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—__— PRIMEIRA————— oe ry NT ANOS Fr en Je : alse LS OURS me tine) ro a PETC ae ie het | a vida pela pati wy 3 ‘ = f tries eae EGIL a nist ad CSN > et A a SS M MASSA 7 ; Se ELIE ig = oe Renee rie matar fs ee rae EDITORIAL Ha cem anos, teve inicio o maior € mais sanguindrio con- flito até entdo. Foi o inicio do periodo que o historiador bri- tanico Eric Hobsbaw chamou de “Era das Catéstrofes” (1914 - 1945). Embora, na época, muitos defendessem a Primeira Guerra como a "guerra que acabaria com todas as guerras", © confronto acabou provocando um efeito domind, desenca- deando novas hostilidades que se desenrolaram até o final do século passado. A derrota da Alemanha em 1918 levou o pais a revidar e langar 0 mundo todo em outra guerra mundial, a qual, por sua vez, mudou os eixos de poder e inaugurou um conflito de desgaste, a Guerra Fria, que continuou até a aber- tura da Cortina de Ferro, no final dos anos 1980. Esta edicdo especial de Mundo em Foco revela os detalhes da Primeira Guerra Mundial e explica as principais frentes de batalha, os tratados de paz e as consequéncias para os der- rotados. Traz, também, 0 aspecto humano do contlito, com biografias, cartas dos soldados, armas e equipamentos usados, além de um depoimento exclusivo de quem viu tudo de pertogf Fotos: Shutterstock Boa leitura! Claudio Blane AS CAUSAS DA PRIMEIRA GUERRA. Nase ee PeeWee er Cy Caray Ose Ua Oe Orea aa) saan aoe RUSSIA: DA GUERRA A REVOLUGAO.... DT WLI Chas a ae OOD CPC are RUC Ce Teac ary ON EU ree BTU CO) ae HEROIS ANONIMOS ... MEMORIAS DA GUERRA Uae OLS Cay NAG Uae Re CUS US p Parte -O MUNDO EM GUERRA As Causas DA PRIMEIRA GUERRA ‘As causas da Primeira Guerra Mundial compéem um dos temas mais estudados da Historia. Um as- sunto espinhoso, o qual historiadores e observadores apresentam diferentes interpretacdes numa bata- lha tedrica que parece nao ter fim. Na verdade, a Primeira Guerra Mundial, o maior e mais sanguinario conflito até entao e 0 inicio do perfodo que 0 histo- riador briténico Eric Hobsbaw chamou de “Era das Catéstrofes” (1914 — 1945), tem suas origens bem antes de 1914 envolve as intrincadas relacées entre as poténcias europeias. Em seu livro Austria-Hungary and the Origins of the First World War, Sarwuel R. Williamson enfatiza 0 papel do Império Austro- Hiingaro como catalisador da guerra. Contudo, 0 atentado que assassinou 0 arquiduque Ferdinando da Austria foi apenas 0 estopim que inflamou a at- mosfera tremendamente volétil da Europa no final do século XIX e inicio do XX. Ao longo de todo o século XIX, 0 continente europeu foi marcado por conflitos que desenha- vam a nova distribuico do poder, movimentos politicos e socials que foram deflagrados pela Revolucdo Francesa e que, numa corrente de eventos, s6 se estabilizariam, crise apés crise, de- pois da Segunda Guerra Mundial. Origindria da Suica, a dinastia Habsburgo es- tava no trono austriaco desde 1279, no qual ha- via se mantido habilmente por meio de aliancas que incluiam unides matrimoniais com as fam‘- lias mais poderosas da Europa. No século XIX, os Habsburgo tinham feito da Austria o segundo maior Estado europeu, menor apenas do que a Raissia, A partir de 1848, porém, as coisas comecaram a mudar. Nesse ano, no qual Karl Marx e Friedich Engels publicaram o Manifesto Comunista, revolu- ¢6es contra o regime mondrquico ergueram-se por todo 0 continente. © Império Austriaco também foi contagiado e afetado, Para tentar acalmar os ari mos, Klemens Metternich, ministro das Relagdes Exteriores e, depois, chanceler dos Habsburgo, pe- ‘@-chave na manutencao do equilforio do poder em toda a Europa e da supremacia austriaca na Italia, {oi afastado. Repressor do liberalismo, viu-se obri- gado a fugir para a Inglaterra, enquanto o impe- rador continuou a combater os rebeldes até 1851 Em 1856 e 57, Francisco José e sua esposa Soldados americanos atacando alemaes numa carga com baionetas, na Franca Bizabete, apelidada Sissi, vistaram a Lombardia, Veneza e Hungria (que faziam parte do Império Austriaco) em “viagens de reconciiagao" Influenciado por Sissi, Francisco concedeu uma ampla anistia aos nobres revoltosos. Isso fez que ela se tornasse muito popular entre seus siditos. No ano seguinte, no entanto, o império perdeu a Lombardia. Foi a primeira de uma sucessao de der- rotas. Em 1866, a Alemanha, em processo de unifi- cagéo e com apoio da Itélia, venceu a Austria na. Guerra Austro-Prussiana, acabando com o domi- nio austriaco sobre a Confederacéo Germénica, uma alianca para defesa mitua entre 39 Estados alemées, formada em 1815, que possibilitou a fundacao do Primeiro Reich. Entre as perdas, a rica Veneza. No ano seguinte, cedendo as pressoes (e influenciado pela esposa), Francisco José elevou ad Cay Covey one Sea cert eso Sanaa) ter to A Acorte austriaca preservava uma imagem diferente do império que se esfacelava. O luxo € Bee eu ed Come ce SMR PS ue eee Lae imperatriz do povo, vivia sua lenda de linda princesa perseguida pela rainha ma, no caso a arquiduquesa Sofia. A mae do imperador tentava controlar 0 Ee eRe er ge Gee Run er ee eee ete eee) uma sala de gindstica em seus aposentos, num eee Reuse une ee ee ee eee ee on CO eee tee Cece ce me Ey Omen eects 10 5 z a | a 3 y Memorial de Otto von Bismark a Hungria a condigao de reino, criando 0 Império Austro-Hingaro Enquanto Francisco José se desdobrava para manter a importante posicéo da Austria, a pom- pa da corte, os belos edificios de Viena, a valsa € 0 brilho popular de Sissi iluminavam a fachada de um império que rufa frente as movimentacées, que abalavam a Europa Central No inicio do século XX, 0 Império Austro- Hangaro estava seriamente ameacado de se des- fazer. Em 1908, a Bosnia-Herzegovina foi anexa- da ao Império. Aquilo que parecia ser uma vitéria apenas incitou os animos de uma emergente poténcia militar, a Sérvia, que também queria se apossar desse territério, O evento deixou no ar a tenséo que precipitou a Primeira Guerra Mundial. Seguindo o tradicional papel de prote- tor da Bésnia-Herzegovina, 0 czar russo opés-se veementemente a anexacao. Contudo, a Russia no tinha poder militar para apoiar a Sérvia e nao lutou contra a Austria. As animosidades entre a maior poténcia da Europa Central € 0 maior império da Europa Oriental acabaram por acirrar os énimos das poténcias da Europa Ocidental: Reino Unido, Franca e Alemanha. Unidas por aliancas politi- € divididos pela competicéo comercial, que exigia dominar e colonizar paises produtores de matérias-primas vitais para seus processos indus- triais, essas nacées logo se posicionaram. Num tempo em que o nacionalismo exacerbado era © leme que guiava as acées politicas em toda a Europa, 0 tabuleiro para o jogo da guerra havia sido montado. De um lado, Reino Unido, Franca, Itdlia e Russia. Do outro, os Poderes Centrais: Alemanha, Império Austro-Hiingaro e Turquia REDE DE ALIANGAS Tre eRe Et CT eae an tee ed ee eee ae Cee Dee eee orquestradas por Otto Pee eer ta eae Oe a ne reece on Bismarck, chance! lo XIX. Seus esforcos foram Cee a een rg Russia ao lado da Alemanha, a fim de evitar eeu ee arte: fom Mane enc sm&0, ele descontinuou a politica de Bismarck en Ee CU ee ee eens faery eee ae ice se eT Puen ere eure Gee eae ee teen ica! 0 Entente Cordiale; e, em 1907, com a ere Pe ue eR een ae Unido militar entre esses trés paises, que veio a ser Bree eda cr cu cle ere ce tendéncias dessa intrincada rede de aliancas foram bem ilustradas por uma caricatura publicade eee Lune Cee ure eee Cr Bee ee eeu Cerca eect ener Curae eee cnt reat Acaricatura Rede de Amizades, publicada nos EUA, em 1914, Com efeito, a Crise da Bésnia armou a bom: ba. Em 1912, por conta da incapacidade de apoiar militarmente a Sérvia durante a Primeira Guerra dos Bélcis (1908) ~ e também para acompanhar a corrida armamentista entre Inglaterra, Franca e Alemanha iniciada no final do século XIX -, a Riissia anunciou que iria reformar seu exército. Imediatamente apés 0 aniincio, o secretario do Exterior alemao, Gottlieb von Jagow, declarau no parlamento: “Se Austria for forgada, por qualquer motivo, a defender sua posicao de poténcia, devemos apoid-la”. Os lideres do exército alemao passaram a pressio- nar o kaiser para mover uma “guerra preventiva” contra a Russia Na verdade, a declaragao de von Jagow foi respondida pelo secretério do Exterior britanico, sir Edward Grey. Segundo David Fromkin, autor de Europe's Last Summer: Who Started the Great War in 1914?, Grey avisou 0 principe Karl Lichnowski, 0 embaixador alemao em Londres, que, se a Alemanha oferecesse um “cheque em branco” para fazer uma guerra nas Bélcis, “as consequéncias seriam incalculaveis”. Ele insinuava que, se a Alemanha atacasse a Franca, por conta da questado territorial da Alsécia-Lorena, a Inglaterra interviria a favor da Franca. Grey nao poderia estar mais certo. AS consequéncias da Primeira Guerra Mundial viriam a ser as piores até entdio conhecidas pela huma- nidade. Arevolucionaria metralhadora Maxim, usada na Primeira e na ‘Segunda Guerra: A corrida armamenticia foi um dos motivos que levou as poténcias europeias ao conflito. n & a 12 CAUSAS. en ar eee eee Oe ete neem cos e culturais e uma complexa Paredes seme aia + Intrineado sistema Ce ee ee eee rent eee eed si Se ee et Seen Dea srimas a ace) eee) + Anecessidade, principalmente para a Franca, a ve ere ee erate eee cs Segundo o historiador Samuel R. Williamson, 0 _governo imperial austro-hiingaro estava convencido de que as ambigdes russas nos Balcis estavam de- sintegrando o império e acreditava que uma guer- ra contra a Sérvia, com apoio da forte Alemanha, neutralizaria tanto a Rtissia como a Sérvia. Os tur- cos também desejavam vencer o§ russos, os quais ameacavam seus interesses regionais e se aliaram & Austria. Ndo contavam, como também nao conta- vam os alemaes, que os britanicos e os franceses in- terviriam, precipitando todo o continente e também ‘outras regides do globo numa guerra mundial Ja o historiador britanico especialsta em Primeira Guerra Mundial David Stevenson aponta para a cor- rida armamenticia como a maior causa desse con- flito. “A corrida armamenticia era uma precondicao necessaria para o inicio das hostilidades”, escreveu Stevenson. Outro historiador, David Hermann, vai além e afirma que "a corrida armamenticia real- mente precipitou a Primeira Guerra". Outros estu- diosos sustentam que o crescimento do poderio na- val aleméo foi o fator que azedou o relacionamento entre o Reino Unido e a Alemanha. Era esse 0 estado de coisas — relagées inflama- veis (¢ inflamadas) entre as poténcias europeias. A atmosfera estava tio saturada que bastava riscar um fésforo para 0 conflito explodir. E 0 fésforo foi riscado na forma de um assassinato. Em meados de 1914, 0 arquiduque da Austria Francisco Ferdinando, sobrinho do imperador e her- deiro do trono, foi a Sarajevo, capital da Bésnia- Herzegovina, tentar acalmar os animos dos suditos ‘A Ponte Latina, em Sarajevo, Bésnia- -Herzegovina: nesse local, 0 arquiduque Francisco Ferdinando foi assassinado pelo radical sérvio Gavrilo Princip. Suttestock/Panos Kars Fi Sarre Be oa A Torre Branca, marco da cidade de Tessalénica, na Grécia, territério que os austro-hiingaros tencionavam tomar. sobre a ferida aberta em 1908: a questo sérvia. A Sérvia, independente desde 0 inicio do século XIX, esforcava-se para unificar os territérios eslavos ao sul de sua fronteira: Macedénia, Montenegro e Bosnia-Herzegovina. Nessa tentativa, bateu de frente com os. interesses austro-htingaros, cuja politica expansionista, o “Drang nach Osten" (a “Marcha para Oeste"), visava a estender 0 império e chegar até o porto de Tessalénica, na Grécia. Francisco Ferdinando fez visitas e promessas, € acabou assassinado por Gavrilo Princip, um radi- «al sérvio, em 28 de junho de 1914. O imperador Francisco José, na época com 84 anos, fez duras exi- sgencias a Sérvia, que recusou parte delas. Motivado pelo suporte recebido e para evitar uma guerra civil que fragmentaria o império, no final de julho de 1914 a Austria-Hungria declarou guerra a Sérvia. As outras, poténcias europeias langaram-se no confito e, logo, todo o continente virou palco de operagdes militares. Shuttersock/Sherjaca 4 A Frente OcIDENTAL A Primeira Guerra Mundial foi um dos maio- res conflitos protagonizados pela humanidade = uma guerra na qual praticamente todas as grandes poténcias foram envolvidas, empreen- dida com armas com elevado poder de destrui- a0. O drama humano vivido nas trincheiras, sob 0 fogo cerrado, ou nas corridas pela “terra de ninguém" - 0 espaco vago entre as trinchei- ras -, onde os soldados avangavam sob intenso bombardeio, sendo varridos por metralhadoras, acabou por modificar 0 comportamento nao s6 da geracao que viveu esse confflito, mas também das seguintes, fazendo que o século XX fosse uma era de mudancas de comportamento e nas convengées sociais sem precedentes. No comeco das hostiidades, a estratégia dos Poderes Centrais (a Alemanha, a Austria e a Turquia) teve problemas de comunicacéo, 0 que prejudicou suas operacées iniciais. A Alemanha deveria apoiar tock © império austro-hingaro numa invasio a Sérvia, mas a maneira como isso seria feita nao foi planeja- da. De acordo com o recente trabalho do historia~ dor Hew Strachan, The First World War, considera- do uma das melhores sinteses sobre 0 confiito, os Oficiais austriacos haviam entendido que o exército do kaiser ira cobrir o fianco norte, neutralizando os russos. No entanto, os generais alemaes entende- ram que a Austria-Hungria deveria conter os russos, enquanto 0 exército do kaiser cuidava da Franca. ssa confusdo inicial levou o exército da Austria- Hungtia a se dividir em duas frentes: uma contra a Rassia e outra contra a Sérvia. Os austriacos tentaram invadir a Sérvia, en- frentando 0 exército do pals na Batalha de Cer (travada entre 16 e 19 de agosto de 1914) - a primeira derrota dos Poderes Centrals. As forcas austro-hiingaras foram, em seguida, derrotadas na Batalha de Kolubara (3 a 9 de dezembro de 1914). Enquanto os austriacos eram deixados para Shuttestod/Sisan Law Con enfrentar 0s russos, 0 exército alemao abriu © Front Ocidental, invadindo Luxemburgo, que nao ofereceu resisténcia. Em seguida, a Alemanha planejava atacar a Franca invadindo a Bélgica, que era neutra. Os alemaes trataram a populacdo civil da Bélgica com tanta barbarie que 0 episédio ficou conhecido como o Estupro da Bélgica. A partir desse pais, 0 exército do kaiser entrou na Franca, chegando até os arre- dores de Paris, onde passou a controlar impor- tantes regides industriais da nacéo. A INVASAO DA BELGICA Nos primeiros dias de guerra, os alemaes sur- preenderam invadindo a Bélgica, que tinha sua neutralidade assegurada pelo Tratado de Londres, de 1839 — assinado pelas poténcias europeias que reconheciam e garantiam a independéncia e neu- tralidade da Bélgica Mas a violaco do tratado de neutralidade nao foi a pior coisa que os homens do kaiser protagonizaram. Como foi dito anteriormente, a maneira como os alemaes trataram os civis bel- gas foi logo apelidada de “Estupro da Bélgica” Em algumas cidades, a violencia contra os civis escalou, Temendo guerrlheiros belgas, os alemaes incendiaram casas e executaram milhares de civis = inclusive mulheres e criancas. De fato, assim como o assassinato de civis € 0 saque, 0 estupro era uma realidade a que as mu- Iheres belgas eram submetidas repetidas vezes du- rante a invasao alema de 1914 a 1918. O rigor do exército alemao nos territérios con: quistados, principalmente na Bélgica, inspirou a geracio seguinte de soldados alemaes, comanda dos por um veterano da Primeira Guerra, 0 cabo Hitler. Em seu livro Hitler's Secret Conversations, os autores Farrar, Straus e Young citam o ditador defendendo a postura dos alemaes na Bélgica: “O velho Reich sabia agir com firmeza nas dreas ocu: 16 Shutterstock/ersdorney Jazigos e memorial no cemitério de Cot, em Ypres, na Bélgica, ‘onde estado enterrados soldados pertencentes a paises membros do ‘Commonwealth, que tombaram na Primeira Batalha de Ypres, em 1914. padas. Na Bélgica, o conde Von der Goltz punia as ‘entativas de sabotagem as ferrovias incendiando todas as aldeias préximas, depois de fuzilar todos 0s prefeitos, aprisionar todos os homens e evacuar as mulheres e criangas” A propaganda de guerra aliada tirou partido dos maus tratos - por vezes, exagerando-os de forma caricatural - da invaséo, apelidados de Estupro da Bélgica. Apesar da violéncia real, as historias que circulavam eram inacreditaveis nao comprovadas - coisas como mulheres tendo 405 seios retalhados e bebés de colo sendo per- furados por baionetas. A propaganda britnica sou 0 Estupro da Bélgica para vender bénus de guerra, com argumentos do tipo “‘colabore, ou isso poder acontecer com sua familia” Exageros a parte, é inegével a violéncia ale- ma contra uma populagao civil. O saldo da inva- so comprova. Durante a ocupagio da Bélgica na Shutterstock Perfect Lazybones ia contra civis marcou as aces do exército alemao tanto na Primeira como na Segunda Guerras. a Shutters Primeira Guerra, os homens do kaiser assassinaram seis mil cvis e destrufram vinte e cinco mil casas € prédios em 837 comunidades. Como resultado, um milhao e meio de belgas - cerca de vinte por cento da populacéo do pals - deixaram sua nacao. MARNE Embora a invaséo da Bélgica tenha sido bem- -sucedida — afinal, 0 pais nao