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BRINCADEIRAS NO PARQUINHO: O ENCONTRO COM AS CRIANÇAS POR

MEIO DA EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA

Eixo 3 – Identidades e formação docente


Leticia Cavassana Soares1

RESUMO

Este trabalho apresenta as práticas vivenciadas a partir do movimento extensionista


desenvolvido em um Centro Municipal de Educação Infantil, localizado no Estado do
Espírito Santo. Focalizam-se as brincadeiras no parquinho como prática de interação
entre os sujeitos, compreendendo tal relação como propiciadora do desenvolvimento
da autonomia, da cooperação e da criatividade da criança. As experiências foram
registradas em relatórios produzidos a partir da imersão na instituição, as quais
foram compostas por momentos formativos, repletos de descobertas e
aprendizados. Nesse sentido, faço um exercício de tecer reflexões a respeito do
parquinho como tempo/espaço de interações e da brincadeira com intervenção
adulta como meio de companheirismo no encontro com as crianças.

Palavras-chave: Educação Infantil. Brincadeiras. Parquinho.

INTRODUÇÃO

A prática iniciou-se com a imersão em um Centro Municipal de Educação localizado


no Estado do Espírito Santo, atividade de extensão principal do Programa de
Educação Tutorial (PET) Conexões de Saberes: projeto educação. Esse programa
integra a tríade Ensino, Pesquisa e Extensão e, especificamente no que diz respeito
ao PET Conexões de Saberes: projeto educação, que apresenta como foco a
formação de professores na Educação Infantil, destacamos o projeto de extensão
coletivo, denominado “Educação Infantil: o trabalho docente no encontro com as
crianças”.

A partir desse projeto, os bolsistas do grupo participam do cotidiano do CMEI,


conhecendo o trabalho dos profissionais da instituição, dialogando com as crianças,
realizando a inserção nos espaços educativos e participando da dinâmica ativa do

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Graduanda do curso de Pedagogia na Universidade Federal do Espírito Santo. Bolsista do
Programa de Educação Tutorial (PET) Conexões de Saberes: Projeto Educação (orientação/tutoria
da Prof.ª Drª. Valdete Côco - DLCE/PPGE/CE/UFES). Instituição de fomento: Coordenação de
Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES).
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local, desenvolvendo assim um movimento de parceria. Essa atuação conjunta
objetiva propiciar uma troca de experiências entre os graduandos, a instituição e a
comunidade.

Para os petianos envolvidos (graduandos dos cursos de Artes Visuais, Educação


Física e Pedagogia), busca-se a compreensão dos mecanismos de formação de
professores, além da concepção de que os saberes produzidos na Universidade
(nos cursos de graduação, no caso dos integrantes do grupo) devem ser
socializados com a comunidade, de modo a desenvolver uma solidariedade
recíproca entre os profissionais e o grupo.

Com as idas ao CMEI (realizadas uma vez por semana de agosto de 2011 a maio de
2012), pude observar aquele cotidiano repleto de dinamicidade e negociações,
resolvendo então centralizar meu olhar no momento das brincadeiras. Por esse
motivo, iniciei uma participação mais ativa durante as idas das crianças ao
parquinho, procurando brincar com elas e observar suas reações a partir da minha
imersão nas brincadeiras.

Realizando essa prática de brincar junto, minha pretensão foi analisar as principais
significações apresentadas pelas crianças com a minha participação nas
brincadeiras, observando também como elas agiam quando eu não brincava. Assim,
exponho neste trabalho um recorte dessas vivências, tendo como base meus
relatórios de extensão referentes aos anos de 2011 e 2012.

A BRINCADEIRA E O PARQUINHO

“A brincadeira é um espaço educativo fundamental da infância”, afirma Abramowicz


(1995, p. 56). Portanto, o brincar na Educação Infantil se constitui como atividade
constante e essencial. É por meio dele que a criança se apropria de maneira lúdica
de vários conhecimentos, tornando assim o processo educativo prazeroso e
divertido. Ainda, não podemos deixar de considerar o caráter social que o brincar
possui, já que essa atividade não é nata de todo ser humano, mas sim aprendida
através das interações sociais com outras crianças e adultos (KISHIMOTO, 2010).

Segundo as Diretrizes Curriculares Nacionais da Educação Infantil, “As práticas


pedagógicas que compõem a proposta curricular da Educação Infantil devem ter

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como eixos norteadores as interações e as brincadeiras” (BRASIL, 2009, p. 4). Ou
seja, é papel dos centros ou unidades de Educação Infantil promover e estimular a
brincadeira nos mais variados ambientes da instituição, ação considerada elemento
fundamental para o trabalho pedagógico realizado na Educação Infantil.

