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DOCUMENTOS de LDENTIDADE Tomaz Tadeu da Silva Uma introducéo as teorias do curriculo | } 214.1 38 Tracar|lam mapa dos estudos sobre sie 8 gyno vinte,até sigtuais teorias ps-criticas €0 | curticulo jones UE Se propOE este livro. Em capitulos. by curtos ¢ redigidios em tinguagem diretay autor nos fOffece tum panoranna sin tico, mas ante, das. princi perspectivas sobte Ghrriculo. “O que ensinar?” s¢_constiviitu questi que;a principio,as teorias do cur: responder, Concebida tradicionais como uma questio simplesmeiiiertéenieay ico © mobinds. perspectivas tradicige nals tomavaberpPUponts 9 questaocg cn ensinar?” clini) diclt © se cofitentravam fa questio e@como ensinae”, Pars sal perspectivas, teorizar” 0 curriculo res mise em discutir as melhiores © mais ef Gientes formas de organiza to As teorlas criticas aFlam, contestar, dé (/) 0. form raclical, esse ra “y primero movimento seria ‘le questio- nar. o conhecimento corporiexde HO"CUE riculo, Hus entio perguntam: por que este conheciy » fiz parte do curricula e nao outho? Por que alguns conhecimenton Sho considerdos” willdosme ralge Outs? nhecimentos Ccurriculo,enaygnto outros exec Copyright ° 1999 by Taraz Tadeu da Sia cara Jairo Atrarengo Fonseca, compesido sobre as pinures “The teacher (su o)"e “Jesus — Serene”, de Marlene Dumes, rebroduzidas com autorizacda do artista da lire Marlene Dumas, de autor de Deminic an den Boogerd, Barbara Bleora ¢ Manuccia Casadi,pubicado pela edtora Phoidon EDITORAGAO ELETRONICA Waldénia Alvarenga Sontos Ataide REVISAO. Ranerta Arreguy Maia Silva, Tomaz Tadeu da Sood Documentos de identiéade ; uma Introducio as teorias do curricula Tomaz Tadeu daSilva. ~2.00, 5 reimp. ~ Belo Horizonte: Auténtice, 2005 Isep. IBN 85.26503-448 |, Educagto 2, Curriculos escolares. | Titulo cua? wiaiat 2005 Teas os dicitos reservads pela AutEniies Fanora, Senhons pane desta pablicicio poderi ser reproduzida, soja pon melas mecinicos ews, suja 01 ctipie Serogrdfica sewn a autorbagio paca ea edtora AUTENTICA EDITORA 18 — Nova Floren ~ Bela HevironteyMGe 140-290 — PAL: (95 31) Mas 3022 swweautenticaeditera.com:br e-mail anteniics Gautenticsed zora.com br Agradecimentos Meu muito obrigado 4s pessoas que leram as primeiras versces deste livro © me deram valiosas sugestOes: Alfredo, Antonio Flévio, Gelsa, Guacira, Sandra. Agra- deco, especialmente, 4 Guacira, 0 estimulo e 0 apoio que me fizeram sobreviver as solitarias sess8es frente a tela do computador. Agradeco a Rejane, da Auténtica Editora, pelo apoio irrestrito & concepsio do livro. LIVRABIA CONHECER Tet. (011) 4586-2351 4500-2070 Suma 1. INTRODUGAO. Toorias do curricule: © que é isto? "1 Il, DAS TEORIAS TRADICIONAIS AS TEORIAS CRITICAS Nascem os “estudes sobre curriculo”: as worias tradicionals 2 Onde a critica comeca: ideologia, reproducio, resisténcia 29 Contra a concepgio técnica: os reconceptualisas 37 A critica neomarxista de Michael Apple 45 © curriculo como politica cultural. Henry Giroux si Pedagogia do oprimido versus pecagogia dos contetidos 57 © curriculo como construgio social a "nova sotiologia da ecucagao” 6 Cédigos ¢ reproducio cultural: Basil Bernstein 7 Quem escondeu 0 curriculo ceulto? 7 Ill. AS TEORIAS POS-CRITICAS Diferenga e Ideneidade: 0 curriculo multicutturalisia 85 As relagées de género e a pedsgogia feminizta 91 © curriculo como narrativa etnica ¢ racial ” Una coisz “estranha” no curriculo: a teoria queer 105 © fim cas metanarrativas: 0 pds-modernismo i A critica pés-estruturalista do curricule 7 Uma teoria pos-colonialista do curricula 125 Os Estudos Culturais e 0 curriculo 131 A pedagogia como cultura, a cultura como pedagogia 139 IV. DEPOIS DAS TEORIAS CRITICAS E POS-CRITICAS CCurriculo: uma questo de saber, poder ¢ identidade 45 REFERENCIAS BIBLIOGRAFICAS 1S I. INTRODUGAO Teorias do curricul © que @ uma teoria do curriculo? Quando se pode dizer que se tem uma “teoria do curriculo"? Onde comeca e como se desenvolve a histéria das teorias do curriculo? © que distingue uma “teoria do curriculo” da teoria educacional mais ampli? Quais sto as principais teorias do curriculo? © que dstingue as teorlas tra dicionais das teorias criticas do curriculo? E 0 que dstingue as teorias criticas do eurricule das teorias pos-criticas? Podemos comecar pela discussio da propria nogao de “teoria”. Em geral, est implicita, na noo de teoria, a suposigio de que a teoria “descobre” o “real”, de que ha uma correspondéncia entre a “ceoria” © a “realidade”, De uma forma ou de outra, a nogio envolvida ¢ sempre representacional, especular, mimética: a tworia represents, rellece, espelha a reali- cade. A teoria & uma representacio, uma imagem, um reflexo, um signo de uma redlidade que — cronologicamente, on- tologicamente — a precede. Assim, para ja entrar no nosso tema, ura tearia do curricuio comegaria por supor que existe, 3 O que é isto? “Ya fora’, esperando para ser descoberta, deserita © explicada, uma coisa chamada “ecurticulo”. © curriculo seria um objeto que precederia a teoria, a qual sé entraria em cena pata descobri-lo, descrevé-lo, explica-l. Da perspectiva do pés-estruturalismo, hoje predominante ne anilise socal e cul- tural, precisamente esse viés represen- ‘tacional cue tora problematico 0 préprio. conceito de teor'a. De acorde com essa Visio, € impossivel separar a descricio simbélica, linglistica da realidade — isto é a teoria — de seus “efeitos de realida- de", A “teoria” nao se limitaria, po's, a descobrir, a descrever, a explicar a reali- cade: a teoria escaria irremediavelmente implicada na sua produgao. Ao descre- ver un “objeto”, a teoria, de certo modo, inventa-o. © objeto que 2 teoria supesta- mente descreve 6, efetivamente, um pro- duto de sua criacio. Nessa directo, faria mais sentido falar no em teorias, mas em discursos ou tex- tos. Ao daslecar a anfase do conceito de teoria para o de discurso, a perspectiva pos-estruturalista quer destacar precisa- mente 0 envolvinento das descricSes in- glisticas da “realidade” em sua produsée. Uma teoria supostamente descobre descreve um objeto que tem uma exis- téncia independent relativamente 8 teo- ria, Um discurso, em troca, produz seu proprio objeto: a existéncia do objeto 6 inseparével da trama linguistica que su- postamente o descreve. Pare volear ao nosso exemplo do “curriculo”, um dis- curse sobre o curriculo — aquilo que, uma outra concepsio, seria uma tecria — no se restringe a representar uma ccolsa que seria 0 “curriculo”, que existi ria antes desse discurso e que esta ali,ape- nas & espera do ser descoberto e descrito. Um discurso sobre o curriculo, mesmo que pretends apenas deserevé-lo “tal como ele realmente 6”, 0 que efetivamen- te faz & produzir uma nogio particular de curricula, A suposta desericio ¢, efetiva- mente, uma criagdo. Do porto de vista do concelto pés-estruturalista de discurso, a “teria” esea envolvide num processo cir- cular: ola desereve como uma descober- taalgo que ela prépria criou, Bla primeiro ria e depois descobre, mas, por um arti ficio resérico, aquilo que ela cria acaba aparecendo come uma descoberta Podemos ver como isso funciona num caso concreto. Provavelmente o curriculo aparece pele primeira vez como um ob- jeto especifico de estudo e pesquisa nos Estados Unidos dos anos vin:e. Em co- nexéo com © proceso de industr G20 € OS movimentos imigratorios, que intensificayam a massificagic da escolar za¢io, houve um impulso, por parte de pessoas ligadas sobresude & administra fo da educacio, para racionalizar 0 pro cesso de construgéo, desenvolvimento € testagom de curriculos. As idéias desse grupo encontram sua maxima expresso no livre de Bobbitt, The curriculum (1918). Aqui, 0 curricalo ¢ visto como um pro- cesso de racionalizagio de resultados edu- cacionais, culdadosa e rigorosamente especificados ¢ medidos, O modelo insti tucional dessa concepgao de curriculo € a fabrica, Sua inspiragdo “tedrica” é a “ad- ministracio cientifica”, de Taylor. No modelo de curriculo de Bobbict, os estur dantes devem ser processados como um produto fabril. No discurso curricular de Bobbitt, pois, © curriculo & supostamen- te isso: a especificagdo precisa de objett- vos, procedimentos © métodos para a ‘obtencio de resultados que possam ser precisamente mensurados. Se pensamos ro modelo de Bobbitt através da nocéo tradicional de teoria, ele teria descoberto © descrito 0 que, verdadeiramente, @ 0 “curricula”. Nesse entendimento, o “cur- Ficulo” sempre foi isso que Bobbitt diz ser: ele se limitou a descobri-lo e a des- crevé-lo, Da perspectiva da nocio de “discurso”, entretanto, néo existe ne- nhum objeto “li fora” que se possa cha- mar de “curriculo”, © que Bobbitt fez, como outros antes depois dele, foi criar uma nogéo particular de “curriculo’ Aquilo que Bobbite dizia ser “curriculo” assou, efetivamente, a ser 0 “curricula! Para um niimero considerével de esco- las, de professores, de estudantes, de ac- ministradores educacionais, “aquilo” que Bobbitt definiu como senco curriculo tor- nowse uma realidade. A nocio de discurso teria uma vanta- gem adicional. Ela nos dispensaria de fazer 0 esforgo de separar — como seria- ‘mos obrigados, se ficéssemos limitados & nogio tradicional de teoria — assergées sobre a realidade de assercbes sobre como deveria ser a realidade, Como sa: bemos, as chamadas “tearias do curricus Jo, assim como as ceorias educacionais mais amplas, esto recheadas de aficma- ‘sOes sobre como as coisas deveriam ser. Da perspectiva da nocdo de discurso, es- tamos dispensados dessa operasio, na medida em que tanto supostas asserg6es sobre 2 realidade quanto assergbes so- bre como a realidade deveria ser tém “efeitos de realidade” similares, Para die zer de outra forma, supostas assergBes sobre a realidade acabam funcionando como se fossem asser¢des sobre comoa realidade deveria ser. Elas tm o mesmo feito: 0 de fazer com que a realidade se torne © que elas dizem que é ou deveria ser. Para retomar o exemplo de Bobbitt, & irrelevante saber se ele esti dizendo que © curriculo ¢, efetivamente, um proces: 80 industrial e administrativo ou, em vez disso, que o curriculo deveria ser um pro- cesso industrial e administrative. O efei- to final, de uma forma ou outra, € que © curriculo se torna um processo industrial © acministrativo, ‘Apesar dessas adverténcias,a uslizagio da palavra “teoria” esti muito amplanen- te difundida para poder ser simplesmente abandonada. Em vez de simplesmente abandoni-la, parece suficiente adotar uma compreensio da nogio de “‘teeria” que ‘ngs mantenha atentos ao seu papel ativo a constituigo daquilo que ela suposta: mente descreve, £ nesse sentido que a palayra “teoria’, 20 lado das palavras “dis- curso” @ “perspectiva”, sera utilizada 20 longo deste livro. ‘Aadogio de uma nogio de teoria que levasse em conta seus efeitos discursivos ‘nos pouparia de uma outra dor de cabe- gata das definigdes. Todo culo que se preze inicia com uma boa discussie sobre © que 6, afinal, “curricu- Jo”. Em geral, comecam com as definigoes cadas pelo diciondrio para, dopeis, per- correr as definigées dadas por uns quan- ‘tos manvais de curriculo. Na perspectiva aqui adotada, que vé as “teorias” do cur- riculo a partir da nogdo de discurso, as defnicées de curricula nio sio utilzadas para capturar, finalmente, o verdadeiro significado de curriculo, para decidir qual delas mais se aproxima daquilo que 0 curriculo essoncialmento &, mas, em voz disso, para mostrar que aquilo que o cur- riculo € depende precisamente da forma como ele & definido pelos diferentes au- tores € teorias. Uma definigéo néo nos revela 0 que 6 essencialmente, 9 curri- culo: ume definigéo nos revela 0 que uma determinada teoria pensa o que 9 curri- culo 6, A abordagem aqui é muito menos entolégica (qual 6 0 verdadeiro “ser de curriculo?) e muito mais histérica (como, 0 de curri- em diferentes momentos, em diferences teorias, © curricula tem sido definide?). Telvez mais importante mas interes sante do que a busca da definicgo ultima de “curriculo” seja a de saber quais ques- tes ume “teoria” do curriculo ou um discurso curricular busca responder. Per- correndo as diferentes e diversas teorias do curriculo, quais questées comuns elas tencam, explicit ou implicitamente, res- ponder? Além das questSes comuns, que questbes especifcas caracterizam as di- ferentet teorias do curricula! Como es- sas questoes especiticas distinguem as diferentes teorias do currieulo! A questio central que serve de pano de fundo para qualquer teoria do curricu- lo 6 a de saber qual conhacimento deve ser ensinado, De uma forma mats sintética a questio central & © qué? Para respon- der a essa questio, as diferentes teorias podem recorrer a discusses sobre a natureza humane, sobre a ratureza da aprendizagem ou sobre a natureza do co- nnhecimenco, da cultura e da sociedade. As diferentes teorias se diferenciam, inclusi- ve, pela diferente énfase que déo a esses elemencos. Ao firal, entretanto, elas tém que vokar 4 questio bisica: 0 que eles ou eas devem saber? Qual conhecimento ou saber & considerado importante ou valido ou essencial para merecer ser considera- do parte do curriculo? ‘A pergunta “o quél”, por sua vez, nos revela que as teorias do curriculo esto envolvidas, expiicita ou implicitamente, em desenvolver critérios de selegio que iustifiquem a resposta que darSo Aquela questdo. © curricule ¢ sempre o resuka- do de uma selegio: de um universe mais amplo de conhecimencos e saberes sele- ciona-se aquela parte que vai constitui precisamente, o curriculo, As teorias do curriculo, tendo decicido quais conheci mentos devem ser selecionados, buscam justifiear por que “esses conhecimontos” @ no “aqueles” devem ser selecionados. Nas teoras do curriculo, entretanto, 2 pergunta “’o qué?” nunca esté separada de uma outra importante pergunta: “o que oles ou clas devern ser?” ou, melhor, "o que eles ou elas devem se tornar’”. Afinal, um curriculo busca precisamente modifi car as pessoas que vio “seguir” aquele curriculo, Na verdade, de alguma forma, ssa pergunta precede # pergunta “o que”, na medida em que as teorias do currfculo deduzem o tipo de conhecimento consi- derado importante justamente a partr de descri¢des sobre 0 tipo de pessoa que elas consideram ideal. Qual 6 6 tipo de ser hit mano desejavel para um determinado tipo de socedade? Seré a pessoa racional e lus: ‘ada do ideal humanista de educago? Ser a pessoa otimizadora © competitiva dos atuais modelos neoliberais de educagio! Sord a pessoa ajustada aos ideais de cida- dania do moderno estado-nagio? Seré a pessoa desconfiada e critiea dos arranjos sociais existentes preconizada nas teorias educacionais criticas? A cada um desses “modelos” de ser humano corresponderd um tipo de conhecimento, um tipo de curriculo. No fundo das teorias do curriculo esta, pois, uma questo de “identidade”” ou de “subjetividade"’ Se quisermos recorrer 4 etimologa da palavra “curriculo”, que vem do latim curriculum, “pista de corrida”, podemos dizer que no curso dessa “corr da” que 6 © curriculo acabamos por nos tornar © que somos, Nas discussdes cot dianas, quando pensamos em curriculo pensamos apenas em conhecimento, esque- cendo-nos de que 0 conhecimento que constitui 0 curriculo esta inextricavelmens te, centralmente, viaimente, envolvide in qulo quesomos, naquilo que nos tornamos; fa nossa identidade, na nossa subjetivida de. Talvez possamos dizer que, além deuma questio de conhecimento, o curriculo & também uma questio de identidade. E so- bre essa questo, pols, que se concentram também as teorias do curriculo. ¥ Da perspectiva pés-estruturalista, po- demos dizer que 0 curriculo & também uma questio de poder e que as teorias do curriculo, na medida em que buscam dizer 0 que © curriculo deve ser, nio podem deixar de estar envolvidas em questées de poder. Selecionar é uma ope- ragio de poder. Privilegiar um tipo de conhecimento 6 uma operagio de po- der. Destacar, entre as miltiplas possibi- lidades, uma identidade ou subjetividade como sendo a ideal é uma operacto de poder. As teorias do curriculo nio es- to, neste sentido, situadas num campo “puramente” epistemolégico, de compe- ticio entre “pures” teorias. As teorias do curriculo est8o ativamente envolvidas nna atividade de garantir 0 consenso, de obver hegemonia, As teorias do curri- culo estio situadas num campo episte- mologico social. As teorias do curricule estio no centro de um territério con- testado. E precisamente a questéo dopoder que vai separar as teorias tradicionais das teo- Flas criticas e pés-criticas do curriculo, As wori tradicionais pretendem ser apenas isso: “teorias” neutras, cientificas, desin- teressades. AS teorias criticas e as teorias pés-critieas, em contraste, argumentam que nenhuma teorie € neutra, cientifica ou dosinteressada, mas que std, inovieavel- mente, implicada em relagbes de poder. ‘As teorias tradicionais, ao aceitar mais fa- ilmente 0 status quo, 0§ conhecimentos e os saberes dominantes, acabam por se concentrar em questies técnicas, Em ge- ral, elas comam a resposta a questi “o qua?” como dada, como ébvia @ por isso buscam responder a uma outra questo: “comel”. Dado que temos esse conheci- mento (inquestionavel?) a ser transmitido, qual & a melhor forma de transmit-lo? As teorias tradiclorais se preocupam com questes de organizacao. As ceorias eriti- ase pés-criticas, por sua vez. néo se limi= tam a perguntar “o qué?”, mas susmetem este “qué” a um constante questionamen- to, Sua questao central seria, pois, ndo tanto “0 qué?”, mas “por qué”. Por que esse conhecimento e nao ourro? Quais interes- ses fazom com que esse conhecimento nfo outro esteja no curriculo? Por que privilegiar um determinado tipo de iden- tidade ou subjetividade e nao outro! As teorlas criticas e pos-crticas de curriculo estio preocupadzs com as conaxdes en- tre saber, identdade e poder. ‘Como vimos, uma teoria define-se pe- os conceitos que utliza para conceber a “cealidade”, Os conceltos de uma teoria dirigem nossa atencio para certas coisas, que sem eles nao “veriamos”. Os concel- tos de uma teoria organizam e estruturam nossa forma de ver a “realidade”. Assim, tuma forma itil de distinguirmes as dife- rentes teorias do curriculo é através do ‘exame dos diferentes conesitos que clas empregam. Neste sentido, as teorias eriti- as de curriculo, ao deslocar a énfase dos conceitos simplesmente pedagégicos de ensino e aprendizagem pera os conceitos de ideologia © poder, por exemplo, nos permitiram ver a educac3o de uma nova perspectiva, Da mesma forma, ao enfatiza- rem 0 conceito de discurso em vez do conceito de ideologia, as teorias pos-crit- cas de curricule efetuaram um outro im- portante deslocamento na nossa manei de conceber 0 curriculo, Por isso, a medi- da que percorrermos, nos tépicos a se- guir, as diferentes teorias do curriculo, podesser dul ver em mente o seguince qua- dro, que resume as grandes categorias de teoria de acordo com os conceitos que ‘las, respectivamente, enfatizam TEORIAS TRADICIONAIS ensino aprendizagem avaliagio metodologia diciatica organiza¢ao planejamento eficiéncia objetivos TEORIAS CRITICAS ideologa reprodueio cultural e social poder classe social capitalismo relacdes socials de produgo conscientizaglo ‘emencipacio ¢ libertagio currfculo oculto resisténcia ‘TEORIAS POS-CRITICAS. identidada, alteridade, diferenca subjetividade significagéo e discurso saber-poder representacio cultura enero, raga, etnia, sexualidade mukiculturalismo Il. DAS TEORIAS TRADICIONAIS AS TEORIAS CRITICAS Nascem os “estudos sobre curriculo”: as teorias tradicionais A existéncia de teotias sobre 0 curri- culo esté identificeda com a emergencia do campo do curriculo como um campo pro- fissional, especializado, de estudos e pes- quisas sobre 0 curriculo. As professoras @ 08 professores de todas as épocas e luge- res sempre estiveram envolvidos, de uma forma ou outra, com o curriculo, antes mesmo que © surgimento de uma palavra especializada como “curriculo” pudesse designar aquela parte de suas atividades que hoje conhecemos como “curriculo”, A emergéncia do curriculo como campo de estudos esti estreitamente ligada a pro- cess0s tals como a formacio de um corpo de especialistas sobre currieulo, a forma G20 de disciplinas ¢ departamentos univer so de setores especizlizados sobre curriculo nna burocracia educacional do estado ¢ surgimento de revistas académicas espe- cializadas sobre curriculo, sithrios sobre curriculo, a institucion De certa forma, todas as teorias peda- ‘gogicas ¢ educacionais so também teorias sobre 0 curriculo, As diferentes filosofias educacionais e as diferentes pedagogias, em a1 diferentes épecas, bem antes da insticucio- nalizagdo do estudo do curricule como campo especializado, nio debaram de fe- zer especulacées sodre o curriculo, mes- mo que nio utilizassom © tormo, Mas as teorias educacionais ¢ peda- gogicas nao sao, estritamente falando, teorias sobre 0 curriculo. Ha anteceden. tes, na historia da educagio ocidental moderna, institucionalizada, de preocu- pagoes com 2 organizacdo da atividade educacional © até mesmo de uma aten- 40 consciente A questo do que ensi- nar. A Didactica magna, de Comenius, & um desses exemplos. A prépria emer- géncia da palavra curriculum, no sentide que modernamente atribuimas 20 ter- mo, esti ligada a preocupacoes de or- ganizac30 e método, como ressaltam as pesquisas de David Hamilton, O termo curriculum, eneretanto, no sentido que hoje Ihe damos, s6 pessou a ser utiliza- do om paises curopeus como Franca, Alemanha, Espanha, Portugal muito re- centemente, sob influéncia da literacu- ra educacional americana. E precisamente nessa literatura que 0 termo surge para designar um campo es: pecializado de estudos. Foram calvez as condiges associadas com a institucionali- aco da educzgio de massas que permiti- ram que © campo de estudos do curriculo surgiste, nos Estados Unidos, como um campo profissional especializado, Esto centre estas eondigdes: a formacao de uma burocracia estatal encarregada dos nego- cios ligades 4 edueacio; 0 estabelecimen- to da educagao como um objeto proprio de estude cientifico; a extensio da educa- lo escolarizada em niveis caca vez mais altos a segmentos cada vex maiores da populz¢io: as preocupagbes com a manu tengo de uma identidace nacional, como resultado das sucessivas ondas de imigra- 620; 0 processo de crescence industrial zagio 6 urbanizagio, E nesse contexto que Bobbitt escre- ve, em 