esperava ser invadi- do devido a sua neutralidade -, 0 avango alemao foi barrado na Primeira Batalha de Marne, travada entre 5 e 12 de seternbro de 1914, com a vitéria dos aliados. © contra-ataque aliado foi executa- do por seis exércitos de campanha franceses um britanico ao longo do rio Marne, forcando os ale- mies a se retirar em direcao ao norte. Depois da Primeira Batalha de Marne, nem os ale- mies nem os aiados conseguiam avancar.Tentaram, por isso, flanquear continuamente um ao outro a0 longo de todo o nordeste da Franca, num movimen- to que passou para a Histéria como a Corrida para o ‘Mar. Sem sucesso em romper as linhas uns dos ou- tros, estabeleceu-se uma guerra de trincheiras entre 08 aliados (brtnicos ¢ franceses) ¢ os alemaes, que se estabeleceu até o final do conflto. As trincheiras formaram uma linha de frente continua de mais de trés mil quilémetros de extensdo - do Mar do Norte até a fronteira da Franca com a Suica. ‘A Corrida para o Mar comecou em setembro de 1914, em Champagne, marcando o final do avan- 0 alemao na Franca, e terminou no Mar do Norte em novembro do mesmo ano. Na Batalha de Aisne, porém, os alemaes detiveram-se e, por sua vez, impediram o avanco dos aliados. Nas batalhas de Picardy, Artois e Flanders, que se seguiram, ne- nhum dos beligerantes conseguiu vantagem. Com as continuas manobras executadas pelos dois la~ dos para romper a linha inimiga, os exércitos fo- ram se alinhando em trincheiras ao longo do nor- deste francés até atingir a costa. Entre 1915 e 1917, houve importantes ofensivas no front ocidental. Em 1916, os generais alemaes acreditavam que ndo era possivel mais romper as linhas aliadas e buscaram forcar a capitulacaéo da Franca, infligindo pesadas baixas. De acordo com 0 ra do Rio Marrie, proximo de onde Siero cus 17 18 historiador MacGregor Knox, a meta era, conforme os alemdes, "sangrar a Franca” até a iltima gota. Os ataques langavam mao de bombardeio continuo, feito por artilharia pesada, seguido de avangos em massa da infantaria. Contudo, essa estratégia resultava em muitas mortes. Ninhos de metralhadora, arame farpado e a artilharia cobra- vam um preco alto das atacantes. As ofensivas mais encarnigadas contabilizaram perdas impressionan- tes. A Batalha de Verdun, travada entre franceses Canhao Merzer 305 mm usado pelo exército austro-hungaro na Primeira Guerra. e alemaes de 21 de fevereiro a 18 de dezembro de 1916, somou setecentas mil mortes; a Batalha de Somme, entre 1 de julho e 18 de novembro de 1916, uma ofensiva conjunta dos britinicos (apoiados por contingentes de canadenses, neo- zelandeses e australianos, indianos e sul-africanos) e franceses, teve mais de um milhéo de mortos; € acampanha de Passchendaele, empreendida entre junho e novembro de 1917, contou cerca de seis- centas mil baixas. Nesse cenério, nenhum avanco significativo era realizado por ambas as partes. Na tentativa de romper esse empate mantido & custa de muito sangue, novas armas e tecnologias foram introduzidas. Entre as novas maquinas de destruicio, estavam tanques de guerra, avibes de combate e armas quimicas, como o gas mostarda. A segunda Batalha de Ypres, travada pelo controle da estratégica cidade de Ypres, na Bélgica, na pri- mavera de 1915, foi marcada pelo uso em massa de armas quimicas. Era a segunda vez na Histéria que esse tipo de armamento era usado (a primeira vez foi na Batalha de Bolimow, na Polénia). Em 22 de abril, depois de um bombardeio continuo ao longo ‘Soldados americanos combatendo na Franca observam a “terra de ninguém”. Shutterstocl/AEPhotographic Memorial da Primeira Guerra, em Ypres, na Bélgica. de dois dias seguidos, os alemies liberaram cento e€ sessenta ¢ cito toneladas de gas cloro no campo de batalha. Sendo mais pesado que o ar, foi leva- do pelo vento pela “terra de ninguém” e entrou nas trincheiras britanicas. A nuvem de gés verde- -amarelado asfixiou alguns soldados. Os que esta- vam na retaguarda fugiram em panico, deixando uma abertura de seis quilémetros na linha de de- fesa dos aliados. Os alemaes foram surpreendidos pelo efeito da arma e, sem tropas reservas, nao puderam explorar a abertura. Contingentes cana- denses entraram em cena bateram os alemdes. Foi a primeira vez que um exército colonial vencia uma potncia europeia em solo europeu Entretanto, 0 que deu mais mobilidade a essa frente estagnada nao foram as novas armas, mas, sim, taticas inovadoras. Em 1918, com a safda da Russia do confito, mar- cando o fim da guerra no leste, os alemaes puderam empregar na frente ocidental as forcas liberadas no front oriental. Por conta disso, langaram a Ofensiva da Primavera. Usando novas taticas de infiltragao, os alemdes avancaram cerca de cem quilémetros a oes- te — 0 maior avango realizado por qualquer exército nna frente ocidental. A Ofensiva da Primavera quase teve sucesso em romper as linhas dos aliados. Os aliados receberam um reforco decisive, com a entrada dos Estados Unidos na Guerra. O pais en- viou 2,1 milhées de soldados, 0 que permitiu novas ofensivas: a Segunda Batalha de Mame e a Ofensiva dos Cem Dias. A acao contou com seiscentos tan- ques de guerra e 0 apoio de citocentos avides. As fensivas resultaram no colapso das forcas germani- as, jd esgotadas apds quatro anos de luta. ‘Apesar da estagnacio em que permaneceu 20 longo de todo o conflto, a Frente Ocidental foi de- cisiva. Com ajuda dos Estados Unidos, 0 avango ine- xordvel dos aliados em 1918 convenceu os lideres militares alemaes de que a derrota era inevitavel. A constatacéo levou os alemaes a buscar o armisticio. Shutterstock/Neftah dos Estados Mundial. general John J. Pershing, lider supremo da Forca Expedicionaria Primeira Guerra {colon shuttestoos ta Soldados do Império Russo nna época da Primeira Guerra. GUERRA Nos BALCAS A invasao da Sérvia pelo Império Austro- Hiingaro foi o fator que precipitou a Primeira Guerra Mundial -o estopim do conflito, a que to- das as poténcias envolvidas tinham graves diferen- as a ajustar. A Austria e a Russia eram poténcias atrasadas, que ainda nao haviam se industrializado plenamente. Dessa forma, nao estavam to prepa- radas, como a Gra-Bretanha, Franca e Alemanha, para enfrentar uma guerra industrial. A Austri Hungria precisava do apoio alemao, mas 0 apoio do kaiser se deu ao segurar os franceses e britani- 0s, impedindo-os de intervir nas aces da Austria, deixando que esta enfrentasse as frentes oriental e sul sozinha. Isso significava enfrentar a Sérvia e a Russia e, na frente sul, a Italia. Tendo de combater a Russia, a Austria-Hungria so péde empregar um terco do seu contingente militar para atacar a Sérvia. As provincias austro-hungaras da Eslovénia, Crodcia e Bésnia forneceram homens para o exército imperial e ajudaram na invaséo da Sérvia e na luta contra os italianos e russos. Depois de sofrer pesadas baixas na Batalha de Cer, logo no inicio da invaséo, os austriacos ‘ocuparam brevemente Belgrado, a capital sérvia Essa primeira fase da campanha foi répida, levan- do pouco mais de um més para os austro-hunga- ros conquistarem 0 pais. Contavam com o apoio da Bulgaria, que havia enviado seiscentos mil homens. Contudo, os sérvios contra-atacaram na Batalha de Kolubara, vencendo os austriacos no final de 1914. A BATALHA DE CER A Batalha de Cer, por vezes chamada de Batalha do Rio Jadar, foi travada logo no inicio das ho: lades, em agosto de 1941, quando a Austri Hungria invadiu a Sérvia. Os palcos do conflito foram as vilas e aldeias proximas ao Monte Cer, a cem quilémetros de Belgrado A batalha comegou na noite de 15 de agosto, quando membros da 1# Divisio Combinada sérvia atacou postos avancados austro-hiingaros, que haviam sido estabelecidos nos pés do Monte Cer, em preparagio a invaséo. O ataque acabou se tor- nando uma batalha pelas aldeias ao redor da mon- tanha, especialmente pela cidade de Sabac. Nos céus do Monte Cer, foi travada a primeira batalha aérea da guerra ~ e também a primeira da Historia. © encontro foi um tanto prosaico, Um aviador sérvio, um certo Miodrag Tomic, fazia reconheci- mento aéreo sobre as posigées inimigas, quando cruzou um avido austro-hungaro. O piloto acenou e Tomic respondeu a saudacao. Contudo, 0 piloto austro-hingaro sacou seu revélver e comecou a disparar contra o sérvio. Tomic conseguiu escapar. episédio, porém, levou a uma inovagao: em poucas semanas, todos os avides, tando dos ali dos como dos Poderes Centrais, foram equipados com metralhadoras, inicialmente acima das asas. Os sérvios defenderam seu territério com tena- cidade. A moral das tropas invasoras caiu. No dia 19 de agosto, os austro-hiingaros bateram em re- tirada, tentando retomnar sua zona de controle. Contudo, muitos morreram na fuga, especialmen- te na tentativa de cruzar o rio Drina, onde cente- nas de soldados se afogaram. Em 24 de agosto, os sérvios tomaram Sabac, concluindo a batalha depois de dez dias de luta. Os defensores tiveram entre trés e cinco mil mor- tos e cerca de quinze mil feridos. Quanto aos austro-hiingaros, 0 niimero foi maior: entre seis e dez mil baixas, trinta mil feridos e 4,5 mil cap- turados. Cer marcou a primeira vitéria dos aliados sobre os Poderes Centrais. Shuttestock/IgGolomniow A BATALHA NO RIO KOLUBARA No final de 1914, os sérvios conquistaram ou- tra importante vitéria. A Batalha de Kolubara foi uma das mais importantes para os aliados, pois as forcas sérvias conseguiram expulsar os austro- -hingaros de seu territério. O confronto acon- teceu depois da Batalha do Rio Drina, travada em setembro de 1914. Apds a derrota em Cer, os austro-hiingaros voltaram a atacar, nas mar- gens do Rio Drina, forcando os sérvios a ceder territério. Os sérvios reagruparam-se na margem direita do Rio Kolubara. Eram 250 mil soldados mal-equipados enfrentando 450 mil austro-hin- gros bem-equipados e abastecidos Em 16 de novembro, o comandante dos 5° e 6° Exércitos Austro-Hiingaros, general Oskar Potiorek (1853 - 1933), governador da Bésnia-Herzegovina que estava no carro com o arquiduque Francisco Ferdinando quando ele foi assassinado, ordenou um ataque, a partir da margem oposta do Kolubara, para capturar uma linha ferrovidria que permitiria abastecer suas tropas mais rapidamente. Suas ma- nobras rechagaram 0s 1° e 2° Exércitos sérvios, colocando-os numa situacao dificil O comandante do 1° Exército Sérvio, gene- tal Zivojin Misic (1855 -1921), o mais brilhan- te militar sérvio, que participara de todas as guerras empreendidas pelo pa(s entre 1876 & Shuttestock/Jovana la Dubie Ponte sobre o Rio Drina, nos Alpes Dindricos, ‘onde muitos soldados austro-htngaros perderam a vida, afogando-se ao fugir dos sérvic 1918, planejou retirar-se até a cidade de Gornji Milanovac, na Sérvia Central, onde pretendia adiar a batalha até seus homens estarem refeitos € reabastecidos. Entao, lancaria uma contrao- fensiva. Para tanto, a capital da Sérvia, Belgrado, teve de ser abandonada ao inimigo. Potioreke entendeu a manobra dos sérvios ‘como um sinal de fraqueza e langou um ataque partem para o front, Paste oer) Deca s omc EA com todo 0 seu 5° Exército com a intencéo de destruir 0 2° Exército Sérvio, enquanto estes dei- xavam Belgrado. O 1° Exército de Misic, porém, veio em socorro das forcas sérvias, aniquilando as ‘exauridas tropas austro-huingaras. A partir de 5 de dezembro, os sérvios foram reconquistando as posigées tomadas pelo invasor. Potiorek ordenou a retirada. Belgrado foi abandonada pelos austro- hingaros em 15 de dezembro. Os sérvios capturaram 76 mil soldados inimi- {gos e causaram um nimero ainda maior de bai- xas. Além disso, na retirada, 0 exército invasor abandonou grande quantidade de armas e equi- pamentos. Nas batalhas daquele ano de 1914, os austro-huingaros perderam um total de 24,5 mil homens (de 450 mil envalvidos nos confltos), en- quanto 0 exército sérvio perdeu 170 mil As vit6rias sérvias marcaram as primeiras dificul- dades para os Poderes Centrais. A Austria-Hungria contava invadir rapidamente a Sérvia para po- der destinar mais recursos bélicos a frente russa Contuda, tendo de dividir suas forgas, a Austria- -Hungria enfraqueceu-se logo no inicio das hos- tilidades. De fato, segundo a enciclopédia The European Powers in the First World War, organi- zada por Spencer Tucker, por ter dividido os aus- trlacos, a vit6ria dos sérvios no comeco do conflito foi uma das mais importantes nao sé de toda a Primeira Guerra, mas de todo o século XX. Nos anos seguintes, porém, os sérvios amar- garam a derrota. O exército sérvio combatia em duas frentes, enfrentando a derrota certa, Por conta disso, os sérvios retiraram-se para o norte da Albania, a qual haviam invadido no comeco da guerra. O exército da Sérvia foi derrotado na Batalha de Kosovo. As forcas de Montenegro, aliadas da Sérvia, cobriram a retirada das tro- pas derrotadas em direcdo a costa adridtica na Batalha de Mojkovsc, em 6 e 7 de janeiro de 1916. Os sérvios foram reduzidos a um contin- gente de apenas setenta mil homens, os quais foram evacuados de navio para a Grécia Depois da conquista, a Sérvia foi dividida entre a Austria-Hungria e a Bulgaria. Em 1917, os sér- vios langaram a Rebeliao de Toplica e libertaram por um breve periodo uma érea entre as monta- inhas Kopaonik, na parte central do pals, e outra no Rio Morava. O esforgo foi, porém, esmagado pelas acées conjuntas de forcas austriacas e bilga- ras no final de marco de 1917. 0 FRONT MACEDONICO Para ajudar os sérvios na sua luta contra os Poderes Centrais, os aliados langaram, no ou- tono de 1915, um ataque combinado contra a Alemanha, Austria-Hungria e Bulgdria, abrindo a Frente Maced6nica, ou Frente Salénica. Vista do alto das montanhas Kopaonik, retomadas brevemente pelos sérvios em 1917. Hoje, a regio abriga uma concorrida estacao de esqui. Shuttersock/Devteev i 4 5 8 & & a : a Treve wackt in SUBwESE Cartao-postal austriaco de 1914 mostrando dois soldados com estandarte, Na legenda, lé-se: “Guarda fiel no sudoeste”. A Frente Macedénica foi, no comeco da guerra, mais estatica. Forcas francesas e sérvias promoveram a Ofensiva de Monastir, que se prolongou por trés meses. A intengao da ofensiva era a de forcar a ca- pitulacao da Bulgaria da Roménia. Os aliados acaba- ram penetrando cinquenta quilémetros no territério maced6nico, pararam ao tomar a cidade de Monastir (hoje, Bitola), um centro administratvo, industrial, ‘comercial e cultural do sudoeste do pais, e retoma- ram algumas éreas da Macedénia. Embora, em ter- mos territorais, a conquista nao fosse expressiva, a ofensiva teve resultado significativo, ‘Apesar de a ajuda aliada ter chegado tarde de- mais para salvar a Sérvia, teve sucesso em estabe- lecer uma frente que se estendia pela costa adri- atica da Albania até o rio Struma, ja em terrt6rio bilgaro, de onde uma forca aliada multinacional péde combater a Liga dos Poderes Centrais Finalmente, com o esgotamento dos recursos materiais e humanos da Alemanha e da Austria- -Hungria, os aliados lancaram uma grande ofensi- va em setembro de 1918, que resultou na capitu- lagdo da Bulgéria e na libertacéo da Sérvia Tropas francesas e sérviasinfligiram aos bilga- tos sua Unica derrota na Primeira Guerra em 15 de setembro de 1918, na Batalha de Dobro Pole, nna Macedénia, que estava ocupada pelos biilgaros desde 1915 A Bulgéria, porém, néo se rendeu. Poucos dias depois da derrota em Dobro Pole, suas forcas der- rotaram tropas britanicas e gregas na Batalha de Doiran, travada entre 18 € 19 de setembro de 1918, Apesar de os bulgaros conseguirem repe- lir todos os ataques dos gregos e britinicos ao Primeiro Exército bilgaro, nas proximidades do lago Doiran, impendido os aliados, mesmo que momentaneamente, de ocupar seu pais, tiveram de abandonar a posicéo. No lance seguinte da campanha, os sérvios aca- baram rompendo as linhas biilgaras, obrigando a Bulgéria a capitular, 0 que aconteceu em 29 de setembro de 1918. Era o fim do front maced6nico. De acordo com o site russo Militera, a rendicao da Bulgaria signi- ficava que os Poderes Centrais contavam, naquele momento, com menos 278 batalhoes de infantaria e menos mil e quinhentos canhées. A estrada de Viena para Berlim estava sendo aberta. Os Poderes Centrais comegavam a cair. Shuttestoek/zocoloynen Foto de esttidio de soldado austriaco com uniforme de campo (por volta de 1914). sitet gorcaboriov Soldado (esquerda) e oficial (ireita) turcos da Primeira Guerra. O TEATRO DE GUERRA No ORIENTE MEpIo A Primeira Guerra Mundial arrastou para o conflito um dos maiores impérios da época, 0 Otomano, que reinava desde 1299 d.C., um dos mais duradouros da Historia. O Estado Eterno, conforme se autoproclamava, foi nos séculos XVI € XVII um dos impérios mais poderosos do mundo, estendendo-se dos arredores de Viena, na Austria, 20 norte, até o lémen e a Eriteia, ao sul, e da Argélia, a leste, até 0 Arzeibaijao, a oeste. Em agosto de 1914, 0 governo turco assinou um tratado secreto com a Alemanha, firmando a Alianga Teuto-Otomana. O tratado ameacava os territérios caucasianos da Russia e a comunica- a0 da Gra-Bretanha com sua principal colénia, a india, fechando a rota via Canal de Suez. Nos bastidores, a Franca e a Russia moveram esforcos diplomaticos para manter o Império ‘Otomano fora da guerra. A Alemanha, por outro lado, fazia 0 contrario. Foi, de fato, um incidente provocado pelos alemaes que fez os otomanos en- trarem no conflito ao seu lado. Em 1914, dois navios germani- cos, oGoeben eo Breslau, estavam sendo perseguidos