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Francisco J. Varela. Traducdo de Humberto Mariotti e Lia Dis. kkan, Sao Paulo: Palas Athena, 2001 Emocoes e Linguagem na Educacdo e na Politica. Trad. de José Fernando Campos Fortes, 2* reimpressio, Belo Horizonte: Editora UFMG, 2001 MORIN, Edger..A Cabeca Bem Feita: repensar a reforma, reformer © pensamento. Trad. de Elod Jecobina, $* ed., Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2001. A Religacao dos Saberes: 0 desafio do século XXL. Trad. ¢ notas de Flavia Nascimento, Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2001 SANTOS, Boaventura de Souza. A Critica da Razao Indolente: contra o desperdicio da experiéncia, vol. 1, 2*ed., Sao Paulo: Cortez, 2000. STRECK, Lénio Luiz. Hermenéutica jurtdica e(m) crise. 2. ed. rev. ¢ ampl. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2000. erence eee TE 262 TEORIA DO ESTADO E TEORIA DA CONSTITUICAO NA PERIFERIA DO CAPITALISMO: BREVES INDAGACOES CRITICAS Gilberto Bercovici! “Da largura que a terra do Brasil tem para o sertdo ndo trato, porque até agora nao houve quem a andasse por negligéncia dos ‘portugueses, que, sendo grandes conquistadores de terras, ndo se aproveitam delas, mas contentam-se de as andar arranhando ao Tongo do mar como caranguejos” Frei Vicente do Salvador, Histéria do Brasil, 1500-1627, Li- veo I, Capitulo 3 O objetivo deste texto & chamar a atencéo para algumas ques- toes ligadas & especificidade da Teoria do Estado e da Teoria da Constituicio na periferia do capitalismo. Para tanto, buscamos tra- zer ao debate algumas interpretacées correntes e vérias criticas a0 tratamento que 0s autores brasileiros (e, de modo geral, latino- americanos) costumam dar as questdes constitucionais € As ques~ t6es ligadas ao Estado, muitas vezes limitando-se a transplantar modelos europeus ou norte-americanos, sem se dar conta da espe- cifica realidade de nossas sociedades periféricas. Nossa pretensio foi apenas a de fazer um sucinto levantamento dos problemas a serem enfrentados, esperando que se possa dar continuidade, com dade de Sto Paulo. 10 Econémico pels 263 muito maior afinco e profundidade, ao estudo dos desafios que se colocam para quem busca estudar a Teoria do Estado e a Teoria da Constituico na periferia do sistema capitalista. ‘A Teoria da Constituicio no Brasil ainda est pres 2 visées tradicionais ¢ insuficientes. A maior parte da doutrina brasileira continua a entender o nosso dilema constitucional dentro dos tra- dicionais pardmetros da dicotomia Constituicao e realidade?, man- tendo uma visdo extremamente otimista, para nfo dizer ingénua, do Poder Judicidrio como a grande esperanca na concretizacio da Constituiggo de 1988. Esta Teoria Brasileira da Constituicao, tal- vez excessivamente preocupada com as questées da efetividade das normas pela interpretacio constitucional e pelo controle de constitucionalidade, nao consegue lidar de maneira satisfatoria com os problemas politicos, sociais e econ6micos inerentes & nova cordem constitucional ern um pals periférico como o Brasil. A “glo- 2 Sobre este clissico debate entre Constituicéo ¢ realidade coastitucien embora sob enfoques metedolégicas distintos, vide Gerbard LEIBHOLZ, “Ver. fassungsrecht und Verfassungswirilichkelt” én Das Wesen der Reprasentation tind der Gestaltwandel der Demokrate im 20. Jahrhundert, 3 ed, Berlin, Walker de Gruyter & Co,, 1966, pp. 249-271 e Wilhelm HENNIS, “Verfassung und Verfassungswirkichkeit: Bin deutsches Problem” in Manfred FRIEDRICH (org), Verfassung: Beterage zur Verfassumgstheorie, Daemstact, Wissenschaft che Bachgesellschaft, 1978, pp. 