
Câmara dos Deputados. Oficie-se ao Autor e, após, publique-
se.
PL-624/2007 Diversos Diversas
Autor: Luciano Castro - PR/RR.
Data de apresentação: 3/4/2007
Ementa: Altera a redação dos artigos 9º, 11 e 105 da Lei nº
9.504 de 30 de setembro de 1997; dos artigos 88 e 94 da Lei
nº 4.737, de 19 de julho de 1965; do artigo 18 da Lei nº 9.096
de 19 de setembro de 1995, dispondo sobre prazos de filiação
partidária, domicilio eleitoral e fidelidade partidária.
PLP-124/2007 PLEN Pronta para Pauta
Autor: Flávio Dino - PCdoB/MA.
Data de apresentação: 17/10/2007
Ementa: Dispõe sobre a argüição de infidelidade partidária e
sobre a justificação para desfiliação partidária.
Despacho: À Comissão de Constituição e Justiça e de
Cidadania (Mérito e Art. 54, RICD) Proposição Sujeita à
Apreciação do Plenário Regime de Tramitação: Prioridade.
PLP-119/2007 CCJC Pronta para Pauta
Autor: Pompeo de Mattos – PDT/RS.
Data de apresentação: 10/10/2007
Ementa: Altera a Lei Complementar nº 64, de 18 de maio de
1990, em que estabelece casos de inelegibilidade, e dá outras

178
providências. Explicação: Torna inelegíveis para os 04
(quatro) anos subsequentes os detentores de mandato eletivo
que trocarem de partido político (infidelidade partidária).
Despacho: À Comissão de Constituição e Justiça e de
Cidadania (Mérito e Art. 54, RICD) Proposição Sujeita à
Apreciação do Plenário Regime de Tramitação: Prioridade.
PLP-35/2007 MESA Aguardando Retorno
Autor: Luciano Castro - PR/RR.
Data de apresentação: 3/4/2007
Ementa: Altera a Lei Complementar nº 64, de 18 de maio de
1990. Explicação: Torna inelegível o candidato que mudar de
partido nos 4 (quatro) anos seguintes, a contar da data de sua
diplomação ao cargo para o qual foi eleito. Projeto chamado
de "Lei da Fidelidade Partidária".
Despacho: À Comissão de Constituição e Justiça e de
Cidadania (Mérito e Art. 54, RICD) Proposição Sujeita à
Apreciação do Plenário Regime de Tramitação: Prioridade.
PDC-1556/2005 MESA Devolvida ao Autor
Autor: Paulo Delgado - PT/MG.
Data de apresentação: 23/2/2005
Ementa: Dispõe sobre realização de plebiscito sobre a
Reforma Política no primeiro domingo do mês de outubro de
2005.
Despacho: Devolva-se a Proposição por contrariar o disposto
no art. 3º da Lei nº 9.709/98 c/c o art. 137 § 1º, inciso I do
RICD. Oficie-se e, após, publique-se.
PRC-202/2005 ARQUIVO Arquivada
Autor: Colbert Martins - PPS/BA.
Data de apresentação: 24/2/2005
Ementa: Altera o Regimento Interno da Câmara dos
Deputados, dispondo sobre a data para fins de cálculo de
proporcionalidade para a composição da Mesa e das

179
Comissões.
PRC-201/2005 PLEN Transformado em Norma Jurídica
Autor: Bismarck Maia - PSDB/CE.
Data de apresentação: 24/2/2005
Ementa: Dá nova redação aos Arts. 25 e 26, do Regimento
Interno da Câmara dos Deputados. Nova ementa da redação
final: Altera os arts. 8º, 12, 23, 25, 26, 27, 28, 40 e 232 do
Regimento Interno da Câmara dos Deputados, determinando
que o número de vagas dos Partidos e Blocos Parlamentares
na Mesa e nas Comissões seja calculado com base no
número de representantes eleitos por cada agremiação no
último pleito. Explicação: Proíbe alteração na distribuição das
vagas nas Comissões Permanentes durante toda a legislatura.
Despacho: Às Comissões de Mesa Diretora da Câmara dos
Deputados e Constituição e Justiça e de Cidadania (Art. 54
RICD) Proposição Sujeita à Apreciação do Plenário Regime de
Tramitação: Urgência art. 155 RICD.
PL-4433/2004 MESA Arquivada
Autor: Juíza Denise Frossard - S.PART./RJ.
Data de apresentação: 16/11/2004
Ementa: Acrescenta parágrafo único ao artigo 24, da Lei nº
9.096, de 19 de setembro de 1995, que dispõe sobre partidos
políticos. Explicação: Dispensa do dever de fidelidade
partidária e livre de qualquer subordinação ao seu partido
político, todo aquele que estiver na Presidência de Casa
Legislativa.
Despacho: À Comissão de Constituição e Justiça e de
Cidadania (Mérito e Art. 54, RICD)
PL-5884/2001 MESA Arquivada
Autor: Aldir Cabral - PFL/RJ.
Data de apresentação: 11/12/2001
Ementa: Altera dispositivos da legislação eleitoral dispondo