pela marinha britinica no Mediterraneo e conse- guiram escapar do cerco, passando pelo Estreito de Dardanelos e indo se refugiar na Turquia. Os britini- cos nao puderam continuar a per seguicdo e as tensées entre Londres e Constantinopla aumentaram, a Ponto de os otomanos declararem guerra contra as Poténcias Aliadas. O teatro no qual o Império Oto- mano se envolveu foi 0 do Oriente Médio, onde enfrentou, principal- mente, os russos e os briténicos. Os franceses e 0s britinicos move- ram a campanha de Gallipoli, em 1945, e da Mesopotimia, no ano seguinte. Em Gallipoli, os otomanos foram bem- -sucedidos e rechagaram os britinicos, 0 franceses e as forcas compostas por australianos e neozelandeses. Entre marco de 1915 a abril de 1916, 0 exér- cito otomano cercou a cidade de Kut, a cento sessenta quilémetros de Bagda, onde estava estacionada uma guarnicao anglo-indiana com ito mil homens. Os briténicos néo puderam vencer 0 cerco e ofereceram dois milhdes de libras esterlinas - uma fortuna na época - e a promessa de que aqueles homens nao comba- teriam novamente se thes fosse dada a liberda- de. A proposta foi rejeitada. Os britdnicos ten- taram, ainda, conseguir ajuda dos russos, mas também nao tiveram sucesso. Assim, tiveram de se render. Os prisioneiros foram conduzidos a uma priséo em Alepo, na Siria No entanto, depois do Cerco de Kut, os brita- nicos reorganizaram-se e conseguiram recapturar Bagda em marco de 1917. Na frente ocidental do teatro do Oriente ‘Médio, os Aliados suportaram os ataques oto- manos de 1915 e 1916. Em agosto de 1916, uma forca formada por germanicos e otomanos foi derrotada na batalha de Romani. Depois dessa vit6ria, a Forca Expedicionéria Egipcia do Império Britanico avangou pela Peninsula do Sinai, infligindo derrotas ao exército otomano nas Batalhas de Magdhaba (23 de dezembro de 1916) e de Rafa (9 de janeiro de 1917), no Sinai egipcio e na Palestina otomana. ‘A Revolta Arabe, iniciada em 1916 e bancada pelos britanicos, libertou a Peninsula Arabica do jugo otomano. Diversas tribos ndmades lideradas. por Hussein bin Ali e apoiadas pelos britanicos acabaram por tomar Meca. Embora os arabes tenham conseguido a independéncia dos otoma- nos, o plano de bin Ali de fundar um Estado arabe Unico nao se realizou No Céucaso, os otomanos enfrentaram os rus- sos. Enver Pasha, o comandante supremo das Forcas Armadas Otomanas, sonhava em reconquistar as. reas da Asia Central que haviam sido perdidas para a Rissia, Apesar da ambicdo, Pasha fracassou logo 1 inicio do confit, Em seu livio A Peace to End All Peace: The Fall of the Ottoman Empire and the Creation of the Modem Midale East, David Fromkin afirma que a derrota se deveu & falta de talento de Pasha como estrategista. Entre 22 de dezembro de 1914 e 17 de janeiro de 1915, na Batalha de Sarikamish, Pasha langou um ataque frontal contra forgas russas posicionadas em terreno montanhoso em pleno inverno. O resultado foi catastréfico. Pasha Shute np ‘A Mesquita Azul, simbolo do poder do Império Otomano. shuttertock/otortry perdeu 86% do seu contingente O comandante russo de 1915 a 1916, gene- ral Nikolai Yudenich, expulsou os turcos do sul do Caucaso com uma série de vitdrias. Em 1917, 0 grao-duque Nicolau Nikolaevich assumiu 0 coman- do da frente caucasiana. Ele planejava construir uma ferrovia pela Gedrgia para abastecer as tropas para uma ofensiva final, em 1917. Contudo, em marco de 1917, 0 czar foi deposto na Revolugao de Margo e a Riissia saiu da guerra pouco depois. Memorial dos martires da Grande Guerra em Canakkale, na Turquia. ‘A derrota na Primeira Guerra precipitou o fim do Império Otomano, que veio a se dissolver em 1923. A nagao derrotada assinou o Tratado de Sevres, que determinou os termos de partigao do Império Otomano. O territério cedido pelo ex-im- pério constitui, atualmente, trinta e nove Estados, inclusive Israel, por conta de uma manobra dos briténicos que, em troca de apoio contra os turcos, prometeram ajudar os judeu a fundar uma patria, a0 mesmo tempo em que prometiam a mesma coisa aos palestinos. Mas isso ¢ outra histori z i A Guerra Na ASIA E No Pacirico No teatro da Asia e no Pacifico, a Primeira Guerra ‘Mundial desenvolveu-se em torno da conquista das coldnias alemas no Pacifico e na China. Ao contririo da Segunda Guerra Mundial, que viu na Asia e no Pacifico algumas das campanhas mais encarnicadas do confiito, na Primeira Guerra, o front asidtico foi palco de campanhas curtas e répidas A acio militar mais significativa foi o bem-pla- nejado e bem-executado Cerco de Tsingtao (hoje, Qingdao), um porto estratégico na China Oriental cerco foi empreendido por tropas japonesas e britanicas, entre 31 de outubro de 7 de novembro de 1914. Foi a primeira vez que alemaes e japone- ses combateram uns contra 0s outros e também a primeira vez que tropas britanicas e japonesas co- laboravam numa agdo conjunta. Batalhas menores também aconteceram na Nova Guiné alema. ‘As batalhas navais, porém, foram comuns. Todas as poténcias coloniais tinham esquadras estacionadas nos oceanos Indico e Pacifico, que apoiaram as tropas aliadas na invasdo dos terri- t6rios alemdes. Essas esquadras foram responsa- veis pela destruigao da Esquadra Alema da Asia Oriental, a maior formagao naval germénica fora da Alemanha. De resto, todas as possecdes ger- manicas e austriacas na Asia e no Pacifico calram sem derramamento de sangue. Uma as primeiras ofensivas terrestres no teatro do Pacifico foi a ocupacao por forcas neozelan- dezas da Samoa Alema, em agosto de 1914. Essa campanha foi, na verdade, apenas um passeio. O territ6riorendeu-se depois do desembarque de mil soldados neozelandezes apoiados por esqua- dras australianas e francesas sem nenhum ensaio de defesa por parte dos alemaes. No més seguinte, em setembro de 1914, forcas australianas atacaram a Nova Guiné alema. Aqui, houve certa resistencia, Quinhentos soldados austra- lianos enfrentaram trezentos alemaes e policais co- loniais na Batalha de Bita Paka. Na luta, sete austra- lianas foram mortos e cinco, feridos. Do outro lado, um alemao foi abatido e trinta nativos pereceram. Os aliados venceram a batalha e os alemaes retiraram- -se para a i ha de Toma. Contudo, uma companhia australiana apoiada por um navio de guerra briténico cercou 0s rebeldes, 0s quais se renderam sem der- ramamento de sangue. Apenas uma expedicao co- Shuttersoct/PeterStucings © paradisiaco Tahiti também foi palco de ataques alemaes. mandada por Hermann Detzner, um oficial da forca de seguranca colonial ale, conseguiu ludibriar as patrulhas australianas e continuou no interior da ilha sem se render até o final do conflto. BATALHAS NAVAIS Logo no inicio da guerra, a Esquadra Alema da Asia Oriental saiu da sua base, no porto chinés de Tsingtao, na tentativa de cruzar o Pacifico de volta para a Europa, a fim de apoiar a esquadra princi- pal. Em seu caminho pelo Pacifico, essa forca naval atacou diversos alvos aliados. Alguns cruzadores da frota foram designados para atacar a estacio radiotelegrética da ilha de Fanning, em Kiribati, no meio do Oceano Pacifico. As forcas navais alemas também atacaram Papeete, na Polinésia Francesa, afundando dois cruzadores blindados franceses e um cargueiro, antes de bombardear as baterias terrestres instaladas na coldnia ‘A mesma frota, comandada pelo almirante Max von Spee, enfrentou, em seguida, uma esqua- dra britinica enviada para interceptar a Esquadra ‘Alemé da Asia Oriental. A Batalha Naval de Coronel foi travada préxima da costa chilena, em 1 de no- vernbro de 1914, Mais uma vez, von Spee teve su- cesso. Os alemées venceram os ingleses, destruin- do dois cruzadores da Marinha Real e forgando 0 resto da esquadra a bater em retirada. Mais de mil € quinhentos marinheiros briténicos pereceram, todos os que estavam a bordo dos cruzadores. No més seguinte, em dezembro de 1914, a Esquadra ‘Alemé da Asia Oriental seria destruida quase com- pletamente na Batalha Naval das Malvinas. O al- mirante von Spee afundou com sua nau capitania, ‘0 SMS Scharnhorst. Os tinicos navios que sobre- viveram a batalha foram o cruzador Dresden e 0 auxiliar Seydltiz. Enquanto a tripulacdo do dltimo rumou para a Argentina, que era neutra, o Dresden continuiou a atacar navios cargueiros aliados até ser capturado pelos britinicos em aguas chilenas. ‘A guerra naval no Pacifico continuou, porém. Von Spee havia deixado 0 cruzador rapido SMS Enden na retaguarda. O navio venceu a Batalha de Penang, em 28 de outubro de 1914, no Estreito de ‘Malaca. Na luta, 0 SMS Enden afundou um cruza- dor russo e um destrdier francés. Em seu caminho, cruzador destruiu trinta navios mercantes e bom- bardeou a cidade de Madras, na India, destruindo tanques de leo briténicos e causando panico na populacéo. O ataque provocou uma emigracao ‘em massa das cidades costeiras, temendo-se que (08 alemaes fossem invadir a india. Mas a invenci- bilidade do cruzador nao durou muito. O Emden foi finalmente destruido por um cruzador rapido australiano, o HMAS Sydney, na Batalha de Cocos, ‘em 9 de novembro de 1914. Contudo, um grupo de marinheiros, sob 0 comando do primeiro-te- nente e oficial executivo do Emden, Hellmuth von Miicke, conseguiu escapar para territérios otoma- nos, aliados dos alemaes, na Peninsula Arabe. Shutterstock/Mastering_Mirostock Operacces Navals ‘A guerra no mar durante a Primeira Guerra ‘Mundial caracterizou-se principalmente pelos es- forcos das poténcias aliadas, as quais tinham maior poderio naval e maior abrangéncia geografica, no sentido de bloquear as potncias centrais pelo mar. Do lado dos alemdes e austro-hiingaros, a estratégia consistia em tentar romper 0 bloqueio dos aliados e, destruindo navios mercantes, restringir seu abasteci- mento ~ estratégia que acabou provocando a entra~ da dos Estados Unidos e do Brasil no confit Muitos historiadores escreveram sobre a corrida entre a Gra-Bretanha e a Alemanha na construgao de navios de guerra. Alguns desses autores afir- mam que a aca dos alemaes para equipararem sua marinha de guerra a dos britinicos foi a causa da animosidades entre essas poténcias, tho préxi- mas culturalmente e etnicamente que os soberanos ram até mesmo parentes. De fato, a familia real britanica tem suas origens na nobreza alema, Tanto que © kaiser Wilhelm II, o imperador alemao, era neto da rainha Vitéria € sobrinho do rei Eduardo Vil. Na verdade, se fosse depender da vontade de seus reis, a Alemanha e a Grd-Bretanha nunca te- riam lutado uma contra a outra. De acordo com 0 escritor Patrick Buchanan, em seu livro Churchil, Hitler and the Unecessary War, Guilherme Il era declaradamente contra combater a Gra-Bretanha. © USS Texas, o Unico Dreadnought da Primeira Guerra que ainda resta. © Dreadnought era um tipo de encouragado que predominava nas marinhas mais modernas do inicio do século XX. 5 lideres alemaes desejavam ter uma marinha que condissesse com seu poderio militar e econémi- 0. Isso 05 livaria da incémoda dependéncia da boa vontade britinica com relagao ao comércio exterior € as suas possessées coloniais. Sabiam, porém, que uma marinha dessas proporcdes ameacaria os do- minios comerciais e o proprio Império Britanico. A comida pelo aumento da frota naval comecou nos primeiros anos do século XX. O episédio que disparou o proceso foi uma crise diplomatica so bre o status colonial do Marrocos, a Primeira Crise do Marrocos, que se estendeu de marco de 1905 a maio de 1906, quando a Alemanha tentou usar as discuss6es sobre a independéncia do Marrocos para azedar as relacdes entre a Franca e a Gra- Bretanha e, ao mesmo tempo, garantir os interes- ses germanicos no pais norte-africano. Embora a posigao alema tenha assegurado a independéncia. do Marrocos e o seus interesses comerciais, 0 feiti- ‘co acabou voltando contra o feiticeiro. As relagoes que se deterioraram foram as entre a Alemanha, de um lado, e a Gra-Bretanha e Franga, de outro. Foi dada a largada para a corrida armamenticia Por volta de 1914, a Alemanha j4 possula a segunda maior marinha de guerra do mundo, fi- cando atras apenas da Gra-Bretanha. As outras poténcias tinham frotas de guerra menores, com- postas, principalmente, de embarcagdes pequenas como destréieres e submarinos. Shute stock/ Mastering. Mirostock Vomitando fogo: os canhées do USS Texas. Shutterstock Diagrama de um U-Boat alemao da Primeira Guerra. OS TEATROS DA GUERRA NAVAL Durante a Primeira Guerra Mundial, a guerra na- val concentrou-se no Mar do Norte e no Atlantico. Houve batalhas navais no Pacifico promovidas pela Esquadra Alem da Asia Oriental, quando zarpou da sua base no porto chinés de Tsingtao, na ten- tativa de cruzar o Pacifico de volta para a Europa, a fim de apoiar a esquadra principal. A esquadra foi desbaratada (ver matéria “A Guerra na Asia e no Pacifico"), embora tenha infligido destruigao e baixas por onde passou. Mar do Norte foi o maior teatro de guerra naval no que diz respeito as acoes de superficie e 0 Atiéntico foi palco da sangrenta campanha dos submarinos ale~ mies, os U-Boats. A esquadta briténica, maior do que fa germanica, conseguiu manter um bloqueio, impe~ dindo os alemaes de obterem recursos do exterior. Por conta disso, a frota de guerra do kaiser ficou anco- rada a maior parte do tempo, protegida por tapetes de minas aquaticas. Ocasionalmente, os alemaes con- seguiram atrair os britinicos para combates navais, tentando enfraquecé-los para conseguirem romper © bloqueio. Uma dessas tentativas fol o bombardeio das bases de Yarmouth e Lowestoft, na costa inglesa, em 24 de abril de 1916. As bases nao eram pontos estratégicos. O plano dos alemdes era atrair outros barcos em socorro das duas cidades costeras, os quais seriam atacados por forcas navais alemas que os em- oscariam no caminho. Isso, porém, néo aconteceu a batalha acabou nao tendo o impacto pretendido. As principais batalhas do teatro naval do Mar do Norte foram as duas de Heligoland Bight (28 de gosto de 1914 e 17 de novembro de 1917), de Dogger Bank (24 de janeiro de 1915) e da Jutlandia (31 de maio e 1 de junho de 1916). Em geral, os britdnicos foram bem-sucedidos em manter com sua marinha o bloqueio comercial aos alemaes — embora a custo de ter de deixar seus principais navios no Mar do Norte sem poder uti- lizd-los em outras frentes importante. Com efeito, © bloqueio do comércio alemao no Mar do Norte resultou na perda de recursos que os impediu de ganhar a guerra. O teatro do Atlantica era o reverso da medalha. Aqui, eram os submarinos alemaes, os U-Boats, que cagavam cargueiros e navios mercantes des- tinados a reabastecer a Gra-Bretanha. Os U-Boats afundaram centenas de navios mercantes aliados, resultando em milhares de mortes de civis, espe- cialmente quando os alvos eram navios de pas- sageiros, e violando a Convencao de Haia (1899 e 1907), uma das primeiras declaragdes formais de direito internacional sobre crimes de guerra Devido a dificuldade de identificacao, os U-Boats também acabavam afundando navios de paises neutros que estavam nas areas de bloqueio. Isso levou paises como o Brasil e os Estados Unidos a entrarem na guerra contra a Alemanha. A cam- panha alema pode ser considerada bem-sucedida, uma vez que acabou destruindo metade da frota mercante britanica. Russia: pa GUERRA A REVoLucAo Em 1917, a Russia estava exaurida pelos con- flitos internos e pela sua participagao na Primeira Guerra Mundial. A populacéo oprimida sofria om 0 conflito e também com os problemas in- ternos. A Russia ainda era um pais atrasado, nao industrializado. Os russos de todas as classes pressionavam para que fossem empreendidas as mudangas necessérias 4 modernizacéo do pals. Assim, em fevereiro daquele ano, o czar foi de- posto pela Revolucio de Fevereiro, e um governo provisério instalou-se na Russia. Os alemaes acreditavam que a volta a Rissia de Vladimir Lénin (1870 - 1924), lider oposi- cionista que havia cumprido pena na Sibéria € se autoexilado na Suica, poderia tirar 0 pals do conflito, aliviando 0 esforco de guerra da Alemanha. Assim, sem a ameaca do czar ¢ pa- trocinado pelos inimigos germanicos, o lider re- volucionario voltou ao pais. Quando o lider do movimento bolchevique che- gou a Moscou, em abril de 1917, comecou imediata- mente a tramar contra o governo revolucionério. Por meio das suas Teses de Abril, fomentou a oposicao 20 governo provisbrio. Nessa época, Lénin também terminou de escrever seu livro Estado e Revolucio, ue propunha uma nova forma de governo baseado em conselhos de trabalhadores, os soviets, eleitos € destituidos a qualquer momento pelos operérios. Poucos meses depois do retorno, Lénin lide- rou a Revolugao de Outubro - na verdade, um golpe de Estado. Inspirados pelo lema “todo o poder aos soviets”, criado pot Lénin, os bolche- viques derrubaram o governo provisdrio em 8 de novembro de 1917, marcando 0 nascimento do regime soviético. Nessa mesma data, Lénin foi eleito presidente do Conselho dos Comissérios do Povo pelo Congresso dos Sovietes. Uma nova pagina na histéria politica da humanidade - o re- gime comunista — era inaugurada. A Rassia estava enfraquecida pelas crises inter- nas e pela sua participagao no conflito internacio- nal que grassava na Europa. Para realizar os planos de recuperagio e desenvolvimento econémico social, os quais incluiam um sistema de satide gra- tuito para toda a populagao, assegurar os direitos das mulheres e acabar com o analfabetismo, 0 novo governo bolchevique tinha, antes, de tirar