1918, 0 livro que irla ser conside- rado © marco no estabelecimento do curriculo como um campo especializado de estudos: The curriculum. O livro de Bobbict € escrito num momento crucial da histéria da ecucagio estadunidense, num momento em que diferentes forcas econémicas, peliticas e culturais procu ravam moldar 0s objetivos ¢ as formas da n educacao de massas de acordo com suas defense parteularac-visean E-nesee momento que se busca responder ques- tes crucisis sobre as finalidades ¢ os con. tornos da escolarizacio de massas. Quais 08 objetivos da educagio escolarizada: formar 0 trabalhador especializado ou proporcionar uma educagao geral, acadé- mica, 4 populacio? © que se deve ensi nar: as habilidades basicas de escrever, ler @ contar; as disciplinas académicas hu- manisticas; as disciplines clenuificas; as habilidados priticas necessérias para as ocupacées profissionais? Quals 2s fontes principais do conhacimento a ser ensina- do: 0 conhecimento académico; as disci- plines cientificas; os saberes profissionais do mundo ocupacional adulto! O que deve estar no centro do ensino: os sabe: res “objetivos” do conhecimento organi rado ou as percepgbes € as experiéncias “subjetivas” das criancas e dos jovens? Em cermos sociais, quais devem ser as finali- dades da educagio: ajustar as criancas € 08 jovens 4 sociedade tal como ela existe ‘ou prepari-los para transformi-la; a pre- paracio para a economia ou a prepara- gio para a democracia? As respostas de Bobbitt eram claramen- te conservadoras, embora sua intervencio bbuseasse transformar radicalmente 6 sisto: ‘ma educacional, Bobbitt propunha que a escola funcionasse da mesma forma que qualquer outre empresa comercal ou in- dustrial. Tal come uma indistria, Bobbi queria que sistema educacional fosse capaz de especificar precisamente que re- sultados pretenda obter, que pudesse es: tabclecer métodos para obté-los de forma precisa e formas de mensuracdo que per- ‘mitissem saber com preciso se eles foram realmente alcangados, O sistema educaco- nal deveria comecar por estabelecer de for- ima precisa quais si seus objetivos. Esses objetivos, per sua vez, deveriam se basear num exame daquelas habilidades necessa- rias para exercor com eficiéncia as ocupa- (g0es profissionais da vida aduka. O modelo de Bobbitt estava claramente voltado para a economia. Sta palavre-chave era “eficien- cia", O sistema edueacioral devera ror tio eficiente quanto qualquer outra empresa econémies. Bobbitt queria eransforir para a escola o modelo de organizagio propos: co por Frederick Taylor. Na proposta de Bobbitt, a educagio deveria funcioner de acordo com os principios ch administracio clentiica propostos por Taylor: A orientagko dada por Bobbitt iria constituir uma das yertentes dominantes da educagfo estadunidense no restante do 2 século XX. Mas ela iria concorrer com vertentes consideradas mais progressistas, como a liderada por John Dewey, por exemplo, Bem antes de Bobbitt, Dewey tinha escrito, om 1902, um livre que tinh a palavra “curriculo” no titulo, The child and the curriculum. Neste livro, Dewey estava muito mais preocupaco com a construe fo da democracia que com o funciona mento da economia, Também em contraste com Bobbitt, ele achava importante levar em consderagio, no planejamento curr cular, of interesses as experi€ncias das criangas @ jovens. Para Dewey, a educagio no era tanto uma preparacio para a vida ‘ocupacional adulta, como um local de vie véncia e pratica direta de principios democraticos. A influéncia de Deway, en- tretanto, nfo iria se refletir da mosma forrra que a de Bobbitt na formagao do curricule como campo de estudos. A atracio e influéncia de Bobbitt de- vem-se provavelmente ao fato de que sua proposta parecia permitir a educagao tor nar-se cientifica. Nao havia por que ¢is- cucir abstratamente as finalidades uummas da educacgo: elas estavam dadas pela pré= pria vida ocupacional adulta. Tudo © que ora precise fazor era pesquisar e mapear quais eram as habilidades necessarias para as diversas ocupagées. Com um mapa preciso dessas habilidades, era possivel, entdo, organizar um curriculo que per- mitisse sua aprendizagem. A tarefa do as- pecialista em curriculo consistia, pois, em fazer 0 levantamento dessas habilidades, desenvolver curriculos que permitissem que essas habilidades fossem desenvol- vidas e, finalmente, planejar e elaborar instruments de medicéo que possibili- tassem dizer com precisio se elas foram realmente aprendidas, Na perspectiva de Bobbitt, a questio do curriculo se cransforma numa ques- tio de organizagao. O curriculo € sim- plesmente uma mecénica. A atividade supostamente cientifica do especialista em curriculo nfo passa de uma atividade burocritica. Nao € por acaso que © con- ceito central, nessa perspectiva, & “desen- volrimento curricular”, um conceito que iria dominar a literatura estadunidense sobre curriculo até os anos 60. Numa perspectiva que considera que as finali- daces da educacio estao dadas pelas exi- géncias profissionais da vida adulta, 0 curriculo se resume a uma questo ce desenvolvimento, a uma questio técnica. Tal como na indéstria, ¢ fundamental, ma ecucacdo, de acordo com Bobbitt, que 50 estabelocam padres. © estabelecimento 24 de padres & tio importants na educagio quanto, digamos, numa usina de fabrica- io de agos, po's, de acorde com Bobbitt, “a educacio, tal como a usina de febrica~ fo de aco, € um processo de moldagen © exemplo dado pelo préprio Bobbitt & esclarecedor. Numa oitava série, ilustra ele, algumas criancas realizam adigBes "a um ritmo de 35 combinagdes por minuto”, enquanto outras, “ao laco, adi ritmo medio de 105 combinagoes por minuto”. Para Bobbitt, 0 astabelecimento de um padrac permitiria acabar com essa variagio. Nas dltimas décadas, diz cle, os educadores vieram a "perceber que é pos- sivel estabelecer padres definitivos para 08 varios produtes educacionais. A capa- cidede para adicionar a uma velocidade de 65 combinacées por minuto (..) € uma especificagio cdo definida quanto a que se pode estabelecer para qualquer aspecto do trabalho da fabrica de agos”.! O modelo de curricule de Bobbitt iria encontrar sua consolidagao definitiva num livro de Ralph Tyler, publicado em 1949. © paradigma estabelecido por Tyler iria dominar 0 campo do curriculo nos Esta~ dos Unidos, com influéncia em diversos paises, incluindo © Brasil, pelas proximes quatro décadas. Com o livro de Tylor, os estudos sobre curriculo se tornam deci- didamente estabelecidos em torno da idéfa de organizagao e desenvolvimento, Apesar de admitir a flosofia e a socieda- de como possiveis fontes de objetivos para ¢ curriculo, © paradigma formulado por Tyler centra-se em questdes de or ganizagio e desenvolvimento, Tal como no modelo de Bobbitt, o curriculo 8, aqui, essencialmente, uma questdo técnica, Vejamos, de forma sintétiea, 0 modelo proposto por Tyler. A organizacio eo desenvolvimento do curriculo deve buscar responder, de acordo com Tyler, quatro questées bisi- cas: “I. que objetivos educacionais deve a escola procurar atingir?; 2. que experién- cies educacionais podem ser oferecidas que tenham probabilidade de aleancar esses propésitos?: 3. como organizar eficiencemente essas experiéncias educa- cionais?; 4, como podemos ter certeza de que esses objetivos esto senco alcanca- dos?” As quatro parguntas de Tyler cor- respondem @ divisdo tradicional da atividade educacional “curriculo” (1), “en: sino @ instrucio” (2.€ 3) e “avaliagio” (4) Em termos estritos. pois, apenas a pri melra questio diz respeito a “curriculo” as € preciarnente a esta questio que Tyler dedica a maior parte de seu livre. Tyler idencifica tres fontes ras quals se devem buscar of objetivos da educagio, airman: do. que cada uma delas deve ser igualmen- te levada em consideragio: |. extudos sobre 0s proprios aprendizes; 2. estudos sobre a vida contemportinea fora da edu cago; 3, sugestées dos especialistas das diferentes disciplinas. Aqui, Tyler expan- de 0 modelo de Bobbitt, 20 incluir duas fontes que nfo eram contempladas por Bobbitt: a psicologia e as disciplinas acadé- micas, A segunda fonce é uma demonstra~ cdo de certa continuidade relativamente 20 modelo de Bobbitt, Essas fontes gerariam, entretanto, um numero excessivo de objetivos. os quais poderiam, além disso, ser mutuamente contraditérios. Para consertar essa situa sto, Tyler sugere submeté-los a duas es- pécies de “filtros”: a filosofia social € educacional com a qual a escola esti com- prometida e psicologia da aprendizagem. Tyler insiste na afirmaco de que os objetivos devem ser claramente definidos ¢ estabelecidos, Os objetivos devem ser formulados em termos de compertamen= to explicito. Essa orientagio comporiias mentalist ira se radicalizar, aids, nos anos 60, com o revigoramento de uma tendén- cia fortemente tecnicista na educacio estadunidense, representada, sobretudo, por um livro de Robert Mager. Andlise de abjetivos, também influente no Brasil na isaina epoca, Laplois atravie desea tor: mulagao precisa, detalhada € comporta- mental dos objetivos que so pode responder s outras perguntas que cons- tituem © paradigna de Tyler. A decisio sobre quais experiéncias devem ser pro- picadas © sobre como organizé-les de- pende dessa especificacio precisa dos objetivos. Da mesma forma, & impossivel avaliar, como adiantava Bobbitt. sem que se estabelecesse com preciséo quais sto os padres de referéncia E interessante observar que tanto os modelos rrais tecnocriticos, como os de Bobbitt e Tyler, quanto os modelos mais progressistas de curriculo, como o de Deway, que emergiram no inicio do sé- culo XX, nos Estados Unidos, constituiam, de certa forma, uma reagio a0 curriculo dlassico, humanista, que havia domina- doa educagio secundiria desde sua ins- titucionalizacao, Como se sabe, esse curriculo era herdeire do curriculo das chamadas “artes liberais” que. vindo da Antiguidade Classica, se estabelecera na uw educagio universitaria da Idade Média do Renascimento. na forma dos chama- dos trivium (gramatica, retérica, dialética) quadrivium (astronomia, geometria, mii- sica, aritmética}. Obviamente, o currfcu- lo classico humanista tinha implicitamence uma “teoria” do curriculo, Basicamente, nesse modalo, © objetivo era introduzir (5 estudantes a0 repertério das grandes obras literdrias e arvsticas das herancas clssicas grega e latina, incluindo 0 domi- rio das respectivas linguas. Supostamen- fe, esszs obras encarnavam 2s melhores realizagBes © os mais altos ideais do espl- ito humano. O conhecimento dessas obras rio estava separado do objetivo de formar um homem (sim, 0 macho da es- pécie) que encarnasse esses idea's Cada um dos modelos curriculares contemporineos, o tecnacritico € 0 pro- gressista, ataca o modelo humanista por um flanco. O tecnocrético destacava a abs- tragdo e a suposta inutilidade — para vida moderna e para as atividados Isborais — das habilidades © conhecimentos cultiva- dos pelo curriculo clissico, O latim ¢ ogrego —e suas respectivas literaturas — pouco serviam como preparacio para © trabalho. ch vida profissional contemporinea, No se aceitava, aqui, nem mesmo os argumen- tos que no século XIX tinham sido de- senvolvidos pela perspectiva do “exerct- clo mena’, segundo a quala aprendizagem de matérias como o latin, por exemplo, servia para exercitar 0s “mitsculos men- tais’, de uma forrra que podia se aplicar a outros contatidos. © modelo progressis- ta, sobretudo aquele “centrado na crian- a", atacava 0 curriculo clissico por seu distanciamento dos interesses € das ex- periéncias das criancas ¢ dos jovens. Por estar centredo nas matérias cléssicas, © curricalo humanista simplesmente des- consicerava a psicologa infantil. Ambas as contestagdes s6 puderam surgir, obvia- mente, no contexto da ampliagao da es- colarizacio de massas, sobretudo da escolarizagao secundir'a que era 0 foco do curriculo clissico humanista. © curriculo cléssico 86 péde sobreviver no contexto de uma escolarizagio secundéria de aces- So rescrito a classe dominance, A demo- cratizegio da escolarizagio secundari ignificou também o fim do curriculo hue manista cléssico. Qs modelos mais tradicionais de cur riculo, tanto os técnicos quanto os pro- gressistas de base psicolégica, por sua vez, 6 iriam ser definitivaente contestados, nos Estados Unidos, a partir dos anos 70, 7 com 0 chamado movimento de “recon: ceptualizagio do curriculo”, Mas esta & uma outra histéria, Leituras HAMILTON, David. “Sobre as crigens dos termos classe © curriclum’, Tears © edueagdo, 6, 1992: 33-51 KUEBARD, Herbert M. "Os principios de Tyler In Rosematy G, Messick, Lyra Pabcio « Lilia da R.Bastos (org). Currev andlie © debate, Riot ‘Zahn, 1980; 29-52. KUEBARD, Herbert. "Burocracia« seoris do cu riculo' In Rosemary G. Messick, Lyra Pablo @ LU da R. Bastos (org). Curicule:endise e deba- te ley Zahar, 1980: p.107-126. MOREIRA, Antonio FB e SILVA. Tomar T: da "Socisloia e teori erkiea do currieulo: ume Introducio”. In Antonio FB, Morsira e Tomaa T ch Sika (orgs). Curricula, socedade « cuter, Sto Paulo: Corvez, 1998: p.7.38, TYLER, Ralph W. Principle bélcor de cum «ena ne. Ports Alegre: Globo, 1974 Nota "Para nd sobresarregar @ texto, 28 fortes de todat 35 cagBes esto listadas 30 final do lo, m8 seefo "Referdnciasbibliogiias" Onde a critica comeca: ideologia, reproducdo, resisténcia Como sabemos, a década de 60 fot Uma década de grandes agitagdes 0 trans- formac6es, Os movimentos de indepen- déncia das antigas colonias européias; os provestos estudantis na Franca @ em vé- ios outros paises; a continuagao do mo- vimento dos direitos civis nos Estados Unidos: os protestos contra a guerra do Viet © movimento feminista: a liberacio sexual: as lutas corera a ditadura militar no Bra- sil: so apenas alguns dos importantes movimentos sociais e culturais que carac- terizaram os anos 60. Nao por coincidén- ia foi também nessa década que surgiram. livros, ensaios, teorizagées que colocavam em xeque 0 pensamento ¢ a estrutura ‘educacional tradicionais. os moyimencos de contracultura; E compreensivel que as pessoas en- volvidas em revisar esses movimentos tendam a reivindicar a precedéncia para aqueles movimentos iniciados em sou proprio pais. Assim, para 2 literatura edu- eacional estadunidense, 2 renovacio da teorizacao sobre curriculo parece ter sido ‘exclusividade do chamado “mevimente de reconceptualizagao”. Da mesma forma, a » liceratura inglesa reinvidica prioridade para a chamads “nova sociologia da educagio”, um movimento Ideneificado com © socio- logo inglés Michael Young. Uma revisio. brasileira nao deixaria ce assinalar 0 in porsants papel da obra de Paulo Freire, enquanto os franceses certamente nao deixatiam de destaear 0 papel dos enssios fundamentais de Althusser, Bourdieu Passeron, Baudelot e Establer, Lima avalia- Zo mais equilibrada argumentaria, entre- tanto, quie © movimento de renovagio da teoria educacional que iria abalar a teoria educacioral tradicional, tendo influ&ncia do apenas tebrica, mas insprrando verda- deiras revolucées nas préprias experién- cias educacionais, “explodiu” em varios locais ae mesmo tempo. As teorias criticas do curriculo efetuam uma completa inverstio nos fundamentos das teorias tradicionais. Como vimes, 05 modelos tradicionais, como o de Tyler, por exemplo, nio estavam absolutamente pre~ ocupados em fazer qualquer tipo de questionamento mais radical relativamen- to aos arranjos educacionais existentes, 4s formas dominances de conhedmento ou, de modo mais geral, forma sodal domi- ante, Ao torrar 0 statur quo como refe- réncia desejivel, as teorias tradicionals se concentravam, pois, nas formas de orga- niragio e elaboracio do curriculo, Os ‘modelos tradicionals de curricule restrin- siam-se& atividade técnica de como fazer 0 currieulo, As teorias criticas sobre o cur- riculo, em contraste, comecam por co- Jocar em questo precisamente os pressupostos dos presentes arranjos so- dials e educacionais.As teorias crticas des- confam do status quo, responsabiizando-o elas desigualcades ¢ injusticas socais. As teorias eadicionais eram teorias de acoita- fo, ajuste e adaptacio. As teorias crticas Ho teorias de desconfianga, questionamen- to € transformacio radical. Para as teorias critcas 0 importante néo é deservolver sécnicas de como fazer 0 curricula, mas desenvolver conceitos que nos permitam compreender 0 que 0 curriculo faz E preciso fazer uma distingao, mente, entre, de um lado, as teorizages criticas mais gerais como, por exemplo, @ importante ensalo de Althusser sobre 2 ideologia ou o livro conjunto de Bour- dieu e Passeron, A reprodugdo, ¢, de ou- tro, aquelas teorizagées centradas de forma mais localizada em questoes de inicial- 30 curriculo, como, por exemplo, a “nova sociologia da educagio” ou 0 “movimen- to de reconceptualizacao” da teoria cur- ricular, E importante, de qualquer forma, revisar tambem aquelas teorias criticas mais gerais sobre educaglo pela influén- cia que teriam sobre 0 desenvolvimento da teoria critica do curriculo, Poderiamos comecar por uma breve cronologia dos mareos fundamentais tanto da teoria edu- cacional critica mais geral quanto da teo- ria eritiea sobre © curriculo: 1970 — Paulo Freire, A pedagogia do oprimide 1970 — Louis Althusser, A idealogia e os aparelhos ideoligicas de estado 1970 ~ Pierre Bourdieu ¢ Jean-Claude Passeron, A reproducdo 1971 — Baudelot e Establet, ’école coph taliste en France 1971 - Basil Bernstein, Class, codes ond control. | 1971 — Michael Young, Knowledge ond control: new directions for the socio. logy of education 1976 - Samuel Bowles e Herbert Gintis, Schooling in copitalst America 1976 — William Pinar © Madeleine Gru- met, Toward 0 poor curriculum 1979 ~ Michael Apple, Ideologic € currcule © agora famoso ensaio do filésofo francés Louis Althusser, A ideologia e os aparelhos ideotégicos de Estado, iria for- nocer as bases para as eriticas marxistas de educacdo que se seguiriam. Particu- larmente, Althusser, nesse ensaio, iria fazer a importante conexio entre edu- cagio © ideologia que seria central as subseqiientes teorizacdes criticas da educagio ¢ do curriculo baseades na andlise marxista da sociedade. A referén- cia que Althusser faz & educagio neste breve ensaio é bastante suméria. Essen- cialmente, argumenca Althusser, a per- manéncia da sociedade capitalista depende da reproducao de seus com. ponentes propriamente econémicos (forca de trabalho, meios de producéo) @ da reproducio de seus componentes ideoldgicos. Além da continuidade das condicdes de sua produgdo material, a sociedade capitalista no se sustentaria se nio houvesse mecanismos e instituigces oncarregadas de gerantir que © staius quo no fosse contestado, Isso pode ser obti- do através da forga ou do convencimen- to, ca repressiio ou da ideologia. O primeiro mecanismo esté a cargo dos aparelhos re- pressivos de estado (a policia, ojudiciério); © segundo responsabllidade dos apa- u relhos ideol6gicos de estado (a religito, ‘a midia, a escola, a familia). Na primeira parte do ensaio, Althusser da, implicitamence, uma definicéo bastan- te simples de ideologia. A ideologia 6 cons- tituida por aquelas crengas que nos levam a accitar as estruturas socials (capitalstas) existentes como boas € desejévets, Essa definicfo é substancialmente modificada na segunda parte do ensaio, na qual 0 concei- tode ideologia se torna bastante mais coms plexo, mas esta é uma outra discussio, A produgio ¢ a disseninacio da ideologia ¢ feita, como vimos, pelos aparelhos ideo- legicos de estado, entre os quals se situa, de modo privilegiado, na argumentacio de Althusser, justamente a escola. A es cola constitui-se num aparelho ideolégico central porque, afirma Althusser, atinge praticamente toda a populacéo por um periodo proiongado de tempo. Como a escola transmice a ideologial A escola atua ideologicamente através de seu curriculo, seja de uma forma mais die reta, através das matérias mals suscetivels 20 transporte de crencas explicitas sobre a desejabilidade das estruturas sociais axis. tentes, como Estudos Socials, Historia, Geografia, por exemplo; seja de uma for ma mais indireta, atraves de disciplinas mais “técnicas”, como Ciéncias e Mate- mitica. Alem disso, a ideologia atua de forma discriminatéria: ela incina as pes- soas das classes subordinacas & submis- sio e 4 obediéncia, enquanto as pessoas das classes dominantes aprendem a co- mandar @ a controlar. Fssa diferenciacio @ garantida pelos mecanismos seletivos quo fazem com que as criangas das clas- ses dominadas sejam expelidas da escola antes de chegarom aqueles rivois onde se aprendem os habitos e habilldades pro- prios das classes dominantes. ‘A protlemicica central da anilise mar- xista da educagao e da escola consiste, como mestra 0 exemple de Althusser, fem buscar estabelecer qual & a ligacao entre a escola € a economia, entre a edu- cacio ea produgio. Uma vez que, na ané- lise marxista, a economia e a procugso ‘estio no centro da dinamica social, qual & © papel da educagio € da escola nesse processo! Como a escola e a educacio contribuem para que a sociedade cont- nue sendo capicalista, para que 2 socie- dade continue sendo dividida entre capitalistas (proprietarios dos meios de producto), de um lado, e crabalhadores (proprietarios unicamente de sua capac: che de trabalho), de outro? Althusser nos deu, como vimos, um tipo de res: posta: a escola contribul para a roprodu- so da sociedade capitalista a0 transmicir, através das matérias escolares, as crencas que nos fazem ver os arranjos sociais exis- entes como bons e desejaveis. Baudelot © Establet, num livre também agora cléssi- co, A escola capitotista no Frenga, iriarm desenvolver, em detalhes, a tase althus- seriana, Caberia, entretanto, 2 dois eco- nomistas estadunidenses, Samuel Bowles e Herbert Gintis, fornecer uma respos- ta um pouco diferente aquela pergunta central sobre as conexdes entre produ: gio ¢ educagio. Em seu livre, A excolo capitalista na América, Bowles ¢ Gintis introduzem 0 conceit de correspendéncia para esta. belecer a natureza da conexao entre es- cola ¢ produgic, Como vimos, Althusser enfatizava © papel do contedde das maté- rias escolares na transmissio da ideologia capitalisca, embora a definicio de ideolo- gia que ele dava na segunda parte de seu tensaio (a ideologia como pratica) apontas- se para a possibilidade de uma outra util- zagio dasse conceito. Fm contraste com essa énfase no contetido, Bowles e Gints cenfatizam a