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Conhecido como “o próximo Nostradamus”, o cientista político Bruce Bueno de

Mesquita conseguiu prever vários eventos de grande importância usando de seu


conhecimento em teoria dos jogos e da chamada teoria do seletorado, sendo chamado
para ser conselheiro da CIA pelo seu sucesso em suas pesquisas e previsões. Dentre
outros livros de renome, como o “The Predictioneer’s Game”, se destaca o texto aqui
analisado, escrito conjuntamente com Alaistar Smith, livro que foi ainda mais
popularizado pelo vídeo viral de CGP Grey, “Rules for Rulers”

Fora de todo o engajamento político que o leitor está acostumado a encontrar nas
suas leituras e conversas no dia a dia, são raras as vezes que este se depara com uma
obra neutra e precisa como “The Dictator’s Hanbook” tanto que muitos encontram nesse
apenas mais argumentos para dar suporte a suas ideologias muitas vezes falhas e
imprecisas. Isso porque afora da grande diferenciação moral em tese existente nas
facções políticas todas essas são apenas máscaras para o que está realmente por detrás
do poder que as envolve, pois no pragmatismo político e econômico as prioridades não
são encontrar o que é moralmente correto ou o que é bom para a maioria, mas sim
alcançar e manter o poder de quem o cobiça. Um fator notório da obra é que esta não se
propõe apenas a agregar mais conhecimento, mas também a fornecer os devidos
argumentos para refutar ou atualizar obras antigas, como as de Montesquieu, Hobbes e
outros autores políticos clássicos. Porém não seria justo dizer que o livro é uma versão
moderna destes livros, pois é recomendável a leitura de algumas dessas obras, em
especial o Príncipe de Maquiavel, para um melhor aproveitamento e para uma formação
mais completa na leitura.

O que torna os argumentos do livros tão coesos são as premissas usadas pelos
autores para justificar a construção lógica- em especial com a ruptura da divisão clássica
entre governos com apenas um governante ou com vários governantes, já que aqui é
postulado que ninguém governa unilateralmente; mesmo os imperadores mais
poderosos sempre tiveram outras pessoas que as fizeram chegar no poder e os
mantiveram no cargo. Dessa forma, nenhum governante jamais governou a população
de forma direta, tendo sempre que lidar com diversas restrições que fazem com que seja
quase impossível satisfazer a todos, tendo sempre a consciência que se não satisfizer as
pessoas certas ele pode ser facilmente substituído. Dessa forma o governante deve,
sempre que puder, reduzir a possibilidade que pessoas que governam junto com este
estejam com intenções que possam reduzir ou retirar seu poder, então tentará sempre
suprimir esses agentes com ataques ou com agrados. O governante vai sempre procurar
a opção que o favoreça, e essa é uma premissa muito recorrente nas formulações do
pensamento político desenvolvido pelo livro, e frequentemente usada para atacar outras
hipóteses (como em sua crítica a Hobbes), então se irá atacar possíveis rivais ou
suborná-los depende apenas das circunstâncias. De qualquer forma é melhor para o
governante diminuir a quantidade de pessoas que tomam decisões, pois é mais barato
conter um número menor de pessoas. É por isso que temos frequentemente, em nossa
democracia, governantes tentando diminuir os benefícios de algumas pessoas ou o
número de eleitores (impondo restrições aos votos, por exemplo).

Então, para os autores, não existe uma diferença tão grande entre as democracias
e as ditaduras, já que ambas as formas de governar estão num mesmo espectro que tem
seus extremos ditaduras absolutistas e democracias bem consolidadas, separados pela
quantidade de pessoas influenciando na manutenção do poder ao invés de qualquer tipo
de julgamento moral. Dessa forma, democracias tendem a ser mais eficientes, pois o
número de pessoas que tomam as decisões é maior, logo é muito difícil para o
governante usar bens privados para satisfazer as pessoas, logo precisa se desempenhar a
fornecer bens públicos, como estradas e hospitais. Com esses bens as pessoas aumentam
a sua produtividade e assim aumentam a porcentagem dos impostos pagos o governante,
que usa para manter suas alianças, como as com os partidos. Porém, se o governante
tiver alguma fonte de recursos que compense mais que investir em bens públicos, como
uma reserva de petróleo, é mais provável que este se contenha a alimentar suas alianças
apenas com parte da riqueza vinda deste, deixando seu caráter democrático de lado. Os
autores mostram que no começo da carreira política de um governante as democracias
são mais estáveis, porém conforme o tempo passa as ditaduras acabam se tornando mais
estáveis para os governantes. É por isso que no começo muitos ditadores se disfarçam
de democráticos, no sentido empoderar a mais pessoas, mas depois vão mostrando suas
verdadeiras intenções. Por conta disso, democracias são mais raras do que parecem ser,
e precisam de uma estruturação muito rigorosa para que não ocorra uma transição em
direção a governos autoritários.