a Rdssia da Primeira Guerra Mundial. Para tanto, Lénin acabou assinando o desvantajoso Tratado de Brest-Litovsk, sob o qual a Rissia perdia importan- tes territérios. A insatisfacdo que se seguiu langou a Riissia numa luta fratricida. ‘A Rissia dividiu-se e, durante os trés anos se~ guintes, foi lavada pelo sangue de seu préprio povo, derramado na guerra civil que resultou do golpe. Movidos por uma insanidade sanguinéria, os exércitos Branco e Vermelho engalfinharam- -se, perpetrando massacres e espalhando terror por todo o pais. A guerra civil semeou morte e fome em toda a jé depauperada Russia, mas Lénin agiu com obstinada frieza diante do so- frimento de seus conterrineos. Qualquer opo- sigdo era duramente reprimida pelo fundador da Unido Soviética Em 30 de agosto de 1918, Fanya Kaplan, fi- liada ao Partido Revoluciondrio Socialista, apro- ximou-se de Lénin depois de um discurso. O li- der bolchevique estava indo para o carro que 0 esperava e, ao descer do palanque, parou para conversar com uma mulher. Fanya chamou seu nome e, quando Lénin virou para responder, ela disparou trés tiros: 0 primeiro atingiu 0 braco do idealizador da revolucao soviética e o segundo, mais sério, alojou-se entre o maxilar e 0 pescoco. A terceira bala acertou a mulher que conversava com 0 ditador. Embora Lénin nao tenha morrido, ‘como consequéncia do ataque, sua satide ficou profundamente comprometida. O atentado teve outra implicacao: o inicio do "Terror Vermelho" A tentativa de assassinar Lénin e o assassinato do chefe da policia secreta de Petrogrado, Moisei Uritsky, levaram Joseph Stalin a propor a Lenin uma “politica sistematica de terror". Lenin con- cordou e, em 7 de setembro de 1918, o jornal do partido bolchevique, o Krasnaya Gazeta, anunciou oficialmente 0 que os inimigos do novo governo podiam esperar. Os suspeitos eram torturados, es- pancados, mutilados ou executados. Alguns eram fuzilados; outros, afogados, enterrados vivos ou retalhados por espadas. Geralmente, as vitimas ti- nham de cavar sua prépria sepultura. No final da guerra civil, os bolcheviques sairam vitoriosos e assumiram o controle total do pais. Lénin nao tardou em aplicar reformas para a nova nagao. Quando seus esforgos para transformar a ‘economia russa de acordo com o modelo socialista, fracassaram, 0 ditador introduziu sua Nova Politica Econémica, a qual ainda incorporava caracteristi- cas da iniciativa privada e que continuou por al- {guns anos depois da morte de Lénin. Em 1922, o ditador soviético sofreu um der- rame, do qual nunca se recuperou totalmente. Muitos acreditam que o acidente vascular foi con sequéncia da bala alojada em seu pescogo, que nunca péde ser removida, Durante seus Ultimos anos, Lénin preocupou-se com a burocratizacao do regime e com a crescente concentracao de po- der nas maos de Joseph Stalin, figura proeminente do Partido Comunista e que viria a substitui-lo & testa do Estado soviético. Lénin morreu em 21 de janeiro de 1924, vi- tima de mais um derrame. Seu corpo foi em- balsamado e colocado num mausoléu na Praca Vermelha, em Moscou. Shutterstock au lab shuttestooucataale PN os silane Selo comemorativo americano mostrando a efigie do presidente Woodrow Wilson. As OFensivas FINAIS Em dezembro de 1916, depois de dez meses brutais que se arrastaram nos combates que pas- saram para a histéria com o nome de Batalha de Verdun e da ofensiva contra a Roménia, os ale- mae jé sentiam o peso da guerra. Tentando mini- mizar as consequéncias, buscaram negociar a paz enquanto ainda tinham trunfos. presidente americano Woodrow Wilson ofe- receu-se para intermediar as conferéncias. Para tanto, pediu que as nagdes beligerantes estabe- lecessem suas exigéncias. O Gabinete de Guerra britanico entendeu as ofertas dos alemaes como um truque para dividir os aliados e, considerando que os Estados Unidos estavam prestes a entrar na guerra, uma vez que seus navios cargueiros € de passageiros haviam sido afundados por U-boats alemaes resultando em milhares de civis mortos, nao responderam de imediato aos esfor- cos do presidente Wilson. Berlim propés, entao, um debate direto, uma reuniéo na qual representantes das poténcias em guerra pudessem colocar frente a frente suas demandas. Os aliados exigiram compensacées para a Franca, a Riissia e a Roménia ¢ a inde- pendéncia de regides da Italia, da Roménia, da Tchecoslovaquia e do império Austro-Hingaro, € a criagao de uma Polénia livre e unificada. Os alemies, por sua vez, nao propuseram nada. Nao retiraram seus exércitos dos territérios ocupados, nem pagaram nenhuma indenizagio. E a guerra continuou. FORGA ADICIONAL No inicio da guerra, os Estados Unidos adotaram uma politica de nao intervencao, evitando o conflito ‘ao mesmo tempo em que buscava promover a paz. Contudo, 0 ataque a navios de carga e de passa- geiros pelos submarinos alemdes fizeram, finalmen- te, 05 Estados Unidos entrarem na guerra em 1917 contra 0s Poderes Centrais. © presidente Wilson ja havia sinalizado ao kaiser que os EUA interviriam quando, em maio de 1917, 0 navio britanico RMS Lusitania foi afundado por U-Boats, matando, entre (os passageiros, 148 americanos. Mas os alemaes continuaram a interceptar suprimentos para a Gra: Bretanha, causando grande ntmero de vitimas civis. de varias nacionalidades. Como resultado, os ame- ricanos entraram no conflto, enviando uma forca expediciondria que chegou a mais de 2,8 milhoes de homens sob 0 comando do general Pershing, Pouco antes da entrada dos Estados Unidos na guerra, sabendo que era inevitavel que esse pais declarasse guerra a Alemanha, 0 ministro do Exterior alemao, Arthur Zimmerman, propés a0 México entrar na guerra ao lado dos Poderes Centrais, De acordo com Barbara Tuchman, que contou essa histéria no livro The Zimmerman Telegran, como compensagio, os germénicos fi- nanciariam a despesas do México no conflito e ajudariam o pais a recuperar territérios tomados pelos Estados Unidos no Texas, Novo México & Arizona. Foi a gota d’égua para os americanos. Ao saber do telegrama e depois de os alemaes afundarem sete navios mercantes americanos, a ‘opiniao publica apoiou a decisdo do presidente Wilson e os Estados Unidos declararam guerra 4 Alemanha e ao Império Austro-Hungaro. Os Estados Unidos nao foram um membro for- mal dos aliados, mas, sim, uma “poténcia asso- ciada”. Até entao, 0 exército americano era pe- queno. No entanto, depois do Ato de Alistamento Seletivo, de 18 de maio de 1917, o pais recrutou 2,8 milhdes de homens, o que permitiu enviar um contingente de 2,1 milhdes de soldados para a Europa. Seu comandante era John J. Pershing. Shutterstock/Susan Law Can Membros da Cruz Vermelha cozinhando sob bombardeio na Franca (por volta de 1917). Com a entrada dos EUA na guerra, tanto os aliados quanto a Alemanha planejaram_no- vas ofensivas, protagonizadas nas Ofensivas da Primavera dos Cem Dias. A OFENSIVA DA PRIMAVERA DE 1918 Com a entrada dos Estados Unidos na guer- ra, a Alemanha buscou dar um golpe decisivo na Frente Ocidental. Os alemaes perceberam que sua Unica chance era derrotar os aliados antes da chegada dos enormes recursos em equipamentos © homens que os EUA forneceriam com sua en- trada na guerra, Além disso, 0 exército do kaiser contava com um adicional de cinquenta divises que haviam sido liberadas da Frente Oriental, de- pois da rendicao da Russia. Para romper as linhas de defesa das forcas bri- tanicas e francesas, os alemaes conceberam uma ofensiva baseada numa série de ataques simula- dos que possibilitariam avancos. A Ofensiva da Primavera constituia-se, de fato, de quatro ofen- sivas simultaneas, cujos codinomes eram Michael, Georgette, Gneisenau e BlicherYorck. © ataque principal era a ofensiva Michael, que deveria rom- per as linhas aliadas, flanquear e derrotar as for- Shuttestocksergey Conyers Selo do Reich ilustrando um submarino alemao atacando um comboio: a destruicao de navios mercantes minava o abastecimento dos aliados. «as britinicas que estavam estacionadas no Rio Somme. Esperava-se, com isso, que os franceses buscassem 0 armisticio. Os outros trés ataques si- multdneos serviriam para tirar as forcas aliadas da ofensiva principal, no Somme. ‘Soldado americano em uniforme da Primeira Guerra. Osaliados responderam concentrando suas for- + pss, jat i: fieiet q 0.0) im lo] joy Io lool Oo} (20 155} [So e| Shtterstock/Susan Law Can ‘Soldados americanos em treinamento no Campo Sherman, em Ohio, recebem instrucées de operacao de metralhadora. ARMAMENTOS LEVES ‘A metralhadora foi uma das armas introduzides nna guerra e que afetou significativamente as formas de organizacdo da infantaria. Antes, os esquadroes ‘ram grandes, compostos de cem homens. Com 0 uso de metralhadoras, peloties e esquadroes meno- res, com menos soldados por comandante (sargento ‘ou tenente), eram mais féceis de organizar, pois, alm de 0s grandes esquadrées serem facilmente divididos pelo fogo inimigo, deixando parte dos homens sem ‘comando, menos homens por pelotéo dava mais au- tonomia ao grupo. Mas isso s6 foi possivel gracas ao maior poder letal conferido aos soldados pelos uso de metralhadoras e rifles autométicos. ‘A metralhadora Lewis, de fabricagdo britanica, foi a primeira metralhadora leve que podia, a0 menos teoricamente, ser operada por um s6 ho- mem. Na verdade, por causa do pente de balas, ela exigia pelo menos dois soldados para ser usa~ da eficientemente 5 rifles automaticos deram maior poder letal aos soldados. Contudo, na luta dentro das trin- cheiras - quando uma onda de inimigos tinha sucesso ao invadir a trincheira inimiga -, 0s rifles eram muito longos para ser disparados a curta distancia. Por isso, 0s rifles também eram usados com baionetas, isto &, punhais adaptados a boca do cano do rifle. Outra inovagéo usada na Primeira Guerra ‘Mundial foi o langa-chamas. Como os U-Boats € as armas quimicas, os alemaes foram os primeiros a usar langa-chamas. Isso aconteceu na Batalha de Hooge, na frente ocidental, em 30 de julho de 1930. A intencao era expulsar 0s soldados das trincheiras. Os alemées tinham dois tipos de lan- ¢a-chamas: um menor, operado por apenas um homem, o Kleinflammenwerfer, e outro maior, 0 grossflammenwerfer, o qual era acionado por dois soldados, um que apontava 0 cano e outro que carregava o tanque de combustivel. Soldados da artilharia americana antes de embarcar para o front ocidental. Crimes DE GUERRA A Primeira Guerra Mundial inaugurou a guerra moderna, indicando tendéncias, estratégias e tec- nologias que continuam, embora aperfeicoadas, a ser usadas ainda hoje, Uma dessas tendéncias foi a prdtica de limpeza étnica, que continuou ao longo de todo 0 século XX e que vem sendo promovida até hoje (por exemplo, a movida contra os palesti- nos pelo governo do Likud, ou aos tibetanos, pelo governo chinés). A limpeza étnica pode ser feita deportando, isolando e até mesmo massacrando populacées indesejaveis. Na Primeira Guerra, os crimes de guerra fo- ram relacionados, principalmente, com limpe- za étnica (0 que incluiu perseguicso religiosa) € foram perpetrados pelos Poderes Centrais. A Alemanha e a Austria-Hungria também promo- veram atrocidades contra a populacao civil da Bélgica (pelos alemdes) e da Sérvia (pelos aus- tro-hiingaros). Nesse caso, os protagonistas dos massacres afirmavam temer represdlias da po- pulagdo, que podia sabotar ferrovias e contra- atacar com campanhas de guerrilha. ‘Mas o mais radical entre os Poderes Centrais foi ‘© Império Otomano, que promoveu o Holocausto de trés populacoes rebeldes, resultando em mi- lhtdes de mortos e abrindo caminho para a Solugao Final de Hitler, a impensével barbérie que resultou no assassinato de milhdes de judeus, poloneses, eslavos, ciganos e outras populagées pelos nazis- tas durante a Segunda Guerra Mundial 0 GENOCIDIO DOS ARMENIOS © massacre dos arménios pelos turcos otoma- 1nos foi o primeiro genocidio modemo e é o segun- do caso de genocidio mais estudado, ficando atrés somente do Holocausto dos nazistas. Logo no comeco da Guerra, 0 Governo dos Jovens Turcos, que assumiu a administracio do go- verno otomano em 1908, via a populagéo arménia do império como inimiga, uma vez que os arménios apoiaram a Russia, a maior inimiga dos turcos, no ccomego da guerra, Em 1915, varios arménios foram combater ao lado dos russos e 0 governo viu nisso um pretexto para outorgar uma Lei de Deportacio, autorizando a deportacZo de toda a populacéo ar- ménia das provincias orientais do império para a Siria entre 1915 e 1917. As deportagdes eram, na verdade, pretexto para execugdes em massa. Nao se sabe ao certo qual foi o ndmero de ar- ménios executados durante as deportagbes em massa. De acordo com Peter Balakian, que estu- dou a fundo o assunto em seu livro The Burning Tigris: The Armenian Genocide and America’s Reaction, foram entre 250 mil a 1,5 milhao de pes- soas. J4 a Associacao Internacional de Estudiosos de Genocidios, uma organizacao internacional que pesquisa e estuda a natureza, causas ¢ con- sequéncia de genocidios, estima que mais de um milhéo de arménios foram massacrados. Shutlestock/SamiKaionems GENOCIDIO DOS ARMENIOS npério Otomano eee arco} Os crimes de guerra cometidos na Primeira Guerra abriram caminho para as atrocidades perpetradas pelos nazistas, anos depois (entrada do campo de Auschwitz, Polénia, onde milhares de judeus e outras minorias foram assassinados) Aaantiga igreja de Khor Virap, na Arménia, com o Monte Ararat ao fundo, Segundo a Biblia, foi nessa montanha que Noé © exterminio da populagao arménia de sua nacao histérica deu-se em duas fases. Primeiro, ‘os homens capazes de lutar foram mortos ou sentenciados a trabalhos forcados que levavam, invariavelmente, ao dbito. £m seguida, mulhe- res, criangas, idosos e invalidos tinham de mar- char de leste a oeste do império, atravessando jixou sua arca depois do diluvio. © Deserto da Siria. © resultado da marcha era, igualmente, a morte © genocidio comegou em 24 de abril de 1945, ra capital Constantinopla, quando as autoridades ‘otomanas prenderam duzentos e cinquenta lideres comunitarios e intelectuais arménios. Em seguida, Shutterstock Aleranderehcienko militares expulsaram os arménios das suas casas € obrigaram-nos a marchar centenas de quilémetros. até 0 deserto da Siria, sem lhes fornecer 4gua nem alimento. Nesse proceso, eram promovidos mas- sacres. Mulheres, criancas e idosos eram mortos. sem a minima possibilidade de reagao. Estupro e abusos sexuais eram comuns. Tsitsernakaberd, o memorial do genocidio arménio, na cidade de Yerevan, na Arménia. A Republica da Turquia, 0 Estado sucessor do Império Otomano, nao aceita a palavra genocl- dio, pois afirma que o termo nao descreve o que de fato aconteceu. No entanto, vinte paises reco- nhecem oficialmente que os eventos perpetrados pelos otomanos contra os arménios nesse periodo foram, sem divida, genocidio. Shuttertock/ Aleksandr 5. Khachunts 60 0 GENOCIDIO DOS GREGOS Os otomanos aproveitaram a guerra para eliminar as populagoes contrérias ao seu dominio. O genoci- dio dos gregos, como o dos arménios, estendeu-se de 1915 a 1923, quando o império foi abolido e fol proclamada a Republica da Turquia Na Primeira Guerra, 0 governo dos Jovens Turcos buscou eliminar completamente a popula- cdo grega de seu pals natal. Os métodos utiizados foram os mesmos praticados contra os arménios deportacdo, marchas forcadas sem 4gua nem ali- mento, execugdes arbitrarias, destruigéo de im- portantes monumentos cristaos ortodoxos. Muitos gregos fugiram da fdria otomana, buscando abri- g0 no vizinho Império Russo. Monumento ao soldado desconhecido em Ipeiros, na Grécia. Cer ele ree cron) Clr ae ue Ln) rr Cee Cece ea OLE Cre ene rae ta Core ee Pacem eee) ecugdo em m: Niimero de Gregos Mortos: entre 750 mi ea eat) Genocide: A Comprehensive Inereduction A Turquia também nega que tenha cometido genocidio na Grécia e justifica a brutalidade, afirmando que os gregos eram simpaticos aos inimigos dos otomanos. Muitos oficiais turco- -otomanos foram julgados e condenados por crimes de guerra depois do conflito e os gover- nos aliados condenaram os massacres como cri- mes contra a humanidade. Recentemente, em 2007, a Associacao Internacional de Estudiosos de Genocidio emitiu uma resolucao concluindo que a campanha otomana contra as minorias cristas do Império Otomano, das quais os gre- gos faziam parte, foi genocidio. Os parlamen- tos da Grécia, da Repiiblica de Chipre e da Suécia fizeram 0 mesmo. 0 GENOCIDIO Dos ASSIRIOS Embora o numero de assirios mortos pelos tur- co-otomanos tenha sido menor do que o de gre- 0s arménios, a perseguicio a essa etnia, origi- néria da regido englobada pelos atuais Iraque & Siria, foi mais duradoura, Ela se estendeu dos anos. 1890 até meados da década de 1920. A perseguicéo atingiu seu ponto culminante nna Primeira Guerra Mundial, quando a popula- cio assiria, especialmente os cristios, do norte da Mesopotmia — a faixa de terra entre os rios Tigre e Eufrates, localizada no atual Iraque - foi expulsa de sua terra natal e massacrada por forcas turco- -otomanas e curdas. © genocidio dos assirios foi executado no mesmo contexto que 0 dos arménios e gregos. Como nos outros casos, o Estado turco ainda nega que tenha havido genocidio. No recente es- tudo “Genocide in the Middle East: The Ottoman Empire, Iraq, and Sudan”, Hannibal Travis afirma que, no total, cerca de trés milhdes de cirstaos de etnia assiria, arménia e grega tenham sido assas- sinados pelo regime dos Jovens Turcos. feral loo oP ony Coen Correa ec Quem praticou Império Otomano Cer er ee ecialmente cristaos) eee Vista de Bagda a partir do rio Tigre, no final do século XIX: também os iraquianos, ou assirios, na época do Império Otomano, foram vitimas de massacres. a Shuterstock/photoiconi ‘Campo da Primeira Batalha de Ypres: nesse local, em 1914, estudantes alemdes voluntarios fizeram um ataque frontal a soldados franceses e britanicos experientes e foram massacrados. Aqui, ha mais de 44 mil soldados enterrados. 