180
sobre a filiação e fidelidade partidária e dá outras
providências. Explicação: Considerando inelegívies os
candidatos detentores de mandato eletivo que mudarem de
partido político no período para o qual foram eleitos, exceto se
a filiação se der entre 1º e 31 de março do ano da eleição;
alterando a Lei nº 9.096, de 1995.
Despacho: Despacho à CCJC.
Tramitando em Conjunto (Apensada à
PEC-242/2000 CCJC
PEC-85/1995 )
Autor: Mauro Benevides – PMDB/CE.
Data de apresentação: 11/5/2000
Ementa: Dá nova redação aos arts. 17 e 55 da Constituição
Federal, que dispõem sobre fidelidade partidária, promovendo
a perda do cargo eletivo nas hipóteses de o ocupante deixar o
partido pelo qual foi eleito e de grave violação da disciplina
partidária. Explicação: Altera a Constituição Federal de 1988.
PL-2610/2000 Diversos Diversas
Autor: Freire Júnior - PMDB/TO.
Data de apresentação: 21/3/2000
Ementa: Dispõe sobre o funcionamento e financiamento dos
partidos políticos, regulamenta o § 3º do art. 17 da
Constituição Federal, modifica os arts. 18, 38 e 39 da Lei nº
9.096, de 19 de setembro de 1995, acrescenta parágrafo ao
art. 23 da mesma Lei e revoga o art. 81 da Lei nº 9.504, de 30
de setembro de 1997 e o inciso III do art. 38 da Lei nº 9.096,
de 19 de setembro de 1995. Explicação: Regulamenta a
Constituição Federal de 1988. Estabelece critérios para
eleições e perda de mandato parlamentar; aumenta os
recursos orçamentários do fundo partidário e proíbe doações
diretamente ao partido político.
Tramitando em Conjunto (Apensada à
PEC-143/1999 CCJC
PEC-85/1995 )

181
Autor: Freire Júnior - PMDB/TO.
Data de apresentação: 27/10/1999
Ementa: Dispõe sobre a fidelidade partidária. Explicação:
Estabelece que perderá o mandato, o parlamentar que se filiar
a partido político diverso daquele pelo qual foi eleito. Altera a
Constituição Federal de 1988.
Tramitando em Conjunto (Apensada à
PEC-27/1999 CCJC
PEC-85/1995 )
Autor: César Bandeira - PFL/MA.
Data de apresentação: 28/4/1999
Ementa: Estabelece perda de mandato para os membros do
Poder Legislativo Federal, estadual e municipal que trocarem
de partido, alterando os arts. 17 e 55. Explicação: Alterando a
Constituição Federal de 1988.
Tramitando em Conjunto (Apensada à
PEC-24/1999 CCJC
PEC-85/1995 )
Autor: Eunício Oliveira – PMDB/CE.
Data de apresentação: 15/4/1999
Ementa: Acrescenta parágrafos ao art. 17 e altera o art. 55 da
Constituição Federal, dispondo sobre fidelidade partidária.
Explicação: Estabelece que perderá o mandato aquele que
descumprir decisão partidária tomada em convenção ou deixar
o partido sob cuja legenda foi eleito. Altera a Constituição
Federal de 1988.

