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Revista Brasileira de Ensino de Fisica vol. 14 no. 1, 1992 - Diversos O Profissional de Educagao e o Significado do Planejamento Escolar: Problemas dos Programas de Atualizagao Jesuina L. A. Pacca” Instituto de Fisica, Universidade de Séo Paulo, Caiza Postal 20516, 01498-970 Séo Paulo, SP Recebido em 6 de Maio de 1991; aceito para publicagio em 27 de Janeiro de 1992 Resumo trabalho propde o objeto de trabalho a ser explorado em cursos de atualizacéo de pro- fessores em servigos: 0 planejamento didético. A discuss, reflexio e reelaboragéo das concepgées sobre ensinar ciéncias podem ser facilitadas com a discussio deste instrumento de produgio e controle da aprendizagem. Algumas consideragdes sobre a participago ¢ 0 papel dos professores em cursos de atualizacdo nos sugerem algumas vantagens dos cursos de longa duragao com relagao aos de curta duracéo. Abstract ‘This paper proposes the object of work to be explored for in-service updating courses: the didactic plan. Discussion, reflexion and reelaboration of the conceptions about science teaching can be facilitated with the discussion of this instrument for producing and controling the learning. Some considerations about the role of the participant teachers in updating courses suggest advantages for long duration courses. 39 (The education professional and the meaning of school planning: problemas of the updating programs) I. Introduc Nao é necessrio discorrer sobre os problemas atu- ais de ensino de ciéncias e, nesse contexto, localizar a questo da formagio do professor. Um recurso que vem sendo adotado com freqiiéncia, procurando corri- git deficiéncia do ensino principalmente referentes & m& formagéo do professor, é a atualizacao destes profissi- conais que, ao longo de algumas décadas, tem tomado feigées diferentes. Hoje, a atualizacéo dé pteferéncia ‘aos programas que trabalham om o professor sem de- slocé-lo da sala de aula. . A dificuldade encontrada quando se enfrenta a questo de atualizar o professor é definir objetivamente 0s problemas de ensino ligados diretamente & sua com- peténcia. Estes problemas caracterizam-se principal- mente por um mal estar e insatifagéo do professor com seu trabalho em geral; alguma objetividade é ex- pressa por uma vontade de encontrar “solugdes milagro- sas” para suas dificuldades em sala de aula (amplas e também mal definidas), melhorar suas aulas (revelando um idealismo quase sempre presente), tornar teu tra- fom suporte financeiro do CNPq. blho menos penoso e mais atraente tanto para si quanto para seus alunos, além de diminuir o isolamento social e profissional em que se encontra. Mas, insatisfagdo com os resultados do ensino for- mal também se encontra entre os alunos e a sociedade em geral, até, obviamente, entre aqueles que se sentem responséveis pela formacéo dada aos professores através de cursos regulares. Cursos de extensao, treinamentos em projetos es- pecificos, feiras, exposigdes e museus de ciéncias, tém sido recursos comuns, utilizados pelos professores uni- versitérios e por instituigdes de ensino superior, na ten- tativa de encontrar solugées. Para os professores do 19 ¢ 2° graus, além de serem uma oportunidade para melhorar sua competéncia, tais recursos servem ainda para aproximé-lo de outros colegas de profissio e de desilusio, quando no para reforcar seu parco salétio, O que o professor, na realidade, aproveita desses cursos ou treinamentos? A resposta a essa pergunta tem sido pouco procurada de modo objetivo; as pou- cas avaliagées efetuadas so excessivamente subjetivas e nao contemplam pontos essenciais da competéncia pro- 0 fissional. A falta de conhecimento sobre os resultados dos cursos de atualizacio é reconhecidn em geral por pesquisadores que trabalham com formagio de profes. sores alguns atribuem este fato no desconhecimento da propria pritica docente entre outros fatores (Rockwell fe Mercado, 1988). ‘Tais programas de atualizagio trazem em geral ‘um pacote pronto de materiais instrucionais ou de in- formagées atualizadas da ciéncia especifica, algumas transferiveis, poueas, sendo incorporadas as aulas ou servindo para dar alguma resposta aos alunos curiosos. A medida que