0 ESTUPRO DA BELGICA Logo no inicio das hostilidades, os alemaes atacaram os franceses. Para tanto, invadiram a Bélgica, a qual era neutra, violando acintosamen- te as leis internacionais. Embora a propaganda aliada ~ principalmente a britanica ~ tenha exa- getado propositalmente os acontecimentos, o fato & que os germanicos trataram a populagao civil com extrema barbarie. Com efeito, os invasores consideravam qual- quer resisténcia, como a sabotagem de ferrovias, uma ameaca que deveria ser eliminada a todo custo. Isso incluia incendiar aldeias inteiras e fu- zilar civis como forma de retaliar. Por conta disso, nos primeiros meses da guerra, o exército do kai- ser executou mais de seis mil € quinhentos civis franceses ¢ belgas. Segundo John Home e Alan Kramer, autores do estudo German Atrocities, 1914: A History of Denial, os invasores alemaes destruiram entre quinze mil e vinte mil prédios, impelindo uma massa de mais de um milhao de refugiados a buscar asilo em outros paises. Milhares de operérios foram escravizados. Presos, ram embarcados com destino & Alemanha, onde trabalhavam nas fabricas do inimigo. A propaganda britanica contra-atacou, crian- doo termo "Estupro da Bélgica” para descrever © que os germénicos estavam fazendo no pais neutro. A diplomacia teuténica respondia enfa- tizando que as medidas eram necessarias para impedir a formacao de guerrilhas. A briga na im- prensa impressionou a opinido publica america~ na, Diante da barbarie, os Estados Unidos come- Garam a pender para 0 lado dos aliados. Em algumas cidades belgas, como Lidge, ‘Andenne, Lovaina e, principalmente, Dinant, as atrocidades contra os civis foram premeditadas. Em seu livro Dynamic of Destruction: Culture and Mass Killing in the First World War, 0 historiador nna Universidade de Oxford Alan Kramer informa que, no centro e no leste do pequeno pals, os ale- maes executaram cerca de 1,5 mil civis indiserimi- nadamente, inclusive mulheres e criangas. Em 25 de agosto de 1914, 0 exército germani- co invadiu a cidade de Leuven e visou a um alvo que nao era nem militar nem estratégico: a cul- tura. A Biblioteca da Universidade da cidade foi incendiada, perdendo cerca de trezentos mil livros. € manuscritos medievais renascentistas. Cerca de duzentos e cinquenta residentes, entre alunos € professores, foram friamente assassinados, Mais de duas mil casas de Leuven também foram in- cendiadas e os civis encontrados nos edificios e ruas eram mortos sem nunhum motivo — apesar de os alemaes justificarem a barbaridade, afir- Shutterstock/jri Accidade de Dinant, na Bélgica, palco da maiores atrocidades cometidas pelos alemaes contra civis do pais. mando que temiam franco-atiradores. Alimentos, matérias-primas equipamentos industriais foram saqueados e enviados a Alemanha Em Brabant, os alemées fizeram as freiras de um convento local ficarem nuas, humilhando-as da pior forma que essas mulheres entendiam. Na maioria das cidades, o estupro tornou-se generalizado, Na época do Terceiro Reich, os atos hediondos praticados durante a invasao da Bélgica serviram de exemplo a ser lembrado e adotado. © historia- dor da Universidade e Leuven Jeff Lipkes lembra que Adolf Hitler, o qual lutou na Primeira Guerra como cabo mensageiro, defendia essa politica violenta. "O antigo Reich sabia realmente como tratar com firmeza as populacoes das cidades ocu- padas”, afirmou Hitler referindo-se a invasao da Franca e da Bélgica. “O conde von der Goltz punia = atos de sabotagem incendiando todas as aldeias. Shuterto/Chnta de Bane num raio de varios quilémetros e, em seguida, Mosteiro de Begijnjof, em Bruges, fuzilava todos os prefeitos, prendia os homens e na Bélgica: os alemaes nao pouparam evacuava as mulheres e criancas” nem mesmo religiosos de sua furia. CoNFRATERNIZANDO COM 0 INIMIGO E comum dizer que a guerra é um conflito no qual brigam os velhos, mas so os jovens que mor- rem. Muitos deles sao alistados e obrigados a lutar. Outros, infiuenciados pela propaganda, s4o volun- térios movidos por um entusiasmo que se choca com a crueza das batalhas. A grande maioria, de- pois de ver a aco, comeca a questionar a validade ou a justica do que esté fazendo. Nao so poucos ‘0s que voltam do front e passam a militar em mo- vimentos pela paz. Foi assim nas recentes Guerras do Golfo e também na do Vietna, quando varios veteranos de guerra lideraram campanhas pelo fim do conflito. Também nao foram poucos os que se mostraram contrérios & Primeira Guerra Mundial Chocados com tantas mortes hediondas, trau- matizados com o poder de destruicao das pode- rosas armas desenvolvidas, espantados com o niimero incrivel de baixas, muitos soldados rebela~ ram-se e indisciplinaram-se na Primeira Guerra. O mais curioso, porém, foi um fendmeno que gras- sou ao longo das trincheiras da Frente Ocidental nna época do Natal de 1914 e que persistiu no ano seguinte — até os velhos colocarem, como sempre, um fim no movimento dos jovens. ‘A Trégua de Natal espelha bem a natureza hu mana, tao contraditéria como seus atos e agGes por vezes elevados, santificados, por outras, im- pensavelmente hediondos. £ também reflete mecanismo de um sistema perverso no qual uma minoria controla a maioria em prol do interesse de uns poucos individuos. Em dezembro de 1914, houve um cessar- -fogo espontineo nas trincheiras que se esten- diam frente a frente por trés mil quilémetros pela Franca, desde a fronteira com a Suica até ‘© Mar do Norte. Na semana que antecedeu 0 Natal, os soldados comecaram a se comunicar com seu inimigo de forma amistosa. Cantavam suas cangdes natalinas e eram respondidos com as cangées dos adversérios. Nao demorou para que uma certa confianga pairasse no ar. Os mais ousados, aproveitando a atmosfera que se cons- truia 4 base dessas cangGes, safram desarmados para a “terra de ninguém", a area ndo ocupada que separava as trinchelra, para buscar os cadé: veres dos companheiros mortos para um enterro digno ~ e também para evitar doencas e 0 cheiro tenebroso de carne humana em decomposicio * Red Bcd em ae Coca Sage ce Soldado fotografado numa trincheira nna Primeira Guerra, Note a mascara de gas, pronta para ser usada em caso de ataque com armas quimicas. ‘Ags poucos, dos dois lados, os soldados come- «garam a sair das trincheiras e confraternizar com 0 inimigo na terra de ninguém. Trocavam pequenos presentes ~ chocolates, cigarros e objets tipicos de seus paises. Até mesmo partidas de futebol foram realizadas, evocando a antiga utopia de se resolver 2s diferencas entre as nagdes numa disputa espor- tiva, Também houve funerais em conjunto, isto é, com alemaes participando do enterro daqueles que haviam matado e, do outro lado, com britanicos € franceses tomando parte no funeral dos que tinham abatido. Tao contraditério quanto humano. © movimento foi se intensificando. Na véspera de Natal, mal parecia que aqueles homens esta- vam ali reunidos em meio a lama constante, co- bertos de piolhos e outros parasitas, enfrentando doencas contagiosas e frio intenso para matarem uns aos outros. A terra de ninguém estava toma- da por dizias deles, que conversavam uns com os ‘outros, bebiam, fumavam e riam. Pareciam mais operdrios confraternizando-se. Operdrios, de fato: operdrios da morte que operavam méquinas de destruigao em massa. Mas estavam em greve. Na verdade, nos primeiros meses de guerra de trincheira, houve diversas outras tréguas espon- taneas, isto 6, sem a decisio ou interferéncia dos oficiais. Nesse periodo, desenvolveu-se um clima de “viva e deixe viver”, como veio a se chamar (© comportamento de cooperativismo e de nao agressao assumido pelos soldados do front oci- dental. Houve, em menor escala, até mesmo epi- sédios de fraternizacéo, em que os inimigos con- versavam e trocavam cigarros. Em alguns setores, 0 fogo era interrompido para se resgatar soldados feridos e buscar os mortos para ser enterrados. Em outros setores da linha de trincheiras, havia um acordo tacito, embora nao oficial, de nao ati- rar nos soldados enquanto estes descansavam, se exercitavam ou trabalhavam, o que era feito 4 vista do inimigo. Em outros setores do front, nao houve, porém, nenhuma trégua. ‘Os generais, tanto de um como de outro lado, ficaram furiosos ao tomar conhecimento dessas tréguas espontineas. Em seu artigo, "The Truce of Christmas 1914", publicado na edicdo de na- tal do The New York Times, Thomas Vincinguerra afirma que o general britanico Sir Horace Smith- Dorrien ficou muito irado quando soube o que estava acontecendo e proibiu terminantemente a comunicacao amigavel com as tropas alemas. Embora a imensa maioria participasse da tregua espontinea ~ mais de cem mil britdnicos toma- ram parte no movimento -, houve soldados que se opuseram a ela. Adolt Hitler, por exemplo, que era cabo do exército alemao, um mensageiro de- dicado e condecorado por bravura, era completa- mente contrario a trégua. No ano seguinte, poucas unidades interrom- peram as hostilidades na época do Natal. Além das ordens e punigGes severas contra a trégua = houve oficiais que ordenaram bombardeios na véspera e no dia de Natal para evitar as confra- ternizac6es -, a guerra de trincheiras tinha fica~ do mais encarnigada. £m 1916, depois das san- grentas batalhas de Somme e Verdun, as quais somam quase um milhdo e meio de mortos, e depois do uso de armas quimicas, os soldados de ambos os lados comecaram a ver-se com muito menos tolerancia e nao houve mais tré- guas de Natal, © lado humano capaz de buscar alguma paz em meio ao caos tinha cedido para aquele capar de cometer atos hediondos. Nao foi capaz de interromper a carnificina Soldado da Grande Guerra posando ao lado de canhao. 67 PERSONAGENS © conflito é um aspecto da humanidade. Como nna natureza, que se mantém por meio de um pro- cesso autofagico, o homem também reproduz essa realidade no mundo que criou, 0 mundo da socie- dade e da cultura. © homem tem poucos inimi- {gos naturais - salvo alguns virus, bactérias e seus transmissores -, mas o pior inimigo & 0 préprio homem. Desde o inicio da civiizacao, hordas de uerreiros saquelam aldeias, matam os homens, estupram as mulheres e escravizam as criancas. ‘© Homem ¢ 0 lobo do homem. © conflito & um aspecto da humanidade. Em meio ao conflito, surgem histérias huma- nas, imbufdas de todas as contradicdes que nos caracterizam. Afinal, como dizia o dramaturgo Plinio Marcos, “sem conflito ndo ha histéria". E as histérias da Primeira Guerra esto repletas de heroismo, édio, altruismo, traicdo, covardia, co- ragem, ousadia em meio & destruicdo e ao caos. Ligbes'de vida que lembram as sdbias palavras que Guimaraes Rosa colocou na boca do jagunco Riobaldo, em Grande Sertéo Veredas: "O que a vida quer da gente é coragem. ‘A Primeira Guerra Mundial foi um conflito em massa, industrial, movido por operdrios da morte ‘operando maquinas de destruicao. Uma camifici- na até entao sem igual. MilhGes de vidas ceifadas, outros milhées de sobreviventes feridos, falidos, traumatizados. Uma geragio amaldicoada que ainda iria enfrentar uma destruicao maior duas dé- Shuttestod Wileue Cemitério de Tyne Cot, em Ypres, na Bélgica. cadas depois, com o pesadelo da Segunda Guerra ‘Mundial. $40 milhdes de histérias andnimas. Mas em meio a esses milhdes de vidas tragadas pelo conflito, alguns personagens ~ ndo muitos ~ conti- nuaram a ser lembrados pelas décadas. Os homens e as mulheres que viveram essas his- t6rias acabaram virando mitos nao s6 por conta das suas experiéncias pessoais, mas também porque suas vivencias espelham aspectos particulares da guerra Heréis dos ares, do deserto, das trincheiras, soldados comuns, garatos de 18-19 anos destacaram-se cada qual em seu teatro, como atores cujos espetaculos estao intrinsecamente ligados aos cenérios. Estas sdo as histérias de alguns deles. Manu ‘Shuttestock/RWPHOTOART ‘Selo da Guiné Equatorial de 1974 com imagem de Manfred Albrecht Freiherr von Richthofen, o Barao Vermelho. 0 BARAO VERMELHO Manfred Albrecht Freiherr von Richthofen (1892 - 1918) foi o maior as da Primeira Guerra Mundial e um dos simbolos sempre relacionados com 0 conflito. O Barao Vermelho, como era cha- mado, abateu oitenta avides em sua carreira, mais do que qualquer outro pilot. Von Richthofen era membro de uma familia da nobreza alema, composta de militares. Era um Freiherr, ou Senhor Livre, um titulo quase sempre traduzido como Bardo. Por conta disso e por seu avido ser pintado de vermelho, ficou conhecido ‘como Bardo Vermelho. Mas 0s aliados tinham ou- tros apelidos para ele. Os franceses chamavam- -no de Diabo Vermelho (Le Diable Rouge) e os britanicos, de Cavaleiro Vermelho (Red Knight), Na Alemanha, seu apelido era Piloto de Combate Vermelho (Der Rote Kampffieger). Seguindo a tradicao da familia, von Richthofen entrou para a escola militar muito cedo, aos 11 anos. Em 1911, depois de completar o treinamen- to como cadete, entrou para a cavalaria. No comego da Primeira Guerra, von Richthofen serviu tanto no front Ocidental como no Oriental, fazendo reconhecimentos, partici- pando de combates na Russia, Franca e Bélgica. No entanto, as metralhadoras e os arames far- pados tornaram a cavalaria obsoleta. Assim, von Richthofen pediu transferéncia para 0 Servigo Aéreo do Exército Imperial Alemao. Aceito, comecou seu trei- namento em outubro de 1945. Durante o treinamento, 0 Bardo Vermelho era um piloto abaixo da média. Tinha dificuldade para con- trolar o avido e chegou até mesmo a colidir durante seu voo inaugural Contudo, um ano depols, é era um dos pilotos mais conhecidos dos esquadrées aéreos _germanicos. Apesar de ndo ser um piloto habil em acrobacias, como seu irmao Lothar von Richtofen, outro és alemao que abateu 40 avides na Primeira Guerra, 0 Bardo Vermelho era um tatico excepcional e talentoso lider de es- quadrilha, além de ter uma étima pontaria. Em 1917, com a fundagdo da Forga Aérea da Alemanha, 0 Bardo Vermelho foi promovido a comandante de um dos esquadrées, o Jasta 11, @, pouco depois, a uma unidade maior, a Jadgeschwader 1, mais conhecida como Circo Voador. Em 1918, aos 26 anos, era um herdi na~ cional em seu pais e famoso entre os inimigos. © Bardo Vermelho nao viu, porém, o final da guerra. Foi abatido perto da cidade francesa de Amiens, em 21 de abril de 1918, pouco depois das 11h00. Em seu livro, Flying Stories, Hayden McAllister conta que 0 Bardo estava perseguindo um biplano Sopwith Camel pilotado pelo tenente canadense Wilfrid “Wop” May, da Esquadrilha 209 da Real Forca Aérea, quando foi ido. no peito por uma bala calibre 0.303 mm. Von Richthofen anda conseguiu pousar atris das li- nhas inimigas, num setor controlado pela Forca Imperial Australiana. Quando os primeiros solda- dos chegaram ao aviao do Bardo Vermelho, ele ainda estava vivo, mas morreu em seguida Qs aliados providenciaram um funeral com honras militares ao piloto inimigo. Von Richthofen foi enterrado no cemitério de Bertangles, perto de Amiens, Seu caixao foi levado por seis capitaes aliados, a mesma patente do Bario Vermelho, e uma guarda de honra deu varias salvas de tiros ‘em homenagem ao morto. Os esquadrées allados estacionados préximos aquela posicdo enviaram diversas guirlandas de flores. Numa delas,lia-se: “Ao nosso galante e valoroso inimigo”. Nada mais contraditério. Nada mais humano. oo te Ruinas da casa de Lawrence da Arabia, no deserto de Wadi Rum, na Jordani LAWRENCE DA ARABIA Um dos personagens mais famosos da Primeira Guerra Mundial foi © oficial britanico Thomas Edward Lawrence (1888 - 1935), mais conhecido pelo seu apelido, Lawrence da Arabia. Além de ter sido uma figura vital na Revolta Arabe (veja ma- ‘téria "A Frente do Oriente Médio"), que ajudou a derrotar os turco-otomanos, ele encerrava em si diversas caracteristicas envoltas em romantismo.. Arqueslogo de formacéo, com experiéncia em escavagées no Egito, durante a guerra foi espiao e agente entre os arabes, a quem convenceu de lu- tar do lado dos aliados contra o Império Otomano. ‘Suas aventuras € as pessoas com quem conviveu, bem como sua habilidade em relaté-las na sua au- tobiografia, projetaram-no, tornando-o uma figu- ra publica das mais notérias em seu pals natal. Sua histéria foi para o cinema num filme de1962 pre- miado com sete prémios Oscar, dirigido por David Lean e estrelado por Peter O'Toole. Thomas Lawrence nasceu no Pais de Gales em 1888, Seu nascimento foi resultado de um escindalo, quando Sir Thomas Chapman deixou a esposa e filhos na Iranda para ir viver com a governanta da sua casa, ‘Sarah Junner, no Pais de Gales. Para evitarem ser mal- falados na pequena aldeia galesa, eles chamavam a si mesmos de senhor e senhora Lawrence. Thomas foi um aluno brilhante. Era poliglata, fuente em francés, grego arcaico e arabe. Tornou- -se arqueélogo e fol trabalhar em escavacoes no Oriente Médio. Em janeiro de 1914, pouco antes do comeco da guerra, Lawrence foi recrutado pelo Exército Briténico para fazer um levantamento