Proposição Órgão Situação


PL-670/1999 MESA Arquivada
Autor: Aloysio Nunes Ferreira - PSDB/SP.
Data de apresentação: 20/4/1999
Ementa: Altera o art. 47, § 3º da Lei nº 9.504, de 30 de
setembro de 1997. Explicação: Dispõe que o cálculo da

182
parcela de tempo destinada a cada partido para campanha
eleitoral, levará em conta a quantidade de deputados eleitos
por cada partido, segundo resultado da última eleição para a
Câmara dos Deputados.
Despacho: APENSE-SE AO PL. 2220/99.
Tramitando em Conjunto (Apensada à
PEC-542/1997 CCJC
PEC-85/1995 )
Autor: César Bandeira - PFL/MA.
Data de apresentação: 22/10/1997
Ementa: Estabelece perda de mandato para os membros do
Poder Legislativo Federal, Estadual e Municipal que trocarem
de partido, alterando os arts. 17 e 55 da Constituição Federal.
Explicação: Permite a desfiliação partidária para participar
como fundador de novo partido ou após cumprir 2 (dois) anos
do mandato eletivo. Altera a Constituição Federal de 1988.
PEC-499/1997
Autor: Franco Montoro - PSDB/SP.
Data de apresentação: 6/8/1997
Ementa: Introduz o princípio de fidelidade partidária no
ordenamento jurídico brasileiro. Explicação: Acrescentando
parágrafo primeiro ao artigo 17; alterando a Constituição
Federal de 1988.
PL-3166/1997
Autor: NILSON GIBSON – PSB/PE.
Data de apresentação: 27/5/1997
Ementa: Altera a Legislação Eleitoral e Partidária.
Explicação: Fixa critérios para constituição do fundo
partidário, proíbe a realização de doação aos partidos
políticos, e exige fidelidade partidária dos filiados.
PEC-283/1995
Autor: Telmo Kirst - PPR/RS.
Data de apresentação: 6/12/1995

183
Ementa: Altera o artigo 14 da Constituição Federal, recriando
a fidelidade partidária, adota o voto distrital e estabelece a
coincidência geral das eleições a partir do ano de 2002.
Explicação: Alterando a Constituição Federal de 1988.
Tramitando em Conjunto (Apensada à
PEC-137/1995 CCJC
PEC-85/1995 )
Autor: Hélio Rosas - PMDB/SP.
Data de apresentação: 27/6/1995
Ementa: Dispõe sobre fidelidade partidária, acrescentando
parágrafos ao art. 17 da Constituição Federal Explicação:
Institui a perda de mandato no Senado Federal, na Câmara
dos Deputados, nas Assembléias Legislativas, na Câmara
Legislativa do Distrito Federal e nas Câmaras Municipais do
Parlamentar que se opuser aos princípios fundamentais do
estatuto partidário e que deixar o partido pelo qual foi eleito,
exceto se for fundador de novo partido. Altera a Constituição
Federal de 1988.
Tramitando em Conjunto (Apensada à
PEC-85/1995 CCJC
PEC-182/2007 )
Autor: Adylson Motta – PPR/RS.
Data de apresentação: 2/5/1995
Ementa: Dispõe sobre fidelidade partidária. Explicação:
Determina que o Deputado Federal ou Senador que se filiar a
partido político diverso daquele pelo qual foi eleito perdera o
mandato. Altera a Constituição Federal de 1988.
Tramitando em Conjunto (Apensada à
PEC-60/1995 PEC04295
PEC-42/1995 )
Autor: Sílvio Torres - PSDB/SP.
Data de apresentação: 11/4/1995
Ementa: Acrescenta inciso ao art. 55 da Constituição Federal,
punindo o parlamentar que se filiar a partido político distinto
daquele sob cuja legenda se elegeu. Explicação: Altera a