232-267, 3. Abra simbolo destas preacupagées da teoria consttucional brasileira coma aplicablidede e efetividade das normas constitucionais € 2 tese de José Afonso da Silva, bascada na clasiicagio das normas constitucionais no tecante & su8 cficécia do constitucionalista italiano Vezio Crsafull. Publicada orginariamente 20 final da década de 1960, esta tese influenciaia boa parte dos autores nacio- nals, berm como of operadores do dizeito. Vide José Afonso da SILVA, Aplicabi- lidade das Normas Constirucionais, 3 ed, Séo Paulo, Malheiros, 1998 e os artigos de Vezio CRISAFULLI, "Le Norme “Programmatiche' della Costivuzio- ne" in La Costiruzione e le sue Dispasiziont di Princioio, Milano, Ginffre, 1952, pp. 51-83 (publicado, anteriormente, na Rivista Trimesérale ai Diritto Pubblico n° 1, janeiro/margo de 1951, pp. 357-389) e “Liart. 21 della Costituzione & ‘quivoco delle Norme ‘Programmatiche”” in idem, pp. 99-111. Podemos des- tacar como excegses a este quadto a reflexao teérica de Mercelo Neves, com sua preocupasio em entender 0 dilema constitucional dos paises perifricos, part cularmente na obra Marcelo NEVES, Verfassung und Pasiivudt des Rechts in der perigheren Moderne: Eine theoretische Beerachsumg und eine Interprecarion des Falls Brasilien, Berlin, Duncker & Humblot, 1992, pp. 89-94, entre outras, fas recentes abordagens de Lenio Stecck, em que este autor defende a labors” so de uma Teoria da Constituigdo Dirigente adequada aos Paises de Moderni- 264 balizagio” e o neoliberalismo apenas acentuam esta inadequagio da nossa teoria constitucional. As solucdes apresentadas situam-se sempre entre o instrumentalismo constitucional (basta a solugo estar prevista na Constituicdo) e a crenca no Poder Judicidrio como “salvador da Reptiblica”, ou a adocdo de concepgées processuais reducionistas de Constituicao. Fechando os olhos para a realidade constitucional, o pensamen- to juridico positivista absolutizou as solugdes constitucionais hist6- ricas do liberalismo como atemporais‘, Para nao cair neste equivo- co, a Teoria da Constituicéo deve ser entendida na légica das situa- ‘g6es concretas histéricas de cada pais, integrando em um sistema tunitério a realidade hist6rico-politica e a realidade jurfdica. O di- reito constitucional recupera, assim, segundo Pedro de Vega Gar- cia, as categorias de espago e tempo ¢ adquire dimens6es concretas, e hist6ricas. A Constituicéo nao pode ser entendida come entidade normativa independente e auténoma, sem historia e temporalida- de préprias. Néo hé uma Teorie da Constituigdo, mas varias Teo- rias da Constituigio, adequadas a sua realidade concreta®. Peter Haberle, por exemplo, destaca a necessidade de se evitar 0 euro- centrismo e de se compreender a especificidade da Teoria da Constituigéo dos paises em desenvolvimento, destacando nio exis- tir uma solugdo pura, perfeita ou acabada’, dade Tardia, Cf. Lenio Luiz STRECK, Jurisdigdo Constirucional ¢ Hermenéuti- ca: Uma Nova Critica do Direito, 2° ed, Rio de Janeiro, Forense, 2004, pp. 122-145. 4) Rogério Guilherme Ehrhardt SOARES, Direito Publico e Sociedade Técnica, Coimbra, Atlantida Editorial, 1968, p. 27 5. Pedro de Vega GARCIA, "Mundiaiizacion y Derecho Constituc Crisis del Principio Democrético en ef Constitucionalismo Actual", R Estudios Politicos n° 100, Madrid, Centro de Estudios Politicos y Constituciona- les, abri/junho de 1998, pp, 30-33 e 47-52. Vide o debate transcrito em Jacinto Nelson de Miranda COUTINHO (org), Canatidho e a Constituigéo Dirigente, Rio de Janeiro, Renovar, 2002, pp. 33-35; Eros Roberto GRAU, “Resenks do Preficlo da 2° Edicao" in Jacinto Nelson de Miranda COUTINHO (org.), Cano- tithe ¢ a Constinuigao Dirigente cit, pp. XVIIX0 € Lenio Luiz STRECK, Jurisdigao Constitucional e Hermentutica cit. pp. 75-77 © 835-837. Peter HABERLE, “Die Entwicklungslinder im Proze der Textsufendifferen- lenung des Verfassungsstaates", Verfassung und Recht in Ubersee: Law and Polities in Africa, Asia and Latin America, 23. Jahrgeng, 3, Baden-Baden, No mos Verlagsgeselischaft, 1990, pp. 292-293 e 295-296. 