As interações ocorridas por meio da brincadeira devem acontecer, segundo


Kishimoto (2010) a partir das Diretrizes Curriculares de Educação Infantil, com a
professora, com outras crianças e com os brinquedos. Deve-se também estabelecer
relações com o ambiente, com a Instituição e com a família, de modo que a cultura
popular seja incluída nas brincadeiras. Enfatizamos, à luz dessas orientações, que é
importante que o professor brinque com as crianças, a fim de socializar
conhecimentos do mundo social e até mesmo se aproximar afetivamente dos
pequenos.

A partir daí, torna-se fundamental verificar o comportamento da criança enquanto


brinca: com quem e com que brincou, o que criou, o que imaginou... Assim, o
professor pode intervir sugerindo novas brincadeiras e estimulando a criança a
utilizar a imaginação para que ela crie novas brincadeiras, descobrindo várias
formas de brincar. Segundo Abramowicz (1995), os pequenos aprendem a brincar
com os outros, por isso a importância do incentivo à brincadeira, a qual possibilita o
desenvolvimento da autonomia, da cooperação e da criatividade.

Então, é interessante que o professor possa mediar/ acompanhar as brincadeiras,


estimulando, brincando junto e observando cotidianamente as habilidades
conquistadas pelas crianças, para que assim as atividades estejam compostas de
interação, imaginação, criatividade e outros aspectos fundamentais para o
desenvolvimento e a socialização. Nas palavras de Kishimoto (2006, p. 36),

Quando as situações lúdicas são intencionalmente criadas pelo


adulto com vistas a estimular certos tipos de aprendizagem, surge a
dimensão educativa. Desde que mantidas as condições para a
expressão do jogo, ou seja, a ação intencional da criança para o
brincar, o educador está potencializando as situações de
aprendizagem.

Especificamente sobre o parquinho como local de brincadeira, torna-se válido


enfatizar as ações cotidianas que acontecem nesse espaço: um lugar de interação,
de negociações com o outro, de disputas... No parquinho, o espaço e seus

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componentes (brinquedos, areia/grama) são resinificados/reinventados pelas
crianças, de modo inovador.

Como afirma Francisco (2006), ao organizar um determinado espaço (nesse caso, o


parquinho), os adultos acabam encaminhando as atitudes e as maneiras de agir. Em
contrapartida, as crianças procuram a liberdade de agir com autonomia, obtendo
experiências e vivências que tornam o parquinho um espaço educativo.

Visto também como lugar de liberdade, o parquinho se torna um espaço de


movimentação. De acordo com Agostinho (2005), movimentar-se constitui
comunicação, expressão, interação com o mundo, forma de linguagem, exploração e
conhecimento do mundo, do próprio corpo e das possibilidades da criança. Com
efeito, o parquinho vai sendo construído pelas situações vividas nele, contemplando
as relações ali tomadas.

O DESENVOLVIMENTO DA PRÁTICA: BRINCANDO NO PARQUINHO

Para registrar os acontecimentos da instituição, elaborei relatórios (R) de cada dia


de imersão, sendo produzidos vinte (20) relatórios de extensão. Utilizarei neste
trabalho recortes desses registros para relatar minha prática na instituição,
principalmente no que diz respeito ao uso do parquinho como espaço de
brincadeiras.

Com as idas semanais ao CMEI, presenciei várias práticas pedagógicas


desenvolvidas pelas professoras. Participando do cotidiano da instituição, fui sendo
orientada pela pedagoga e pela diretora da instituição a ficar em diferentes turmas,
ação pela qual foi possível conhecer mais crianças e mais profissionais. Notei que
minha presença no local causou impactos, já que era uma “estranha” no local. De
modo geral, fui bem recebida pelos sujeitos, inclusive como instrumento de
colaboração para as professoras, como consta no seguinte relato:

Achei legal a professora ter me apresentado às crianças, dizendo


que eu estava ali para aprender a trabalhar em uma escola. Ela até
utilizava minha presença ali para pedir um comportamento melhor
dos alunos, como “Logo hoje que a tia Leticia veio aqui vocês vão se
comportar dessa maneira? O que ela vai pensar de vocês”? (R.7 –
30 de setembro de 2011)

Estive envolvida nas mais diferenciadas atividades: produção de desenhos,


passeios, contação de histórias, pinturas, exibição de filmes, apresentação para os
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pais (dança, canto, teatro), entre outras. Dessa maneira, pude vivenciar experiências
que contribuíram bastante para minha formação enquanto aluna do curso de
pedagogia. Meu interesse em trabalhar com a Educação Infantil foi crescendo à
medida que interagia com as crianças e com os profissionais da instituição.