O livro explicita muito a importância do dinheiro e da economia nas relações de


poder, e comenta sobre como ele se distribui nos diferentes regimes. Em ditaduras, o
dinheiro pode vir de vários lugares, como de saques a outros países, impostos,
manipulações no mercado, vendas de recursos, entre outros-enquanto que em
democracias sua fonte de recursos é quase puramente de impostos, não obstante pessoas
não gostam de pagar impostos e rejeitam aos políticos que aumentam a alíquota,
dificultando sua manutenção no poder. Ademais, os governados também exigem a
provisão de bens públicos, e o custo para manter as instituições, sistema eleitoral, etc. é
geralmente muito alto. Isso tem como resultância a demanda por uma grande fonte de
recursos que nutre as democracias: os empréstimos. Empréstimos são convenientes na
democracia porque as dívidas dos governantes são frequentemente deixadas para os
sucessores do mandato, fazendo com que as consequências negativas para quem
empresta sejam pequenas, pois a responsabilidade é sempre deixada para adiante. Só
que ao mesmo tempo que as democracias usam de empréstimos para financiar bens
públicos, os ditadores utilizam destes para financiar seus regimes. Isso faz com que,
muito frequentemente, países com IDHs baixíssimos estejam enfrentando dívidas
desproporcionais, pois esse dinheiro foi usado pelas alianças do governo para manter
seu poder, ao invés de investir na população. Mesmo que estejam numa situação
desesperadora países com regimes ditatoriais preferem manter os habitantes com
péssimas condições de vida a correr o risco de dar-lhes mais recursos para se
revoltarem. Os governos no geral ou deixam seus cidadãos satisfeitos o suficiente para
não precisarem se revoltar ou os deixam em estado miserável, para não terem forças
para se revoltar. Assim sendo, maior parte dos governos autoritários falharam porque os
líderes deixaram recursos suficientes para a população se estruturar e se revoltar.

Então podemos observar, e isso é muito criticado no livro, que é comum países
democráticos emprestarem e perdoarem dívidas de países pobres, em especial na África,
o que é um grande equívoco, já que o que se espera desses países é que estes países
apenas usem o dinheiro para oprimir às massas, não importando a benevolência do
ditador. Se o ditador começa a usar do dinheiro para realmente ajudar aos residentes, as
pessoas que o mantém no poder o retirarão do cargo e colocarão alguém que atenda a
seus interesses. Da mesma forma, doações servem apenas para os doadores aumentarem
seus status, raramente ajudando ao país a que doam, e apenas gerando mais pobreza. Na
verdade, muitos associam erroneamente que democracias surgem por causa do aumento
da riqueza numa determinada região; é a riqueza que vem com o aumento da liberdade e
com o aumento da estabilidade num território, aumentar a arrecadação ali somente
fortalecerá o governo opressor.
De fato, governos mais autocráticos (ditaduras), têm menos preparo até para
catástrofes naturais que democracias; isso porque pode ser benéfico para as alianças dos
governantes mais autoritários, já que muitas dessas alianças produzem bens que podem
ser vendidos para as vítimas dos desastres. Claro que isso também pode acontecer nas
democracias, mas é menos provável que os democratas façam esse tipo de aliança, pois
geralmente é mais benéfico para os políticos fazerem alianças que beneficiem a
produtividade da população. É claro que na democracia nada é feito por bondade, e sim
porque é mais benéfico tomar as atitudes tomadas nesta para as partes. É importante
ressaltar que em democracias muitas vezes não se tem muitas fontes de recursos, que
faz com que os interesses do governo na população sejam maiores. Em ditaduras se o
governo tem uma fonte de recursos diferente de impostos, não vale a preocupação. E
uma das formas que essa falta de preocupação se manifesta é na manutenção proposital
da corrupção nessas ditaduras; por exemplo em ditaduras os policiais costumam ganhar
muito pouco pois assim é mais atrativo a eles se tornarem corruptos, sentindo-se na
vantagem aceitando propinas, entre outros. Em democracias a corrupção também está
muito presente, e em qualquer organização que envolva poder podemos esperar que
existam muitos casos do tipo, os autores exemplificam como organizações como a FIFA
são repletas de corrupção- conquanto em ditaduras a corrupção é uma forma de manter a
lealdade das alianças, em outros sistemas é uma consequência natural da chegada ao
poder, e a melhor forma de combate-la é que as autoridades sejam fiscalizadas pelas
pessoas que as escolhem, e não por algum tipo de regulamentação, que no geral só piora
a situação