no Deserto de Neguev. © Departamento Arabe do Ministério do Exterior britanico, um servico de inteligéncia ba- seado no Cairo, Egito, tinha planejado uma cam- panha contra 0 Império Otomano baseada numa insurgéncia interna, estimulada e financiada pe- los aliados. Havia, de fato, tribos e liderancas na- cionais que desejavam a independéncia, que, se fossem instigadas e recebessem ajuda, penderiam para o lado britanico. Isso minaria os otomanos 2 partir de dentro, desviando recursos preciosos para conter as rebelides internas. Como conhecia bem a Siria, o Egito, a Palestina € a regio do atual Iraque (entao chamada pelo nome antigo, Mesopotamia), quando o confli- ‘ j i ; i to explodiu, Lawrence foi lotado no servigo de inteligéncia, no Cairo, De acordo com 0 eseritor Charles Parnell, em outubro de 1916, foi enviado para trabalhar com as forgas hachemitas, um im- portante cla da tribo dos coraixitas, em Hejaz, no ceste da atual Arabia Saudita. Lawrence tinha por hdbito adotar as roupas locais em suas viagens e continuou a fazer 0 mesmo no Exército. HA diversas fotografias dele usando um dishdasha, a tnica tradicional arabe e cavalgando camelos. Esse costume de se vestir como os arabes faz parte do folclore que circunda esse personagem. Lawrence era, de fato, muito interessado nesse universo. Durante 0 conflito, Lawrence combateu em agées de guerrilha ao lado de tropas arabes ir- regulares sob 0 comando de Emir Faisal. Numa intervencéo importante, Lawrence conseguiu apoio da marinha britanica para repelir um ata- que em Yenbu, em dezembro de 1916. A maior contribuicao de Lawrence foi, porém, convencer 05 lideres arabes a coordenar suas agées de for: ma que apoiassem a estratégia dos britanicos. Ele persuadiu os beduinos a nao fazer um ataque frontal contra a fortaleza otomana em Medina, convencendo-os.a esperar que 0 exército otoma- no enviasse mais tropas para Medina para, em seguida, atacar o ponto fraco dos turcos, a ferro. via de Hejaz, por onde eram enviados suprimen- tos a Medina. Por conta da acéo, varias divisoes otomanas foram mobilizadas para proteger ndo s6 Medina, mas também a ferrovia, enfraque- cendo outras posicées que precisavam manter. Depois de coordenar importantes vitérias, como a captura de Aqba e a Batalha de Tafileh, Lawrence envolveu-se, nas iltimas semanas da guerra, na captura de Damasco. Para sua decepgao, ele s6 chegou a capital siria horas depois da queda Depois da guerra, Lawrence trabalhou no Ministério Exterior. Aproveitando a fama, escre- veu suas aventuras num livo que chamou de Sete Pilares da Sabedoria. Celebrado em seu pais natal, morreu, em 1935 num acidente de motoci- cleta, uma de suas grandes paixdes. A Caaba, local sagrado dos islamicos, CO ee ne etn om een) Se ee ee ee ct Pee a ae ras n 72 Preparando-se para o combate: soldados americanos em treinamento no Campo Chillicothe, Ohio, em 1917. SARGENTO YORK Alvin Collum York foi, provavelmente, 0 soldado americano mais condecorado da Primeira Guerra Mundial. York recebeu a Medalha de Hora, a mais importante condecoracao dos Estados Unidos, por liderar a tomada de uma casamata alema armada com metralhadoras, capturando trinta e duas me- tralhadoras, matando sozinho vinte e oito alemaes € ajudando a capturar outros centro e trinta e dois, durante a Ofensiva Meuse-Argonne, na Franca, ‘empreendida pelos americanos. Alvin Collum York era um homem robusto, rui- vo, descendente de anglo-saxdes, com quase 1,9 metro de altura. Nasceu em 13 de dezembro de 1887 numa cabana de troncos nas montanhas do Tennessee. Em outras palavras, era um ristico montanhés. Era o terceiro de onze filhos. ‘A Familia York era pobre. O pai, William York, cultivava e criava tudo o que a familia consumia A.carne era sempre de caca. Para complementar a renda, William trabalhava como ferreiro. A mae de Alvin costurava toda a roupa que a familia usava, Os filhos frequentaram a escola durante apenas um ano letivo ~o suficente para aprender a ler e a escrever. © pai da familia precisava de ajuda na fazenda. Em 1911, quando Alvin tinha 23 anos, seu pai morreu €, como seus dois irmaos mais velhos jé tinham ca- sado e viviam com suas famnfis, ele assumiu o sus- tento da mae e dos oito irmaos menores Embora fosse trabalhador, Alvin tinha um gé- nio péssimo. Frequentemente embriagava-se nos 5 i z 3 saloons locais e arrumava brigas. Varias vezes foi preso. Um dos seus bidgrafos, Michael Birdwell, autor de Legends and Traditions of the Great War. Seargent Alvin York, conta que sua mae, membro de uma denominacdo protestante pacifista, tenta~ va, sem sucesso, convencer o filho a mudar seus modbs. Ela nao imaginava que o genio violento do filho acabaria por tornd-lo um herdi. Apesar das bebedeiras e das brigas, York frequentava a igreja com regularidade e quase sempre era quem lidera- va os hinos ~ a eterna contradigao humana. Quando a guerra estourou, Alvin York se pre- cocupou. Numa palestra que deu no final da vida, ele admitiu que “ndo queria ir {para a guerra] e matar", e que acreditava na Biblia. De acordo com Christopher Capozzolla, autor de Uncle Sam Wants You: World War 1 and the Making of the Shutterstock Wilequet Manuel Tumulo de um soldado desconhecido da Primeira Guerra, em Flanders, no Norte da Bélgica. Modern American Citizen, quando York se regis- trou no exército, na época condigéo obrigatéria para todos os homens americanos de 21 a 31 anos, York respondeu a pergunta "HA restricdes a convocacao (especificar motivo)?", com uma simplicidade infantil: “Sim. Nao quero lutar”. claro que a resposta nao comoveu os oficiais € York foi convocado. Durante 0 treinamento, acabou se conciliando com a necessidade de combater. Seus superiores mostraram a ele passagens violentas da Biblia, justi- ficando matar outros seres humanos ~ embora isso contradissesse 0s Dez Mandamentos de Moisés € 0 segundo mandamento de Jesus: “Amai-vos uns aos ‘outros como amam a si mesmos” A pregagao dos superiores funcionou. Em acao, York revelou-se um combatente mortal. Em 8 de outubro de 1918, durante um ataque do seu ba- talhao para capturar posic6es alemas ao longo da ferrovia Decauville, na Franca, a atuacao de York valeu-Ihe a Medalha de Honra -a maior condeco- racio militar concedida pelo governo americano. Sob intenso fogo inimigo, 0 qual dizimou mui- tos homens de seu pelotao, York e mais dezesseis homens receberam ordens de se infltrar na reta- guarda da posicao germanica e tomé-la. Qs soldados capturaram as_metralhadoras, mas os alemaes continuaram a atirar. York deixou seus homens abrigados e foi, sozinho, enfrentar os alemaes. Lutou contra varios deles. Atirando rapidamente, matou 22. Entdo, a muni¢do do seu rifle automatico acabou. Seis alemaes numa trin- cheira préxima perceberam e atacaram-no com baionetas, mas York sacou o revélver Colt 45 & atirou contra os alemaes, acertando os seis tiros. Como resultado de sua acéo individual, York foi imediatamente promovido a sargento conde- corado com a Cruz de Servigos Distintos, a se~ gunda condecoracéo mais importante do Exército americano, em reconhecimento ao seu heroismo. Alguns meses depois, quando foram concluidas investigagdes minuciosas sobre seus feitos, York recebeu a Medalha de Honra. Sua impetuosidade em combate (e também o reconhecimento que recebeu) impulsionou outros atos de bravura. Numa batalha subsequente, York repetiu proezas semelhantes, capturando, com aju- da do pelotio que passou a comandar, outra casa- mata e fazendo 128 prisioneiros. No total, 0 sar- gento chegou a receber cinquenta condecoracoes. Soldados alemaes da Primeira Guerra num cartao-postal da época. Os feitos de York nao eram conhecidos nos Estados Unidos, até mesmo no Tennessee, até que uma edigdo especial do jornal Saturday Evening Post a de 26 de abril de 1919 — contou os atos de herofsmo do sargento De volta aos Estados Unidos, York tornou-se uma celebridade. Casou-se logo depois que che- gou e constituiu familia. Contudo, ele se recusou a aproveitar sua imagem em beneficio préprio. Nao aceitou, nem mesmo, milhares de délares em publicidade. Em vez disso, emprestou sua imagem gratuitamente a instituigdes civicas e de caridade. Ele também iniciou uma fundacao para ajudar na educagao de criancas pobres das mon- tanhas do Tenesse. Essa foi sua maior ocupacao depois da guerra. Por conta da generosidade, com a crise do final dos anos 1920, o sargento ficou em dificuldades financeiras. Em 1948, York teve um derrame, agravado por ‘outros mais que o confinaram na cama a partir de 1954. Passou dez anos nessa situacéo, morrendo de hemorragia cerebral em 2 de setembro de 1964. Shutterstoc/rook76 Shuttestock/Cheanove Pru HeEROIs ANONIMOS ‘As cartas dos soldados, das suas familias e namora- das contam a Primeira Guerra Mundial de um ponto de vista diferente do relatado nos livros de Histéria ‘Ao contririo dos textos frios e distantes, espelham © lado humano da guerra. Nao trazem comentarios sobre estratégias, nem analisam taticamente essa ou aquela campanha, mas revelam as esperangas € 05 temores dos protagonistas daquela que seria a guerra para terminar com todas as guerras” Muitas dessas cartas foram arquivadas na bi- blioteca do Museu da Guerra, em Londres, e algu- mas delas foram disponibilzadas on-line pela BBC. Selecionamos algumas delas para mostrar um pouco © universo desses heréis andnimos. 0S NOIVOS soldado William Martin e Emily Chitticks es- tavam noivos quando ele foi morto em combate em 27 de marco de 1917. Enquanto ele estava lu- tando na Franga, o casal escrevia um para o outro sempre que possivel. Emily ficou desolada quan- do soube da morte do noivo € nunca se casou. Quando ela morreu, em 1974, havia um bilhete Diario de um soldado americano entre suas coisas pedindo para que as cartas de que combateu na Primeira Guerra. William fossem enterradas com ela. 4 Franca, 24 de mago de 1917 Minha Emily, Apenas algumas linhas para dizer que ainda estou na terra dos vivos e pasando bem. Espero que vocé também esteja, minha querida, Acabo de receber sua carta e fiquei muito feliz. Chegou bem pontualmente desta vez, pois demorou ape- nas cinco dias. ‘Néo estamos no mesmo lugar, Emily. Na verdade avangamos um pouco. O tempo esté bom e espero que continue assim. Eu rezo para que essa guerra acabe logo e possamos nos reunir de novo. Muito amor, Do seu Will Trés dias depois de ter escrito essa carta, Wiliam Martin foi morto. Sem saber que ele tinha mori do, Emily Chitticks continuou a escrever para ele. ‘Maas por algum motivo que ela nao soube explicar, no dia seguinte a morte do noivo, ela comecou a usar tinta vermelha, Cinco de suas cartas voltaram marcadas com a anotacao “morto em acéo" 29 de margo de 1917 ‘Meu querido Wil, Fiquei tao feliz a0 receber sua carta essa ma- nha e saber que vocé esta bem! Por aqui as coi- sas estio indo e espero que esta 0 encontre com ‘muita sauide. Fico contente de saber que vocé estd receben- do minha correspondéncia. Néo espero a sua para escrever, pois vocé teria de ficar muito tempo sem resposta. Além do mais, suponho que vocé fique feliz ao receber tantas noticias minhas quantas fo- rem possiveis Entendo, meu querido, que vocé ndo possa es- crever com tanta frequéncia. Mas nao se preocu- pe. Logo me acostumarei a esperar. Bern, querido, néo sei mais o que dizer e estou ficando com sono. Ah, como eu queria que voce estivesse aqui, meu amor! Entretanto, bem sei que nao é bom desejar. Muito amor, Da sua sempre Emily Font: hexpnewsbc coh 2p reper 9981098 Wer ‘war V194032stm Cartao-postal promovendo a compra de bonus de guerra para abastecimento dos soldados americanos no front europeu (por volta de 1917). ———— s. 8. MARGHA - 3 4 Cartao de embarque num navio a vapor, indicando alimentacao, de Newburg, Nova York, para Londres (por volta de 1918). PRESSENTIMENTO O soldado raso Frank Earley escrevia regular- mente para a familia. Suas cartas eram, quase sempre, cheias de entusiasmo, Contudo, a diltima carta que escreveu, datada de 1 de setembro de 1918, parecia quase uma despedida. No dia se- guinte, Frank Earley foi atingido no peito e morreu poucas horas depois. Tinha 19 anos. 3 a > i : KEEP THIS CARD | Domingo a tarde, 1 de setembro de 1918 Meu caro pai, E.um sentimento estranho, mas real, que a cada carta que escrevo para casa, para vocé ou para minhas irmazinhas, seja a ultima. Néo quero que pense que estou deprimido. Pelo contrério, estou muito contente. Mas sempre me ver a percep- co do quanto a morte estd proxima de nds. Uma semana atrds eu estava conversando com um ho- mem, um catélico de Preston, que esta aqui hd quase quatro anos, incdlume. Ele tinha certeza de que iria dar baixa logo. E agora esté morto-morto ‘num segundo, durante nosso tiltimo avanco. Bom, foi a vontade de Deus. Escrevo isso porque espero que perceba, como eu, a possibilidade de o mesmo acontecer comigo. Fico feliz de poder pensar isso sem medo. Quero sobreviver por vocé e pelas minhas irmazinhas! Estou preparado para dar minha vida como muitos fizeram. Tudo 0 que posso fazer é colocar nas méos de Deus e pedir que vacé e as pequenas rezem por mim ao Sagrado Coracao e a Nossa Senhora. Espero que vocés ainda ndo se mudem da casa velha. Escreva me avisando se alguma coisa acontecer. Soube que vacé foi a Preston ha al- guns dias. Parece que faz anos que eu quase me ‘afoguei no canal. Bom, nao tenho mais tempo e preciso it Com meu amor. Reze por mim. Seu filho Frank Fonte: Ineplnews bbe.couk special repor!1998/1098world_ ‘war 194954 sem, Vale-refeicao de um soldado americano, valido para a viagem entre Nova York e Londres (1918). A mao, lé-sez “Se eu perder este vale e vocé encontré- lo, por favor, devolva para RIT. Knell Cia. H 332" Divisio de Infantaria”. Shutterstock/Susan Law Cain SACRIFICIO EM FAMILIA Ted Poole era irmao mais novo de um soldado ‘morto na Terceira Batalha de Ypres, em 1917. Ted foi convocado nos meses finais da guerra, em maio de 1918, e treinado no campo de Aldershot, de onde escreveu a carta abaixo. Nela, o jovem soldado responde as preocupacoes do pai, que, ja tendo per- dido um filho, queria que Ted se aplicasse nos treina- ‘mentos para aumentar suas chances de sobreviver. 28 de maio de 1918 Caro pai, Apenas algumas linhas para responder & sua car~ ta, a qual recebi hoje. Sim, j4 me acostumei com as polainas, agora que elas se moldaram as minhas pernas e também com 0 resto do equigamento, meu rifle e baioneta @ agora, sempre que entro em formagéo, tenho de usar meu cinto, cartucheira, baioneta e 0 rifle. Eles nos ensinaram técnicas de luta com baioneta hoje e os bragos doem quando a gente aponta na diregao do inimigo imaginério com o rifle na altura do peito. Acho que esse treinamento duro ou vai fazer de mim um homem, ou vai me matar. Voce precisava me ver de capacete e de mascara de gas. ‘ria rir, especialmente porque o capacete balanca de um lado para outro quando ando. Estou me alimentando bem e, como vocé pode comer uma refeigéo extra depois do jantar, pode apostar que sempre como. Estou seguiindo seu con- selho e comendo tudo 0 que posso. Sim, lembrei-me do aniversério de Dolly e mandei uma faixa do nosso regimento, 0 que ela jé tinha me pedido. E vocé teré de dizer d senhorita Farmer que ela terd de esperar pelo menos dois meses pera me ver quando eu conseguir uma ficenca. Vou perguntar ao oficial sobre a penséo amanha ou depois, pois ouvi falar de dois ou trés rapazes cujas maes esto recebendo pensio, mas ndo sei de quanto. Bem, vou parando por aqui, pois nao tenho mais nada para contar no momento, Espero que todos estejam bem. Do seu filho amoroso, Ted PS. Mande minhas lembrangas para Dolly e Frank. Ted foi enviado para lutar na Franca em agosto de 1918. Dois meses depois, em 13 de outubro, foi morto em combate, aos 18 anos. Memortas DA GUERRA Em 1999, Apolénia Strauss, austriaca que emi- grou ao Brasil depois da Primeira Guerra Mundial, deu diversos depoimentos sobre as experiéncias de sua familia durante o conflito para um projeto de meméria que estava sendo realizado na épo- ca. Durante a guerra, enquanto o chefe da familia lutava na frente Sul, Apolénia, as irmas e a mae, Joana Strauss, permaneceram em Viena, onde a carestia era enorme. Esta é a historia da familia durante a guerra. Joana Gerger nasceu em 1890, ndo se sabe nem © dia nem o més. Seu pai, Johan Gerger, era um camponés de Rachwart, no estado austriaco de Burgenland, e a mae, Clara, tinha mais trés filhos. ‘A vida de Joana foi redigida pelas linhas draméti- cas dos conflitos de ascensao dos paises centro- -europeus. Como sua prOpria terra natal, conheceu a decadéncia no apogeu da existéncia, padecendo 4 mingua da historia que se impunha cruelmente sobre os lares ¢ as familias, anulando sonhos, am- putando realizacées. A infancia de Joana aconteceu num tempo em, que a Austria atravessava uma pequena calma- ria depois de fortes chuvas. Na verdade, tal paz prenunciava uma tempestade ainda maior. Na Europa, todo o século XIX foi marcado por confli- tos que desenhavam a nova distribuigao do poder. Movimentos politicos e sociais que foram defla- sgrados pela Revolugio Francesa e que, numa cor- rente de eventos, s6 se estabilizariam, crise apés crise, apés a Segunda Guerra Mundial. Mas, naquele momento, os acontecimentos proporcionados pela tropega nobreza, que luta- Videiras em Burgenland, na Austria, terra natal da familia Strauss. ‘Shuttestod/Bena Schweitzer 78 ‘Casa com ninho de cegonhas em Burgenland, Austria. va