encontram informagées interessantes © conseguem alguma aproximagio com as instituicoes ‘que oferecem os programas (getalmente ae universida- des), om professores procuram outros cursos, sempre ‘com a mesma disposigio, dizendo-se satisfeites com 0 que ouvern e aprendem, Mas, objetivamente, a eficiéncia desse processo & bbaixa. Nio sé pela quantidade de professores que ele tinge mas, principalmente, pela qualidade do qu con- segue modifiar no ensino em geral, As queixas de dif- culdades continuam, acrescentando-se a elas a decepio de nio conseguie transfert e aplicar grande parte das coisas bonitas que ouviram ¢ que mostearam alguma ressonincin com suas sensagées imediatas, A cficigncia ébaixa naquilo que consideramos funda ‘mental no perfil do professor, que é asta visio de ensing aprendizagem (mais para aprendizagem do que para ‘ensino) como um processo no qual a interagio professor- aluno (além de outros fatores igualmente importantes) ve favorecer e auxiliar a construcio do conhecimento individual. Adquirit essa nova visio requer um distan. ciamento © reflexio sobre a pritica docente cotidiana (Viennot, 1987) e isto nio parece estar sendo consi derado na maior parte dos programas de atualizagio, Atualmente novas formas de atualizaio estio sendo propostas bu do. indo tornar mais efetiva uma melhorin ino (Suarez, 1988; Ariza, 1987). Na tentativa de preender essa situacio vamos caracterizar os pro- amas de atualizacio no que eles oferecem de possibi- lidade de atuacio do profesor, dentro do préprio pro- rama em servic. A atualizagio de professores de Fisica através de cursos consste no desenvolvimento de um programa es. pecifico, em geralligado a um Projeto de Ensino (texto ‘ou outros materiais didtices) jéelaborado ou a tpicos de Fisica e/ou metodologia de ensino. Os cursos, cur. tos (como apresentados em Simpéeios) ot mais longos (cerca de 30 horas, nas féris ou ao longo do ano le- tivo), variam quanto a atividade do patticipante deade simples ouvinte até elaborador de materiis diditicos. Jesuina L. A. Pacea Os grandes projetos brasieitos (como por exemplo © PEF - Projeto de Ensino de Fisiea do qual pa pei) sempre tiveram, como parte do programa, 0 trei- ramento de profestores. Nos Simpésios de Ensino de 3, cursos curtos sobre t6picos de Fisica tém sido ‘oferecidos, junto com oficinas de material diditico, a professores de 19 © 29 graus. Algumas Universidades © Centros de Ciéncias tém programas de médio © longo prazo para atualizar professores de ciéncias, em que sio Includes cursos expecificos oficinas. De modo geral, as varias modalidades de atua- lizagio ¢ treinamento limitam a atuagio do professor ‘ conteiidos pré-estabelecidos ¢ limitados. Algumas ca- racteristicas que apresentamon a seguir sio comuns @ 1. A participagio do professor & geralmente passiva ‘ou “pseudo ativa’ com relagio ao contesido do curso. Os programas, sejam cursos expositivos, treinamen- tos em projetos diditicos, visitas a laboratdrios ou mu- seus, concebem 0 professor como ouvinte, na medida fm que 0 conteido e a forma de apresenticlo nao sio ppostos em diseussio. O professor, no miximo, apre- fenta alguma divida que & prontamente esclarecida pelo apresentador com a seguranga de quem domina aquele contetido e néo deixa brechas que revelem os de- {eitos eventuais da sua compreensio. sen atitude do apresentator é clara e fil de man- {er porque 0 programa a ser desenvolvido esta com- pletoe fechado para ele, impedindo-o mesmo de perce- ber idéias alternativas dos participantes, eventualimente plausives, 2. Os cursos trazem respostas a problemas for- ‘mulados indiretamente pelos autotes do programa sem ‘acesso direto a sala de aula, Sendo assim, favorecem 0 comportamento do professor de esperar respostas para uestées que nio foram trazidas por ele, embora em parte sejam comuns a todos. Por isso talvez a ati tude passiva; les no se arvoram em resolver problemas Por si mestnos e se sentem indevidamente e inaccita velmente avaliados, quando solicitados a tal tarefa; © desejo é mais o de ter solugies e saidas prontas para ar difculdades que eles identficam como suas. 3. 