aprendizagem, através da vi- véncia das relagies socials ¢a escola, das atitudes necessdrias para se cualificar como um bom trabalhador capitalista. As relagées sociais do local de trabalho capi- talista exigem certas atitudes por parte de trabalhador: obediénciaa ordens, pon- tualidade, assiduidade, confiabilidade, no caso do trabalhador subordinado; capa- cidade de comandar, de formular planos, de se conduzi- de forma auténoma, no caso dos trabalhadores situados 108 i veis mais altos da escala ocupacional Como, no esquema de Bowles ¢ Gintis, @ escola garante que essas atitudes sejam incorporadas a psique do estudante, ou soja, do future trabalhador? A escola contribui para esse proceso nao propriamence através do conteddo explicito de seu curriculo, mas a0 espe- thar, no seu funcionamento, 2s relocdes socizis do local de trabalho. As escolas di- rigidas aos trabalhadores subordinados tendem a privilegiar relacdes sociais ras quis, 20 praticar papeis subordinados, os estudantes aprendem a subordinagio, Em contraste, as escolas dirigidas aos trabalha- dores dos escalées superiores da escala ‘ocupacional tendem a favorecer relagGes sociais nas quais os estudentes tém a opor- wnidade de praticar atitudes de comando e autonomia. E, pois, através de uma cor- respondéncia entre as relacdes socials da a escola e as relacées socials do local de trabalho cue @ educacio contribu para a reprodugio das relagées socials de producéo da sociedade capitalista, Tra» ta-se de um processo bidirecional, Num primeiro movimento, a escola & um r flexo da economia cepitalista ou, mais es- pecificamente, do local de trabalho capitalista, Esse reflexo, por sua vex, ga- rante que, num segundo movimento, de retorno, © local de trabalho capitalista receda justamente aquele tipo de traba- Ihador de que necessita. A critica da escola capitalista, nesse es- ‘gio inicial, nao ficaria limiada, entretan- to, 4 anilise marxista. Os socidlogos franceses Pierre Bourdieu e Jean-Claude Passeron 1m deserwolver una eritica da educagao que, embora centraca no con: ceite de “reproducio”, afastavacse da ande lise marxista em varios aspectos, Além do conceito de “reproducio”, a anélise de Bourdieu ¢ Passeron desenvolvia-se atra- vés de conceitos que eram devedores, embora apenas mecaforicamente, de con= ceitos econémicos, Mas, contrariamente a andlise marxista, 0 funcionamento da es- cola € cas instituicées culturais nio deduzido do funcionamento da economia, Bourdieu © Passeron véem, entretanto, © funcionamenco da escola e da cultura através de metéforas econdmicas. Nessa anilise, a cultura nio depende da econo- a: a cultura funciona como uma econo- mia, como demonstra, por exemplo, a utilzagio do conceite de “capital cultural”. Para Bourdieu e Passeron, a dindmica a reprodusao social esté centrada no pro- cosso de reproducio cultural. E através da reprodugao da cultura dominante que a reproducio mais ampla da sociedade fica garantida. A cultura que tem prestigo e valor social &justamente a cultura das elas- ses dominantes: seus valores, seus gostos, seus costumes, sous habitos, seus modos. de se comportar, de agir. Na medida em ‘que essa cultura tem valor em termos s9- dais; na medida em que ela vale algumna coi- sa; na medida em que el fz com que a pessoa que a possul obtenha vantagens imaterizis e simbélicas, eh se constitui como capitol cultural. Esse capital cultural exisce ‘em diversos estados. Ela pode se manifes- tar em estado cbjetivador as obras de arte, as obras literdrias, as obras teatrais etc. A cultura pode existir também sob a forma de titulos, certifiados e diplomas: & 0 ca- pital culcural inseitucionalizado. Finalmen- 12, 0 capital cultural manifesta-se de forma incorporada, introjetada, incernalizada, Nessa iltima forma ele se confunde com © habitus, precisamence o termo utlizado 34 por Bourdieu e Passeron para se referir as estruturas socials e culturais que se tor- ram internalizadas © dominio simbslico, que é 9 dominio por excelénca da cultura, da significagso, atin através de um ardiloso mecanismo, Ble adquire sua forca precisamente 20 de- finir a cultura dominance come sendo a cultura, Os valores, 0s hibitos e costumes, 0s comportamentos da chasse dominante slo aqueles que s20 considerades como constituinde a cultura. Os valores e habi= tos de outras classes podem ser qualquer ‘outra coisa, mas nfo so a cultura, Agora que vom 0 truque. A eficacia dessa defi- nigio da cultura dominance como sendo a ‘cultura depende de uma importante ope- ragio. Para que essa definigio alcance sua maxima eficicia € necessério que ela nao apareca como tal, que ela nfo apareca jus- tamente como o que ela ¢, como uma de- finigho arbitraria, como uma definigio que rio tem qualquer base objet, como uma definicio que esta baseada apenas na forca {agora propriamene econémica) da clas- se dominante, E essa forca original que permite que a classe dominante possa de- finir sua cultura como « culwira. mas nes- se mesmo ato de definigéo oculta-se a forca que torna possivel que ela possa im- por essa defirigio arbiuriria. Hi, portanto, aqui, dois processos em funcionamento: de um lado, a imposicao e, de outro, a ocukagdo de que se trata de uma imposi- cdo, que aparece, entio, como natural, E a e3:¢ duplo mecanismo que Bourdieu & Passeron chamam de dupla violéncia do proceso de dominagéo cultural. ‘Agora, onde entram 2 escola 6 a edu- cagao nesse processo? Em Bourdieu e Passeron, contrariamente a outras andli- ses criticas, a escola nio atua pela incul- ‘cagio da cultura dominante as criangas @ jovens das classes dominadas, mas, 20 contririo, por um mecanismo que acaba por funcionar como um mecanismo de exclusio. © curriculo da escoh asté ba- seado na cultura dominance: ele se ex- pressa na linguagem dominante, ele é transmitido através do codigo cultural dominante. As criangas das classes domi- nantes podem facilmente compreender ‘esse cédigo, pois duranto toda sua vida las estiveram imersas, 0 tempo todo, naxse cédigo. Fsso cédigo & natural para elas, Elas se sentem a vontade no clima cultural 9 afetive construido por esse cédigo. E 0 seu ambiente native, Em contraste, para as criangas e jovens das classes dominadas, esse cOdigo ¢ sim- plesmente indecifrivel. Eles nio sabem do que se trata. Esse codigo funciona as como uma linguagem estrangeira: 6 incom= preensivel. A vivéncia familiar das crian- ‘as € jovens das classes dominadas nio 05 acostumou a esse cédigo, que thes aparece como algo estranho e alhelo, resultado 6 que as criangas @ jovens das lasses dominantes sio bem-sucedidas na escola, © que Ihes permite © acesto a0 graus superiores do sistema educacional, As criancas ¢ jovens das classes domina- as, em troca, 50 podem encarar o fra+ asso, ficando pelo caminho, As eriangas ejovens das classes dominantes veem seu capital cultural reconhecide e fortalecido, As criangas e jovens das classes domina- chs tém sua cultura nativa desvalorizada, a0 mesmo tempo que seu capital cultural, if inicislmente baixo ou nulo, nfo sofre qualquer aumento ou valorizagio. Com- pleta.se 0 ciclo ch reproducio culeural/e essencialmente através dessa reprodugao cultural, por sua vez, que as classes sociais se mantém tal como exiscem, garantindo © processo de reproducio social. Em geral, tense deduzido da andlise de Bourdieu ¢ Passeron (e, particularmen- te, das analises individuais de Bourdieu) uma pedegogia ¢ um curriculo que, em oposigdo a0 curriculo baseado na cultura dominante, se centrariam nas culturas dominadas. Trata-se, provavelmente, de um mal-entendido, Sua andlse no nos diz que a cultura dominante & indesejével € que a cultura dominada seria, em troca, desejével. Dizer que a classe domirante define arbitrariamente sua cukura como desejavel nfo 6 a masma coisa que dizer que a cultura dominada ¢ que é desejével. O que Bourdieu e Passeron propéem. atra- vés do conceito de pedagogia racional, & que as eriangas das classes dominadas te- ham uma educagio que Ihes possibiive ter — na escola — a mesma imersio du- radoura na cultura dominance que faz parte — ra familia — da experiéncia cas crian as das classes dominantes. Funcamental- mente, sua proposta pedagégica corsiste tem advoger uma pedagogia e um curriculo que reproduzam, na escola, para as crian- 62S das classes dominedas, aquelas condi Bes que apenas as criangas das classes dominantes tém na familia Em seu conjunto, esses toxtos formam 1 base da teoria educacional critica que iia se desenvolver nos anes seguintes. Fles podem ter sido amplamente criticados ¢ questionados na explosio da literatura crf tica ocorrida nos anos 70 e 80, sobretudo por seu suposto determirismo econdmi- co, mas, depoisdeles,a teoria curricular seris radicalmente modiiicada. A teorizagio cur- ricular recente ainda vive desse legado. Leituras ALTHUSSER, Louis, Aparehos ideoigics de Estado Ric: Graal, 1983 BOURDIEU, Pierre e PASSERON, ean-Clude A reprodigdo, Ri Francisco Alven, 1975. BOURDIEU, Pierre. Escros de educecda. Petropolis Voss, 1999, (Organizacie da Maria Alice No- guoim @ Mario Catan) BOWLES, Samuel e GINTIS Herbert Lainstracdiin fexcoiar en fo América copitaliza, México: Siglo >, 1981 SILVA, Tornaz Tadou da O que froduze oq reproduz ‘em edvcarde. Porto Alegre: Artes Médicas, 1992 36 Contra a concep¢ao técnica: os reconceptualistas No final dos aos sessenta, pocia-se ji dizer que a hegemonia da concepeio téc- nica ¢o curriculo estava com seus dias contados. Come vimos, esbogavam-se, em varios palses, a0 mesmo tempo, movimen- tos de reagio as concepydes burocraticas administrativas de curriculo, Em paises como Franca € Inglaterra, os contornos mais gerais de uma teoria edueacional eri= tica vendiam a partir de campos nao dire- tamente pedzgégicos ou educacionais, como a sodoiogia critica (Bourdieu, por exemple) @ a filcsofia marxista (Althusser, per exemplo}, Nos Estados Unidos e Ca- adi, entretanco, © movimento de critica as perspectivas conservadoras sobre cur riculo tinha origem ne préprio campo de estude da educacdo. (Os antecedentes da rejeigio dos pres- supostos da concepefo técnica de curri- culo tal como consolidada pelo modelo de Tyler esbosevam-se jd nos escritos de au- tores como James McDonald e Dwayne Huebner. Um movimento mais organiza- do e visivel, entretanto, somente ia ganhar impulso sob a lideranga de Wiliam Pinar, 37 com a | Conferéncia sobre Curricilo organizada pelo grupo, na Universidade de Rochester. Nova York, em 1973. O movimento de reconceptualizagie ex: primia uma insatisfacao crescente de pessoas do campo do curriculo com os pardmetros tecnocriticos estabeleci- dos pelos modelos de Bobbitt © Tyler. As pessoas identificadas com © que passou & ser conhecido come “movimento de re- conceptualizagao” comegavam a perce ber que 2 compreensio do curriculo como uma atividade meramente técnica @ administrativa néo se enquadrava mule to bem com as teorias sociais de origem sobratude européiz com as quais alas estavam familiarizadas: a fenomenologia, a hermenéutica, © marxismo, 2 taoria crit cada Escola de Frankfurt, Aquilo que, nas perspectivas tradicionais, era entendido como curriculo era precisamente © que, de acordo com aquelas teorias sociais, precisava ser questionado e criticado, ‘Assim, por exemplo, do ponto de vista da fenomenologia, as categorias de apren: dizagem, objetivos, medicto ¢ avallagio nada tinham a ver com 08 significados do “mundo da vida” através dos quais as pessoas constroem e percebem sua ex: periéncia. De acordo com a perspectiva fenomenologica, essas categorias tinhain que ser “postas entre parénteses", ques- tionadas, para se chegar 4 “esséncia” da educacao e do curriculo. Oo ponto de vista marxista, para tomar um outro exemplo, a énfase na eficéncia e na racionalidade administrativa apenas refletia a dominacio do capitalismo sobre a educacio e 0 cur riculo, contribuindo para a reprodusio das desigualdades de classe. Esses dois exemplos relexem, alas, am antagorismo entre os dois campos nos uals, nos Estados Unidos, dvidiu-se a erk tica dos modelos tradicionais. De um lado, estavam aquelas pessoas que utlizavam os conceitos marxistas, filtrados através de andlises marxistas concempordneas, como as de Gramsci e da Escola de Frankfu para fazer a critica da escola e do curricalo existentes, Esses anilises enfatizavam 0 papel das estruturas econdmicas e polt- €as na reproducio cultural e social atra- vés da educagio e do curriculo, De outro lado, colocavam-se 2s criticas da educacdo edo curriculo tradicionais inspiradas em ‘estratégias intarpretativas de investigacto, como a fenomenologia e a hermenéutica, Aqui, a &nfese no estave no papel das estruturas ou om categories tebricas abs- ratas (como ideologia,capitaismo, contro- le,dominacio de classe), mas nos significados subjetivos que as pessoas dio As suas ox. periéncias pedagdgicas e curriculares. Em ambas as perspectivas tratava-se de desa- fiar os modelos técnicos dominantes; em ambas as perspectivas procurava-se langar mio de estratégias analtcas que permicis- sem colocar em xeque as compreensées naturalizadas do mundo social e, em parti- cular, da pedagogia ¢ do curriculo. No caso da fenomenologia, da hermenéutica, da au- cobiografia, ertretanto, desnaturalizar as categorias com as quais, ordinariamente, compreendemos ¢ vivemos 0 cotidianc, significa focalz-las através de uma perspec- tiva profundemente pessoal e subjetiva. Ha um vinculo com 0 social, na medica em que ‘essas categorias #50 criadas e mantidss, in- tersubjetivamente ¢ através da linguagem, rmas, em titima andlise, © foco esti nas ex: periéncias e nas significagdes subjetivas. Em contrasts, na evtica de inspiragio rrarxista, desnaturalizar 0 mundo “natural” da peda- ‘gogin € do curriculo significa submeté-lo a uma andlise cientifica, centrada em conce- tes que rompem com as categorias de sen- 50 comum com as quis, ordinariamente, ‘vernos © compreendemos aquele mundo, 38 ‘© movimento de reconceptuaizacio, tal como definido por seus préprios ini- ciadores, pretendia inciuir tanto as verten- tes fenomenolégicas quanto as vertentes marxistas, mas as pessoas envolvidas nes- sas dltimas recusaram, em geral, uma iden- tificaggo plena com aquele movimento, Na vercade, procuraram até distanciar-se de um movimento que via como excessi- vamente centrado am quastées subjetivas, como um movimento muito pouco politi co. Para autores de inspiragio marxista, como Michael Apple, © movimento de re conceptualizagio, embora constituisse um questionamento do modelo tecnico do- minante, era visto como um recuo 20 pes- soal, a0 narcisistico © a0 subjetivo, Ao final, © rétuio da “reconceptualizacio” que ca- racterizou um movimento hoje dssolvide no pés-estruturalsmo, no feminismo, nos estudos cultures, ficou limitado as concep- ¢6es fenomenolégicas, hermenéuticas © autobiograticas de erica acs modelos tra- dicionais de curriculo. € por isso que, nesta secko, limizaremos nossa discussio a 65+ sas concepcGes, As perspectivas mais mar- xistas estruturais, como a de Michael Apple ea de Henry Giroux, serio trata- das em outra sesio. A concapeio contemporanes de fe- nomenologia tem origem, como sabemos, ” em Edmund Husserl, sendo posterior: mente desenvolvida por autores como Heiddeger e Merleau-Ponty. O ato feno- menoldgico fundamental consiste em sub- meter 0 entendimento que normaimente temos do mundo cotidiano a uma sus: pensio. A invastigagio fenomenologica comega por colocar os significado: ordi narios do cotidiano “entre parénteses”” Agqueles significados que tomamos come haturais constituem apenas a "aparéncia”” das coisas, Tomos que colocar essa apa- rencia em duvida, em questo, para que possamos chegar & sua “esséncia”. A in= Vestigagao fenomenoldgica coloca em ‘questo, assim, as categorias do senso co- mum, mas elas nao sao substituidas por ‘eategorias tedricas © cientifieas abstratas, Ela esta focalizada, em ver disso, na expe- riéncia vivids, no “mundo da vida”, nos significados subjetiva e intersubjetivamen- te construidos. O conceito de “signifiea- do” ngo tem, para a fenomenclogia, mesmo sentido que, depois, teria para uma semiologia estruturalista, @ qual sur ge © se desenvolve, de cersa forma, pre- cisamente em reacdo € oposigao © “significado”, para a fenomenologia, no pode ser simplesmente determinado por sou valor “objetivo” numa eadeia de opo> sigbes estruturais, como na semiologa, O significado ¢, 20 inves disso, algo pro- fundamente pesscal e subjecivo, Sua co- nexio com o social se da nao através de coseruturas socia's impesscais @ abstratas, mas através de conexdes intersubjetivas, Pera a fenomenologia, © significado mani- fosta-se na linguagem, através da lingua- ‘gem, mas é também aquilo que de certa forma escapa a linguagem ordinaria, a0 senso comum implancade ra linguagem. Os verdadeiros significados de nossas experi@ndas vém de voltar & linguagem para encontrar sua expressio, mas eles tem, antes, de certa forma, de ser recu- perados embaixo da linguagem, naquilo ue foge a linguagem, no seu substrato Incelectuais como Max van Mannen, Ted Aol (ambos do Canada) e Madelei- ne Grumet (Estados Unidos), que est veram centralmente envolvides, naquelos paises, no desenvolvimento de uma com- preensio fenomenolégiea do curriculo, niio estavam preocupados tanto com os aspectes filoséficos de fenomenologia quanto com as possiblidades que a feno- menologia apresentaya para 0 estudo do curricula, A perspectiva fenomenologica de curriculo @, em cermas epistemolog 0s, a mais radical das perspectivas criti cas, ra medida em que representa um rompimento fundamental com a episte- mologia tradicional. A tradicio fenome- nolégica de andlise do curriculo € aquele que t2lvez menos reconhace a estritu- ragdo tradiconal do curriculo em disci plinas ou matérias. Para a perspectiva fenomenologica, com sua énfase na ex- perincia, no mundo vivido, nos signifi cados subjetivos e intersubjetivos, pouco sentido fazem as formas de compreen. so técnica e cientifice implicadas na or- ganizagio € estruturacio do curriculo em torno de disciplinas. As disciplinas tradicionais estio concebidas em tor- no de concsitos cientificos. instrumen- tals, isto 6, do mundo de segunda ordem dos conceitos eno do mundo de pri- meira ordem das experiéncias diretas. No méximo, as disciplinas e matérias tra dicionais aparecem como categorias @ serem questionadas, a serem “colocadas entre parénteses” Na perspectiva fenomenolégica, 0 cur= rieulo no &, pois, constitulde de fatos, nem mesmo de conceltos teéricos e abstratos: © curriculo @ um local no qual docentes & aprendizes t8m a oportunidade de exami- nar, de forma renovada, aqueles significa- dos da vida cotidiana que se acosturmaram a ver como dados € naturais. © currfculo 40 € visto como experincia e como local de interrogago © questionamento da expe- Hiénda. Na perspectiva fenomenologica, Slo, primeiramente, as proprias categorias das perspectivas tradicionais sobre curri- aulo, sobre pecadogia e sobre ensino que io submetidas & suspenséo e & reducto fenomenologicas. “Objetives”, "aprendiza- gem”, “avaliagio”, “metadologia” séo todos ‘conceitos de segunda ordem, que aprisio- nam a experiéncia pedagdgica e educa- ional do mundo vivido de docentes & estucantes. Depois, 6 a prépria exparién- cia dos estudances que se torna opjeto da investigagio fenomenolégica. Assim, en- quanto no curriculo tracicional os estu- antes eram encorajados aadotar 2 atitude supostamente cientifica que caracterizava as disciplinas académicas, no curriculo fe- npomenolégico eles sao encorejados a apli- car a sua propria experiéncia, ao seu préprio mundo vivido a atitude que ca- racteriza a investigagdo fenomenoiogica, A atitude fenomenolégica envolve, primelramente, selecionar temas que pos- sam ser submetidos 4 anilise fenomeno- logiea. Em geral, esses temas, como se dopreende dos exempios desenvolvidos tp literatura ecucacional de anilise feno- menologica, so temas cue fazem parte a da vida cotidiana, rotineira, seja da pro= pria pessoa que faz a anslise, seja das pes- soas envolvides na situagéo analisada, Assim, para car um exemplo pedag6gico, uma professora iniciante poderia analisar sua propria experiéncia ao dar sues pric meiras aulas. Ela procuraria evitar, antes de mais nada, uma descrigio que se imix t2sse a0 significado comumente atribuido a uma situagio como essa, assim como buscaria fugir de uma descrigio demasia- damente dependente ce categorias abs- tratas ou centificas. Ela se centraria, a0 invés disso, na singularidade do significa: do que esse experiéncia tem para ela, Bla buscaria a “esséncia” dessa experiéncia, iio no sentido de ume “esséncia” anterior, pré-existente, mas no sentido de uma “esséncia” que estela para além das cate gorias tanto do senso comum quanto da ciéncia. Além de uma demorada intros- pecgio, a professora, transformaca em analista fenomenol6gica, poderia langar mao dos significades que outras pessoas atribuem a essa situacdo, bem como dos significados com que a situagéo possa ter sido descrita na literatura e na arte, A anilise fenomenologica termina numa escrita fenomenolégica, na qual a analista rreconstitul, atraves da linguagem (sempre uma experiéncia de segunda ordem), a experiéncia vivida por ela ou por outras pessoas envolvidas na situagio. ‘Os temas submetides & andlise ra lite- ratura fenomenologice sobre curriculo parecem quase sempre “banais”, precisa mente porque so retirados da experién- cia banalizada da vida covdiana, Em certo sentide, 0 que a andlise fenomenclégica procura ¢ desbanalizé-los, torné-los, outra -ve2, significativos. Assim, por exempo, um conjunto de textos fenomenolagicos cisamente, “desenvolvimento”. No s gundo, a centralidade do conceito de “desenvolvimento” é deslocada pelo de “revolucéo”. Além disso, os elementos propriamente pedag6gicos do pensamer to de Freire estio ai pouco desenvolvi- dos: metade do livro & dedicada a uma andlise da formasio secial brasileira, Pedagogia do oprimido, por outro lado, difere, em aspectos fundamentals, das ou tras teoriragées que iriam constituir as bases de uma teoria educacional critica (Althusser, Bourdieu © Passeron, Bowles ¢ Ginti). Em primeiro lugar, ciferentemen- te daquolas coorizagées, sua andlise deve muito mais 4 flosofia do que @ sociologla © & economia politica. E verdade que a anilise que Freire faz da formagio social brasilera na primeira parte de Educacde como pritica da fberdade & profundamen- te histbrica e sociolégica Jé a anise que