No decorrer dos dias, percebi que o momento de brincar no parquinho era o mais
esperado pelas crianças. Na tentativa de entender o motivo dessa preferência,
busquei observar e participar das interações presentes nesse espaço. Notei
primeiramente que a realização de atividades passava a ser condição para brincar
no parquinho, pois algumas professoras só permitiam a ida ao local após o término
das atividades de estudo, consideradas mais importantes do que o brincar.

Assim, aos poucos fui me interessando pelas ações dos pequenos no parquinho e
me envolvendo diretamente. Comecei a brincar junto com eles, participando das
brincadeiras em vez de somente observar. Sobre o brincar com as crianças, Moyles
(2002) assinala que para que haja interação entre crianças e adultos na brincadeira
é preciso que o adulto goste de brincar, valorize esse momento e se torne
companheiro das crianças na brincadeira.

Depois chegou a hora de brincar. A professora pegou a cadeira e


sentou no pátio para vigiar as crianças e conversar com a estagiária da
outro grupo V (que também estava no pátio). Elas me disseram para
sentar com elas, mas preferi brincar com as crianças. (R.5 – 16 de
setembro de 2011)

Para as crianças, tornou-se natural que as professoras, auxiliares e estagiárias


ficassem sentadas na hora da brincadeira no parquinho. Esse fato demonstrou que
os adultos não costumavam participar da brincadeira, sendo abordados somente
quando as crianças pediam para beber água ou ir a banheiro (sair do ambiente),
informavam sobre algum acontecimento desagradável (machucados, discussões
para brincar com algum brinquedo, entre outras coisas) ou quisessem que o adulto
vigiasse ou guardasse algum objeto/brinquedo.

Acabando a festa [referente ao aniversário de uma das crianças],


fomos ao parquinho. Foi a maior briga para ver quem iria levar a
cadeira para eu sentar, e então percebi como é naturalizado para
eles que os adultos tem que sentar para vigiar crianças. Contudo,
meu plano não era sentar. Logo me chamaram para brincar e eu
fiquei muito feliz com isso. Foi divertidíssimo: subi na casinha, desci
no escorregador, fui a filha, a aniversariante... Brinquei demais. (R.10
– 21 de outubro 2011)
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Em um dos dias, uma das auxiliares me surpreendeu. A professora da turma que ela
trabalhava havia faltado, então nós duas ficamos com as crianças. Talvez fosse por
esse motivo que ela interagiu mais com os pequenos, já que quando a professora
estava presente a auxiliar substituía sua participação no brincar para realizar
observações e fazer comentários sobre eles com a professora.

Fomos para o parquinho e brincamos de pique-pega, formamos uma


roda para cantarmos cantigas, brincamos de morto-vivo e fui também
a aniversariante, ganhando vários bolos de areia. A J.[auxiliar] me
surpreendeu sentando bem perto da casinha (onde as professoras
não costumam sentar) levando também uma cadeira para mim.
Mesmo sentada, ela também brincava com as crianças, sendo muito
carinhosa com elas. (R.12 – 12 de novembro de 2011)

Com as brincadeiras e interações realizadas no parquinho, criei laços com os


pequenos e, pouco a pouco, compreendi que “fazia falta”. Gostava muito de brincar
com eles e, pelas vivências, notei que minha participação tinha um significado
importante. Na volta do parquinho em um dos dias de extensão, M.L. (criança do
grupo IV) disse para mim: “Tia, você nem subiu na casinha hoje!”. Notei então que
ela sentiu falta da minha presença naquele local.

Além de fazer parte das brincadeiras propostas pelas crianças, também propus
algumas. Os desdobramentos foram bastante satisfatórios, pois na maioria dos
casos, a brincadeira foi realizada posteriormente sem a minha presença, como
segue nos relatos abaixo:

