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Quis Jesus fundar a Igreja?

Tradução de COMISIÓN TEOLÓGICA INTERNACIONAL , «La conciencia


que Jesús tenia de sí mismo y de su misión: Proposición
tercera», in C. POZO (ed.), Documentos 1969-1996. Veinticinco
años de servicio a la teología de la Iglesia, Madrid, La Editorial
Católica, 1998, 386-389.

Proposição terceira

Para realizar sua missão salvífica, Jesus quis reunir os homens em


vista do Reino e convocá-los em torno de si. Em função deste desígnio,
Jesus realizou atos concretos, cuja única interpretação possível, tomados
em seu conjunto, é a preparação da Igreja que será definitivamente
constituída nos acontecimentos da Páscoa e Pentecostes. Portanto, é
necessário dizer que Jesus quis fundar a Igreja.

Comentário

1. Segundo o testemunho apostólico, a Igreja é inseparável de Cristo. De


acordo com uma fórmula recorrente em São Paulo, as Igrejas estão “em Cristo”
(1Ts 1,1; 2,14; 2Ts 1,1; Gl 1,22), são “as Igrejas de Cristo” (Rm 16,16). Ser
cristão significa que “Cristo [está] em vós” (Rm 8,10; 2Cor 13,5), é “a vida em
Cristo Jesus” (Rm 8,2); “todos vós sois um em Cristo” (Gl 3,28). Esta unidade
se expressa, sobretudo, pela analogia da unidade do corpo humano. O Espírito
Santo constitui a unidade deste corpo: “corpo de Cristo” (1Cor 12,27) ou “em
Cristo” (Rm 12,5) e inclusive “Cristo” (1Cor 12,12). O Cristo celeste é o
princípio de vida e de crescimento da Igreja (Cl 2,19; Ef 4,11-16), é “a cabeça
do corpo” (Cl 1,18; 3,15 e alibi), a “plenitude” (Ef 1,22s) da Igreja.
Ora, esta unidade irrompível de Cristo com sua Igreja se enraíza no ato
supremo de sua vida terrestre: o dom de sua vida na cruz. Porque a amou,
“entregou-se por ela” (Ef 5,25), pois queria apresentá-la a si mesmo
“resplandecente” (5,27; cf. Cl 1,22). A Igreja, corpo de Cristo, tem sua origem
no corpo entregue na cruz, no “sangue precioso” (1Pd 1,19) de Cristo, que é o
“preço” com que fomos comprados (cf. 1Cor 6,20). Para a pregação apostólica,
a Igreja é o objetivo da obra de salvação realizada por Cristo em sua vida
terrestre.

2. Quando Jesus prega o Reino de Deus, não anuncia simplesmente a


iminência da grande mudança escatológica: convoca primeiramente os homens
para entrar no Reino. O gérmen e o começo do Reino é o “pequeno rebanho”
(Lc 12,32) daqueles que Jesus veio convocar em torno de si e do qual ele
mesmo é o pastor (Mc 14,27 par.; Jo 10,1-29; cf. Mt 10,16 par.), que veio reunir
e libertar suas ovelhas (Mt 15,24; Lc 15,4-7). Jesus fala desta convocação
utilizando a imagem dos convidados às bodas (Mc 2,19 par.), da plantação de
Deus (Mt 13,24; 15,13), da rede de pesca (Mt 13,47; Mc 1,17). Os discípulos de
Jesus formam a cidade sobre a montanha e que é visível à distância (Mt 5,14),
constituem a nova família, da qual Deus mesmo é o Pai e na qual todos são
irmãos (Mt 23,9); constituem a verdadeira família de Jesus (Mc 3,34 par.). As
2