Freire faz do processo de dominacao etn Pedagegia do oprimido esta baseada numa dlalética hegeliara das relagoes enure se- nhor e servo, ampliads e modificada pela leitura do “primeiro Marx’, do marxsmo humanista de Erich Fromm, da fenomeno- logia existenciaista e cristi e de criticos do processo de dominagio colonial (Memmi, Fanon). © foco esti, acui, muito menos na dorinagio come um refiexo das relagSes econémicas @ muito mais na dindmica pro: pria do processo de dorrinacio. Em segundo lugar, as criticas sociolé- gicas da educacio tomam como base a estrutura e © funcionamento da educa- io institucionalizada nos paises desen- volvidos. Esc implicita naandlise de Freire, por sta ver, uma critica 4 escola tradicio- nal, mas sua preocupagio esté voltada para 0 derenvolvimento da educago de adultos em paises sudordinados na ordem mundial. Na verdade, om Pedegogia do oprimido, Freire adia a transformagao da educaggo formal para depois da revelu- io, Pode-se dizer ainda que o5 concel- tos humanistas utlizados por Freire em sua anilize esto claramente ausentes de anilises mais estruturalistas da educacéo. Nio se pode imaginar Althusser ou Bourdieu e Passeron falando, como faz Freire em Pedagogia do oprimido e em Ii ‘ros posteriores, de “amor”, “fé nos ho- mens”, “esperanca” ov “humildade”. Finalmente, a teorizagio de Freire & claramente pedagogica, na medida em que cle nfo se limita ¢ analisar como séoa edu. cago e a pedagogia existentes, mas apre- senta uma tecria bastante elaborada de como eks devem ser. Essas diferencas refletem-se inclusive nos titulos dos res: pectivos livros: enquanto o de Freire res salta 0 cermo “pedagogia", 0 livro de Bowles e Gintis, por exemplo, sugereuma anilise da escola na sociedade capitaliste estadunidense, @ 0 de Baudelot e Establet propoe-se, claramente, a aralisar a “es cola capitalisea na Franga” A critica de Freire ao curriculo exis: tente esta sintetizada no conceito de edueacio banearia". A educagao bancé- rla expressa uma visto epistemologica que concebe 0 conhecimento como sen- do constituido de informagoes e de fatos a serem simplesmente transferidos do professor para o aluno, © conhecimento se confunde com um ato de cepésito — bancirio. Nessa concepgio, © conhed- mento é algo que existe fora e indepen- dentemente das pessoas envolvidas no ato pedagégico. Refletindo aqui a critica mais clentifcista ligada @ “ideologia do de- senvolvimento”, bem como as eriticas & escola tradicional feitas pelos idebiogos da “Escola Nova’, Freire ataca o carter ver- balista, narrativo, dissertativo do curriculo tradicional. Na sua énfase excessiva num verbalismo vazio, oco, 0 conhecimento expresso no curricule tredicional esté profundamente desligado da situacio exis- tencial das pessozs envolvidas no ato de conhecer. Na concepeao bancaria da edue cago, 0 educador exerce sempre um papel ativo, enquanto 0 educando ests l- Imitado a uma recepcio passiva, Através do conceito de “educaao problematizadora”, Freire busca desenvol- yer uma concepcdo que possa se const- uir numa alcernativa 8 concepeao bancéria que ele critica, Na base dessa “educagao problematizadora” esté uma compreen- Ho racicalmente diferente do que si Iifica “conhecer”. Aqui, a perspectiva de Freire ¢ daramente fenomencldgica. Para ‘ele, conhecimento € sempre conheci mento de alguma coisa. Isso significa que filo existe uma separacio entre o ato de 9 conhecer e aquilo que se conhece. Uti+ zando 0 conceito fenomenclégico de "in tengo", 0 conhecimento, para Freire, 6 sempre “intencionado”, isto 6, esta sem= pre dirigido para alguma coisa, © mundo, pois, nao existe a no ser como "mundo para nés”, como mundo para @ nossa consciéncia. Freire esta aqui longe das conceprées pés-estruturalistas recentes que concebem o conhecimen- to como estreitamente relacionado com suas formas de representagio no texto @ no discurso. A representacio implicada ra perspectiva de Freire 6 a do mundo na consciéncia. O ato de conhecer en= volve fundamentalmente o tornar “pre- sente” © mundo para a consciéncia. © ato de conhecer no &, entretanto, para Freire, um ato isolado, individual Conhecer envolve intercomunicacdo, in= tersubjetividade, Essa intorcomunicagao 6 mediada pelos objetos a serem conhe- cidos. Na concepeao de Freire, 6 através dessa intercomunicagio que 0s homens mutuamente se educam, intermediados pelo mundo cognoscivel. E essa incersub- jetividade do conhecimenco que permite a Freire conceber o ato pedegegico como um ato dialégico, A educacio bancéria corna desnecessirio © dialogo, na medida em que apenas © educador exerce algum papel ativo relacivamence a0 conhecimen: to, Se conhecer @ uma questio de depé: sito @ acumulagao de informacBes e fits, 0 educando € concebido em termos de falta, de carénels, de ignorancia, relativa- mente aquelesfatos e aquelasinformacoes. © curriculo © a pedagogia se resummem a0 papel de preenchimento daquela carén cla. Em vez do dislogo, ha aqui uma co muricacio unilateral. Na perspectiva da educagio problematizadora, ao invés dis- 30, todos os sujeitos estio ativamente envolvidos no ato de conhecinrento. O mundo — © abjeto a sar conhecido — indo 6 simplesmente “‘comunicado”; 0 ato pedagbzico no consiste em simplesmen- te “comunicar © mundo”. Em vez disso, educador © educandes eriam, dialogica- mence, um conhecimento do mundo, E sobre essas bases que Freire vel desenvelver seu famoso “Método” Ele no se limita a critcar o curriculo implicito no conceito de “edueagio banciria”. Freire fornece, ji em Pedagogio do oprimido,ins- trugdes deualhadas de como desenvolver tum curricula que seja a expressio de sua concepgao de “educacio problematiza- dora”, E curioso observar que Freire uti liza nesse livro expressoes © conceitos bastante tradicionais, tais como “contei dos” e "conteidos programaticos”, para falar sobre curriculo. Ele esta bem cons- ciente, entretanto, da necessidade do desenvolvimento de um curriculo que esteja de acordo com sua concepeio de educacao e pedagogia. A diferenga relati vamente as perspectivas tradicionais de curriculo esta na forma como se cons: troem esses “contatidos programaticos”” Pode-se comparar, nese aspecto, © meétodo sugerido por Paulo Freire, com 05 métados seguides por modelos mais tradiclonais, como 0 de Tyler, por exen- plo, Tyler sugeria estudos sobre osapren- dizes e sobre a vida ocupacional adulta bem come a opinisio dos especialistas dat diferentes disciplinas como fontes para 0 desenvolvimento de objetives educacio- nais, tudo isso fitrado pela filosofia e pela psicologa ecucacionais. Na perspectiva de Freire, é a propria experiéncia dos edu- candos que se torna 2 fonte primiria de busca dos “tomas significativos” ou “temas geradores” que vdo conscicuir 0 “contet do programitico” do curriculo dos pro- gramas de educacdo de adultos. Freire nao nega © papel dos especialistas que, inter- disciplinarmente, devem organizar esses temas em unidades programaticas, mas 0 "conteddo” & sempre resultado de uma esquisano universo experiencial dos pré- prios educandos, os quais sio também au yamente envolvidos nessa pesquisa Contratiamente 8 representacio que comumente se fez, Paulo Freire concede uma importéncia central, em seu “méto- do”, ao papel tanto dos especialistas nas diversas disciplinas, aos quais eabe, a0 fi- nal, elaborar-os “temas significativos” e fa- zer 0 que ele chama de “codificagio”, quanto aos educadores diretamente en- Volvidos nas atividades pedagégicas. Ao menos em Pedagogia do oprimido, Paulo Freire acradica que © “concetide progra- Inatico da educacao nfo & uma doagio ou imposicic, mas a devolusio organiza- da, sistematizada e acrescentada 20 povo daqueles elementos que este the encre- gou em forma desestruturada". O que ele estaca € @ participaga0 dos educandos nas varias etapas da construgio dese “curriculo progrematico”. Numa opera- Gio Visivelmente curricular, ele fala em escolha do “contetdo programatico”, que dove sor felta om conjunto pelo educa- dor e pelos educandos. Esse contetido rogramatico deve ser buseado, con- junzamente, nequela realidade, naquele mundo que, segundo Freire, constt 6 objeto do conhecimente inversubjedvo, Virmos que @ epistemologia que funda= menta a perspectiva curricular de Freire esti centrada numa visio fenomenolégh a do ato de conhecer como “conscién- a de alguma coisa”. E essa consclénela, que inclui a consciancia no apenas dis coisas € das proprias atvidades, mas tam= bém a consciéncia de si mesmo, que distingue © ser humano dos animais, igualmente certral 4 sua epistemologia, enuretanto, aquilo que ele chama de “con- ceito antropolégieo de cultura”, lsto sig- nifica entender a cultura, em oposicéo & natareza, como criagio © produsio hu- mana. Nessa concepcao de cultura, nfo s0 faz uma distingSo entre culcura erudt ta e cultura popular, entre “alta” e “bal- va" culwra. A cultura no é definida por qualquer critério estético ou filoséfico. A cultura é simplesmente 0 resultado de qualquer tratalho humano. Nesse senti- do, faz mais sentido falar néo em “cultu- ra, mas em “culturas” O desenvolvimento dessa nocto de cultura tem importances implicagBes cur riculares. Embora Freire ndo desenvolva esse tema, o curricula tradicional — humanista. cléssico — que dominou a educagao dos grupos dominantes por um longo tempo, esté baseado precisamen- te numa definicao da cultura como 0 conjunto das obras de “exceléncia” pro- duzi literatura, da misica, do teatro. Mesmo que implicitamente, essa critica do con- coito de cultura permite a Paulo Freire desenvolver ura perspectiva curricular que. antecipando:se 4 influéncia poste- rior dos Estudos Culeurais, apaga as fron- teiras entre cultura erudica e cultura popullar. Essa ampliac3o do que constitui cultura permite que se veja a chamada “euleura popular” como um conhecimen- to que legitimamente deve fazer parte do curriculo. Se Paulo Freire se antecipou, de certa forma, a definigéo cultural do curriculo queria caracterizar depois. influéncia dos Estudos Culturais sobre os estudos cur- riculares, pode-se dizer tambem que ele inicia 0 que se poderia chamar, no pre sente contexto, de uma pedagogia pos- colonialista ou, quem sabe, de uma perspectiva pés-colonialista sobre curri- culo. Como se sabe, a perspectiva pos- colonialista, desenvolvida sobretudo nos estudos literdrios, busca problematizar as relacdes de poder entre os paises que, na situagdo anterior, eram colonizadores e aqueles que eram colonizados. Essa les no campo das artes visuals, da perspectiva procura privilegiar a perspec: tiva epistemolégica dos povos cominados, sobretude da forma como se manifesta em sua literatura. Ao se concentrar na perspectiva de grupos dominados em paises da América Latina e, mais tarde, nos paises que se tornavam indspendentes do dominio portugués, Paulo Freire anteci- pa, ra pedagoga e no curriculo, alguns dot temas que iriam, depois, se cornar centrais 4 teor'a pds-colonialista. A perspectiva de Freire era, ja em Pedogogia do oprimido, la- ramente pés-colonialista, sobretudo em sua insisténca no posicionamento episte- mologicamente privilegiado dos grupos dominados: por estarem em posicic do: minada na estrutura que divide a socieda. de entre dominantes e dominados, esses grupos tinham um conhecimento da do- minagio que os grupos dominantes nto podiam ter, Numa era em que o tema do “‘multiculturalismo” ganha tanta centralida- de, essa dimensio da obra de Paulo Freire pode talver servir de inspiracio para o de- senvolvimen:o de um curticulo pés-colo- rilista que responda as novas condcoes de dominagio que caracterzam 2 “nova cordem mundial” © predominio de Paulo Freire no cam po ecucacional brasileiro seria contesta~ do, no inicio dos anos 80, pela chamada 2 * pedagogia histérico-critica’' ou “pedago- fa critico-social dos conteudos”, desen- volvida por Dermeval Saviani. Tal como Freire, Saviani nfo pretenda estar elabo- rando propriamente uma teoria do cur- riculo, mas sua teorizacio focaliza quostdos que pertencem logitimamente 20 campo dos estudos curriculares. Em oposigfo a Paulo Freire, Saviani faz uma nitida separacao entre educacio e politi ‘a, Para ele, uma pratica educacional que do consiga se dstinguir da politica pe de sua especificidade. A educagio torna- se politica apenas na medida em que ela pormite que as classes suborcinadas so apropriem do conhecimento que ela transmite como um instrumento cultu- ral que seré utilizado na luta politica mais ampla. Assim, para Saviani, a tarefade uma pecagogia critica consiste em transmitir aqueles conhecimentes universais que Sto considerados como patriménio da humanidade ¢ no dos grupos sociais que deles se apropriaram, Saviani critica tan- to as pedagogias ativas mais iberais quan- 0 a pedagogia libertadora freireana por enfatizarem nao a aquisigio do conhaci- mento mas os metodos de sta aquisicao. Ha, na ceorizagao de Saviani, uma evi- dente ligacio entre conhecimento e po- der, Essa ligacdo limica-se, entretanto, a 63 ‘enfatizar © papel do conhecimento na aquisicio e fortalecimento do poder das classes subordinadas. Neste sentido, a pedagogia de Saviani aparece como dni <2, dentre as pedagogias criticas, a deixar de ver qualquer conexao intrinseca en- tre conhecimento e poder. Para Saviani, © conhecimento 6 0 outro do poder, A andlise de Saviani nfo se alinha nem mes- mo com as anélises marxistas, dominan- tes na época, que enfatizavam o cardter necessariamente distorcido — ideolégico — do conhecimento, de modo geral, @ do conhecimento escolar, de modo par- ticular. Ne contexto das teorias pés- estruturalistas mais recentes. que assinalam, seguindo Foucault, um nexo necessério entre saber e poder, a teori- zagio curricular de Saviani parece visivelmente deslocada. No limite, exce- tuando-se uma evidente intenso criti= a. é dificil ver como a teoria curricular da chamada “pedagogia dos contetidos” possa se distinguir de teorias mais cradi- Cionais do curriculo. Na sua oposigtio & pecagogia libertadora freireana, ela cum priu, entretanto, um importante papel nos debates no interior do campo erie tico do curriculo, Embora sua influéncia tenha, ultimamente, diminuido, ela con nua, inegavelmente, importante. Leituras FREIRE, Paulo. Ado cuturel para a liberdade. Ro: Par e Terra, 1976. FREIRE, Paulo, Educa;do camo pretica da berdage Rio: Par e Terra, 1967, FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimico, Rio: Paze Ter- +, 1970. GADOTT|, Moacir.Paub Frere, Une bobibiografo S40 Paulo: Cortea/lnesieuto Paulo Freire, 1996 MORERA, Antania Flavia B. Curriuls © programas 10 Brosh. Campinas: Papirus, 1990. SAMIANI, Dermeval.Escale e democrecle. Sie Paulo: CorteziAutores Associados, 1983, 64 O curriculo como construcao social: a “nova sociologia da educagao” A critica do curriculo na Inglaterra, di- ferentemente do que ocorria nos Estados Unidos, dava-se a partir da sociologia. O livro Knowledge end control, publicado em 1971, marca o inicio dessa critica, através daquilo que passaria a ser conhecido como "Nova Sociologia da Educacio” (NSE), Este livro, organizado por Michael Young, que seria, reconhecidamente, o lider desse “movimento”, reunia, além de um ersaio do préprio Michael Young, easaios excri- 10s por Pierre Bourdieu Basil Bernstein, bom como enssios de outros autores, vi- tos deles ligados ao Instituto de Educacéo da Universidade de Londres, Se nos Estados Unides a critica tinha como referénca as perspectivas tradicio- nais sobre curriculo, na Inghtterra a re- feréncia era 2 “antiga” sociologia da éducacie. Essa sociologia segula uma tra- dicio de pesquisa empirica sobre os re- sultados desiguais produzidos pelo sistema educacional, preccupando-se, sobretudo, com 0 fracasso escolar das criangas € jo- vers da classe operdria. Por sua énfase eimpirica e estatiscica, essa sociologia era 6s chamada, pelos criticos, de “aritmética”. A principal critica que a NSE fazia a essa so- ciologia aritmética era que ela se concen tava nas variaveis de entrada (classe social, tenda, situacio familiar) e nas vardveis de salda (resukades dos testes escolares, su cesso ou fracasso escolar), deixande de problematizar 0 que ocorria entre esses dois pontos. Mais particularmente, a an- tige sociologia nao questionava a natureza do conhecimento escolar ou © papel do préprio curriculo na producio daquelas desigualdades. O curriculo tradicional era simplesmence tomado como dado e, por- tanio, como impiicitamente aceitavel. O que importava era saber se as criancas e jovens eram bem-sucedidos ou nao nes- se curriculo, Nos termos da NSE, a preo- cupacao era com 0 processamento de pessoas € nfo com © processamento do conhecimento, ANSE, entretanto, implicitamente tam= bém desaflava uma outra tradicio do pen= samento educacional britinico, aquela represencada pela filosofia educacional analtica de autores como P. H. Hirst © R.S Peters. Esses autores defendiam uma posigio basicamente racionalista do cur riculo, argumentando em favor de um eurriculo que estivesse centrado no de- senvolvimento do pensamento concel- ual, Para essa finalidade, 0 curriculo deveria se centrar em “formas de com- preensio" que, embora nio fossem defi- nidas exatamente em termos das disciplinas académicas, coincidiam, em grande parte, com elas. A perspectiva de Hirst e Peters centrava-se num conheci- mento universalista, conceptual e abstra- to, Ao enfatizar o cardter arbitranio daquilo {que passa por conhecimente, 2 NSE colo- cava em questio também essa conceprdo filosdfica da educagio ¢ do curriculo. © programa da NSE, tal como for- mulado por Michael Young, na introdu- ‘lo ao livroKnowledge and control, comava como ponto de partida o desenvolvimen- to de uma sociologia do conhecimento. A arefa de uma sociologia do conheci- mento, nessa visio, consistiria em desta- car o carter socialmente construido des formas de consciéncia e de conhecimen- to, bam como suas estreitas relacées com estruturas sociais, institucionais & ‘eccnémicas, Nesse sentido, no quadro teorico tracado por Young, a sociologia do conhecimenco escolar praticerente coincidiria com a sociologia mais geral do conhecimento. ‘A tarefa mais imediata de Knowledge and contro! consistia, entretanto, em deli near as bases de uma "sociologis do cur- riculo". Young critica na introducio. 4 tendéncia a se tomar como dadas, como naturais, as categorias curriculares, peda- gogicas e avaliatvas utilizadas pela ceoria ‘educacional e pelos educadores, A tarefa de uma sociologia do curriculo consist ria precisamente om colocar ossas cate- gorias em questo, em desnaturaliza-las, em’ mostrar seu carster histérico, social, contingente. arbitrério. Diferentemente de uma filosofia do curriculo centraca em questées puramente epistemologicas, a questio, pata a NSE, nao consiste em sa- ber qual conhecimento ¢ verdadeiro ou falso, mas em saber 0 que conta come conhecimento, Em contraste com a ps- cologia da aprendizagem, a NSE tampou- co esta preocupada em saber como so aprende. Como argumenta Schaffer, ci tad por Young, 2 “questio de saber como as criangas aprender matemazica pressupde respostas & questo prévia de quais so as bases sociais daquele con- junto de significados que sio designados 66 pelo cermo ‘mavemdtica’.” Ao contrario de perspectivas critieas mais propriamente pedagogicas sobre o curriculo, a NSE tam- pouco se preccupari em elaborar propos- tas alternativas de curriculo. Seu programa esti contrado na eritica soctolégica e his- térica dos curriculos existentes. ANSE, no breve programa tracado por Young na introduce ao livro Know: ledge and control, deveria comecar por ver © conhecimento escolar e © curriculo existentes como invengées sotizis, como © resultado de um proceso envolvendo conflitos ¢ disputas em torno de quais conhecimentos deviam fazer parte do curricuto, Fla deveria perguntar como essa disciplina e nao outra acabou entran- do no curriculo, como esse tépico ¢ rifo outro, por que essa forma de organiza Glo © no outra, quais os valores © of interesses sociais envolvidos nesse pro- ‘cess0 seletivo. De forma mais geral ¢ abs. trata, a NSE busca investigar as conexées entre, de um lado, os principios de sele- ho, organizacdo e distribuicio do co- nhecimento escolar €, de outro, os principios de distribuicio dos recursos econdmicos € sociais mais amplos. Em suma, a questio bisicz da NSE ora a das cconexdes entre curriculo e poder, entre on a orgentzagao do conhecimento € a dis- tnibuigio de poder. As perspectivas apresentadas polos di- ferentes autores reunidos em Knowledge ‘and control estavam longe de serem hoe ‘mogéneas, Enquarto 2s contribulgoes do préprio Young, de Bourdieu e Bernstein eram claramente estruturalistas, os ensak os de Geoffrey Esland © Nell Keddie ins- piravam-se, sobretudo, na fenomenologia sociolégica eno interacionismo simb&- lico. Essa divisio iia se resolver, posteri- ormente, em favor da vertente mais estruturalista que se torneria, alls, cres centemente neomarxista, A perspectl- va derivada da fenomenologia e do interacionismo simbélico iria perder im- portancia e visiblidade, embora continu asse presente como, por exemplo, no trabalho, inspirado no interacionismo sim- bélico, de Peter Woods. Young demonstra, em seu préprio ensaio, como se poderia desenvolver uma sociologia do curriculo inspirada nas con cepcdes de Marx, Weber e Durkheim, Embora ressake, na introdugéo ao livro, as conexées entre os principios de di iribuigio de poder e as varias fases do proceso de construgio curricular (sel 20, organizagio, distribuigao, avallagto), Young concentra-se nas formas de orga- nizagdo do curriculo. A questio, para Young, consiste em analisar quais os prinelpios da estratificacao © de integra- Go que governam a organizagio do cur- rieule, Por que se stribui mais prestigio a certas disciplinas do que a outras? Por que alguns curricules sfo carecterizados por uma rigida separacdo encre as diver sas disciplinas enquanto outros permitem uma maior integracdo! Quals sio 2s rela- oes encre esses principios de orgeniza- gio @ principics de poder? Quais inveresses de classe, profissionais e insti tucionais estio envolvides nessas ciferen- tes formas de estruturacao e organizacéo? Mexer nessa organizagio significa mexer com o poder. E essa estreita relacdo en- re organizagio curricular © poder que faz com que qualquer mudanca. curricular implique ura mucanga também nes prin cipios de poder, Em contraste com essa anilise estrue tural de Young, os ensaios de Geoffrey Esland e Nell