265 concretizava a racionalidade mediante o planejamento e a politica de desenvolvimento!’, A pratica mais comum dos vérios autores de Teoria do Estado na América Latina € a transcrigfo acritica das conceituacSes de Max Weber!® de Georg Jellinek'” sobre o Estado. Os autores que abdicaram da idealizacio e transposi¢ao do modelo europeu geral- mente cairam no economicismo ou no politicismo voluntarista. As- sim, 0 Estado periférico latino-americano acaba sendo entendido como uma dedugéo légica, um elemento exégeno do sistema, como um ente auténomo e voluntarista que controla todas as va veis do processo de desenvolvimento. Concordamos com José Luis Fiori, para quem falta, ainda, uma teoria sustentvel sobre o Estado periférico latino-americano'. Esta falta de uma Teoria do Estado periférico consistente nto significa que no existam varias interpretagSes sobre o Estado no Brasil e na América Latina’, Destacamos a afirmacao do historia- dor José Marilo de Carvalho, constatando que hi uma forte ten- déncia de analisar as relagdes Estado/cidadao no Brasil de forma maniquefsta, em que 0 Estado € 0 viléo, e a sociedade, a vitima Estado” cit, pp. 1, 22 € 35. Sobre o Estado Deseavolvimentista bras Fielena Motta Sales BARRETO, Crise « Reforma do Estado Brasileiro, Juiz de Fora, EAUEJF, 2000, pp. 37-57 ¢ Gilberto BERCOVICI, “O Estedo Desenvel- vimentista e Seus Impasses: Uma Andlise do Caso Brasileizo", Separata do Boletim de Ciéncias Econémicas, vol. XLVI, Coimbra, Universidade de Colm- bra, 2004, pp 16 Nas palavras de Weber: ‘Por Estado deve entender-se wm instiutop atividade continuada, quando tna medida em que seu guadro adi ‘mantenha com éxizo a pretnsdo ao monopélio leptin da coagdo fisiea para a rmanutengao da ordem vigence" in Max WEBER, Wirtschaft und Gerellscha Grundriss der verstehenden Soriologie, 5 ed Tabingen, J.C.B. Moke (Paul Sie- beck), 1980, §17, p29. 17 Para ellie, Estado € 2 “corporagao territorial dovada de um poder de mando originario’. Cf.’ Georg JELLINEK, Allgemeine Darmstadt, Wissenschafliche Buchgesellscat 18 José Luts FIORI, "Para uma Critics ds Te cit, pp 1, 22635, 19 Para um levantomento de virasteocias sobre o Estado brasileiro, vide Helena Mota Salles BARRETO, Crise ¢ Reforma do Estado Brasileiro ct, pp. 18-35. 268 deste Leviatd opressor. Para este autor, esta visao, inclusive, revela uma visio paternalista de povo, apontado sempre como uma vitima impotente do Estado®. As relacbes entre Estado e sociedade séo muito mais complexas, podendo-se, inclusive, questionar, como questionamos, esta cisio. ‘Afinal, apesar de ser considerado um Estado forte e interven- cionista, o Estado brasileiro é, paradoxalmente, impotente perante fortes interesses privados e corporativos dos setores mais privile- giados*!, Esta concepgio tradicional de um Estado demasiadamen- contrastando com uma sociedade fragilizada, & false, pois pressupde que o Estado consiga fazer com que suas dete‘minagées sejam respeitadas. Na realidade, o que hé € a inefe- tividade do direito estatal: o Estado, ou melhor, 0 exercicio da bloqueado pelos interesses privados. A conquis- tae ampliacéo da cidadania, no Brasil, portanto, passam pelo forta- lecimento da soberania do Estado perante os interesses privados ¢ pela integracio igualitaria da populacao na sociedade”. 