0 professor & colocado na situacio de aluno do ‘qual sempre se espera respostas certas; aquelas que 0 Drogramador quer ouvir. Nio é valoriaada e explorada ' atividade de relexio do préprio professor como se ‘somente a intervengéo externa pudesse moldar a sua ccabega © ele fosse um repositério de informagdes; na Fealidade essa mesina atitude é a que cle apresenta aoe ‘seus alunos e que deveria ser modificada pelo programa, fem ver de reforcada (Harris, 1989) 4. As exposigées do contetido so bem elaboradas ¢ “cientificamente” estruturadas sem levar em conta as concepces prévias (ou expontiinens), Nestas condigSes, 0 professor 13 ouve, sem poder Paticipar ativamente. A coeréncia, seqiéncia ldgica ¢ beleza do contetdo apresentado no tem ressonincia, Revista Brasileira de Ensino de Fisica vol. 14 no. 1, 1992 ~ Diversos 4 com suas formas de conceber mesmo contetido; 0 professor néo tem condigées de questioné-to nos seus indamentos limitando-se, na melhor das acompanhé-lo quanto & forma e & plausi oferece 5. Os cursos dio pouca oportunidade para a teracio entre os participantes, com troca de idéias sobre problemas reais ¢ auténticos Essa interacio acaba sendo pequena ou pouco nificativa, nio pasando de momentos em que se revela alguma solidariedade no enfrentamento de queixase di- ficuldades que o dia a dia da escola oferece. O tema do programa jé se oferece limitado e acabado, fio s0- brando espaco para as questées mais pessoais ou para, 1s mais corriqueiras entre as virias modalidades de atualizagio que fo ram catacterizadas conjuntamente, pode haver alguma, diferenciagio. Certamente a passagem de treinamento fem grande projetos para programas mais dinamicos ‘quanto & participagio de professores, jd é um avanco, Entretanto, é preciso ¢ possivel, neste momento, wm Passo adiante com programas que concebam 0 profes- sor como um profissional de edueagio, e no como aluno cuja eabega é moldavel por intervengéo exclusivamente De modo geral as caracteristicas desses programas revelam ainda procedimentos que sio incapazes de do- tar o professor de autonomia suficiente para que ele possa escolher o livro didatico que achar melhor, ex- is que julgar mais relevantes, ete, Ao contritio, tégin da dependéncia” parece permear 0 modelo dos programas existentes © professor, inferiorizado diante da sabedoria dos professores universitarios permanecera sempre na ex- Dectativa de que uma *solugio milagrosa” Ihe seja ofe- recida, Assim, repete-se 0 processo que ocorre na sala de aula onde a aprendizagem é considerada como uma acu. lagio de informacées jé elaboradas em vez de cons- tugio de comhecimento individual. © conteido exposto pelo programa deve ressoar de uma maneira como as idéias do ouvinte para que ele ppossa, modificélas. Por exemplo, questes conceituais, dda Histéria da Cigncia 36 terio sentido se 0 sujeito t ver dominio de algum sistema teérico ja estabelecido, Questdes sobre as concepsées alternativas dos estudan- tes a6 terdo sentido se sujeito dominar as concepcies cientificas estabelecidas; sabe-se que entre os professo- ‘es também se encontram concepgées alternativas nio ‘uficientemente esclarecidas. Divulgagio de conhec- ‘mentos cientifcos e tecnolégicos atuais ad feario a nivel de informagio, seo sujeito nio tiver compreensio cor- eta do fendmeno fisico que éexplicado por taisconheci- ‘mentor. Essa consideragio também vale para questoes sobre metodologia, recursos diditicos e materiais ins- trucionais; além de supor que condigdes mais gerais de IL O Papel da Atualizagio no Trabalho Pro- fissional Uma anilise mesmo superficial das questies levan- tadas leva a algumas consideracies sobre os processon de comunieagio e interagio desenvolvidos pela maioria, ddos programas de atualizagio em geral. Em todas as atividades esituagdes 0 profestor cons- troi muito pouco, nio produz quase nada de signfica- tivo, no exerce sua fungio de preparador, organizador, decisor de um programa de ensino. Conteatiamente, 0 seu dia a dia exige que ele tome decisdes e execute as tatefas complexas de ensinar, construa sua atividade diditica 0 “planejamento escolar” que a Escola solicita seria ‘© momento para tornar explicita e concreta esta tare, ‘mas o professor em geral satisfaz esta exigéncia ela. borando um documento que tem valor exclusivamente bburocritico, sem sentido