Keddie adotam uma postu- ra mais fenomenclogica. De acordo com a eradigio fenomenolégica, Esland ataca a visao objetivista do conhecmento que esti pressuposta nas perspectivas tradicionais sobre curriculo. Para a perspectiva objetivista, ma qual se baseia a divistio do curriculo em matérias ou dscipliras, 0 co- nhecimento esta organizado em “zonas” que correspondem a tipos diferentes de objetos que teriam existéncia indepen- dente dos individuos cognoscentes, Nz analise fenomenologica de Esland, essz visio gnora a “intencionalidade ¢ a ex- pressividade da aco humana € todo 0 complexo proceso de negociagio inter subjetiva dos significados; ela disfarce come dado um mundo que tem que ser continuamente interprecado” Esland desenvolve 0 argumento de que © curriculo nie pode ser soparado do ensino e da avaliacdo. Fundamentan- do-se na sociologia fenomenoldgica de Mead, Schurz e Luckmann, Esland con: cenura-se na forma como 9 conhecimen- to € construide intersubjetivamente na interagao entre professor e alunos na sala de aula. Tal como ccarre em outros lo- cals, a “realidade” € constituica daqueles signifieados que sio intersubjetivamence construidos na interagio social. E por isso que uma pessoa de “fora” sente-se como um estrangeiro. Assim, na situagio edu- cacional, qualquer mudanga curricular “objetiva” deve passar por esse processo de incerpreagao © negociagie em torne a dos signifieados om que estio envolvidos professores e alunos ra sala de aula, E na descrigao © explicagdo desse conhecimen- to intersubjetivo que, na opiniso ée Esland, deveria se concentrar uma sociologia do curriculo, Embora Esland destaque 2 im- portincia de se aralisar as visGes subjeti- vas tanto dos professores quanto dos alunos, ele se concentra, nese ensaio, no conhecimento dos professores. O proble- Ima para ele consiste em tentar compre- tndor quais fo as perspectives, entendidas Aqui como “visdes de mundo”, que os pro- fessores trazem para a sala de aula, bem como aquelas que eles ai desenvolvem. Dentre os estudos aqui mencionados, ‘9 de Nell Keddie © tinico que tem uma base empirica. A partir de uma perspectiva fenomenolégica, Keddie argumenta que ¢onhecimento prévio que os professores 1m dos alunos determina a forma coma les irfo trati-los. A capacidade intelectual dos alunos tal como avaliaca pelos profes- sores acaba sendo determinada pala tipfi cacao que os professores fazem deles. Essa tipficacio @ determinada, em grande parte, pela classe social dos alunos. Em sua pes- quise, Keddie chegs a conclusdes similares iquelas cue foram desenvolvidas pelas cha- madas “teorias da rowlhséo”. “7 Embora # NSE nio estivesse preocu- pada em desenvolver as implicagées: pa dagégicas de seu programa socioldgico, essas implicacées sio, entratanto, evidens tes. Em primeiro lugar, uma perspectiva curricular inspirada pelo programa da NSE buscaria construir um curriculo que refletisse 2s tradicSes culturals © apiste- mologicas dos grupos subordinados e nia apenas dos grupos dominentes. Da mes ma forma, procuraria desafiar as formas de extratificacio e atribuigio de prestigio exstentes, como, por exemplo, a que di- Vide as ciéncas e as artes, Além disso, um) curriculo que se fundamentasse nos prin- ciplos da NSE deveria cransferir esses principios para o seu interior, isto 6 a perspecuiva episcemolégica central do conhecimente envolvido no curriculo deveria ser, ela propria, baseada na idéia de “construcio social”, O pirestigio e a influéncia da NSE, que tinham sido excepcionalmente grandes até © inicio da década de oitenta, dimi- nulu bastante a partir dai, Por um lado, 0 programa mais “forte” de uma “pura” sociologia do curriculo cedeu lugar a pers- pectivas mais ecléticas que misturavam ‘anilises sociokogicas com teorizacSes mais propriamente pedagdgicas. Por outro, a eorizagio critica da educagéo que nesse momento se concentrava em torno da NSE iria se dissolver numa variedade de perspectives araliticas e te6ricas: feminis- mo; estudos sobre género, raga © etnias estudos culturais: pés-modernismo: pés- estruturalismo. Além disso, o contexto social de reforma educacional e de demo- cratizagao da educagio que sinha consti- tuido a inspiracgic da NSE transformava-se radicalmente, com o triunfo das politicas neolibersis de Ronald Reagan, nos Estados, Unidos, @ de Margareth Thazcher, na in- glaterra. Na verdado, até mesmo o princi- pal tedrico da NSE, Michael Young, abandonava gradualmente suas pretenses sociologicas anteriores para adotar uma posicio cada vex rais técnica @ burocriti- ‘aa A idéia inicial da NSE, representada na nogéo de “construgie social”, continua, enzretanto, atual ¢ importante. Ela encon- tra continuidade, por exomplo, nas antl ses do curriculo que hoje si feitas com inspiragio nes Estudos Culturais ¢ no Pos: estruturalismo, Leituras FORQUIN, Jean-Claude, Escola # cutura. As beses sucals e epiterolices do conhecimenteescdlar. Porro Alegre: Artes Médicas, 1993. KEDDIE, Nel, “O saber na sala de aus” In Sérgio Gricio.e Stephon Stoer (orgs. Sociologia de ede apd. ILA constr sci das prétcas educa. Lisboa: Horzonte, 1982: p205-244. MOREIRA, Antonio Flivio B. “Sociologia do curri- culo. rigens, dasenvolvimanto © ente, irreverente, profana, desrespeltosa. lor O fim das metanarrativas: 0 pés-modernismo © chamado pos-modernismo é um movimento intalectual que proclama que estamos vivendo uma nova época hist6- riea, a Pés-Modernidade, radicalmente diference ca anterior, a Modernidade, pés-modernismo nie representa, entre- tanto, uma teoria coerente unificaca, mas um conjunto variado de perspecti- vas, abrangendo uma diversidade de cam pos intelectuais, politicos, estéticos, epistemolégicos. Em termos sociais e politicos, 0 pés-modernismo toma como referéncia uma oposigao ou transigfo entre, de um lado, a Modernidade, inicia- da com a Renaseanga e consolidads com © lluminismo e, de outro, a Pés-Moder- rridade, iniciada em algum porto da meta- de do século XX. Em termos estéticos, a referéncia reletivamente & qual o pés- medernismo se define ¢ 0 movimento modernista, iniciado em meados do sé- allo XIX de reagdo 8s regras e a0s cino- nes do clessicismo ra literatura enasartes, Na sua vertente soci , politica, filos fica, epistemolgica, 0 pds+modernismo questiona os principios e pressupostos do pensamento social e politico estabe- lecidos e desenvolvides a partir do lu- minismo, As idéizs de razio, cléncia, racionalidade © progresso constante que estio no centro desse pensamento esto indissoluvelmente ligadas 20 tipo de so- ciedade que se desenvolveu nos séculos seguintes, De uma certa perspectiva pi modernista, sio precisamente essas idéias que estdo na raiz dos problemas que as- solam nossa época. Em termos estéticos, © pos-modernismo ataca as nogoes de pureza, abstracio e funcionalidade que caracterizaram 0 modernismo na litera- ‘ura € nas artes. Por efetuar uma reviravolta nas no- Ses epistemologicas da Modernidace & ‘dhs idéias que a acompanham, 0 pés-mo- dernisma tem importantes implicagdes ‘curriculares. Nossas nodes de ecucasao, pedagogia e curriculo estio solidamente fincadas na Modernidade © nas idéias modernas. A educacéo tal como a conhe- cemos hoje & instituigo moderna por exceléncia. Seu objetivo consiste em transmitir © conhecimento cientiico, em formar um ser humano supostamence racional a auténomo e em moldar 0 cida- dio © a cidadé da moderna democracia representativa & através desse sujeito racional, autonome e democratico que sé pode chegar a0 ideal moderna de uma sociedade racional, progressista e demo- critica, Neste sentido, © questionamer- to pos-modernista constitui um ataque & propria idéia de educagéo. Mas quais #80 0s pontos centrais do questionamento que © p6s-modernismo faz &s nogBes modernas? © pés:moder- nismo tem uma descontianca profunda, antes de mais nada, relativamente as pretensées totalizantes de saber do per- samento moderno. Na sua énsia de ordem ¢ controle, 2 perspectiva social moderna busca claborar teorias e explicagBes que sojam as mais abrangentes possiveis, que retinam num Gnico sistema @ compreen- sia total da estrutura e do funcionamento do universo e do mundo social. No jargio potmodeme, © pensamento moderno & particularmente adepto das “grandes nar- rativas", das “narratvas mestras”. As “gran- des narrativas” sfo a expressdo da vontade de dominio controle dos modernos. De forms rehcionsda, © pés-moder- nismo questiona as nocoes de razao e de raciondlidade que so fundamentais para a perspectiva iluminista da Modernidade. Para a critica pos-moderna, essas nogbes, a0 invés de levar a0 estabelecimento da socledade perfetta do sonho iluminista, lovaram ac pesadelo de uma sociacade totalitaria e burocraticamente organizada. Na histéria da Modernidade, em nome da razio € da racionalidade, frequentemen= te se instituiram sisternas brutais € crutis de opressio e exploracio, Tanto as es- wruturas estatais quanto as estruturas organizacionais das empresas capitalistas, supostamente construidas e gericas de acordo com os critérios da razio e da racionalidade, produzem apenas sofrimen= 0 9 infelicidade. Visto da perspectiva pés- modernista, 0 passivo da idéia de razio é em maior do que sou ativo. © pés-moderrismo também coloca em divida a nogio de progresso que est ro préprio centro da concepgic moder- ra de Sociedade. © prestiglo dessa nogio pode ser medido pelo prestigo do adjeti- vo correspondente: “progressista”. Para o pés-modemisme, entretanto, © progres- ‘50 nfo & algo necessariamente desejével ou benigno. Outra vez, sob 0 signo do con- trole @ do dominio sobre a natureza e 0 outro, 0 avango constante da ciéncia e da i tecnologia, apesar dos evidentes benefi- ios, tem resultado, também, em certos subprodutos claramente indesejiveis. Filosoficamente, © pensamento mo- derno ¢ estreitamente dependente de corto: principios considerados funda- mentais, Litimos e irredutiveis. Em geral, esses principios so basciam nalguma no- do humanista de que o ser humane tem certas caracteristicas essenciais, as quais devem servir de base para a construcéo da sociedade. Eles constituem absolutos — axiomas inquestioniveis. No jargdo pos-modernista, por se basear nessas “fundacSes", o pensamento moderno é qualificado como “fundacional”. Do pon- to de vista do pos-modernismo, entre- tanto, nfo hi nada que jusfique privilegiar esses principios em detrimento de ou- tros, Embora sejam considerados como times e transcendentais, oles stio tio contingentes, arditrarios e histéricos quanto quaiscuer outros. OQ pés-modor- nismo € radicalmente antifundacional. © pos-modernismo reserva um de seus mai racional, Ivre, autonomo, centrado e so- berano da Medernidade, Esse sujeito 8 0 correlativo do privilégio concedido pela Modernidade ac dominio ca razio ¢ da fulminantas ataques 20 sujeito racioralidade, No quadro epistemolégico tracado pelo pensamento modern, 0 sujeito esté soberanamente no controle de suas ages: ele é um agente livre @ aus ténome. © sujeito moderne & guiado Uunicameente por sun razo e por sua raclo- nalidade. O sujeito moderno é fundamen- talmente centrade: ele esti no centro da agio social © sua consciéncia € 0 centro de suas préprias agées. O sujeito da Mo- dernidade € unitarior sua consciéncia nao admite divisées ou contradicdes. Além dis: 50, seguindo Descartes, ele € identitario: sua existéncia coincide com seu pensa- mento, Aproveitando-se de varias andl ses socials contempordneas, entre elas a psicanilise € 0 pés-estruturalismo, todas elas desconfiadas do sujeito moderno, 0 pés-modernismo coloca em diivida sua autonomia, seu centramento ¢ sua sobe- rania. Para 0 pés-modernismo, seguindo Freud e Lacan, 0 sujeito néo converge para um centro, supostamente coine dente com sua consciéncia. Além disso, © sujeito & fundamentalmente fragmentar do e dividido. Para a perspectiva pés-mo- dernista, nisso inspirada nos insights pés-estruturalistas, 0 sujeito nio 6 0 centro da agao social, Ele nao pensa, fala © produz: ele é ponsado, falado e produzide, us He é cirigido 2 partir do exterior: pelas estruturas, pelas instituigdes, pelo discur~ $0, Enfim, para o pés-modernismo, © su- Jelto moderno é uma fiecio. © pés-modernismo nao se limita, en tretanto, a atacar os fundamentos do Pensamento moderno, Inspirado por sua vertente astética, © pos-modernismo tom lum estilo que em tudo se contrapée a linearidade © & aridez do pensamento moderno, © pés-modernismo privilegia © pastiche, a colagem, a parédia ea ironia; ele nic rejeita simplesmente aquilo que critica: ele, ambiguz € irenicamente, imi- ta. incerpora, inclui. © pds-modernismo ‘do apenas tolere, mas privilegia a mistu- 1a, 0 hibridismo e a mesticagem — de cule turas, de estilos, de modos de vida, O pos-medernismo prefere o local ¢ 0 con- tingente ao universal eao abstrato. O pos- modernismo inclina-se para a incerteza ¢ a divida, desconfiando profundamente da certeza ¢ das afirmagées categéricas. No luger das grandes narrativas e do “objeti- vismo” do pensamento moderne, © pos modernismo prefere o “subjetivismo” das interpretagdes partials e localizadas, O pos-modernismo rejeita distingBes cate- goricas e absolutas como a que o moder- rismo faz entre “alta” © “baixa” cultura, No pés-modernismo, dissolvem-se tam= bem as rigidas distingoes enire diferen- tes gineros: entre filosofia e literatura, entre ficgio e documentirio, entre tex- tos literdrios e textos argumentativos. Mesmo que nfo se aceitem certos ale. mentos da perspectiva pés-moderna, nao 6 dificil verificar que a cena social ¢ cultu- ral contemporgnea apresenta muites das caracteristicas que séo descrites na lte- ratura pés-moderna. Sobretudo, os “no- yos” meios de comunicacio e informasso parecem corporificar muitos dos elemen- tos que sdo, nessa literature, descricos come pés-modernos: fragmentacao, hi- bridismo, mistura de generos, pastiche, colagem, iron, Pode-se, inclusive, cbser- var a emergéncia de uma identidade que se poderia chamar de pés-mederna: des- ccentrada, mulkipla, fragmentada, As insti- tuigdes © os regimes politicos que tradicionalmente encarnaram os idea's modernos do progresso € ca democraca parecem crescentemente desacreditados, A saturagio ca base de conhecimentos de informagdes disponiveis parece ter contribuido para solapar os sdlidos crieé- rios nos quais se baseava 2 autoridade ea legitimidade da epistemotogia oficial. A ciéneia ea tecnologia j& n’o encontram com si prépries a justiieagio de que antes goravam, O cenario € claramente de in- certeza, duvida e indeterminagio. A cena contemporanea & — em termos polliti- cos, sociais, culturais, epistemoldgicos — nitidamente descentrada, ou seja, pés- moderna. Nesse contexto, parece haver uma incompatibilidade entre 0 curriculo exis- vente © 0 pds-moderno. © curriculo existente é a propria encarnacio das ca- racteristicas modernas. Ele ¢ linear, se- qiiencial, estitico, Sua epistemologia realista e objetivisa. Ele € disciplinar e seg- mentado, O curriculo existente esta ba- seado numa separacao rigida entre “alta” cultura e “baba” cultura, entre conheci mento clertifico conhecimento coudia- ro. Ele segue fielmente o script cas grandes narrativas da ciéncia, do trabalho capitals- ta ¢ do estado-nagio. No centro do curri- culo existente esta o sujeito racional, centrado e auténomo da Modernidade. Da perspectiva pés-moderna, 0 proble- ma nao & apenas o curriculo existente; € a propria teoria critica do curriculo que & colocada sob suspeita. A teorizagio critica da educagio do eurriculo segue, em li rnhas gerais. cs principics da grande narra- tiva da Modernidade. A teorizagao critica €ainda dependente do universalisme, do essencialismo e do fundacionalismo do persamento moderno. A teorizaglo «ft tica do curriculo nfo existiria sem © pres- suposto de um sujeito que, através de um curriculo eritico, se tornaria, fnalmente emancipado e libertado. © pos-moder- rismo desconfia profundamente dos im: pulsos emancipadores e libertadores da pedagogia critica, Em dlkima anilise, na origem desses impulsos esté a mesma vontade de dominio e controle da epis: temclogia moderna. A pedagogia tradi- cional © a pedagogia critica acabam convergindo em uma genealogia moder- © pés-modemismo empurra a pers- pectiva critica do curricule para os seus limites. Ela & desalojada de sua conforth- val posicio de vanguarda e colocada numa incémoda defensiva, O pos-modernismo, de certa forma, constitui uma radicaliza- @o dos cuestionamentos langades as for mas dominantes de conhecimento pela pedagogia critica, Em sua critica ¢o currle culo existente, a pedagogia critica nio deixava de supor um cenério em que ain: da reinava uma corta cortez, Com sua énfase na emancipacio e na libertagto, a pedagogia critica continueva apegada a um certo fundacioralisme. © pés-medernis- mo acaba com qualquer vanguardismo, qualquer certeza e qualquer pretensio de emancipacio. O pés-medernismo assinala o fim da pedagogia critica e 0 comeco da” pedagogia pés-cri Leituras MOREIRA, Antonio Flavio B Currieulo, utopia @ pdsmodernidade. In Antonio F. 8. Moreira (org) Curricule: quastdes atvats. Campinas: Popirus, 1997: p.9-28 SILVA, Tomaz T. da. (org). Teoria educaciona rca ‘em tempos peismedernas. Porto Alegre: Artes Médicas. 1993, SILVA, Tomaz T. da Ideriddes terminais.PetrSpolis Vores, 1996. 6 A critica p6és-estruturalista do curriculo Embora, em geral, tenha como refe- rrancia autoras e autores franceses, 0 pés- estruturalismo, como categoria descritiva, foi, provavelmente, inventado na univer. sidade estadunidense, Trata-se de uma categoria bastante ambigua indefinida, servindo para classificer urn nimero sem- pre varidvel de autores © autoras, bem como uma série também variivel de te- las e perspectvas. A lista invariavelmen- te incl, é verdade, Foucault e Derrida. A partir dal, ewtrecanto, hi pouca unanimi- dade, cada anulista fazendo a sua prépria lista que pode incluir Deleuze, Guaceari, Kristeva, Lacan, entre outros. E igualmen. te-varidvel a genealogia que the 6 atribuids: algumas andises tomam como refaréncia © préprio estrucuralismo, principamente Saussure; outras preferem remoter sua génese a Nietzche e Heiddeger. Neste ul- timo caso, 0 pés-estruturalismo, além de una reagéo a0 estruturalismo, constitu se numa rejelgao da dialética — tanto a hhegeliana quanto 2 marsista. © pés-estruturalisme é freqlisntemer- te confundido com 0 pés-modernismo. Ha anilises que simplesmente néo fazem qualquer distincio entre os dois, Embo: ra partilhem certos elementos, como, por exemplo, a critica do sujeito centrado @ auténome do modernismo ¢ do hu manismo, 0 pés-estruturalismo e 0 pos: modernismo pertencem a campos epistemoldgicos diferentes. Diferenten- temente do pés-estruturalismo, © pos: modernismo define-se relativamente a uma mudanga de época. Além disso, en- quanto o pés-estruturalismo limita-se & teorizar sobre a linguagem e 0 processo de signifcacto, 0 pés-modernismo abran- ge um campo bem mais extenso de obje- tos © preocupacées. Talvez a forma mais Util de caracterizar essas distingdes sela pensar nos termos aos quais se referem 08 dois “pos”, isto é, modernismo € estruturalismo, Na medida em que 0 termo “modernism”, que constitul a refer réncia de "pés-modernismo”, remete as caracteristicas de toda uma época, ole & muito mais abrangente que “estruturalis mo", que se refere de forma muito par- ticular a um género de teorizacio social, © interessante & que embora muitas ur pessoas confuncam pés-modernismo e pos-estruturalismo, poucas pessoas con- fundiriam modornismo © estruturalismo. O pés-estruturalismo define-se como uma continuidade e, a0 mesmo tempo, como uma transformagao relativamence 20 estruturalismo. Como se sabe, 0 es- truturalismo foi o movimento teérico que, com base no estruturallsmo linglistico de Ferdinand de Saussure, dominou a cena intelectual nos anos 50 ¢ 60. Esse movi- mento atravessou campos tho diversos quanto a Lingbistica, a Teoria Literaria, a Antropologia, a Filosofia ¢ a Psicandlise Entre suas figuras mais destacacas encon- travam-se Roman jakobson, Claude Lévi- Strauss e Louis Althusser, bem como, em suas respectivas primeiras fases, Roland Barthes e 0 préprio Michel Foucault. Uma ‘aricatura publicada na revista La quinzoF ine itéraire, em 1967, intitulada “A refei- fo dos estruturalistas”, reflete bem a visibilidade dessas figuras. Nola, Foucault, Lacan, Lévi-Strauss e Barthes sao retrata- dos acocorados, vestidos de tangas, em volta de uma fogueira, no meio da selva, numa animada conversa tribal Na sua concepgio mais goral, o ostru- turalismo se define, obviamente, por pri- vilegiar a nogio de estrutura, Na anilise teérica estruturalista, a estrutura é um caracteristica nfo dos elementos indivi duais de um fenémeno ou “objeto”, mi cas relagdes entre aqueles elementos. estrutura, tal como na arte da constr Go. & precisamente aquilo que mantém, de forma subjacente, os elementos indi viduais no lugar, 6 aquilo que faz com qua. © conjunto se sustence. © estruturalise ‘mo parte das investigaeSes linguisticas de Saussure que enfatizavam as regras de fore rmagdio estrutural da linguagom. & fundae mental em sua concepgio de linguazem a oposicéo entre lingua (langue) © fala (pax role). A lingua é 0 sistema abstrato de um nimero bastante limitado de regras sine taticas @ gramaticais qua determina quals combinagSes © permutagées sio validas em qualquer lingua particular. A lingua & a estructura. A fala é a utllizacio concre= ‘2, pelos falantes de uma lingua particu lar, dese conjunto limitado de regras, Saussure estava particularmente interes: sado ngo no estudo da fala mas no estus do da lingua. Essa distingio entre lingua e fala se tornaria fundamental nas anilises que, em campos como a Antropologia ¢ a Teoria Literéria, iriam, mais tarde, se inspirar no. estruturalismo linguistico de Saussure, Assim, por exemplo, essa distingdo en- contra um paralelo na andlise que Lévi- Scrauss faz dos mites, Para Lévi-Strauss, a earacteristica impressionante dos mitos € que eles aparecem sob uma imensa va- riedade, mas obedecem todos a um es- quema bésico. Superficialmente eles sio variados, mas se examinados na sura pro- fundeza, na sua estrutura, eles se redu- zem a. uma mesma férmula. Encontramos uma operagio seme- Ihante nas anslises que Roman Jakobson fez da narrativa literdria ou nas anilises mais recentes da narrativa filmica. Num livro intitulado Sixguns and society, Will Wright, por exemplo, anaiisa o género western do cinema de