184
Constituição Federal de 1988.
Tramitando em Conjunto (Apensada à
PEC-51/1995 PEC04295
PEC-42/1995 )
Autor: Murilo Pinheiro – PFL/AP.
Data de apresentação: 6/4/1995
Ementa: Dispõe sobre o acréscimo do inciso VII do caput do
art. 55 da Constituição Federal. Explicação: Estabelece que
perdera o mandato o Parlamentar, Deputado ou Senador que
mudar de filiação político-partidária, antes de completar, pelo
menos, a metade do mandato. Altera a Constituição Federal
de 1988.
PEC-42/1995 PEC04295 Pronta para Pauta
Autor: Rita Camata - PMDB/ES.
Data de apresentação: 29/3/1995
Ementa: Dá nova redação ao art. 55 da Constituição Federal.
Explicação: Estabelece que perderá o mandato o Deputado
ou Senador que se desfiliar voluntariamente do partido sob
cuja legenda foi eleito. Altera a Constituição Federal de 1988.
Despacho: despacho inicial à CCJC.
PEC-29/1995
Autor: Mendonça Filho – PFL/PE.
Data de apresentação: 22/3/1995
Ementa: Dá nova redação aos artigos 17, 45 e 55 da
Constituição Federal. Explicação: Mudando dispositivos
relativos à fidelidade partidária e infidelidade partidária e
representação na Câmara dos Deputados de candidatos
eleitos, a metade em distritos uninominais, e a outra metade
por critério proporcional, alterando dispositivos da
Constituição Federal de 1988.

PL-107/1991 Diversos Diversas


Autor: Adylson Motta - PDS/RS.

185
Data de apresentação: 21/2/1991
Ementa: Estabelece normas de domicílio eleitoral, de
fidelidade partidária e dá outras providências Explicação:
Visando a introduzir na legislação eleitoral o domicílio eleitoral
e a filiação partidária por prazo inferior a 02 anos e o
restabelecimento da fidelidade partidária.
PL-5284/1990
Autor: Bonifácio de Andrada - PDS/MG.
Data de apresentação: 20/6/1990
Ementa: Dispõe sobre normas partidárias e autoriza a
prorrogação dos mandatos dos diretórios municipais.
Explicação: Simplificando a realização de atos partidários e
atribuindo à Executiva Nacional a competência para
regulamentar os dispositivos estatutários.
PLP-127/1989
Autor: Jorge Arbage - PDS/PA.
Data de apresentação: 7/8/1989
Ementa: Altera o artigo 1º da Lei Complementar nº 5, de 29 de
abril de 1970 - Lei das Inelegibilidades, e dá outras
providências. Explicação: Dispõe sobre a inelegibilidade do
titular dos cargos de Presidente da República e Vice-
Presidente da República, Governador, Vice-Governador,
Prefeito, Vice-Prefeito, Senador, Deputado Federal, Deputado
Estadual, Vereador, que deixar o partido político por cuja
legenda partidária tenha sido eleito.
PLP-246/1984
Autor: Francisco Amaral - PMDB/SP.
Data de apresentação: 5/12/1984
Ementa: Acrescenta parágrafo único ao artigo 22 da Lei
Complementar 15, de 13 de agosto de 1973, que regula a
composição e o funcionamento do colégio eleitoral que
elegerá o Presidente da República. Explicação:

186
Determinando a impossibilidade de fidelidade partidária dos
membros do colégio eleitoral.
PL-960/1983
Autor: Haroldo Sanford - PDS/CE.
Data de apresentação: 23/5/1983
Ementa: Estabelece que as diretrizes para efeito de
infidelidade partidária somente podem ser fixadas com maioria
absoluta, apurada em votação secreta, alterando o caput do
artigo 73 da Lei Orgânica dos Partidos Políticos.
PL-718/1979
Autor: Antônio Russo - PMDB/SP.
Data de apresentação: 26/4/1979
Ementa: Revoga a parágrafo terceiro do artigo 67 da Lei 5682,
de 21 de julho de 1971 (Lei Orgânica dos Partidos Políticos).
Explicação: Para impedir que os direitos de cidadania de
quem se transfere para outro partido sejam cerceados.
PL-3929/1977
Autor: Siqueira Campos - NI/NI.
Data de apresentação: 5/8/1977
Ementa: Introduz alterações na Lei Orgânica dos Partidos
Políticos. Explicação: Dispondo sobre o registro de novos
partidos.
PL-3472/1977
Autor: Theodulo Albuquerque - NI/NI.
Data de apresentação: 31/3/1977
Ementa: Altera a Lei 5682, de 21 de julho de 1971 (Lei
Orgânica dos Partidos Políticos) e a Lei 5781, de 05 de junho
de 1972. Explicação: Extinguindo a fidelidade partidária.
PL-3470/1977
Autor: Wilmar Dallanhol - NI/NI.
Data de apresentação: 28/3/1977
Ementa: Dá nova redação ao artigo 73 da Lei Orgânica dos