para ndo sucumbir & histéria, pouco afetavam Joana e os seus em Burgenland. Regio agricola, produtora de alimentos e recursos, ainda podia sustentar seus habitantes, mesmo numa nagao que se preparava para a guerra AAs noticias nao chegavam com frequéncia a pe- quena Rachwart, Seus habitantes, cidadaos aust ¢05, catdlicos, senhores do império, tinham pri- vilégio sobre as varias etnias que compunham a nacao, essa colcha de retalhos linguisticos, étnicos ¢€ religiosos. Defendiam a supremacia de Viena e as rodas de cerveja no guesthauss local eram ani- madas pelas memorias dos veteranos das campa- nnhas na vizinha Hungria. A inféncia de Joana foi pontuada de tarefas ‘Como segunda dos quatro filhos de Clara, tinha de ‘uidar dos irmaos menores Johan e Maria, além de ajudar o mais velho, Karl, eo pai na roca. No cam- po ha muito trabalho e nao se perde tempo com devaneios. Desde muito menina, ela acordava com © raiar do dia, ia buscar Agua no poco, cortava le~ nha, acendia 0 fogao, ajudava a mae a preparar a refeigéo que os homens levariam para a lavoura ¢, quando nao ia ela mesma lavrar, passava o dia trabalhando na casa ajudando a mie, fabricando compotas, queijos e embutidos. Além disso, fre- quentava a escola priméria da aldeia. Havia uma relativa fartura, mas nao dinheiro. ‘As antigas casas dos camponeses austriacos eram bem simples: dois cmodos, cozinha e uma sala na qual a familia se reunia e fazia suas refei- Ges. O teto era forrado com terra € o telhado, coberto de feno. A casa dos Gerger, no entanto, tinha um luxo pouco comum na época: banhei- ro dentro de casa. Dormia-se cedo, acordava-se cedo e os familiares estavam, em geral, cansados demais para conversar. Joana era uma menina quieta, reservada. Encarava seus afazeres com dedicacao e seriedade, como se ja soubesse o que © futuro Ihe reservava. Quando tinha oito anos, em 1898, Sissi foi assassinada por um anarquista italiano, com um golpe de lima no coracdo. Talvez esse incidente fosse como um primeiro raio anun- ciando a tempestade que se armava. A vida social de Rachwart girava em torno da igreja. A Austria é um pals de maioria catdlica € Joana, tal qual sua familia, nao era excecao. ‘Muito fervorosa, era devota da Santa Maria Frequentava a igreja e, a medida que crescia, participava dos trabalhos da comunidade bene- g ficente local. Acabou se tornando Legionéria de Maria, visitando, levando consolo e oracéo aos doentes de hospitais e asilos da regiao (is vezes, ia até Budapeste confortar alguém muito mal), ajudando os necessitados do jeito que podia, Qs acontecimentos mais esperados do ano eram as festas da igreja, que nos tempos pagaos marcavam 0 comeco das estaces. £, colheita apés colheita, 0 mundo mudava aos olhos da menina, que agora jé era moca. Nas festas e no guesthauss da vila, onde tinha baile toda semana, Joana comecou a notar um certo aprendiz de fer reiro, alegre, comunicativo, bom bebedor e dan- sarino. Karl Strauss, de olhos castanhos, cabelo ondulado, vaidoso, era o oposto dela, timida e reservada. Talvez por isso mesmo tenham se atra- ido tanto. Com 0 tempo, comecaram a namorar e, em 1906, aos 16 anos, Joana ficou gravida. Karl, entao com 19 anos e jé oficial ferreiro, ca- sou-se com ela e foram morar numa casa, bem confortdvel, que os Gerger lhes tinham dado. Em 21 de fevereiro de 1907, nasceu Apol6nia. s pais queriam chamar a filha de Eleonora, mas 0 padre da inica igreja de Rachwart, que mandava e desmandava na vida da comunidade, queria que © nome do bebé fosse Apoldnia, a padroeira dos Shutterstock Paw Ki dentistas (pois, quando foi sacrificada pelos roma- nos, teve seus dentes arrancados como suplicio) Os pais acabaram cedendo as pressdes do sacer- dote, talvez porque suas orelhas ainda estivessem quentes com os sermées que tinham ouvido, € a primeira filha foi batizada com esse nome Em 1909, deu a luz uma menina, Maria, o nome da santa de sua fé. A familia aumentava e os recursos iam ficando cada vez mais escassos. Provincias revoltosas mi- navam a uniéo do Estado, que ruia por causa da impossibilidade de manter sua hegemonia. O exér- cito, sempre de prontidao, exigia suprimentos, rou- pas, munigéo, cavalos e, naquele momento crucial dda hist6ria da Austria e de toda a Europa, todos os esforcos eram voltados para a manutengao e ex- pansdo das fronteiras. Em 1910, Joana ficou gravida de novo e, no ano seguinte, deu a luz Angela. Meses depois, jé estava espera de Karl, 0 Gnico menino, nascido em 1913. Rachwart ficou pequena demais para os Strauss. Nao havia trabalho suficiente que permitisse ao fer- reiro sustentar os seus. Por isso, decidiram mudar-se para Viena. A familia foi separada. Angela, entao Casa rural tradicional em Burgenland. A familia de Apolnia vivia numa casa semelhante a essa. com dois anos, e Karl, recém-nascido, ficaram com ‘08 avés maternos em Burgenland, A fome assolava a Austria e deixar os filhos menores aumentava as chances de sobrevivéncia. Porém, os Strauss nunca mais voltariam a viver todos juntos outra vez. Foi um golpe duro em Joana. Deixar seus bebés e nao poder vé-los crescer causaram nela uma ferida fun- da. Um corte que nunca mais se cicatrizou e que, ‘com o tempo, se infeccionou e a prostrou. Viena, 1913. Quando os Strauss ld chegaram, Viena era um importante centro cultural, que a Nessa estacdo, os Strauss desembarcaram em Viena, em tinha consagrado como uma das principais capi- tais europeias. Lar de artistas € pensadores, como Brahms e Freud, e palco para a apresentagao de suas obras. A grandiosidade do pais tomava cor- po na imponéncia das construgées da metrépole, © Hofburg (o palacio imperial), a igreja de Sao Pedro, 0s, entéo, novos teatros e prédios adminis- trativos do boulevard Ringstrasse impressionaram Karl e Joana. Mas aquele era um mundo restrito. © acesso aquela vida onirica de especulacées ar- tisticas e filoséficas estava muito além para aque- les cuja luta era a sobrevivéncia. ‘A familia instalou-se no décimo primeiro bair- to, 0 XI Bezirk, no suburbio. Alugaram um apar- tamento de dois cmodos no edificio de proprie- dade dos Kratzinger. Brigite, a madrinha de Apol6nia, jé estava mo- rando na capital e ajudou Joana a conseguir um emprego no Centralfriedhoff, o maior cemitério da cidade. Brigite também trabalhava la, e as ami- gas limpavam e cuidavam dos timulos, canteiros e jardins. Karl nao teve dificuldade em conseguir servico como ferreiro. Mesmo assim, 0 que 0 ca- sal ganhava nao era suficiente para sustentar a si ¢ as filhas. Durante as colheitas, as meninas iam a0s campos, nos arredores da cidade, catar os re- fugos dos agricultores. Eram restos de tubérculos, espigas quebradas, folhas murchas, que elas mes- mas cozinhavam e serviam no jantar como com- plemento ao que os pais traziam. Plonie tinha seis anos e Mitze, quatro. Foi no Sul que Karl serviu. Foi designado para a Istria, na Crodcia, para o importante porto de Pola, No comeco da guerra, Karl trabalhou at Shuterstock Re como ferreiro. Naquele tempo, os cavalos eram um importante meio de tracéo, ja que os moto- res ainda eram muito ineficientes. Karl serviu na frente Sul, onde tropas austriacas estavam esta- cionadas, defendendo uma posicdo vital. Pola, para onde foi designado, é uma das trés maiores cidades da Istria; um porto localizado estrategi- camente no extremo Sul da peninsula. O ferreiro trabalhava atras das linhas de combate, afastado das trincheiras infectadas. O pai, nesse tremendo Sedmaova Monumentos fiinebres de Wolfgang Amadeus Mozart e Franz Schubert no cemitério Centralfriedhoff, em Viena, conde Joana trabalhou como jardineira. conflito que invadiu a vida dos Strauss, tentava estar com os seus de todas as formas possiveis. correio ia do front a Viena relativamente répi- do, de trem. Karl, sempre que podia, mandava a melhor parte de sua racdo para a familia. Com as cartas, Joana recebia laranjas. Era uma alegria. Vinham numa caixa de sapatos, umas cinco ou seis. No Norte da Europa, essa fruta era muito rara. As vezes, uma sé laranja era motivo de fes- ta. As pessoas discutiam entusiasmadas se divi diriam seus gomos ou se a usariam numa receita mais sofisticada Porém, mesmo as cartas € os presentes nao melhoravam a situagéo de Joana e das meni- nas. Angela e 0 pequeno Karl passavam bem em Rachwart com os avds, mas as coisas iam mal em Viena. Os recursos diminuiram a proporgoes insustentaveis. A irma de Joana, ‘Maria, tinha ido morar com eles na capital também trabalhava no Central Frithof. O que as duas ganhavam nao era suficiente para co- mer. Agora, Plonie e Mitze frequentavam um colégio de freiras em regime de semi-internato. Passavam o dia todo la. Estudavam, faxinavam @ sofriam os maus tratos das freiras, que cha- mavam a si mesmas de “irmas de caridade” Elas eram muito exigentes com o cumprimento das obrigagdes que impunham e, frequente- mente, colocavam alguma das alunas de casti- 0, ajoelhada sobre gréos de milho, ou batiam na ponta dos seus dedos com a palmatéria ‘Apesar da derrota e dos maus bocados que passou no front, Karl estava feliz por voltar aos seus. Mas 0 estado de Joana era alarmante. Fraca, esqualida, tossindo muito, nao era se- quer a sombra da mulher que tinha acompa- nhado 0 marido a estagao de trem, quatro anos antes. A primeira atitude, ao voltar de Pola, f a de lutar - ele que nao fazia outra coisa a nao ser isso ~ pela recuperacao da esposa. A caréncia material na Austria, depois da guer- ra, estava ainda pior do que tinha sido antes do conflito. Muita gente, para fugir da miséria, imi- grava, como a madrinha de Apolénia, Brigite, que foi para os Estados Unidos. Mas imigrar nao era possivel no estado de satide em que Joana se en- contrava. Tampouco era possivel tratar dela em Viena, pois Karl teria de trabalhar e cuidar das fi Ihas. A solucdo, entdo, foi leva-la de volta para a casa da sua mae, Clara Gerger, em Rachwart. L4, respirando o ar saudavel de Burgenland, tal- ver fosse possivel que Joana se curasse. E assim foi feito. Joana ficou com Angela e 0 pequeno Karl, que agora tinham sete e cinco anos, res- pectivamente, na casa dos seus pais em Rachwart. Kail ficou morando em Viena ‘com Apolénia, Mitze e Maria, a cunhada. —m Viena, Karl voltou a trabalhar ‘como ferreiro; as meninas no ficavam mais 0 dia inteiro na escola, pois, além de estudar, tinham de cuidar da casa; Maria vivia com eles e ajudava com © que ganhava no Centralfriedhoft. Continuavam morando no prédio dos Kratzinger, no subiirbio XI Bezirk. A noite, Karl chegava cansado e de- sanimado. Triste, sentava-se para jantar, servido pelas filhas, que o observavam comer chorando baixinho, impotente, sem poder ajudar a esposa. Assim pas- sou 0 ano de 1919, Plonie tinha 12 anos e sabia muito bem 0 que estava aconte- cendo: o pai jé nao alimentava esperan- gas de que a mae delas fosse ficar boa. A confirmagio disso foi uma carta, da prépria Joana, para Plonie. Pedia que a filha comprasse meias pretas para ela A menina escreveu de volta 4 mae per- guntando o que ela iria fazer com as tais meias, j4 que ela estava de cama e nao podia sair. A carta de Joana foi um gol- pe em Plonie: "Quero as meias para ser enterrada com elas”, respondeu a mae. Em abril de 1921 a familia se reu- niu, pela Gitima vez, em Rachwart, em toro do leito de morte de Joana. Karl, Plonie, Mitze, Angela e o pequeno Karl. Era o fim. Como a prépria Austria, a fa- milia tinha se desmembrado, perden- do seu elo de uniéo: a mae, a mulher, simbolizada nos mitos pela terra fértl. © pai (0 governo) estava sem rumo. O ferreiro (como 0 poderoso Regin, das lendas nérdicas) capaz de submeter os metais, 0 soldado (como Tir, o antigo deus germanico) que sobreviveu & car- nificina da guerra, estava desampara- do. $6, sem recursos, responsével por trés filhas (duas delas mocinhas) e um menino de sete anos. Envolto pela placidez que emana da experiéncia de viver a dor inevitavel, Kar! vol- tou para Viena, para seu apartamento na casa dos Kratzinger, com as duas filhas mais velhas e a cunhada. As feridas foram, aos poucos, cicatri- zando. Ele era um pai dedicado e, periodicamen- te, visitava os filhos mais novos em Burgenland. Detalhe de arte tumular no cemitério Centralfriedhoff. Apolénia emigrou. Viena sé Ihe trazia mas re- cordacdes. Entdo, no final daquele ano de 1923, quando Plonie tinha sé 16 anos, em 14 de no- vembro, partiu da Estacao Ferrovidria Central de Viena para o porto de Hamburgo, na Alemanha. Tentando ir aos Estados Unidos encontrar Brigite, acabou no Brasil, por falta de documentagao. E aqui construiu sua vida. Shutterstock Renata Semaors Guerra ANIMAL Embora tenha sido um conflito essencialmen- te industrial, onde os mais eficientes armamentos modemos, como tanques, avides, metralhadoras, submarinos e armas quimicas, foram usados pela primeira vez, os exércitos ainda lancaram mao do Uso de animats para auxiliar nas operacoes militares Cavalos e pombos eram ainda muito utiiza- dos. Embora motores eficientes j4 existissem, bem como veiculos motorizados, cavalos foram larga- mente usados como animais de carga e de tracao. Para contornar problemas de comunicagio resul- tantes da destruicdo das linhas telefénicas e de te- légrafo, pombos e cées também eram usados para enviar mensagens das frentes de combate a reta- guarda. Até mesmo vermes fosforescentes eram empregados pelos militares para lerem mapas & noite sem serem detectados pelo inimigo. ‘Muitos desses animais combatentes destacaram- -se ao proteger soldados e salvar vidas. Alguns deles foram até mesmo condecorados € ficaram famosos no seu tempo. Um deles foi até mesmo recebido por presidentes — 0 sargento Stubby. Nos Estados Unidos, 0 animal-soldado mais fa- moso é 0 sargento Stubby, um Bull-terrier. A par- ticipagio de Stubby na guerra foi, na verdade, por caso, O cao perambulava pelo campo de treina- mento no qual o soldado John Robert Conroy era preparado para a aco. No momento do embarque, Conroy levou Stubby com ele, escondido, para em- barcar no $5 Minnesota, que levou o soldado e seu animal de estimacao para a Franca Conroy foi combater nas trincheiras. Ele e Stubby viram acdo pela primeira vez em fevereiro de 1918, na Batalha de Chemin des Dames. Logo, 0 cio de Conroy ficaria famoso entre 0s soldados. Ferido duas vezes, uma por estilhago de bombas e outra por gas venenoso, Stubby participou de dezessete batalhas. Sua audicdo apurada permi- tia que ele percebesse as ogivas que haviam sido disparadas contra a trincheira antes de seus com- ; 2 3 z sargento Stubby era um Bull-terrier, como este. O Instituto Smithsonian, em Washington, onde o corpo empalhado de Stubby esta exposto. panheiros humanos. Mais do que isso: quando Stubby ouvia uma bomba caindo, ele corria pela trincheira latindo para avisar os soldados. Alguns combatentes afirmaram que ele era até mesmo capaz de distinguir 0 som de disparos comuns da artiharia daqueles das ogivas de gas Acostumado com a entonagao da lingua in- glesa, Stubby também era capaz de localizar sol- dados americanos feridos. Ele corria pela terra de ninguém, o espaco vazio entre as trincheiras, quando ouvia alguém pedindo ajuda em inglés € permanecia ao seu lado latindo até a chegada dos médicos Em seu artigo “Animal Heroes of the Great War", Philip Devlin conta que, uma vez, Stubby acuou um soldado alemao que estava mapean- do as trincheiras americanas. Stubby avancou e mordeu o aleméo, fazendo-o tropecar e cair, sendo capturado por soldados americanos. Por conta desse ato heroico, Stubby foi promovido a sargento ~ 0 primeiro animal a ocupar um posto militar no Exército dos Estados Unidos. Como nao podia deixar de ser, na volta aos Estados Unidos, Stubby recebeu grande atencao da imprensa e foi recebido pelo presidente Woodrow Wilson. Ele também foi recebido pelos presidentes Warren Harding (comandou os EUA entre 1921 & 1923) e Calvin Coolidge (govemnou entre 1923 1919) e sempre participava dos desfiles militares usando um uniforme confeccionado para ele por mulheres francesas. Detalhe: o uniforme exibia as muitas medalhas que Stubby havia recebido. O animal-herdi mais famoso dos Estados Unidos morreu nos bragos de seu dono, John Conroy, em 19126. Stubby foi empalhado e faz parte da exposi- do O Preco da Liberdade no Instituto Smithsonian de Washington, D.C., a0 lado de outro animal-he- 161 da Primeira Guerra Mundial, o pombo Cher Ami, famoso por ter salvo 0 Batalhao Perdido. Cher Ami foi um dos milhares de pombos-cor- reios usados na Primeira Guerra para enviar men- sagens quando as linhas telefdnicas e telegréficas estavam danificadas ~ 0 que era uma constante. Bilhetes sucintos contendo localizagbes e ordens Shutterstock/ETIENjones oh N\ ‘ i. iN co Het MS Tuer HT i Ne i LY RV a Heal ti qt) Telefone sem fio: esta ilustracao do final do século XIX mostra uma gaiola de pombos-correios no exterior de uma casa. Na época, isso era comum em muitas residéncias. eram colocados em pequenos cilindros amarrados nas patas dos pombos. A ave era libertada e ru- mava para seu ninho ~ 0 centro de operagées mi- litares mais préximo — levando a importante men- sagem. £ claro que os pobres animais eram muito visados pelos soldados inimigos, que os abatiam para evitar que a informagao fosse recebida Cher Ami fazia parte da Unidade de Sinalizagao da 77* Divisio liderada pelo major Charles Whittlesey. Em setembro de 1918, o batalhao de Whittlesey foi cortado da forca principal e ficou cercado pelos alemaes durante cinco dias, Por cau- sa desse incidente, a tropa ficou conhecida como o Batalhao Perdido. Os soldados tentaram escapar, mas metade dos homens do major foi morta. Precisando de refor- 0s, Whittlesey comecou a soltar os pombos com mensagens informando sua posicao e pedindo so- corto. Ele tinha apenas trés aves. Os dois primei- ros pombos foram mortos imediatamente depois de soltos. A esperanca do Batalhao Perdido estava nas asas de Cher Ami, 0 terceiro e iiltimo passaro. © pombo ganhou altura e voou em circulos para reconhecer a direcao a tomar e rumou para a base. Cher Ami foi atingido diversas vezes, porém, continuou a voar, chegando ao seu des- tino a quarenta quilémetros dali em sessenta e cinco minutos. Estava parcialmente cego, tinha sido atingido no peito e com uma perna pendu- rada apenas por um tendao, mas a mensagem foi recebida a tempo. Reforcos foram enviados € 0 Batalhao Perdido foi salvo. O passaro foi atendido, recebendo todo o cui- dado. Quando parcialmente recuperado e com uma perna de madeira feita especialmente para ele, Cher Ami foi mandado de volta aos Estados Unidos escoltado até 0 barco pelo préprio ge- neral John Pershing, o comandante das Forcas Expedicionarias Américanas na Primeira Guerra. Cher Ami morreu em 13 de junho de 1919 por ter ficado fraco demais devido aos ferimentos re- cebidos em sua gloriosa misso. Como Stubby, 0 corpo de Cher Ami foi empalhado e esta exposto 20 lado do cio no museu Smithsonian. 