Hopwood. Wright identifica no western clissico dezesseis funcOes narrativas que vao se desenvol- vendo a0 longo da histéria, Como ilus- tragdo, eis algumas dessas funcoes: 0 herdi entra num grupo social; o heréi & desconhecido ra sociedade; a sociedade nio aceita completamente © heréis 05 vi- lées ameacam a sociedade; © heréi (uta contra 08 yilbes; 0 herdi derrota os vi- loes: a sociedace aceita 0 herdi Quando vemos filmes particulares desse género, observamos que muidam os personagens, mudam os cenarios, mudam as situacoes. Se analisamos esses filmes de acorde com a perspectiva estruturalista, entretanto, podemos ver que, no fundo, permanece uma mesma estrutura. Superficialmente ha variedade, Estruturaimente eles sto a © pas-estruturalismo continua e, a0 mesmo tempo, transcende o estrutura lismo. O pés-estruturalismo partilha com © estruturalismo a mesma énfase na line guagem como um sistema de significagio. Na verdade, o pos-estruturalismo até amplia a centralidade que a linguagem tem no estruturalismo, como se pode obser var, por exemplo, na preocupagio de Foucaul: com a nocio de “‘ciscurso” ena de Derrida com a nagio de “texto”. O pés-estruturalismo efetua, entretanto, um certo afrouxamento a rigidez estabele- cida polo estruturalsmo, © proceso de significagdo continua central, mas a fixi dez do significado que 6, de certa forma, suposta no estrucuralismo, se transfor= ma, no pés-estruturalismo, em fluidez, indeterminacéo e incerteza. Por outro lado, o conceto de diferenga, central a0 estruturalismo, corna-se racicalizado. No estrucuralismo iniciado por Saussure, um significante — aquilo que grifica ou fones ticamente representa um significado — uy determinado rao tem um valor absolute: cle ¢ 0 que € apenas na medida em que & diferente de outros significantes. O pos: estruturalismo estende consideravelmen- te oalcance do conceito de diferenca 2 ponto de parecer que no existe nada que nao seja diferenca © pés-estruturalismo também conti- nua e, ao mesmo tempo, radicaliza a criti ca do sujeito do humanismo e da flosofia da consciéncia feita pelo estruturalismo, Para o pés-estruturalismo, tal como para © estruturalsmo, esse sujelto nfo passa de uma invengio cultural, social e his vérica, n&o possuindo nenhuma pro: priedade essencial ou originéria. O pés-estruturalismo, entretanto, radicalza © carter inventado do sujeito. No es- cruturalismo marxista de Althusser, 0 sujeito era um produto da ideologia, mas se podia, de alguma forma, vislumbrar a emergéncia de um outro suj removidos os obsticulos. sobretude a estrutura capitalita, que estavam na ori- gem dasse sujeito espiirio. Em troca, para © pés-estruturalismo — podemos tomar Foucault. como exemplo — nfo existe sujetto 2 nao ser como o simples ¢ puro resultado de um proceso de producto. cultural e social, uma ver ‘Aquilo que se entende hoje por “pos estruturalismo” deve sua definicéo, sem duvida, principalmente aos trabalhos de Foucault e Derrida. A contribuicio fur damental de Foucault pode ser sintetiza: da, talvez, na transformacio que ele efetuou na nocao de poder. Em oposicio a0 marxismo, extremamente influente nna época em que ele estava escrevendo, Foucault concabo © poder no como algo que se possu, nem como algo fixo, nem tampouco como partindo de um centro, mas como uma relacgo, como movel € fluido, como capilar © estando em toda parte. Ainda em oposicio ao marxismo, para Foueaull, 0 saber nfo 6 0 outro do. peder, nto é externo ao poder. Em vex disso, poder e saber so mutuamente de- pendentes. Nao existe saber que nao seja 2 exprassio de uma vontade de poder. Aa mesmo tempo, no existe poder que ride te utilize do saber, sobretudo de um sax ber que se expressa como conhecimen: to das populagdes e dos individuos submetidos ao poder. E ainda 0 poder que, para Foucault, esti na origem do proceso pelo qual nos tornamos sujel tos de um dotarminado tipo. O louco, @ prisioneiro, © homosexual nao sto ex: pressées de um estado prévio, original eles recebem sua identidade a partir dos. 10 aparatos discursivos e insttucionals que os definem como tais. © sujeito & 0 resul- tado dos cispositivos que © constroem como tal Embora Foucault tenha rejeitado, de forma explicita, 0 rétulo de “pos-estrue turalista”, 2s consignas que ole esbocava no prefacio edigio americana do livro do Deleuze e Guatiari, AntiEdipo, consti- culam uma espécie de "manifesto mini- mo do pés-estruturalisemo", 20 qual nio faltava nem mesmo o tom de convoca- fo da segunda pessoa do plural do Mani- festo Comunista: Yiberai a aco politica de toda forma de parandia unitéria e cotali- zante; desenvolvei a a¢io, 0 pensamento € os desejos por proliferagao, justaposi- cho e disjuncio, antes que por subdivi- sao hierarquizaglo piramidal; livrai-vos das velhas categorias do Nogativo. Prefe- 110 que € positivo e miiplo: a iferenga 2 uniformidade, os fluxos as unidades, 05 ‘agenclamentos mévels 20s sistemas. O que € produtivo nio & sedontirio mas némade; nao exijais da politica que ela testabeleca os “dircitos” do individuc tais como 2 filosofa os definiu. © individuo 0 produto do poder”, JA a contribuigéo de Derrida pode ser sintetizada através do conceito de differance. Derrida cunhou esse termo, precisamente para estender ¢ radicalzar © alcance do conceito de diferenga que, como vimos, é to central no estrucura- lismo, Nao existe, em francés, nenhuma diferenca de prontincia entre as palavras dfferonce e difference. Além disso, a pala- vvea dfférance remete a idéia de “diferir”, de “adiar”, Ao combinar numa s6 pala= yea os significados de “diferenca” e “adiamenco”, Derrida aceita a proposigo de Saussure de que a existéncia de um determinado sigrificante depende da di- ferenca que ele estabelece relativamente a ouvros signficantes. Mas ele vai alémm: © significado nfo & nunca. definitiva @ uni- vyocamente, apreendido pelo significante, O significado nao esta nunca definitiva- mente presente no significante. A pre- senca do significado no significante incessancemente adiada, diferida. © exem- plo mais definitivo desse processo é dado pelo dicionario, Nos teres a ilusio de que a definicio de uma determinada palavra (significance) consticuida por um signifi ado, “o significado da palavra”, mas, na verdade, ela & sempre definide por uma outra palavra (um outro signifieante). Aquele significante que constitui a defini= ‘io da palavra @ que supomos ser seu "sig- niffcado” seré definido, por sua vez, por nn ‘outro significante, e assim por dante, num processo sem fim. Ou seja, 0 signficado ‘estd sempre mais além, mais adiante, mas esse alm, evidentemente, nunca chega Em outras palavras, nunca saimos do do- minio do significance. Mas com a indistingdo, na linguagem oral, entre différance e différence, Derrida quer chamar a atengao para uma outre coisa muito importante, Na tradicto filo- s6fica ocidental, faz-se uma oposicéo fun- damental entre a linguagem oral © @ linguagem escrita, Nessa tradigao,a escrita & de certs forma, desvalorizada relativa- mente a linguagem oral, por se consticuir numa espécie de forma secundaria, deri- vada, relativamente a essa ultima. A In: guagem oral € aquela que esti proxima, colada a nossa interioridade. Ela € a ex: pressio imediata de nosso eu, de nossa subjetividade. A escrita seria apenas uma forma degradada de registro desse mo- manto privilegiado em que existe, na oralidade, uma identidade entre nossa conscineia e a linguagem. Nossa conscién- cia @, na linguagem oral, uma presenca. Derrida uestiona ose pressupesto da identidade entre a consciéncia e a lingua- gem oral. Para ele, a linguagem oral no 6a consciéncia em estado puro: 2 linguagery oral é jd e sempre, exacamente tal comoa cescrita, signifante, Nao existe nenhuma diferenga ontologica essencial entre 0 sinal com que registramos no papel a pala- wa “mac” ¢ a forma com a qual a pro= rnuaciames, Consticuem, ambos, formas de registro, de inscricio: sio ambos signific cances, Ura vez que & 2 escrita que é vista como forma de registro. Derrida resolve: utlizar 0 termo “escrita” para abranger também a linguagem oral, precisamente: para chamar a atengao para seu carder de inscrigie. Com essa andlise, Derrida tua, por vias ferences das de Foucault tum ataque importante 4 nogio do suje’ do humanismo e da filosofia da consclé cia, Nessas tradigBes, a_voz 6a oxpresshi suprema da autenomia ¢ da presenga sujeito, Na medida em gue a voz 6 vis como sendo [a inscricdo e linguagem, ela externa 20 Su6to. O stieito, al como cor eebido no humanismo e na flosofia cconsciéncia, deixa, pois, de existi-. Nic se pode falar propriamente uma teoria pés-esiruturalista do curri lo, mesmo porque o pés-estrucuralis tal como o pés-modemismo, rejeita qu quer tipo de sistematizagao. Mas hd tamonte uma “atitude” pés-estrutural ‘em muitas das perspectivas aiuals sol na curriculo. Nos Estados Unidos, Cleo Cherryholmes foi um dos primeiros a desenvolver de forrna explicita uma pers: pectiva pés-estruturalista na area dos es: tudos sobre curriculo. Thomas Popkewitz vem se dedicando ha alguns anos a0 desenvolvimento de ura andlise do curriculo fundamentada na teorizacio de Michel Foucault. Em geral, encretanto, © que se observa é que muitos autores ¢ autoras contemporaneos da area de es: tudos do curriculo simplesmente passa. ram a adotar livremente alguns dos elementos da andlise pés-estruturalisa ‘Como se poderia caracterizar essa perspectiva pés-estruturalista mais geral na area de estudos do curriculo! Em pri- meio lugar turalista que vé 0 processe de significacko como basicamente indetermirado e ins- tivel, a atitude pés-estruturalista enfatza a indeterminagdo € a incerteza também em questdes de conhecimento. O signifi cado no é, da perspectiva pés-ostrutu- ralista, pré-existente; ele € cultural ¢ socialmente preduzido. Como tal, mais do que sua fidelidade a um suposto refe- Fente, © importante é examirar as rela: Gbes de poder envolvidas na sua producio. Um decerminado significado & © que é ndo porque ele corresponde a dada a concepgio pés-estru- um “objeto” que exista fora do campo da significacio, mas porque ele foi socialmens te assim definide. Uma enilise derridiana do proceso de significado combinass aqui, com uma analise foucaultiana das o> nexées entre poder e saber para carac= terizar © processo de significagso como ‘nao apenas instavel mas também como dependente de relagées de poder. Como campos de signiicacio, 0 conhecimenco € 0 curriculo so, pois, caracterizados tam= bém por sua indeterminacao e por sua conexio com relagdes de poder, Em segundo lugar, essa énfase nos processos de significagio ¢ ampltada para s0 focalizar especificamente nas nogées correntes de ‘verdade”. Seguindo, nesse aso, especificamente, Foucatit, uma pers: pectva pos-estruturalista sobre curricula desconfia das definicées floséficas de “ver. dade”. Séo esses nogbes que esto na base das concepcées de conhecimento que moldam © curriculo contemporaneo, Nessa visio, 2 verdade 6 simplesmente uma questao de verificagio empiricay & uma questio de correspondéncia com uma suposta “realidade”. A perspectiva pos: estruturalista no apenas questiona essa nogio de verdade; ela, de forma mais radi cal, abandona a énfase na “verdade” part destacar, em ver disso, © processo pelo, m3 qual algo & considerado como verdade. ‘A.questao nao é, pois, ade saber se algo verdadeiro, mas, sim, de saber por que se algo se tornou verdadeira, Nos cer: mos de Foucault, nfo se trata de uma ques- tio de verdade, mes de uma questi de veridiecio, Nao se pode, provavelmente, nem faria sentido, da perspectiva pés-es- truturalista. propor uma verdadeira re- Yolugio no curriculo com base nessa concepedo pés-estruturalista de "verda- de”. Mas podemos imaginar quais seriam as implicagdes da adocio dessa atitude pés- estruturaiista sobre a verdade e © verdi- deiro no cotidiano do curriculo Poderiamos continuar esse exercicio, Basta, entretanto, menciorar, de passagom, mais algumas das implicagées da adoqio ce uma perspectiva pés-estruturalista sobre curriculo. Inspirada em Derride, por exem- plo, uma perspectiva pés-estruturalista, sobre curriculo questionaria os “significa dos transcendentais", ligados 4 religiio, & patria, & politica, a ciéncia, que povoam 0 curriculo, Uma perspectiva pds-estru turalista buscaria perguntar: onde, quan- do, por quem foram cles inventados? Ainda seguindo Derrida, uma perspecti- va pés-estruturalista tentaria descons- truir 0s inuimeros binarismos de que 6 feito © conhecimento que constitu o ia curriculo: masculinoifeminino: heteros sexuel/homossexual; branco/negro; clen= tifico!nao cientifico. Ao ver todo & conhecimento como eserita, como ins- erica, uma perspectiva pos-estruturalista com locaria em divida as atuais @ rigidas s paragoes curriculares encre os diversos géreros de conhecimento. Finalment uma perspectiva pos-estruturalista no deixaria, evidentemente, de questionar a concepgao de sujeito — autonomo, racio= ral, contrado, unitério — na qual se bax seis todo 0 empreendimento pedagogico ¢ curricular, denunciando-a como resul- ado de uma construsdo historica muito particular. Paralelamento, seria a prépria ogio de emancipacdo e libertacio, que: resulta da adogo dessa concepcio de su= jeito, que seria colocada em questio. No- limite, para a perspectiva pés-estruturalise tz, 6 0 préprio projeto de ums perspecti- va eritica sebre curriculo que é colocada em questio. ida sob a inspiragio de Derrida, Leituras SILVA, Tommaz T. (org). 0 sypto da edvcarao, Es os fazeautianes. Rie: Yores, 1994 YEIGA-NETO, Alfredo |. jong.) Critea pés~statie ralite © eciencéo, Porta Alegre: Suliny, 1995, Uma teoria pés-colonialista do curriculo A tooria pés-colonialista tem come objecivo analisar 0 complexo das relagtes do poder entre as diferentes nacdes que compoem a heranga econdmica, politica @ cultural da conquista colonial europeia tal como se configura no presente mo- mento — chamado, é claro, de “pés-co- lonial”. Ela parte da idéia de que o mundo contempersnee, no momento mesmo em que supostamente se torna globaliza: do, 86 pode ser adequadamente com- preendido se considerarmos vodas as conseqtiéncias da chamada “aventura colonial européla”. Pode-se situar 0 fim do império colonial europeu, definido em termos de ocupacio territorial, nos anos que vio do final d2 Segunda Guerra Mun- dial até 0s anos 60. A anilise pos-colonial info se limita, entretanto, a analisar 28 re~ lacoes de poder entre as metrépoles & ‘0: paises mais recentemente libertados, mas recua no tempo para considerar toda a historia da expansio imperial européia desde o seculo XV. Ela € também bastante abrangente em suz dafinicso do que cons- tituem “retag6es colonials” de poder, corn preendendo desde relagdes de ocupacao e dominacio direta (India, paises aftica: nos © asidticos), passando por projetos de‘colonizacao” por grupos de"colonos! (Auscrilia) para incluir as relagSes atunis de dominacio entre nacdes. baseadas na exoloragio econdmica e no imperialismo cultural A teoria pés-colonial mostra-se par ticularmente forte na ceoria e na andlise wravias. Nesses campos, a andlise pos: colonial busca examinar tanto as obras licerdrias escritas do ponto de vista do- minante quanto aquelas escritas por pes: sons pertencentos as nagdes dominadas Na anilise cas primeiras, 0 objetivo con- sisce em examint-las come narrativas que constroem o Quiro colonial enquante objeto de conhecimento ¢ como sujelte subalterno. As narrativas imperiais si0 vistas como parte do projeto de submis: sio dos poves colonizados. Por outro lado, as obras literdrias escritas por pes soas pertencentes 20s grupos colonizae dos sic analisadas como narrativas de resisténcia 20 olhar @ a0 poder imperiais. ‘As narrativas subordinadas s80 vistas em ns contraposigio as formas literdrias domi- antes que buscam fixar 0 Outro coloni- zado como objeto da curiesidade, do saber e do poder metropolitanos, Numa con- cepgéo mais restrta, a teoria pés-colonial deveria estar focalizada precisamente nas manifestagdes literérias e artisticas dos préprios povos subjugados, vistas como ‘expressio de sua experiéncia da opressio colonial © pés-colonial. Nesse sentido, a teorie pés-colonial € um importante ele- mento no questionamento e na eritica dos curriculos centrados no chamado “eénon ocidental” das “grandes” obras literdrias e artisticas. A veoria pés-colonial, juntamen- te com o feminismo eas teorizacdes criti- cas baseadas em outros movimento sociais, como o movimento negro, reivin- dice a inclusdo das formas culturals que refletem a experiéncia de grupos cujas identidades culwirais ¢ sociais sito marge ralizadas pela identidade européia demi- ante, Ha, nesse questionamento do Ginone ocidental efetuado pelo pds-colo- nialismo, um deslocamento da estética para ‘politica, Para a teoria pds-colorial, nao se pode separer a anilise estética de uma and- lise chs relagées de poder. A estética cor- porifica, sempre, alguma forma de poder. No ha postica que no seja, a0 mesmo ‘tempo, também uma politica Como ccorre com 0 pés-modernis- mo, ha versdes contradicérias sobre 2s origens da teoria pés-colonial. Algumas anilises remontam a teoria pés-colonial a autores como Frantz Fanon, Aimé Césaire Abert Memmi, que escreveram no cone texto das lutas de lidertagio colonial dos anos 50 € 60. Os livros de Fanon, nasci= do na entio coldnia francesa da Martini- 2, Pele negra, mdscaras brancas, publicado fem 1952, © Os denados da terra; publica- do em 196], sio considerados come pre- cursores particularmente importantes da atual teoria p6s-colonial. Influences autores pés-coloniais contemporaneos, como Homi Bhabha, por exemplo, recor- rem, de forma renovada, as andlises da situagio colonial daqueles anos feita por Fanon. No Brasil, a obra inicial de Paulo Freire, que pode ser considerada como uma espécie de teorizagio pés-colonial no campo educacional, fundamenta-se, em partesior Ryros:de: Fanorre: Memmi entretanto, 0 livro Orientalsmo, escrito por Edward Said, que & em geral, consix derado como constituindo © marco dos estudos pos-coloniais contemporaneos, Nesse livro, Said, tomando como bas sobretudo, a teorizagio foucaultiana, ar= gumenta que © Oriente é uma invengio do Ocidente, A literatura orientalista no Ie na perspectiva desenvolvida por Said, uma descrigao “objetiva” de uma regiio que se poderia chamar de “Oriente”, mas uma narrativa que efetivamente constréi ‘© objeto do quel fala. Mais do que um i teresse simplesmente ciontifico ou opis- temologico, o que move essa narrativa é a curiosidade e a fascinagio pelo Outro, visto como estranho e exético, € 0 im pulso para fixi-lo € domini-lo come ob- jeto de saber e de poder. © Outro &, pois, menos um dado objetivo © mais uma cria- tura imaginiria do poder. A anélise p6s-colonial junta-se, assim, as anilises pés-moderna e pos-estrutu- ralista, para questionar as relacdes de poder e as formas de conhecinento que colocaram 0 sujeito imperial europeu na sta posicao atual de privilégio. Diferente- mente das outras anilises “pds”, entre- tanto, a €nfase ca teorizagio pos-colonial esté nas relagbes de poder entre nagées. © pés-colonialismo concentra-se no questionamento das narrativas sobre nacionalidade e sobre “raca” que estiono da construgéo imaginiria que 0 Ocidente fer — e faz — do Oriente e de si proprio. A teoria pés-colonial focaliza, sobretudo, as comploxas relagdes entre, de um lado, a exploragao econémica e a ‘ocupagio milkar e, de outro, a dominae io cultural. Em termos foueaultianos, questionam-se as complexas conexées entre saber, subjetividade © poder esta- belecidas no continuo proceso da his: téria de dominagao colonial. Tal como ocorre, de forma mais geral nos Estudos Culturais, 0 conceito de “re- presenta¢io” ocupa um lugar central na teorizacdo pés-colonial. O conceito de “representagao” é, aqui, fundamentalmer te, pos-estruturalista, isto é, a represen- tagio € compreendida como aquelas formas de inscricio através das quais 0 Outre € representedo, Diferentemente das concepcoes psicologistas de repre- sentagdo, a andlise pés-colonial adota uma. concepgio materialista de representacio, na qual se focaliza o discurso, a linguagem, © significante, © no a imagem mental, a ideia, o significado, A representacio é aqui: lo que se expressa num texto literdrio, numa pintura, nume fotografia, num fil: me, numa pesa publicitéria. A teoria pos: colonial considera a representacio como. um processo central na formagio € producéo da identidade cultural € so: cial. E fundamientalmence através da repre: sentagio que construimos a identidade do Outro e, 20 mesmo tempo, a Noss a prépria identidade, Foi através da repre- sentagdo que 0 Ocidente, ao longo ca tra- jetdria de sua expansio colonial, construiu um “outro” como supostamente irracio- nal, inferior @ como possuido por uma sexualidade selvagem e irrefreada. Vista como uma forma de conhecimento do Outro, a representacdo esta no centro a conexio saber-poder. i EGeinNT cen ales conten anlar poder que é particularmente importante para uma teorizagio curricular erftica ou pos-critica. Essa conexio aparece de for- rma bastante ébyia ao longo de toda a his- toria da dominagio colonial europeia O saber € 0 conhecimento estiveram estrei- tamente ligados aos objetivos de poder das poténcias coloniais européias desde © set inicio, Antes de tudo, eram as pré- pries populagbes nativas que se tornavam ‘objeto central de conhecimento, O Ou- tro colonial tornava-se, na sua estranhe- za @ no seu exotismo, um importante ponto de referancia para a definigao © redefinicio do prépric sujeito imperial. © projeto epistemolégico colonial abran- ga, também, obviamente, a descricao & andlise dos recursos naturais ¢ do ambi- ente das terras ocupadas. O impulso que deu origem @ ciéncia moderna esta liga do, em grande parte, a0 conhecimento produzido no contexto dos interesses de exploragio econémica do empreendimen- to colonial, © conhecimento do Outro € da terra era, pois. central aos objetivos ce: conquista dos poderes colonials A dimensio epistemolégica € culeu- ral do proceso de dominacio colonial nio se limitava, encretanto, a produsao de conhecimente sobre 0 sujeito colo- nizado e seu ambiente. O proceso de dominago, na medida em que ia além da fase de exterminagao e subjugacao f- sica, precisava afirmar-se culturalmonte. Aqui, © que se tornava importante era a transmissio, a0 Outro subjugado, de uma determinada forma de conhecimen- to, A cosmovisio “primitiva” dos povos nativos precisava ser convertida & visio européia e “civilizada” de mundo, expres- s2 através da religiéo, da ciéncia, das ar- tes ¢ da linguagem e convenientemente adaptada 20 estagio de “desenvolvimen= to” das populagoes submetides a0 po- der colonial. © projete colonial teve, desde o inicio, uma importante dimen- sio educacional e pedagégica. Era atra- vés dessa dimensio pedagégica e cultural que 0 conhecimento se ligeva, mais ura vez, 20 complexo das relacdes colonials de poder. 