Depois do lanche fomos ao parquinho. Como as crianças estavam


brigando para brincar no balanço, comecei a organizar o acesso.
Logo após, inventamos juntas várias brincadeiras de faz-de-conta em
um brinquedo de escalar [trepa-trepa]. Em uma delas, o brinquedo
era uma lancha que estava no mar e quem caia era salvo por quem
estava nela, além das lindas sereias que ficavam nadando em volta.
Em outra, o brinquedo era um castelo, tendo como personagens o
rei, as princesas, os guardas reais e os invasores. Fiz um ritual de
coroação (a coroa era uma folha seca) e os guardas iam prendendo
os invasores no castelo. Foi muito divertido! [...] Na volta do
parquinho, eles continuaram sendo os guardas do palácio, com mão
na cabeça e tudo. Então começamos a marchar e a cantar “Marcha
soldado” [cantiga de roda]. Foi interessante ver que, na ida e volta do
jantar, eles também marcharam como guardas, sendo que não
precisei incentivar. Eles mesmos estavam no mundo da imaginação.
(R.1 – 13 de abril de 2012)

Logo que cheguei, fui surpreendida pelas crianças: “Tia, você vai
brincar de castelo com a gente hoje”? “Tia, você vai no parquinho
com a gente”? Percebi, com essas perguntas, que eu tive um
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significado para brincadeira deles, já que eles lembraram da minha
participação na mesma e queriam repeti-la. [...] Fomos para o
parquinho e, chegando lá, brincamos um pouco de castelo e depois
de macacos da floresta no brinquedo de escalada [trepa-trepa].
Entretanto, a professora não quis que brincássemos mais lá, pois
achava o brinquedo perigoso. Então, fomos brincar no roda-roda e
depois na casinha (brincadeira em que eu era a fiscal da portaria da
casinha e as crianças tinham que falar a senha para entrar e descer
no escorredor). Assim, quem quisesse entrar na casinha deveria
dizer a senha (criança). Percebi que, na fila, uma ia dizendo para
outra que a senha era “criança”, compartilhando o ponto-chave da
brincadeira e utilizando a memória para tal. Na volta para a sala, uma
das crianças ficou na porta pedindo para as outras dizerem a senha,
fazendo o papel de “fiscal” como eu fiz anteriormente. (R.2 – 20 de
abril de 2012)

Brincando e aprendendo com as crianças, de maneira recíproca e formativa, percebi


que as experiências conquistadas por meio da extensão no CMEI pesquisado fez
com que eu me aproximasse mais do cotidiano da instituição, focalizando o jogo de
relações no espaço do parquinho.

Os principais desdobramentos dessa prática refletiram na minha formação, sendo as


vivências no contexto da Educação Infantil momentos em que pude potencializar
meus saberes. Compreender a brincadeira como ação fundamental das crianças e o
parquinho como espaço de liberdade, movimentações, imaginação, significados e
invenção foi um aprendizado bastante válido e por que não dizer essencial para
minha formação.

Em suma, as experiências relatadas nesse trabalho trazem importantes reflexões


para a compreensão do brincar com participação adulta, a relevância do parquinho
para as interações/relações das crianças com seus pares e a concepção de
brincadeira como direito das crianças, temas que precisam ser considerados nas
práticas pedagógicas desenvolvidas com as crianças na Educação Infantil.

REFERÊNCIAS

ABRAMOWICZ, A. MAJSKOP, G. Creches: atividades para crianças de zero a seis


anos. São Paulo: Moderna, 1995.
AGOSTINHO, K. A. Creche e pré-escola é “lugar” de criança? In: FILHO, A. J. M.
(Org.) Criança pede respeito: Temas em Educação Infantil. Porto Alegre:
Mediação, 2005, p. 63 – 75.

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BRASIL, Ministério da Educação. Conselho Nacional de Educação. Resolução
CNE/CEB nº5, de 17 de dezembro de 2009. Estabelece as Diretrizes Curriculares
Nacionais para Educação Infantil. Diário Oficial da União, Brasília, 18 dez. 2009.
FRANCISCO, Z. F. de. “Zê, tá pertinho de ir pro parque?” O tempo e espaço do
parque em uma instituição de educação infantil. In: Reunião Anual da SBPC, 58ª,
2006. Florianópolis – SC. Resumos. Disponível em:
http://www.sbpcnet.org.br/livro/58ra/SENIOR/RESUMOS/resumo_764.html. Acesso
em: 24 de mai. 2012.
KISHIMOTO, T. M. Brinquedos e brincadeiras na Educação Infantil. Disponível
em
http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_content&view=article&id=15860&Item
id=1096> Acesso em: 21 de out. 2011.
KISHIMOTO, T. M. Jogo, brinquedo, brincadeira e a educação. 9. ed. São Paulo:
Cortez, 2006.
MOYLES, J. R. Só brincar?: O papel do brincar na educação infantil. Porto Alegre,
RS: Artmed, 2002.

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