187
Partidos Políticos. Explicação: Na parte relativa às diretrizes
partidárias.
PL-2256/1976
Autor: Antunes de Oliveira - NI/NI.
Data de apresentação: 7/5/1976
Ementa: Altera a redação do art. 72 da Lei 5682, de 21 de
junho de 1971 (Lei Orgânica dos Partidos Políticos), incluindo
Prefeito e Vice-Prefeito nos casos de perda de mandato por
infidelidade partidária.
PL-1550/1975
Autor: Jorge Paulo - NI/NI.
Data de apresentação: 12/11/1975
Ementa: Altera a redação do parágrafo primeiro do artigo 67
da Lei 5682, de 21 de julho de 1971 (Lei Orgânica dos
Partidos Políticos). Explicação: O eleitor que desligar-se de
um partido somente poderá filiar-se a outro após decorrido o
prazo de 12 meses.
PL-157/1975
Autor: Jorge Paulo - NI/NI.
Data de apresentação: 3/4/1975
Ementa: Dá nova redação ao artigo 72 da Lei 5682, de 21 de
julho de 1971 – Lei Orgânica dos Partidos Políticos.
Explicação: Para estender aos Prefeitos municipais o instituto
da fidelidade partidária.
PL-2288/1970
Autor: Francisco Amaral - MDB/SP.
Data de apresentação: 24/9/1970
Ementa: Disciplina a fidelidade partidária prevista no
parágrafo único do artigo 152 da Constituição Federal, com
perda de mandato nos casos de infringência, e dá outras
providências.

188
ANEXO VI
Perfil dos Ministros do Supremo Tribunal Federal quando da elaboração
desta tese
Celso de Mello foi Presidente do Supremo, aos 51 anos, de 1997 a 1999, e
tem contribuído fortemente para a consolidação da jurisprudência da Corte,
influenciando significativamente as novas linhas de pensamento e orientações
adotadas nos julgamentos e nas decisões do STF. Os votos proferidos pelo Ministro
Celso de Mello também têm servido como referência doutrinária e jurisprudencial
para o estudo e a pesquisa de relevantes temas de direito na atualidade, inclusive no
campo do Direito Parlamentar.
Na entrevista que se analisou, o Ministro Celso de Mello deixa clara a sua
orientação no sentido de que compete ao Supremo Tribunal Federal pronunciar-se
sobre questões políticas, eliminando qualquer discricionariedade do Parlamento.
Essa postura do Ministro Celso de Mello tem servido de influência nas decisões do
Tribunal, contagiando outros Ministros que têm adotado essa solução, levando a
Corte a assumir feições de Casa Política.
Marco Aurélio Mello iniciou sua carreira como advogado no Rio de Janeiro.
Chefiou o Departamento de Assistência Jurídica e Judiciária do Conselho Federal
dos Representantes Comerciais no Estado do Rio de Janeiro. Foi Membro do
Ministério Público do Trabalho, integrou a Justiça do Trabalho da 1ª Região. Foi Juiz
do Tribunal Regional do Trabalho da 1ª Região e Ministro do Tribunal Superior do
Trabalho, além de Corregedor-Geral da Justiça do Trabalho.
Foi nomeado, em 1990, para o Supremo pelo Presidente Fernando Collor,
Presidiu o Tribunal Superior Eleitoral e ocupou a presidência do Supremo Tribunal
Federal no biênio 2001/2003. A posição de independência manifestada em seus
votos tem contribuído também para que haja uma renovação na orientação da
Suprema Corte quanto às questões políticas. O seu poder argumentativo e a notória
articulação de seus votos demonstram que o Ministro Marco Aurélio exerce
significativa influência nas decisões da Corte, provocando mudança na postura
clássica adotada no passado, quando outros Ministros lideravam as correntes
jurisprudenciais prevalecentes quanto aos limites de atuação do Poder Judiciário, na
análise de temas políticos.