28 A teoria pés-colonial evita formas de anilise que concebam 0 processo de do- rminagao cultural como uma via de mao Linica. A critica pés-colonial enfstiza, 20 invés disso, conceicos como hibridismo, tradugio, mestigagem, que permitem con- ceber as culturas dos espacos coloniais ‘ou pés-coloniais como o resultado de uma complexa relagio de poder em que tan- to 2 cultura dominante quanto a domina- ch se yéem profundamente modificadas. Conceitos como esses permitem focali- ar tanto processos de dominacio cultu- ral quanto processos de resisténcia cultural, bem como sua interacio. Obvia- mente, 0 resulado final é fevoravel a0 poder, mas nunea tio cristalinamente, nunca tio completamente, nunca to de- finitivarmente quanto 0 desejade. © hibri- do carrega as marcas do poder, mas também as marcas da resisténcia. E naandlise do legado colonial que uma teoriz pés-colonial do curticulo deveria se concentrar. Em que medida © curri- culo contemporaneo, apesar de todas as suas transformagdes © metamorfoses, & ainda moldado pela heranca epistemolé- gice colonial? Em que medida as defini- gées de nacionalidade ¢ “raca”, forjadas no contexto da conquista e expansio as colonial, continuam predominantes nos mecanismos de formacio da identidas de cultural € da subjetividade embutle dos no curriculo oficial? De que forma as harrativas que constituem © nicleo do curriculo contemporaneo continuam ce: lebrando a soberania do stjeito imperial europeu? Como, nessas narrativas, slo construidas concepe6es sobre “ra¢a”, ginero e sexualidade que se combina, para marginalizar identidades que nio se conformam as definigoes da idendidade considerada “normal”? Uma anilise pés- colonial do curriculo deveria também buscar analisar as formas contemporaness de imperialismo econdmico e cultural. Como as formas culturais que esto no centro da sociedade de consumo con- ‘temporinea expressam novas formas de imperialismo cultural? Qual © papel di sas novas formas de imperialsmo cults ral na formacao de uma identidade cultural hegeménica e uniforme? Come @ curt: culo, considerado como um local de co= nhecimento e poder, reflece e, ao mesmo tempo, questiona, formas culturais que podem ser vistas como manifestagoes de um poder neocolonial ou pés-colonial? Uma perspectiva pos-colonial de eure riculo deveria estar particularmente atenta as formas aparentemence benig- nas de representacio do Outro que esto em coda parce nos currfeulos con- temporineos. Nessas formas superfi- cialmence vistas como multiculturais, & Outro é “visitado” de uma perspectiva que se poderia chamar de “perspectiva do turista”, a qual estimula uma aborda- gem superficial e voyeuristica das cultu- ras alheias. Urra perspectiva pés-colonial questionaria as experiéncias superficlal- mente multiculturais estimuladas nas chamadas “datas comemorativas”: © dia do Indio, da Mulher, do Negro. Uma perspectiva pés-colonial exige um cur- riculo multicultural que nfo separe ques- tes de conhecimento, cultura e esteética de quest6es de poder, politica © inter- pretacio. Ela reivindica, fundamental- mente, um curriculo descolonizado, Leituras BHABHA, Homi, 0 lool da cultura. Belo Horizon te Editara da UFMG, 1999, BOSI, Alfredo. Dialétce da coloizardo, S80 Paulo: ‘Compania das Lowa, |995. FANON, Frants. Of condenedes da tera, Rio: Chi- Waagao Braslelra, 1979. FANON, France, Pele negra, mdscoras brancas. Rio: Fator, 1983 SAID, Edward, Orentaome, 0 erente cern invensl0 do ocidente, S20 Favlo: Compania das Letras, 1990. VIDIGAL, Lus, “Entre 0 exétice @ 0 colenizado: fimagens do outro em manusis escalates @ lc ‘yras para criargas no Portugal Imperial (1850- 1945)". In Antonio Navoa et ali (orgs). Pera ‘ma histdia de educacdo colonia, Porto e Lise boa: Sociedade Portuguesa de Cignels da Eds cagao © Educa, 1996: p.379-420, 130 Os Estudos Culturais e o curriculo © campo de teorizacio e investigacio. conhecido como Estudos Culturais tem sua origem na fundacio, em 1964, do Cen- tro de Estudos Culturais Contempora- neos, na Universidade de Birmingham, Inglaterra, © impulso inicial do Centro partia de um questionamento da com- preenséo de cultura dominante na critica literdria britanica, Nessa tradigio, exem- plificada pela obra de F. R. Leavis, a cultura cra identiicada, oxclusiva @ estreitamente, ‘com as chamacas “grandes obras” da li- teratura @ das artes em geral. Nessa vi- sto burguesa e elitista, a cultura ora inerinsecamente privilégio de um grupo restrito de pessoas: havia uma incompa- tibilicade fundamental entre cultura e democracia A reagio do Centro a essa concepeaio de cultura baseava-se, sobretudo, em duas ‘obras que viriam a se tornar centrais no campo dos Estudes Culturais: Culture and society, de Raymond Williams, publicada em 1958, e Uses of fteracy, de Richard Hoggert, publicads em 1957. Este iikimo seria 0 primeiro diretor do Centro. Além desses dois livros, seria importante tam- bem a influgncia tedrica do livro de E, P. Thompson, The making of the English working class, publicado em 1963. Seria a concepgio de cukura desen- volvida por Raymond Willizens em Cultir re ond society e em livros posteriores que daria ao Centro as bases de sua teoriza- Gio e de sua metodologia, Para Wiliams, em contraste com 2 tradieio literéria brl- tanica, a cultura deveria ser entendida como © mode de vida global de uma so- ciedade, como a experiéncia vivida de qualquer agrupamento humano. Nessa visio, no ha nenhuma diferenca qualita- tiva entre, de um lado, as “grandes obras” da literatura e, de outro, as variadas for. mas pelas quals qualquer grupo humano resolve suas necessidades de sobrevivére cia. Inicialmente restrita as manifestagoes cculturais “auténticas” de grupos socials su: bordinados, como a classe operaria ingles sa andlisada no livre de Richard Hoggart, The uses of iteracy, essa definicéo inclusiva de cukura ira posteriormente ser ampliax da para abranger cambém aquilo que na literatura anglo-saxdnica & conhecido como “cultura popular”, isto & as mani- festacdes da cultura de massa: livros po- pulares, tabloides, radio. televisio, a midia em geral. i Tematicamente, os esforgos iniciais do Centro concentraram-se no estudo de forrras culturals urbanas, sobretudo das chamadas “subcultsras”. Dois dos livros mais importantes saidos dessa fase inicial do Centro sio Resistance through rituals: youth subcultures in post-war Britain, uma colegio do ensaios © pesquisas, de vérios autores, sobre as culturas juvenis brita- nicas, © Subculture: the meaning of style, o relato de ura pesquisa sobre grupos cul- turais juvenis realizada por Dick Hebdige. ‘Como resultado de sua preocupacao com questdes de ideologia, as pesquisas ¢ as teorizagbes inicials do Centro também se preocupavam com © papel da micia, so- bretudo da televisio. na formacic do con- senso e do conformismo politico. Em termos tedricos, o Centro gradu almente adotaré quadros de referéncia dlaramente marxistas. Depo's de um in cio relativamente pouco marxista, 2 teorizagio do Centro se apoiaré em ineer- protagBes contamporaneas de Marx, como a de Althusser e, mais tarde, também a de Gramsci, visiveis ne importincia que os concettos de ideologia e de hegemonia iriam adquirir nos estudos realicados sob a égide do Centro, Nos anos 80, esse predominio do marxismo nos Estudos Culturais tais como delineados pelo Cen- tro de Birmingham iria ceder lugar ao pés-estruturalismo de autores como Foucault e Derrida. Metodologicamente, 0 Centro ira se dividir entre duas tendéncias que ainda se encontram sob tensio nos Estudos Culturais contemporaneos: de um lado, ‘as pesquisas de terreno, sobretudo et- nogrificas ©, de outro, as interpretacées textuais. Essas duas tendéncias refietem, de.certa forma,as origens discipinares dos Estudos Culturais: 2 Sociologia, de um lado, € os Estudos Literarios, de outro, Varios dos estudos iniciais do grupo util zam a etnografia como metodologia prefe- rida, mas outros preferem a interpretacio de “textos”, entendidos aqui de forma amph, A etnografia 6 utlizada sobretudo nos estudos das chamadas “subculcuras urbanae”, enquanto a interpratago tex: tual é reservada para a andlse dos pro- gramas de tolevisio @ dos textos propriamente ditos de certas obras lite rarias consideradas “populares”. na A partir de um modesto anexo de um departamento de Lingua Inglese, contan- do sempre com um numero redutido de pessoas, 0 campo dos Estudos Culurais ampliou-se para ganhar uma forca ¢ uma influ€ncia enormes na teorizacio social contemporanea, Os Estudos Culturais diversificaram-se tanto em sua difusio por varios paises que se pode dizer que sua variante briténica é apenas uma entre um nimero variado de versées nacionais. Mesmo no interior das varias versées nacionais, os Estudos Culturais se sub- dividem de acordo com um série variaca de perspectivas tedricas ¢ de influéncias disciplinares. Enquanto algumas perspec- tivas continuam rrarcadamente marxistas, coutras caramente abandonaram o marxis mo em favor de alguma das verses do pos-estruturalismo. Hi, de forma similar, uma visivel heterogeneidade na perspecti- va social adotada: hd uma versio centrada nas questées de género, outra nas ques- ‘t6es de raca, ainda outra em questées de sexualidade, embora existam, evidente- mente, intersecgdes entre elas. Poderr-se vislumbrar nessa heteroge- neidade, entretanto, alguns tracos co- muns, Dada essa heterogeneidace, tem havido, inclusive, varios esforgos de defi- nigao dos Estudos Culturais, buscando, essencialmente, responder — frente a um determinado estudo — a questio 0 & Estudos Culturais?”. © que distin: gue, pois, os Estudos Culturais? Em primeiro lugar, os Estudos Cultue rais concentram-se na andlise da cultura, compreendida, tal como na conceptual zacio original de Raymond Williams, como forma global de vida ou como exe perigncia vivida de um grupo social. Além disso, a cultura é vista como um campo relativamence autOnomo da vida social, como um campo que tem uma dinémica que é, em certa medida, independente de ‘outras esieras que poderiam ser consi deradas determinantes. Nessa perspec- tiva, os Estudos Culturais op6em-s0 as implicagSes deterministas de famosa me- téfora marxista da divisio entre infra-es: trutura e super-estrutura, Essa énfase na cultura tem levado certas vertentes dos Estudos Culturais a reduzir, em directo contréria 20 marxismo, toda a cinimica $0" cial dindmica cultural De forma talvez mais importante, os Estudos Culturais concebem a cultura ‘como campo de luta em torno de significar do social. A cultura € um campo de produgio de significados no qual os difer rentes grupos socks, situados em posigGes 133 liferenciais de poder, lutam pela imposi “io de seus significados 4 sociedade mais ampla. A cultura 6, nessa concepgio, um asta centralmente envolvido nesse jogo € 1 definigio ca idontidade cultural ¢ social Jos diferentes grupos. A cultura € um ampo onde se define no apenas a for- na que > mundo deve ter, mas também \ forma come as pessoas © 0s grupos Jevem ser. A cultura & um jogo de po- Jer. Os Estusos Culturais so part armente sensiveis as relacdes de poder jue definem 0 campo cultural, Num de- inicio sintdtica, poder-se-ia dizer que os tudos Culturais estao preocupados som questdes que se cio entre cultura, significagio, identida- Je © poder. De alguma forma, a idéia de “cons- rugdo social” tem funcionade como um nceito unificador dos Estudos Cul- urais. Em muitas das analises feitas nos =studos Culturais, busca-se, fundamen. althente, caracterizer 0 objeto sob anili- Je como um artefato cultural, isto é, -omo © resultado de um processo de construgio social. A andlise cultural par= 1 da concepeio de que o mundo cultu- al ¢ social torna-se, na interagéo soda, lam na con impo contestado de significacio. O que _ naturalizado: sua origem social & esqueci- da. A tarefa da andlise cultural consiste em desconstruir, em expor esse proces so de naturalizagio. Uma proposicio fre- quentemente encontrada nas andlises nos Estudos Culturais pode ser sin- tetizada na formula “x é uma Invengao”, na qual "x" pode ser uma instituigiio, uma pratica, um objeto, um conceito... A ana lise consiste, entio, em mostrar as ori- Rens dessa invenclo e 0s processos pelos 4quais cla se tornou “naturalizada’, (© que distingue os Estudos Culturais de cisciplinas académicas tradictonals ¢ seu ervolvimento explicitamente politi- co. As andlises feitas nos Estudos Cultu- rais no protendem nunca ser neutras ou imparciais. Na critica que fazem das rela- ges de poder numa situagio cultural ou social determinada, os Estudos Culturais tomam claramente © partido dos grupos em desvantagem nessas relacdes, Os Es tudos Culturais pretendem que suas ané- lises funcionem como uma intervencie na vida politica e social. Qunis s80 as implicagdes dos Estudor Culturais para a anilise do curriculo e para © curriculo? Em primeiro lugar, os Estudos Culturais permitem-nos conce- ber 0 curriculo como um campo de luta a em como da significacio € da identidade. A partir dos Estudos Culturais, pedemos ver o conhecimento e 0 curriculo como campos culturais, como campos sujeitos 4 disputa e a interpretacio, nos quais os di- ferentes grupos tentam estabelecer sua hegemonia, Nessa perspectiva, © curricu- lo & um artefato cultural em pelo menos dois sentidos: |) a “instituigfo” do curri- culo & uma invengao social como qualquer utra: 2) 0 “conteiido” do curriculo é uma construgao social, Como toda construgio social, 0 curriculo nfo pode ser compre- endido sem ume andlise das relagoes de peder que fizeram ¢ fazem com que te. nhamos esta definicdo determineda de curriculo € no outra, que fizeram ¢ fazer com cue 0 curriculo incla um tipo de- terminado de conhecimento € néo outro. No primeiro sentido, uma andlise da instituigéo “curriculo” inspirada nos Es- tudes Culturais descreveria o curriculo, de modo geral, como o resultado de um processo de conscrugio social. NAo es- tamos muito longe aqui da idéia que era central a "Nova Sociologia da Ecucagio”, de que o curriculo & um artefato social como qualquer outro. Com os Estudos Culturais, essa compreensio 6, entretan- to, modificada e, a0 mesmo tempo, radi- ns calizada. Sob a influéncia do pos-estrutu ralismo, uma andlise do carter construl do do curriculo baseads nos Estudos Culturais enfatizaria © papel da linguagem e do discurso nesse processo de cons trugio. Além disso, essa andlise provavel- mente adotaria uma concep¢do menos estruural, menos centralizada, menos polarizada de poder. Finalmente, umaands lise cultural nao deixaria de destacar estreitas conexdes entre a natuireza cons: rulda do curriculo ea produggo de iden- tidades culturais © socials. No segundo sentido. ura perspecti- ya culturalista sobre curriculo também procuraria descrever as diversas formas de conhecimento carporificadas no cur riculo como © resultado de um processo de construgio social. Essa perspectiva procuratia incorporar ao curriculo as di versas pesquisas e teorizacées feitas no Ambito mais amplo dos Estudos Cultu- rais — pesquisas que buscam focalizar as diversas formas de conhecimento como “epistemologias socials”, Nessa visio, 0 conhecimento néo é uma revelagio ou um reflexo da natureza ou da realidade, mas © resultado de um processo de eriagio e interpretacio social. Nio se para o conhecimento supostamente mais objetivo das Ciencias Naturais e 0 conhe- cimento supostamente mais interpreta- tivo das Ciencias Socials ou das Artes. Todas as formas de conhacimento sie vistas como 0 resultado dos aparatos — discursos, praticas, instituigdes, instru- ments, paradigmas — que fizeram com que fossem construfdas como tais. As im= plicagdes dessa perspectiva nio devem fi- ar restritas a andiise. E possivel pensar num curriculo que enfatizasse precisa- mente 0 caréter construido e interpreta- tivo do conhecimento. Uma vantagem de uma concepcio de curriculo inspirada nos Estudos Culturais 6 que 2s diversas formas de conhecimen- ‘to sdo, de certa forma, equlparadas. As- sim como no hi uma separagio estrica entre, de um lado, Ciencias Naturais e, de outro, Ciéncias Sociais © Artes, tam- bem nao ha uma separacéo rigida entre o conhecimento tradicionalmente conside- rado como escolar e 0 conhecimento cotidiano das pessoas envolvidas no cur- riculo. Ao ver todo conhecimento como um objeto cultural, uma concepgio de curriculo inspiraca nos Estudos Culturais equipararia, de certa forma, conheci- mento propriamente escolar com, por exemplo, © conhecimento explicita ou 136 implicitamente transmitido através de aniincio publicitfrio. Do ponto de vista dos Estudos Culturais, ambos expressam significados social © culturalmente cons- truidos, ambos buscam influenciar € mo» | dificar as pessoas, estio ambos envolvidos em complexas relacées de poder. Em coutras palavras, ambos os tipos de conhe- cimento estio envolvidos numa econo- mia do afeto que busca produrir cervo tipo de subjetividade e identidade social, Assim como ocorre com 0 pés-mo~ dernismo, 0 pés-estrutural’smo © 0 poss colonialismo, a influéncia dos Estudos Culturais na elaboracao de poltticas de curriculo @ no curriculo do cotidian das salas de aula € minima. A concepgao de curriculo implicada na idéia des Estudos CCulturais choca-se tanto com a compre- ensio de senso comum quanto com as concepcées filoséficas sobre conheci- mento dominantes no campo educacio- nal. A epistemologia dominante é fundamentalmente realista: o conheci- mento & algo dado, natural. © conheci- mento € um objeto pré-existente: ele ja esti la; tarefa da pedagogia e do curricim lo consiste em simplesmente reveld-lo. Num mundo social ¢ cultural cada vez mais complexo, no qual a caracteristica mais saliente 6a incerteza ¢ a instabilidade; num mundo atravessado pelo conflita & pelo confronto; num mundo em que as questées da diferenca e da identidade se corram tao centrais, é de se esperar que a idéia contral dos Estudos Culturais possa encontrar um espaco importante no cam po das perspectivas sobre curriculo. Leituras GIROUX, Henry. "Praueando Estudos Culuraisnes faculdades de educacSo". In Tomar Tadeu ca Siva (arg) Afenigenes na sala de ava, Unoaintro= dugdo ais estudos cultures em educozao. Rio Yores, 1995: pB5-103, HALL, Stuart, “A centralidade da enltura: nocas so- bre ar revolucées de rosso tempo". Educacdo «© reoldade, 2(2), 1997: p.15-46, SILVA, Tomaz T. da. (org). Alinigenas na sala de ‘aula, Uma eoaucaa gos extudos curs em edi- caxdo. Rio: Vozes, 1995. lar A pedagogia como cultura, a cultura como pedagogia Uma das conseqiiéncias da “virada culturalista” na teorlzagéo curricular cons sistiu na diminuigio das fronteiras entre, de um lado, © conhecimento academico @ escolar ¢, de outro, 0 conhecimento cotidiano e © conhecimento de cultura de massa, Sob a étiea dos Estudos Cultu rais, todo conhecimento, na medida em que se constitui rum sistema de signifi casio, é cultural, Além disso, como siste- ma de significagdo, todo conhecimento esth estreitamente vineulado com rela- goes de poder. E dessa perspectiva que os Estudos Culeurais analisam instincias, instiwlgdes e processos culturals aparen- remente tio diversos quanto exibigbes de museus, filmes, livros de fieeio, turismo, ciancia, televisio, publicidade, medicina, artes visuais, misica... Ao abordi-los, to- dos, como processos culturais orienta- dos por relagbes sociais assimétricas, 2 perspectiva des Estudos Culturais efetua uma espécie de equivaléncia entre essas diferentes formas culturais. Se € o conceito de “cultura” que per- mite equiparar a educagio a outras ins- tincias cukurais, & 0 conceito de “peda- gozla” que permite que se realize a ope- ragio inversa, Tal como a educacio, as outras instancias culturals também s4o pedagégicas, também tm uma “pedago: gia", também ensinam alguma coisz. Tan- to a educaglo quanto a cultura om geral estio envolvidas em processos de trans formacio da identidade © da subjetivida de. Agora a equiparacio esta completa através dessa perspectiva, ao mesmo tem po que a cultura em geral é vista como uma pedagogia, a pedagogia 6 vista como uma forma cultural: © cultural torna-se pedagogico e a pedagogia torna-se cultu- ral. E dessa perspectiva que os proces- S05 escolares se torram comparavels aos processos de sistemas culturais extra- escolares, como os programas ¢e televi so ou as exposig6es de museus, por exemple, para citar dvas instancias prati camente “opostas”, Da perspectiva da teoria curricular, pederiamos dizer que as instituigoes € insténcias culturais mais amples também tém um curriculo, E ébvio que elas nao cém um curriculo no sentido mals restri- to de que torham um objetivo planajado de ensinar um certo corpo de conhec'- mentot, embora isso até ocorra em al- guns casos, come nos programas da televisdio educativa ou nas visitas 2. mu- seus, por exemplo. Na medida em que nio tim um curriculo explicito, tampou- co poderiamos dizer que tém um curri- culo oculto, Sem ter 0 objetivo explicito de ansinar, entretanto, 6 dbvio que elas ensinam alguma coisa, que transmitem uma variedade de formas de conhecimen- to que embora nao sejam reconhecidas come tais slo vitais na formacio da iden- tidade ¢ da subjetividade. Podertamos lis- tar o que se aprende vendo, por exemplo, um noticiério ou uma peca de publicida- de na televisio. Do ponto de vista pedego- gico e cultural, nao se trata simplesmente de informacio ou entretenimento: ra- a-te, em ambos os casos, de formas de conhecimento que Influenciar’io 0 com- portamento das pessoas de maneiras cru- ais ¢ ate vitais. © carriculo a pedagogia dessas for- ras culturais rrais amplas diferem, entre- tanto, da pedagogia e do curriculo escolares, num aspacto importante, Pe- los imensos recursos economicos tecnoldgicos que mobilizam, por seus ob- jetives — em geral — comercias. elas se apresentam, ac contrario do curriculo académico ° escolar, de uma forma se dutora e irresistivel. Elas apelam para a cemogio ea fantasia, para 0 sonho e 2 ima- ginacdo: e'as mobiizam urna economia