0 Brasit na GueRRA Até meados de 1917, trés anos, portanto, depois do inicio da Primeira Guerra Mundial, 0 governo brasileiro ainda se mantinha neutro. Mas a guerra nna Europa suscitava debates acalorados por aqui. Na época, a maior influéncia cultural era francesa, Por isso poucos intelectuais colocaram-se ao lado dos alemaes. O critica literdrio José Verfssimo, por exemplo, foi um dos mais fervorosos defensores dos aliados, Houve, porém, vozes discordantes, como Lauro ‘Miller, ministro das Relages Exteriores, descen- dente de alemées e, claro, favordvel 4 Alemanha. Em Sao Paulo e nos estados da regiao Sul, onde grande parte da populacao é constituida de ale- mies e de seus descendentes, muitos ficaram ao lado dos Poderes Centrais De fato, as estrangeiros instalados no Brasil es- tavam muito envolvidos com a guerra, mobilizan- do-se desde o inicio do conflito. Os imigrantes das diversas nacionalidades formavam colénias coe- sas. A solidariedade entre eles cresceu ainda mais com a Primeira Guerra Mundial. Muitos fazem Shutterstock) Morphart Creston campanhas de bénus de guerra, enviando dinheiro 4 seus paises, como a quermesse promovida pela colénia italiana de Sao Paulo para levantar fundos para a ampliagdo do Hospital Humberto Primo. ‘Outra dessas manifestagdes aconteceu em feve- teiro de 1916, quando varias colénias, lideradas pelo Comitato Pro-Patria feminino, organizaram uma quermesse em Sao Paulo para arrecadar fun- dos para os Exércitos de seus paises de origem. O escritor Fabio Munhor registrou que “a quer- messe, com seus pavilhdes coloridos e suas recep- cionistas em trajes tipicos, representou uma ver- dadeira festa para a cidade nos dias sombrios da guerra”. Entres os imigrantes, houve também os ue se alistaram e voltaram a Europa para lutar. Em cidades e bairros de imigrantes, a guerra che- gou a causar confltos menores. As brigas entre imigrantes de paises inimigos eram comuns. Outros setores da sociedades, representa- dos principalmente pelos operdrios, opuseram- -se a guerra. Em 26 de marco de 1915, é ctiada a Comissao Popular de Agitacao contra a Guerra. Nesse mesmo ano, em 1° de maio, o Largo de Sao Francisco, em Sao Paulo, é palco de uma grande manifestagao. Cinco mil pessoas retinem-se reivin- dicando. “Abaixo a guerra, queremos a paz", dizem 10: no Brasil, por conta do grande niimero de alemaes aqui estabelecidos, houve discérdia sobre qual lado apoiar na Primeira Guerra (casa tipica de imigrantes alemies em Canela, RS). 0s cartazes expostos pelos participantes que distri- buem O Manifesto Pela Paz. Fabio Muhoz sustenta ‘que 2 manifestacao era dirigida “aos trabalhadores € 20 povo em geral”, e que o texto enfatiza que as origens do conflto séo as “rivalidades resultantes da politica de expansio das grandes poténcias eu- ropeias: um puro jogo de interesses”. Mas os acontecimentos na Europa acabam por arrastar 0 Brasil para a guerra. £m 3 de abril de 1917, no Canal da Mancha, 0 mercante brasileiro Parané navegava lentamente, obedecendo a to- das as exigéncias feitas as embarcacdes de nacoes neutras em época de conflito. Mas uma esquadra alema pés 0 navio a pique, a tiros de canhao. Trés homens morreram. Oito dias depois, o Brasil rom- peu relacGes diplomaticas com a Alemanha, man- tendo, porém, a posicao neutra. Em 22 de maio, 0 navio Tijuca foi afunda- do préximo a Brest, no litoral norte da Franca Imediatamente, o presidente Venceslau Bras soli tou que o Congresso Nacional votasse pela encam- aco dos navios mercantes alemaes ancorados em portos brasileiros. © Congresso aprovou as medi- das propostas. Era o fim da neutralidade brasileira Como consequéncia, Lauro Miller, ministro do Exterior e descendente de alemdes, pediu demissao. £m 25 de outubro, novo ataque alemao: 0 navio Macau é afundado por alemaes em Aguas espa- nnholas. © piiblico revolta-se e 0 Governo brasileiro proclama, em 27 de outubro de 1917, 0 “estado de ‘guerra, iniciado pelo Império Alemao contra o Brasil" Contudo, declarado o conflito, o Brasil hesitava ‘em mandar reforgos para os aliados: “Que podei amos nés fazer, nao tendo navios mercantes dispo- niveis uma Marinha de Guerra reduzida? (...) E, depois, se enviarmos tropas a Europa, como garai tiremos nossa prépria integridade contra os alemaes ¢ ‘germanéfilos’ que temos no Sul?” perguntava 0 ministro da Guerra José Caetano de Faria. As autoridades sentiam, de fato, que a gran- de quantidade de alemaes no Brasil representava uma ameaca. As coldnias alemas no Sul passaram a sofrer crescentes presses. Menos de um més depois de declarar guerra & Alemanha, o governo brasileiro decretou o estado de sitio no Distrito Federal, no Rio de Janeiro, em Sao Paulo (regi- Ges de intensas agitacdes pollticas e operdrias), no Parana, em Santa Catarina e no Rio Grande do Sul (regides de grande concentracéo de imigran- tes alemdes). A medida foi provada “quase por unanimidade” pelo Congresso Nacional Em janeiro de 1918, o governo tomou as pri- meiras medidas para entrar na guerra. Foi criada a Forca Aérea Brasileira, e um grupo de oficiais foi enviado a Itélia, para estudar aviagao. Enquanto isso, a Franca mandava para o Brasil oito técnicos em aeronautica e 33 avides. Também foi organizada a Divisdo Naval em Operagies de Guerra (DNOG), composta de dois cruzadores, quatro destrdieres, um cruzador au- xiliar € um rebocador de alto-mar. Seu comando foi entregue ao contra-almirante Pedro de Frontin. ‘A esquadra partiu de Femando de Noronha em agosto de 1918, rumo a costa africana. Em Dacar, 156 tripulantes morreram vitimados pela “gripe es- panhola”. Outra parte da esquadra foi enviada a Gibraltar, protagonizando um episédio que mostra bem a pouca familiaridade dos brasileiros com a ‘guerra moderna. Na viagem para Gibraltar, os bra- sileiros abriram fogo sobre um cardume de toni- Grupo de soldados alemaes da Primeira Guerra posa para foto coletiva. nnhas, pensando serem submarinos alemaes. A gafe ppassou para a historia da Marinha Brasileira como a “batalha das toninhas”. Foi a maior acao da nossa forga naval. No dia seguinte a chegada da Divisio brasileira a Gibraltar, 0s brasileiros foram notifica- dos do Armisticio. A guerra tinha terminado. A participacao mais ativa do Brasil no conflito deu-se, de fato, por meio do envio de médicos para atuarem nas frentes de batalha. Em agosto de 1918, partiu para a Franca a misao médica brasileira, composta por oitenta e seis médicos, chefiada por Nabuco Gouveia e orientada pelo general Napoleao Aché. A guerra terminou pouco depois da chegada dos reforgos enviados pelo Brasil. No inicio de 1919, as atengdes do mundo todo voltaram- se para a Conferéncia de Paz de Paris. De ja- neiro a junho daquele ano, o histérico Palécio de Versalhes abrigou delegagdes de 27 paises, incluindo 0 Brasil. Contudo, a participagao do Pals na Conferéncia nao teve maior significancia Como sempre, foi uma farra paga com dinheiro puilico. Junto aos dez delegados oficiais, embar- caram suas respectivas familias, assessores, con- vidados e acompanhantes, quase lotando 0 navio que zarpou do Rio rumo a Franca. A Conferéncia produziu o Tratado de Versalhes. Contendo 440 artigos, apenas dois deles referiam- se a interesses brasileiros. Num, a Alemanha via-se obrigada a pagar 125 milhdes de marcos correspondentes a um milhao e oitocentas e cin- quenta mil sacas de café que aquele pais havia destruido nos ataques a navios mercantes brasi- leiros. Em outro, concedia-se ao Brasil o direito de pagar, a precos antigos e, portanto, menores, os setenta navios alemaes que a nossa marinha apreendera em portos nacionais. A Primerra GUERRA MUNDIAL EM Numeros E Dapos Uma das maneiras de entender a violéncia e extensdo da Primeira Guerra 6 examinar os ntimeros de mortos e feridos, equipamentos utilizados, di- nnheiro investido, datas e outros dados. Os ntimeros exatos ainda sao deba- tidos, por conta dos diferentes critérios usados na mensuracao, da exatidao das informac6es e da perda ou destruicao de documentos oficiais. Os dados a seguir foram compilados a partir de diversas fontes e aproximam-se das estimativas feitas por especialistas. DATAS DA DECLARACAO DE GUERRA POR PAIS ALIA 1, Sérvia 28 de julho de 1914 2. Rissla 4 de agosto de 1914 3. Franca 3 de agosto de 1914 4. Belgica 4.de agosto de 1914 5. Gra-Bretanha 4 de agosto de 1914 6. Montenegro 7-de agosto de 1914 7. Japao 23 de agosto de 1914 8. Italia 23.de agosto de 1915 9. Portugal 10 de margo de 1916 10, Roménia 27 de agosto de 1916 11. Estados Unidos 5 de abil de 1917 12. Cuba 8 de abil de 1917 13 Panama 9 de abrilde 1917 14. Grécia 16 de abri de 1917 15. sito 22.de juno de 1917 16, Léa 7-de agosto de 1917 17. China 14 de agosto de 1917 18 Haiti 23 de setembro de 1917 19. Brasil 27 de outubro de 1917 20. Guatemala 25 de abrilde 1918 21. Nicardgua 17 de maio de 1918 22. Costa Rica 25 de maio de 1918 28 de juno de 1914 4 de agosto de 1914 3.de novembro de 1914 ‘Ade outubro de 4915 ESTATISTICAS GERAIS Numero total de homens mobilizados para combater 65 miles Percentual dos homens mobilizados para combater mortos 57% Numero total de casualidades (mortos, ferides, desaparecidos) 37 milhdes [Numero de prisioneiras de guerra 727 miloes Nimero de soldades feridos 19.7 mies ‘Namero de anos do conflto 4.anos Numero de casualidades militares dos allados 5.7 miles Niimero de casualidades cvis dos aliados 3.67 milhoes Numero de cvisaiados feridos 12.8 mihdes Numero total de casualidades militares 9.720.450 Numero total de casualidades civis 8.865.650 NUMERO DE HOMENS MOBILIZADOS POR PAIS sia 5971.000 2.000.000 Franga 4017.000 8.410.000 Grd-Bretanha 975.000 8.905.000 Malia 4.251.000 5.615.000 Estados Unidos 200.000 4355.00 Japio 800.000 800.000 Roménia 230.000 750.000 sérvia 200.000 707.000 Belgica 117.000 267.000 Gréea 230.000 230.000 Portugal 40.000 100.000 Montenegro 50.000 50.000 ‘Alemania 4500,000 11,000,000 ‘Austria-Hungria 3.000.000 7800.00 Turguia 210.000 2.850.000 Bulgéria 280.000 4.200.000 Fonte: Fst World War Encylopedia ~ Spartacus Educational Shuttertock/Marafona MORTOS, FERIDOS E DESAPARECIDOS Onuimero total de casualidades civis e militares na Primeira Guerra Mundial foi acima de 37 miles, sendo cerca de 17 milhdes de mortos e 20 milhdes de feridos, o que coloca 0 confiito entre os mais sangrentos e mortais da Hist6ria. Entre os mortos, foram cerca de dez milhdes de militares e sete milhdes de civis. Os aliados perderam cerca de seis milhdes de soldados, enquanto as nagbes do Eixo, quatro milhdes. Pelo menos dois milhées morreram de doencas e seis milhdes desapareceram, presumivelmente mortos. ‘Ao contrério das guerras do século XIX, quando as maiores causas das mortes eram do- engas, cerca de dois tergos das mortes de militares ocorreram durante batalhas. As causas des- sa mudanea devem-se aos avan- gos na medicina e ao aumento da eficiéncia letal das armas ‘Mesmo assim, aproximadamen- te um terco das mortes dos mili- tares durante a Primeira Guerra foi causada por doencas, espe- cialmente a gripe espanhola. Shutterstock/tradorney ToT DE ants oe Oe mC Paiaes a oo asa TNT 78 a ato 4.357 426600 so enn m3 un oe ee oe oc et a TESS Ee) are i nae ED : 0 oe eam Se ee ee ee na Belgica 267.000 13.716 44.686 34.659 93.061 uo an 2 EES 7 i ea $2 ast 33 ea EC eo oe ae za pee ere ee eee ee nd PAISES DO EIXO eat 7 7 HG ae Austria-Hungria 7.800.000 1.200.000 3.620.000 2.200.000 7.020.000 90,0 am Son) nose TE Se bur ‘zoom e500) a0 PameS 9 22 Jo Pakteenks dS be) ecm oa rims GAM ass1 aestss Seehoe | Mescaa a Fence: Public Broadcasting Service (PBS) dos Estados Unidos NUMERO DE CASUALIDADES (MORTOS E FERIDOS) COM RELAGAO A POPULAGAO DO PAIS ALIADOS Império Britanico 434.286.650 —-7.052.453 3.249.179, Franga 53969337 9.000000 4.331.375 Rosia 180.000.000 10,000.00 7.190.000, Iti 35000000 4.200000 1.600.123 Japio 775.000 000 75.000 aaia Belgica 7.500.900 260,000 196.098 Sérvia, slovaquia e Montenegro 5.000.000 657.343 435.596 Roménia 7.200.000 643.000 279.540 Grecia 5.000.000, 300,000 28007 Portugal 6000.00 60.000 15.280 Estados Unidos 2.000000 2.061.000 233.954 PAiSES DO EIXO ‘Alemanha, 70000000 9.898000 6.116200 Austia 0.000.000 6.500000 2.521.734 Turguia 20000000 1.500000 883.719 Bulgéria 5.500.000 500.000 446,000 Fonte: “Summary Of Australian War Casuals”, em wirwawmgovau CASUALIDADES _ PROVOCADAS POR GAS Império Britinico 180.597 8.109) 188.706 Franca 482.000 8.000 190.000 Estados Unidos 71.345 1.462 72807 Italia 55.373 407 60.000 Russia 419340 56.000 475.340 ‘Alemanha 191.000 9.000 200.000 Austria-Hungria 97.000 3.000 100.000 Outros 9,000 41000 10.000 TOTAL 4.205.655 91.198 1.296.853, nce: First World War Encylopedia Spartacus Educational MARINHA E AERONAUTICA ‘Afundados por submarinos 3 3959642439103, ‘Afundados por fogo de superficie 5 2} 3 ‘Afundados por minas ao 9 6 1D ‘Afundados por avises 0 0 o 3 1 Fonte: Fst Word War Encylopedia Spartacus Edicational NAVIOS DE GUERRA suB ALADOS Rassia 2 1 ° 1“ 2 Franca 4 5 2 2 " Gra-Bretanha, 8 2 7 4 4 64 Italia 3 1 8 8 Estados Unidos ° 3 i 1 Z Japio 4 ° ° 2 PODERES CENTRAIS ‘Alemanha, 1 7 a 55 200 cy Austria-Hungria 3 2 ° 4 7 4 Turquia 1 2 4 5 ° 3 Fonte: Fist World War Eneyelopeda ~ Spartacus Educational Shutterstock Mastering, Micontck NUMERO DE AVIOES E DIRIGIVEIS EM 1914 Ec ‘Alemanha 246 "1 Austrla-Hungela 35 1 Gri-Bretanha 410 6 Franca 160 4 Risia 300 " Belgica 2 once: Fie World War Encyclopedia ~ Spartacus Educational ASES BRITANICOS To) Sees - Soo maa Z eee a i ans = cee) a amare a Peet : eres 2 re a poner a oe : Saae a z Semele : are a — Sanne z oe * ASES ALEMAES once: Fist World War Encyclopedia ~ Spartacus Educational ASES FRANCESES ‘Manfred von Richthofen sini iis (Bardo Vermelho) = S Ernst Udet a Rene Fonck 75 Erich Lowenhardt 54 Georges Guynemer 53 Josef Jacobs “3 charles Nungesser 43 Werner Voss 48 Georges Madon at rite Rumey 5 ‘Maurice Boyaut 5 Rudolph Berthold 44 ‘Michel Coiffard 4 Bruno Loerzer 4 Leon Bourjade 8 Paul Baumer 3 ‘Armand Pinsard 7 Oswald Boelcke 40 Rene Dorme 23 Franz Buchner 0 Gabriel Guerin 2 Lothar von Richthofen 0 Claude Haegelen 2 Carl Menckhott 3 Alfred Heurtaux a Heinrich Gontermann 2 Pierre Marinoviteh 21 Theodor Osterkamp 38 Albert Deullin 20 Karl Bolle 36 Jacques Ehrlich » Julius Buckler 36 Henri de Sade » Max von Muller 36 Bernard de Romanet 8 Gustav Dorr 5 Jean Chaput 16 Otto Konnecke 5 Jean Sardier 6 Eduard von Schleich 5 ‘Armand de Turenne 6 Emil Thuy. 35 bmencmie a Fonte: First World War Eneyclopedia Spartacus Educational Hector Garaud 2 Fonte: First World War Encylopedia Spartacus Educational ASES RUSSOS ASES AMERICANOS en sors arin aa StS VITORIAS ‘Alexander Kozakov 20 Eddie Rickenbacker 26 Vasil Yanchenko 16 Francis Gillet 20 Pavel Argeyev 6 Wilfred Beaver 19 Ivan Smimov " Howard Kullberg 19 Grigory Suk 8 William Lambert 18 Donat Makeenok 8 Frank Luke 18 Yevgraph Kruten 7 August laccaci ” Valdimie Strizhesky 7 Se eset ae Fonte: First World War Encyclopedia ~ Spartacus Edveatiora! Raoul Lufoerry 7 Eugene Coler 16 Oren Rose 16 Eliot Springs 16 Frederick Libby 4 Kenneth Unger 14 G.A. Vaughn B David Putham 8 Frank Baylies 2 Louis Bennett 2 Frederick Lord 2 Field Kindley 2 Reed Landis 2 Emile Lussior 2 James Pearson 2 Clive Warman 2 Fonte: First World War Eneydopedia- Spartacus Edveational i i : ALIADOS Estados Unidos Gra-Brotanha Franga Russia alia Belgica Roménia Japto servia Grécia Canada Australia Nova Zelandia india ‘Africa do Sul Coldnias brtinieas Outros PODERES CENTRAIS ‘Alemanha Austria-Hungria Turquia Bulgaria TOTAL Dos cusTos (CUSTO EM DOLARES 1914-18 22.625 253,000 35.334.012.000 24,265,583,000 22.293,950.000 12.413.998.000 1.154.468,000 4.600.000 000 40,000 000 399.400.000 270.000.000 1.665.576.000 4.423.208.000 378,750.00 601.279.000 '300.000.000 1125.000.000 500.000.000 125.690.477.000 (CUSTO EM DOLARES 1914-18 37.775.000,000 20.522.960,000 1.430.000 000 815.200.000 660.643.160.000 once; Fist World War Eneycopedia~ Spartacus Educational fs ee rae

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