189
Ellen Gracie. Desembargadora do Tribunal Regional Federal da 4ª Região
por 11 anos, tem uma postura mais influenciada pela neutralidade do juiz, por um
maior distanciamento da política. É uma ministra que tem como origem a
magistratura, o que tende a fazer com que sua postura seja mais distanciada da
arena política, mais jurídica. Mesmo assim, não hesitou, na qualidade de Presidente
da Corte, em adotar uma atitude arrojada, no sentido de imprimir maior amplitude ao
campo de atuação da Suprema Corte, inclusive apoiando decisões que adentram o
campo político, como ocorreu no caso da perda de mandato por troca de partido.
Gilmar Mendes. Foi Procurador da República, Consultor Jurídico da
Secretaria Geral da Presidência da República nos anos de 1991/1992. Participou
como Assessor Técnico na Relatoria da Revisão Constitucional na Câmara dos
Deputados em 1993/1994. Em 1996 tornou-se Subchefe para Assuntos Jurídicos da
Casa Civil. Atuou como Advogado-Geral da União no período de 2000/2002.
A experiência de Gilmar Mendes na Chefia Jurídica da Presidência da
República e como Advogado-Geral da União certamente representa um aspecto
importante na orientação de seus votos. A experiência próxima com a política
influenciaram também a sua visão jurídica e a orientação de seus votos, fazendo
com que a sua postura como Ministro seja diversa da de outros integrantes da Corte
que tiveram, ao longo da sua vida, uma carreira mais voltada para a magistratura,
com a visão de neutralidade própria do magistrado.
Cezar Peluso. Ex-desembargador do Tribunal de Justiça de São Paulo, 65
anos, foi o primeiro ministro do STF indicado pelo presidente Lula, em 2003. Iniciou
sua carreira como juiz substituto, da 14ª Circunscrição Judiciária de São Paulo, em
Itapetininga. Foi juiz de direito da comarca de São Sebastião (1968 a 1970) e da
comarca de Igarapava (1970 a 1972). Em 1972 passou a atuar na capital paulista,
primeiro como 47º juiz substituto da Capital (1972 a 1975), depois como juiz de
direito da 7ª Vara da Família e das Sucessões da Capital, de 1975 a 1982.
Após passagens como juiz auxiliar da Corregedoria-Geral da Justiça,
convocado pelo Conselho Superior da Magistratura, entre 1978 e 1979, e juiz do
Segundo Tribunal de Alçada Civil, 5ª Câmara, entre 1982 e 1986, Cezar Peluso foi
chamado para o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP), para o cargo de
desembargador. O ministro permaneceu no tribunal estadual de 1986 a 2003,

190
atuando também como membro efetivo do Órgão Especial daquela Corte, até ser
convidado pelo presidente Lula para assumir uma cadeira no Supremo Tribunal
Federal. A sua vivência como magistrado o coloca entre aqueles integrantes mais
vinculados a uma postura magistral, distanciada da visão política.
Carlos Britto. Ex-filiado do PT, é considerado a indicação mais partidária feita
por Lula. A filiação no passado de Carlos Brito demonstra um forte envolvimento com
as questões políticas, o que o colocam entre os que recebem uma influência
marcante da política ao proferirem suas decisões. A experiência política vai exercer
uma força significativa na orientação adotada, quando do julgamento de questões
políticas submetidas ao exame da Corte.
Joaquim Barbosa. Indicado por Lula. Trabalhou na gráfica do Correio
Braziliense. Foi Procurador da República. Joaquim Barbosa assumiu em 2006 a
relatoria da denúncia contra os acusados do mensalão e defendeu a aceitação das
denúncias com perfeição, resultando na aceitação da denúncia contra os quarenta
réus. O julgamento prossegue no Supremo, segundo acreditam a maioria da opinião
pública, pelo menos até 2010, podendo reverter o fato histórico de o Supremo
Tribunal Federal nunca ter condenado um político.
Também foi de sua iniciativa a abertura de processo contra o deputado
Ronaldo Cunha Lima, tendo sido esta decisão considerada história, pois foi a
primeira vez em que o Supremo Tribunal Federal abriu processo contra um
parlamentar. No dia seguinte, Cunha Lima renunciou ao mandato para escapar do
processo, o que provocou duras críticas por parte de Joaquim Barbosa. No polêmico
julgamento das células tronco, Joaquim Barbosa votou a favor da liberação de seu
uso para fins de pesquisas.
No Tribunal Superior Eleitoral, no mais polêmico julgamento desde que tomou
posse no tribunal, Joaquim Barbosa votou a favor da tese de que políticos
condenados em primeira instância poderiam ter sua candidatura anulada, sendo
porém voto vencido nesta questão, o que demonstra sua disposição em avançar nas
questões políticas. A passagem pelo Ministério Público faz de Joaquim Barbosa um
Ministro mais ousado no que tange ao controle da administração pública e da
atividade política. A postura mais combativa do Ministério Público se refletirá numa
postura mais ideológica quanto aos limites de atuação da Corte Suprema.