afe- tiva que é tanto mais eficaz quanto mais 6 inconsciente. £ precisamente a forca des- se investimento das pedagogias culturais no afeto e na emocio que tornam seu “curricule” um objeto to fascinante de anélise para a teoria critica do curriculo, A forma envolvente pela qual a pedagogia cultural esti presente nas vidas de crian- ‘gas @ jovens nao pode ser simplesmente ignorada por qualquer teoria contempo- nea do curriculo. precisamente para a andlise dessa podagogia ou desse curriculo cultural que se tém voltado autoras e autores que, de corza forma, inauguram aquilo se poderia chamar de “critica cultural do curriculo”. Eo caso de Roger Simon, Henry Giroux, Joe Kinchelce e Shirley Sceinberg, por ‘exemplo. Henry Giroux, particularmenta, tem se voltado, cada vez mais, para a an se da pedagogia da midia, Suas andlises dos fimes produzidos pela Disney, por exem- plo, problematizam a suposta inocéncia € 140 © carater aparentemente inofensivo e acé enigno das produgdes culturais da po- derosa Disney para © ptiblico infantil. Em filmes como A pequenc sereio ou Aladim, por exemplo, Giroux vé uma pauta pe- dagégica carregada de pressupostos et- noc€ntricos e sexistas que, longe de serem inocentes, moldam as identidades infantis ¢ juvenis de forma bem particular. De for- ma similar, Joe Kincheloe analisa as pegas publicitirias da McDonald's para fagrar ai imagens e representacGes que celebran es valores mais conservadores de uma suposta e tradicional “familia americana”. Shirley Steinberg vai analisar os valores morais e socials contidos no curriculo cul- tural de um artofato talvez ainda mais in- suspeito: a boneca Barbie. Ela chama de “kindercukura” essa indistria cultural vol- ‘tach para 0 piblico infantil E curioso observar que a permeabili- cade © a interpenctragio entre 25 peda- ‘gogias culturais mais emplas e a pedagogia. propriamente escolar tém sido explora- das pelas préprias indstrias culturais que estendem, cada vez mais, seu curriculo cukural para © curriculo propriamente dito. Assim, a Martel, empresa que fabri- ea boneca Barbie, desanvolveu todo un curriculo de historia dos Estados Unides, va a qual € narrada predsamente através — cde quem mais? — da boneca Barbie (pre- sumivelmente também através do Ken). Da mesma forma, empresas como a Diss ney ea McDonald's tém “adotado” es¢o» las pabicas que, de uma forma ou outra, sio obrigadas a molar seu curriculo de acordo com materiais fornecidos por es tas empresas, Nao & diffcil imaginar quais seriam as nogSes de nutrigéo que serlam ensinadas as criancas a partir da perspec= iva da McDonald's ou as nog6es sobre conservacio do meio ambiente desenvol- vidas a partir da perspectiva e dos inte- resses de uma companhia petrolifera. Essa indistingao, estimulzda peia propria indus- ‘ria cultural, torna, assim, menos astra- nha 2 idéia, sustentada por uma teoria curricular inspirada nos Estudos Cultu- ris, de examinar a inddstria cultural como uma forma de pedegogia cultural, © que caracteriza a cena social e cul- tural contemporinea € precisamente © apagemento das fronteiras entre institul- es e esferas anteriormente consid: radas como distintas €. separadags Revolucées nos sistemas de informaglo € comunicagao, como a Internet, por exemplo, tornam cada vez mais proble- maticas as separacoes e distingBes entre © conhecimento cotidiano, © conhecimen- to dh cultura de massa e 0 conhecimento escolar. £ essa permeabilidade que 6 enfa- tizaca pela perspectiva dos Estudos Cul- turais. A teoria curricular critica vé tanto indistria cultural quanto © curricula pro- priamente escolar como artefatos cultu- tals — sistamas de signifcacio implieados na produgio de identidades e subjetivida- des, no contaxto de relagdes de poder, A crea curricular corna-se, assim, legitima- mente, eambéry erica cultural Leituras GIROUX, Henry. “Meméria ¢ pedagogia no mara- vihoso mundo da Disney". In Tomaz Tadeu da Siva (org)-Alengenasne sca de aula. Uriaineo docaa 0s estudes cutturais en educacéo, Rio: Vozes, 1995: p.132-58, GIROUX, Henry. "A dsneyracio da cultura ifen- til. Tomaz T. da Siva e Antonio F. Moreira (orgs). Tet cortestados O cure 0810s ‘mapas politcos e cuturels. Petropolis: Vozes, 1995: p49-1 GIROUX, Henry © SIMON, Roger. "Cultura popu- lar © pedsgogia eriues: a vids cotidians como baseparao conhecrnento curricular’. In Anto- nilo F. B. Moreira © Tomaz T, éa Sita (ocgs). Curia, sociodade « cultura, Sie Paulo: Cortez, 1999; 93-124, ta KINCHELOE Joel. "McDonald's, poder ecrianga Ronala McDonald fz tudo por vocé"”. In SILVA, Luiz Heron et all (orgs). Identdade social © @ censtruzdo do coohecimente, Porto Alegre: Se- crear Municipal ce Educacto, 197: p.69-97. SIMON, Roger. A pedagogla como uma tecnologia cultural". In Tomaz Tadeu da Silva (org) Alanigenas na sola de oule. Uma inredudo oot escudosculturals em educacto, Rio: Voues, (995: p.sl-84, STEINBERG, Shirley. "Kindercultura: + eonstrucso da infinca pels prandes corporacées" In SL VA, Luz Heron et ali (orgs). dented seciol {2 corstiuglo do contecmen, Porto Alegre: Se- cretaria Muricipal de Educacdo, |997:p. 98-145, IV. DEPOIS DAS TEORIAS CRITICAS E POS-CRITICAS Curriculo: uma poder e A aparente disjunedo entre uma teo- ria critica e uma teoria pés-critica do cur riculo tem sido descrita como uma disjungio entre uma andlise fundamenta- da numa economia politica do poder uma teorizacio que se basela em formas cexcuais ¢ discursivas de anilise. Ou ain- da, entre uma andlise materialsta, no sen- tido marxista, e uma analise textualista. A iso pode ser descrita ainda como uma cisfo entre a hipdtese da determinagio econdmica e a hipétese da construcao dliscursiva; ou entre, de um lado, marxis- mo e, de outro, pos-estruturalismo e pos- modernismo. A tensdo entre os conceitos do ideologia e de discurso, mesmo que les se combinem em algumas anilises, é uma demonstracio dessa fratura no cam po de teoria social critica E preciso reconhecer que a chamada “Virada lingiistien” pode nos ter levado a negligenciar certos mecantsmos de dor ragio e poder que tinham sido detalha- damente analisados pela teoria critica, Embora seja evidente que somos cada vez mais governados por mecanismos sutis questao de saber, identidade de poder tais como os analisados por Foucault, é também evidence que conti- nuamos sendo também governados, de forma talyez menos sutil, por relagbes estruturas ce poder baseades na proprie- dade de recursos econdmicos e culturais, © poder econémico das grandes corpo- racées industriais, comerciais e financei- a5 nfo poce ser facilmente equacionado comas formas capilares de poder tao bem descritas por Foucault. De forma sit ‘© poder politico e militar de nagdes Im- periais como os Estados Unidos nio pode ser faciimente descrito pela “microtisica” foucaultiana do poder. também verdade que a teorizacio péos-critica tornou problematicas certas premissas e anslises da tooria critica quea precederam, Assim, parece incontestavel, por exemplo, © questionamento langado 4s pretenses totalizantes das grandes nar- rativas, Nic hé como refutar, tampouco, a critica feita tanto pelo pés-modernismo quamo pelo pds-estruturalismo ao sujeito autnomo e centrado das narrativas mo- demas, No campo mais especiicamente M45, namentos feivos educacional, os que: aos impulsos emancipatérios de certas pedagogias crivcas, na medida em que esto fundamentados no pressuposto do. retorno a algum nucleo subjetivo essen-" cial e auténtico, dificilmente podem dei- xar de ser levados em consideracio, As veorias pds-criticas também es- tenderam nossz compreensio dos pro- cessos de dominacdo. Como procurel demonstrar em alguns dos tépicos des- te livro, @ anilise da dinamica de poder envolvida nas relagées de género, etnia, raga e sexualidade nos fornece um mapa muito mais completo @ complexo das re- lag6es sociais de dominaco do que aque- le que as teorias criticas, com sua énfase quase exclusiva na classe social, nos ti nham anteriormente fornecido. A con- cepgio de identidade cultural e social desenvolvida pelas teorias pés-criticas nos tem permitido estender nossa concep- gto de politica para muito além de sew sentido tradicional — focalizado nas ativie dades a0 redor do Estado. A conhecida consigna “o pessoal também & politico”, di- funcido pelo movimento feminista, € ape- nas um exemplo dessa produtiva tondéncia, Nio se pode tampouco negar que a critica felta pelas teorias pés-cridicas ao conceito de ideologia tem ajudado a des- fazer alguns dos embaracos do legado das teorias criticas, Particularmente, a oposi- fo entre ideclogia e ciéncia, que, explici- ta ou implicitamente, fazia parte da conceptualizazao do conceito de ideo- logia desenvolvido por varias vertentes marxistas, néio pode, depois do pés-os- truturalismo, ser to faciimente susten- tada, Depois do pés-estruturalismo ¢ particularmente depois de Foucault, a oposigdo entre ciéncia ¢ ideologia, fun- damentada como & na oposicio "verda- deiro-falso”, simplesmente se desfaz, Nesse sentido, as teorias pés-criticas, ao contré- rio das acusagtes que thes sio feltas, a0 deslocaram a questio da verdade para aquilo que considerado verdade, tornam © campo social ainda mais politizado. A cléncia ¢ 0 conhecimento, longe de serem © outro de poder, sfio também campos de luta em torno da verdade. Parece, pois, inguestionivel que, depois das teorias pas- criticas, a teoria educacional critica nao pode voltar a ser simplesmente “erféca”. © legade das teorias criticas, sobrotu- do aquele de suas vertentes marxistas, nfo pode, entretanto, ser faciimente ne~ gado. Nio se pode dizer que os proces- sos de dominagio de classe, baseados na 46 exploragio econémica, tenham simples- mente desaparecido. Na verdade, eles continuam mais evidentes e dolorosos do que nunca. Se alguma coisa pode ser sa- lientada no glorificado processo de glo- balizacdo & precisamente a extensio dos niveis de exploracio econdmica da maio- ria dos paises do mundo por um grupo reduzido de paises nos quais se concen- tra a riqueza mundial. Nosse contexte, nenhuma andlise textual pode substituir as poderosas forramontas de anilise ca so- ciedade de classes que nos foram legadas pela economia politica marxista, As teo- rias pés-criticas podem nos ter ensinado que o poder est em code parte © que & multiforme. As teorias criticas nfo nos delxam esquecer, encretanco, que zlgummas formas de poder sio visivelmente mais perigosas e ameacadoras do que outras. ‘Ao questionar alguns dos pressupos- tos da teoria critica de curriculo, a teoria pos-critica introduz um claro elemento de tansfo no centro mesmo da teorizagao critica. Sendo “pos”, ela nao &, entretarto, simplesmente superagio, Na teoria do curriculo, assim como ocorre na teoria social mais geral, a teoria pés-critica deve se combinar com a teoria critica para nos ajudar a compreender os processos pelos quais, através de relagSes de pode e controle, nos tornamos aquilo que 50 mos. Ambas nos ensinaram, de diferen tes formas, que o curriculo 6 uma questi de saber, identidade e poder. Dopois das toorias eriticas © pés-er ticas do curriculo torna-se impossive pensar 0 curriculo simplesmente através de conceitos técnicos como os de ens no ¢ eficiéncia ou de categorias psico légicas como as de aprendizagem : desenvolvimento ou ainda de taticas como as de grade curricular ¢ list de conteddos, Num cenério pés-critice © curriculo pods ser todes essas coisas pois ele & também aquilo que dele se fa mas nossa imaginacio esté agora livre pan pensé-lo através de outras metiforas, par concebé-lo de outras formas, para ved de perspectivas que nao se restringen Aquelas que nos foram legadas pelas es treitas categorias da tradi¢ao. Com 2s teorias criticas aprendemo que 0 currieulo é, definitivamente, un espaco de poder. © conhecimento cor porificado no curriculo carrega as mat cas indeleveis das relagoes socials d poder. © curriculo & capitalista, O curri culo reproduz — culturalmente — a estruturas sociais. O curriculo tem un ur papel decisive na reprodugio da estru- tura de classes da sociedade capitalista. © curriculo € um aparelho ideolégico do Estado capitalista. O curriculo transmite a ideologia dominante. O curriculo 6, ein suma, um territorio politico. As teorias criticas também nos ensi- aram que ¢ através da formagio da cons- ciéncia que 0 curriculo contribui para reproduzir a estrutura da sociedade ca- pitalista. O curriculo atua ideologicamen- te para manter a crenga de que @ forrra capitalista de organizacio da sociedade & boa e desejivel. Atrarés das relagbes so- ciais do curriculo, as ciferentes classes so- cialis aprender quais sao seus respectivos papéis nas relacdes socizis mais amplas. HA uma conexto estreita entre 0 cocigo do- rminante do curriculo @ a reproducio de formes de consciéncia de acordo com a classe social. A formagio da consciéncia — dominante ou dominada — & determi- nada pela gramética social do curriculo. Foi também comas teorias criticas que pela primeira vez aprendemos cue 0 cur- ricule é uma construgiio social, O curri- culo é uma invencio social como qualquer coutra: 0 Estado, a nagio, a religiéo, 0 fute- bol... Ele € 0 resultado de um processo histOrico. Em determinado momento, através de processos de disputa e conf to social, certas formas curriculares — nic outras — tornaram-so consolidadas. como 0 curriculo. E apenas uma contin géncia social ¢ histérica que faz com q © curriculo seja dividido em matérias o8 disciplinas, que 0 curriculo se distribua seqiiencialmente em intervalos de tem= po determinades, que © curriculo esteja ‘organizado hierarquicamente...E também através de um proceso de invengao som cial que cortos conhecimentos acabam fazendo parce do curriculo e outros nao, Com a nogio de que o curriculo € ul construgdo social aprendemos que @ per= gunta importante no € “quais conheck mentos sdo vali¢os?”, mas sim “quais conhecimentos so considercdes vilidos?"s As teorias pés-criticas ampliam ©, a3 mesmo tempo, modificam aquilo que as teorias criticas nos ensinaram, As teort pés-criticas continuam a enfatizar que curricul nko pode ser compreendida sem uma analise das relacdes de poder has quais ele esté envolvide, Nas teories pés-criticas, entretanto, 0 poder torn se descentrado. © poder nao tem mais. um nico centro, como o Estado, p exemplo, O poder esta espalhado por’ toda a rede social. As teorias pés-criti vat desconfiam de qualquer postulagto que tenha como prestuposte uma situagio finalmente livre de poder. Para as teorias pés-criticas 0 poder transferma-se, mat nao desaparece. Nas teorias pos-criticas, © conhecimento néo ¢ exterior 20 po- der, © conhecimento niio se opée 20 po- der, O conhecimento nie € aquilo que pe em xeque © poder: o corhecimento € parte inerente do poder. Em contraste com as teorias crticas, as teorias pos-crf- ficas nto limitam a anilise do poder a0 campo das relag6es econémicas do eapi- talismo, Com as teorias pés-criticas, 0 mapa do poder 6 ampliado para ineluir os processos da dominagdo centrados na raga, na etria, no género e na sexualidade. Embora as teorias eriticas susteneas- sem que © curriculo 6 uma invencio so- cial, elas zinda mantinham uma carta nogio realista do curriculo, Se a ideologia cedes- so lugar 20 verdadsiro conhecimento, © curriculo e a sociadade seriam finalmente ‘emancipados ¢ libertados. Se pudéssemos nos livrar das relacdes de poder inerentes a0 capitalsimo, 0 conhecimento corporiti- ado no curriculo ja nao seria um conhe- cimento distorcido € espuirio. Com sua anfase pés-estrucurcliscana linguagem enos Processos de significacao, as teorias pos- as criticas ja no precisam da referéncin de um conhecimento verdadeiro baseado hum suposto “real” para submeter a cris tica © conhecimento socialmente cons- truldo do curriculo. Todo conhecimente depende ca significagao e esta, por sua ver, depende de relacdes de poder. Nio hha conhecimento fora desses processos. As teorias pés-criticas continuam en= fatizando 0 papel formativo do curriculo, Diterentemente das teorias critices, en= tretanto, as teorias pés-criticas rejeitam a hipbtese de uma consciénca coerente, centrada, unihria. As tecrias pés-eritieas rejeltam, na verdade, a propria nogao de conscléncia, com suas conotagbes racio- nalistas e cartesianas. Elas desconfiam tame bém da tendéncia das teorias criticas a postular a existéncia de um niicleo subje- tivo pré-social cue teria side contaminado pelis relacdes de poder do capitalismo e que seria libertado pelos procedimentos de uma pedagoaia critica. Para as teorias pos-crticas, a subjedvidade ¢ jd e sempre social. Nao existe, por isso, nenhum pro= cesso de libertagio que torne possivel a cemergéncia — finalmente — de um eu fe yre @ auténomo. As teorias pos-criticas colham com desconfianca para conceitos como alienacéo, emancipacio, libertacio, autonomia, que supdem, todos, uma es- séncia subjetiva que foi alterada ¢ precisa ser restaurada. Em suma, depois cas teorias criticas.e pos-criticas, nde podemos mais olhar para © curriculo com a mesma inocéncia de antes. © curriculo tem significados que v0 muito além daqueles aos quais 3s teorias cradicionais nos confinaram, O eur- riculo & lugar. espaco. territotio, O curri- culo € relagio de poder. O curriculo é ‘trajetéria, viagem, percurso. O curricuio € autobiografa, nossa vida, curriculum vitae: no eurriculo se fora nossa identidade. O cutriculo é texto, discurse, documento, (© curriculo ¢ documento de identidade. 150 Referéncias bibliograficas Pera nfo sobrecsrregar 9 texto com © apa {0 acedemico, as fontes das citagces foram aqui reunidas, na orders em que aparecem nos respec- tives tépicos: [A citagio de Bobbit: no tdpico sobreas veorine ‘vadicorals esté em Callahan, 1962, p. 81. As per~ guntas de Tylor no mesmo t5pico estio em Tyler, 1974, p. 1. Ox textos de andi fenomanolégiea da ‘educagio coletados por Maxvan Manen, menciora- dos no topico sobre os reconceptualistas, podem ‘er encontrados na pigina dovan Manen na Inert, cconiorme referido abalxo.A ctagio de Paulo Freire sobre "conteiides programiticos” ne tépice so bbeo Fralra @ Saviani & retivaca de Freire, 1973, pI (com supressio de uma pequena expressao, rio indicaca). A cacke de Schafer no tbpico so- bore a “Nova Scclologis di Edueseso” & falta por Michael Young em Yourg, 1971, p.27.A chagdo de Geoffrey Esland no mesmo tépico 6 retirads do Esland, 1971, p, 78, A citagio de Bernstein no tépl- co respectivo € redrada de Bernstein, 1975, p85 eorceito de “ustica curricular” de Connell, re- ferido ne topico sobre multiclturaismo, esti en Connell, 1992, 1995. A origom da palavea genero ‘tal como utllizada na toratura feminist esta des- crits em Frank e TreieHer, 1989, p. I. © ditloga entre Cornel West ¢ jorge K. de Alba ests em ‘West e Alba, 1996, As ctagOes de Deborah Briuzman ro tépico sobre pedagosia queer sto retiradas de Britzwar, 1995,p. 160, p. [56-ep. 159, respectivamente. A ctagio de Foucault no tépico sobre o pos-estruturlismo fol retrada de Foucault, 1994, p. 135 (nico estSo indicadas 2s supresstes). A coricaura dos estrucuralists sth descrita em Peters 1996, p.21, Uma repradusio dessa carian- ‘ura aparece na folha de rosto de Dosse. 1994, Arreferéncia 20 filme Sizguns and sodey, no wipico sobre o pés-estruturalismo, ¢ retirada ce Storey, 1993, p, 74, Em virios capitulos, beneficiotma da cenciclopécida revieio da literatura eatudunidense sobre eurricuio feta por Pinar et ali, 1995 BERNSTEIN, Baill, Cass, codes and control. vole ime 3, Londres: Routledgeand Kegan Pau, 1975, BRITZMAN, Deborah. “Is there a queer pecagogy? Or, stop reading straghs”, Educational theoy, 1995, (45) 2: p 151-168. ‘CALLAHAN, R.E.Educetin end the elt offing (Clea ge: The University of Chicago Press, 1962, CONNELL, Robert W. "Politica educacienal, hegemenia ¢ estiatigas de mudanca soda Teor © educacio, 5, 1992: p.66-80, CONNELL, Robert W. “Justica, conhecimanto & turriculo na edueacao concemporanes”, In Lute H. da Silva @ José C. de Azevedo (orgs). Reestruturagda cular Teoia © prética no ei ane da exeala. 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Knowiedge ard corre) Londres: Macrnillan, 1971: 19-46, A capa reprodur, em primeiro plano, a pintura “A profes- sora” 0, om segundo plano, a pintura “Jesus - Sereno”, ambas de Marlene Dumas. Marlene Dumas nasceu em 1953 na Afi- ca do Sui € vive, desde 1976, om Amsterdam, Holanda “Eu pinto porque sou uma mulher desorderada. A pintura 6 uma coisa desarrumada, Ela jamais podera ser um meio con- celtual. Quanto mais “conceitual” ou limpa for a arte, mais @ ‘eabega poder ser separada do corpo (..). A pintura diz respei toa0 traco do teque humano. Diz respeito & epiderme de uma superficie, Uma pincura nfo & um eartio postal. O contetido da pincure nfo pode ser separado da sensacio de sua superficie. “HA uma crise da Representagio. Eles estio procurando pelo Signifcado como se ele fosse uma coisa. Como se forse uma garota obrigada a tirar sua calcinha, como se ela quisesse fazé-lo, assim que aparecesse o verdadeiro intérprete. Como para tirar.” se houvesse algurra c Marlene Dumas* Na Internet: hap:iwww.oasinet.com/postmedia/artp/dumas.hem/ 133 © autor Tomaz Tadeu da Siva é professor do Programa de Pés- Graduacio em Educacéo da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Pertence ao Conselho Editorial das revistas Curriculum Studies; Journel of Education Palicy; Discourse; e Heu- resis, E autor dos livros O que produz e 0 que reproduz em educogdo (Arves Médicas); Identidades terminais (Vores); Escu- ea, eonacimiento y curiculum (Mifo y Davila) € Cuitura, pottica y-curticulum (com Michzel Apple e Pablo Gentil; Losada). Or- garizou os seguirtes livres: Teoria educacional ertica em tem- pos pésmodernos (Artes Médicas); Alenigenas na sola de oula (Yozes}; © sujeito da educagdo (Voues); Liberdades reguladas (Vozes); Neolberalismo, qualidade total e educacéo (com Pablo Gentli; Vores); Curricula, cutura e sociedade (com Antonio Flavio Moreira; Cortez);Escole §.A. (com Pablo Gentil; CNTE); Teritsrios cortestados (com Antonio Flavio Moreira; Vazes). & para dliscutir questées como €5- "$85 que o autos révisa, neste livzo, as teo- @ todas as pessoas curriculo sem o le antes. O curriculo é lugar, espago, territério. O curriculo*é telagaode poder. paagem, percurso. urriculo é sucbiogrt, nossa 3 vida, curricula Vitae: no ute eee forfeoss identid dé EAR ISBN 85. fe a 5 16543-44-8 | | 7 I ANSRONSR S445) wal r

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