para si mesmo e para o curso aque ele deve minis i Este espaco de atividade individual, originale cria- tiva nio éutilizado na realidade, nem valorizado ¢ con- siderado nos programas de atualizagio, Por outro lado, ‘no planejamento real do seu curso, & ele mesmo que en- contra as dificuldades, formula os problemas e procura, tesolvé-tos como pode, de acordo com sua competéncia, E esse planejamento raramente esté desctito no docti = “planejamento curricular” ~ elaborado cio de ano. ‘Talver ai pudesse ser dada, pelos programas de atu- alizagéo, uma ajuda substancial se propusessem parti das propostas explicitas do professor ao programar as suas estratégias diditiens, oferecendo subsidios adequa- dos eespecificos ‘Se o programa trabalhar com 0 professor na ela- ‘do seu planejamento, ele experimentari a si- tuagio de ser ouvido naquilo que é seu problema e de ter suas idgins consideradas e discutidas, para a possivel reelaborasio. Porque, na realidade, sio essas as idéias {que ele vai utilizar no enfrentamento dos problemas re- ais, a0 tentar resolvé-os utilizando sua capacidade e competéncia. Como diz Hewson (1980) em telagio a aprendizagem em geral, também os professores devern tornar-se capazes de seu préprio processo de mudanga, conceitual Em outros termos, se os programas de atualizacio pretendem contribuir efetivamente para o crescimento profisional do professor, devem atuar de modo a fazer com que ele possa incorporar as informagées nos seus ‘exquemas de acio em sala de aula, em ves de simples- mente adoté-las tentando substituir ou jgnorar of seus ‘exquemas de agio espontineos ou alternativos. ‘Traba- Ihando sobre 0 planejamento que 0 professor elabors, todes os conteidos, sejam relativos a compreensio da propria dsciplina, evolugio histériea, tecnologia atual, concepgées dos estudantes, etc, podem set inseridos 2 com coeréncia € respeito ds condigies de ensino e is capacidades do professor, © planejamento deve ser concretamente 0 insteu- nto pedagégico imprescindivel na atuagio profissio. nal, que, tendo objetivos bem definidos, guarda part cularidades e especficidades de acordo com os usuétios as condigées de sua utilizagio, ‘Trabalhar sobre ele ‘num programa de atualizacio representa utilizar cor cretamente um espaco pedagsgico auténtico para a introdugio dos eritérios ¢ conteidos signfieativos na telagio ensino-aprendizager, Em resumo, no nosso modo de ver, a atualizagio deve ser eapaz de prover 0 professor de capacidade para ocurar solugées adequadas aoa problemas nde aula e de ajudi-lo a construir o insteumento foducio e controle da aprendizagem: 0 “planeja- 0 escolar” De modo mais amplo, um terceito objetivo deve também ser considerado: 0 de favorecer a integragio social do professor, ajudando-o a reconhecer sua fungio profissional Limitando nossa preocupagio & aprendisagem de Fisica como meta das atividades em sala de aula, con sideramos que os programas de atualizagio, mantendo 1 variedade de formas que os vém caracterizando, de- veriam adotar procedimentos coerentes com uta con cepgio do professor como profissional de educacio € trabalhar sobte o produto do seu trabalho, a aprendi zagem, através do instrumento de produgia e controle, Jesuina L. A. Pacea 6 “planejamento". Assim, estariam partindo da rea- lidade da atuagio em sala de aula, para reelaboré-la ‘om continuidade ¢ avangos na diregio de uma atuagio esejnda, isto &, aquela do profissional de ensino que :mantém sua individualidade, respeita sua competéncia, ‘¢aponta para o ensi Bibliografia rt RL P,, El maesteo como investigador en el aula Tnvestigar para conocer, conocer para enseiiar. Investi- gacién en la Escuela n® 1, 1987. Universidad de Sevilla. Guerra, M.A.S., Del disefio y desarollo curricular como marco de la formacién del profesorado, Investigacién en la Escuela n® 10, 1980. Universidad de Sevilla Halbwachs, F., La fisiea del profesor entre Ia fisiea del fisico y laisica del alumno. Easenanze de las Ciencias, vol. 1, 2? 2, 1987. Harris, 1, Education of physics teachers: a one-year postgraduate course. Eur. J. Phys.,n® 10, 1980. Hewson, P. W., The conditions of conceptual change in the classroom. Int. J. Sei. 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