191
Eros Grau. Embora recentemente aposentado, participou ativamente em
diversos julgamentos importantes para a análise do ativismo judicial. Quando da
elaboração desta tese, Eros Grau ainda exercia o cargo de Ministro do Supremo
Tribunal Federal. Apontado como um dos grandes constitucionalistas do País. Eros
Grau, 67 anos, é esquerdista e o mais ideológico dos ministros do STF. Exerceu a
advocacia, em São Paulo, de 1963 até a sua nomeação para Ministro do Supremo
Tribunal Federal, em junho de 2004. Exerceu a função de árbitro junto à CCI – Cour
Internacionale d’Arbitrage, com sede em Paris, e em tribunais ad hoc, nacionais e
internacionais, sendo membro do Comité Français de l’Arbitrage. Foi membro do
Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social, designado, para este último,
pelo Presidente da República por decreto de 12 de fevereiro de 2003.
Foi consultor da Bancada Paulista na Assembléia Nacional Constituinte e
membro da Comissão de Acompanhamento Constitucional, designada pelo
Presidente do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, bem assim
membro da Comissão Pós-Constitucional, criada pelo Presidente do Conselho
Federal da Ordem dos Advogados do Brasil em setembro de 1988. A proximidade de
Eros Grau com o mundo político e acadêmico é uma fator que não pode ser
eliminado na análise da sua visão de magistrado, no controle e fiscalização da
atividade política. Sua postura diferirá daquela mantida por um clássico juiz, cuja
formação nas lides judiciais foi marcada pela neutralidade e imparcialidade
magistral.
Ricardo Lewandowski. Foi indicado pelo presidente Lula depois de consulta
feita à Ordem dos Advogados do Brasil. Advogado militante, ocupou também, vários
cargos públicos, como o de Secretário de Governo e de Assuntos Jurídicos de São
Bernardo do Campo. Em 1990, foi indicado, pelo quinto constitucional, para compor
o Tribunal de Alçada Criminal do Estado de São Paulo, cargo que ocupou até 1997,
quando foi indicado para o Tribunal de Justiça de São Paulo. O envolvimento político
de Lewndowski indica o tipo de postura que se deve esperar desse magistrado,
quando do exame de questões política. A sua experiência prática com a política
certamente influenciará o rumo de suas decisões acerca da atividade legislativa e
política.
Carmem Lúcia. Indicada por Lula, é ex-procuradora do estado de Minas

192
Gerais. É conhecida por atuar nas comissões da Ordem dos Advogados do Brasil e
em movimentos pela reforma política. Outra vez, vamos encontrar uma Ministra
fortemente influenciada pela vida política e pela estreita experiência com a
administração pública e com a criação e execução de atos políticos. Assim, suas
decisões serão influenciadas por essa vivência política e sua postura será diversa
daquela manifestada por um magistrado de carreira, moldado pelo ambiente próprio
dos Tribunais.
José Antônio Toffoli. Tem 41 anos e é o mais novo Ministro do Supremo
Tribunal Federal. Foi advogado do Partido dos Trabalhadores e Advogado-Geral da
União. Possui estreita ligação com o ambiente político, do qual, certamente, extrairá
muita influência nas tomadas de decisões como Ministro da Suprema Corte. Sua
postura é favorável ao avanço do Tribunal na decisão de questões políticas, o que
vem reforçar essa tendência da Corte.

193

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