Uma diferença importante também está na diferenciação entre regimes mais


democráticos e mais centralizados está na forma como se fazem guerras. Os autores
refutam algumas passagens de Sun Tzu, por não serem mais relevantes nas democracias.
A principal diferença está no fato que na época de Sun Tzu a vida dos soldados não era
tão valorizada, enquanto que nos conceitos de guerra nas democracias modernas o
cuidado com os soldados é muito maior, sem falar que as verbas hoje em dia necessárias
para iniciar uma guerra tendem a serem relativamente pequenas, já que quando as
iniciam começam a emprestar dinheiro para financiá-las e recebem ajuda de outros
países. Em democracias guerras são mais raras, porém ainda presentes, principalmente
quando se tratam de democracias grandes atacando países pequenos, e nas democracias
as chances de vitória são também maiores já que as pessoas decidem se entrarão em
guerra ou não com base em suas chances de ganhar-como frequentemente não se sabe
qual será o resultado, democracias frequentemente optam por não guerrearem.

Ao término do livro, é difícil qualquer leitor ter a mesma visão do mundo que
tinha antes do mundo. Isso porque as regras que são descritas não são aplicáveis apenas
ao cenário político, mas sim em todos os níveis de poder que encontramos na sociedade.
Não obstante, apesar de adquirir uma visão mais clara do mundo seria errôneo concluir
que todo o discurso ideológico é apenas uma mentira usado como catacumba política.
Imagine da seguinte forma: quando vai para uma escola de arte frequentemente o aluno
se decepciona com a falta de criatividade como a arte parece se manifestar, cheia de
fórmulas prontas para fazer efeitos e tornar a arte mais mecânica, como perspectiva
teoria das cores, entre outros. Porém conforme o aluno aprende aquelas técnicas ele
percebe que sua capacidade criativa também cresce já que sua compreensão da realidade
aumenta, e mesmo para então desenhar coisas completamente abstratas o fazem com
facilidade. Mesmo os grandes autores de política enviesados têm uma compreensão
muito profunda da realidade, que faz com que eles consigam ordená-la de forma a
convencer as massas. Então pode não ser muito agradável para o leitor ler livros como
os de Robert Greene, ou Bruce Bueno de Mesquita e muitas vezes até mesmo
repugnante, no entanto faz parte de sua evolução como pessoa para ficar mais atento e
escapar da frequente enganação proveniente do jogo de poder, e para formar opiniões
sobre o mundo que tenham uma fundamentação e não acabe apenas piorando o mundo
tentando ajudar com ideologias sem sentido.

Mesmo os autores possuem opiniões enviesadas sobre como o mundo deveria


ser, ao invés de como ele realmente é, cujos argumentos são expostos no ultimo capítulo
do livro. A maior parte de suas ideias giram entorno de descentralizar e democratizar o
poder, e por isso propõem a adoção de tecnologias como smartphones para permitir a
comunicação e troca de informações entre os indivíduos, além da adoção de
computadores para processar informações, que é um dos artifícios usados por Bruce
Bueno de Mesquita para fazer suas previsões. No entanto é preciso tomar um certo
cuidado com esses argumentos porque o livro é de 2011 e desde lá uma série de eventos
ocorreram que tornam a ética de empresas que provém esses serviços de
descentralização duvidosa, então talvez adaptando para os dias de hoje seria mais óbvio
apoiar a adoção da Blockchain para enfraquecer ditaduras e caminhar na direção da
estabilidade e liberdade valorizadas pela democracia.

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