parábolas de Jesus e as imagens de que se serve para falar dos que ele veio
convocar trazem consigo uma “eclesiologia implícita”.
Não se trata de afirmar que esta intenção de Jesus implique uma vontade
expressa de fundar e estabelecer todos os aspectos das instituições da Igreja
tal como se desenvolveram ao longo dos séculos 1. É necessário, contudo,
afirmar que Jesus quis dotar a comunidade que veio convocar em torno de si
de uma estrutura que permanecerá até a consumação do Reino. Deve-se
mencionar aqui, em primeiro lugar, a eleição dos Doze e de Pedro como seu
chefe (Mc 3,14ss). Esta eleição, das mais intencionais, visa o restabelecimento
escatológico do Povo de Deus que estará aberto a todos os homens (cf. Mt
8,11s). Os Doze (Mc 6,7) e os outros discípulos (Lc 10,1ss) participam da
missão de Cristo, de seu poder, mas também de sua sorte (Mt 10,25; Jo 15,20).
Neles manifesta-se o próprio Jesus, e neste, Aquele que o enviou (Mt 10,40).
A Igreja terá também sua oração própria, aquela que Jesus lhe deu (Lc 11,2-
4); ela recebe, sobretudo, o memorial da ceia, centro da “Nova Aliança” (Lc
22,20) e da comunidade nova reunida na fração do pão (Lc 22,19). Aos que
Jesus convocou em torno de si, ele lhes ensinou também um “modo de
proceder” novo, diferente daquele dos antigos (cf. Mt 5,21 etc.), daquele dos
pagãos (cf. Mt 5,47), daquele dos grandes deste mundo (Lc 22,25ss).
Jesus quis fundar a Igreja? Sim, porém esta Igreja é o Povo de Deus que ele
reúne a partir de Israel, através do qual busca a salvação de todos os povos.
Ora, Jesus se sabe enviado e envia seus discípulos, em primeiro lugar, “às
ovelhas perdidas da casa de Israel” (Mt 10,6; 15,24). Uma das expressões
mais dramáticas da consciência que Jesus tinha de sua divindade e de sua
missão é esta queixa (a queixa do Deus de Israel!): “Jerusalém, Jerusalém …
quantas vezes eu quis reunir os teus filhos como uma galinha reúne os seus
pintainhos debaixo de suas asas, e não quiseste!” (Lc 13,34; cf. 19,41-44).
Com efeito, Deus (Yahweh) no Antigo Testamento intenta, sem cessar, reunir os
filhos de Israel num povo, seu povo. Este “não quiseste” mudou não a intenção,
mas o caminho que tomará a convocação de todos os homens em torno de
Jesus. Doravante será principalmente “o tempo dos pagãos” (Lc 21,24; cf. Rm
11,1-6) aquele que marcará a ecclesia de Cristo.
Cristo tinha consciência de sua missão salvífica. Esta implicava a fundação
de sua ecclesia, isto é, a convocação de todos os homens para constituir a
“família de Deus”. A história do cristianismo repousa, em última análise, sobre a
intenção e a vontade de Jesus de fundar a sua Igreja.

3. À luz do Espírito, o evangelho de São João entende toda a vida terrestre


de Cristo como iluminada pela glória do Ressuscitado. Assim sendo, a
consideração do círculo dos discípulos de Jesus se abre já sobre todos aqueles
que “graças a sua palavra crerão em mim” (Jo 17,20). Aqueles que, durante
sua vida terrestre, estiveram com ele, aqueles que o Pai lhe havia dado (17,6)
e que ele havia guardado e em prol dos quais ele havia se “consagrado”
(17,19) a si mesmo dando sua vida, representam já todos os fiéis, todos os que
o terão recebido (1,12) e terão acreditado nele (3,36). Pela fé estão a ele
unidos como os sarmentos o estão à cepa sem a qual se secam (Jo 15,6). Esta
união íntima entre Jesus e os crentes (“vós em mim e eu em vós”: 14,20) tem,
sem dúvida, sua origem no desígnio do Pai que “dá” os discípulos a Jesus
(6,39.44.65), todavia se realiza finalmente pelo dom livre de sua vida (10,18)

1
Cf. COMISIÓN TEOLÓGICA INTERNACIONAL , Temas selectos de Eclesiología, c. 1, 4.
3

“por seus amigos” (15,13). O mistério pascal permanece na fonte da Igreja (cf.
Jo 19,34): “E eu, quando for elevado da terra, atrairei todos a mim” (12,32).

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