2 José Musilo de CARVALHO, Os Bestializados: O Rio de Janeiro e a Reps- blica Que Nao Foi, 3 ed, Sio Patlo, Companhia das Letras, 1996, pp. 10-11 torfses; Um Estudo sobre a Constieuigdo do 1930-1960, Rio de FIORE, “Por uma 22 O principal autor que defende a existéncia de um Estedo forte no Brasil desde os tempos colonizis € Raymundo FAORO, com a obra cldssice Os Denas do Poder: Formagao do Patronato Politico Brasileiro, 2 vols, $* ed, Séo Paulo, Globo, 1991. Dentre os historsadores que vém revendo e contestando as teses de um Estado todo-poderoso em Portugal loniel) destacamos Anténio Manuel HESPANHA, com, entre 1 Fandamental As Vésperas do Leviathan: Instiruigdese Pode Sée. XVII, Cofmbra, Almedina, 1994, Vide também a pert sitchen Rachtewissenschaft am Ende des 1 Vittorio Klostermann, 2003, pp. 20-22 -gragfo ¢ Sobreintegracio: A Cidadanie Ine- tancias Sociais vol. 37, 1° 2, Rio de Janeiro, rania bloqueada, tanto por fatores externos como pelo poder priva- do e pelo poder econémico internos. Todas estes dilemas e desafios levantados sobre a especi soberania, que também permite reflexdes conjuntas sobre o diréito © a politica”. A soberania, qualidade essencial do Estado, é tam. bém aqui entendida como um sinénimo de poder do Estado (puis. sance de l'Etat, Staatsgewalt)®, cuja unidade néo impede a diviséo vertical (federalismo) ou horizontal (organizacéo dos poderes) de seu exercicio, Portanto, a necessidade de fortalecer e reestruturar o Estado para a promogio do desenvolvimento passa, em nossa |, tanto em seu aspecto interno, como externo. Ambos os aspectos da soberania, absoluta internamente e relativa externamente, sdo indissociaveis, como sa- ientou Beaud: “En effet, la souveraineté interne, que signifie la domination a U'intérieur du territoive, présuppose la souveraineté internationale qui exclut le pouvoir de domination d'un Etat tiers, de méme que la sowveraineté internationale implique la souveraine- 16 interne pour pouvoir étre effective”™ O estudo dos “bloqueios” a soberania estatal no Estado perifé- latino-americano é fundamental para a compreensio de nossa ade. Conhecer os obstaculos & atuacio do Estado periférico e buscar alternativas para superé-los € fundamental, em nossa’; nigo, na estruturagéo do Estado para a promogéo do desenvoly mento. Mais do que isto: em uma democracia, hi o pressuposto de 1 Sobre a soberania como conceito limttrofe que permite 0 estudo con} das relagdes entre o direito ea politica, vide Hermann HELLER, Die Souverani- in Beitrag zur Theorie des Staats-und Volkerrechts in Gesammelte Schrif- ed, Tubingen, IC.B. Mohr (Paul Siebeck), 1992, vol. 2, pp. 68-74 ¢ jer BEAUD, La Puissance de UEtat ol devemos destacas a posigéo de Hans KELSEN,, Das Problem der Souveranitat und die Theorte des Vi Reinen Rechtslehze, reimpr. da 2* ed, Aalen, Scientia Verlag, 32. Hermann HELLER, Die Souveranisat cit, pp. 133-140 Puissance del'Etat cit. pp. 14-15. 35 Cf. Olivier BEAUD, La Puissance de 34 Olivier BEAUD, La Puissance de 1S-1 272 que 0 povo € 0 sujeito da soberania*, ou seja, ha completa identifi- cago entre soberania estatal ¢ soberania popular". Fortalecer 0 Estado periférico na superacao do subdeseavolvimento, neste sen- tido, € também fortalecer (para nfo dizer instaurar) o regime repu- blicano e democratico da soberania popular ne América Latina, de sum modo geral ¢, em particular, no Brasil Para Francisco de Oliveira, a escola de pensamento formada pela CEPAL (Comision Econémica para América Latina) foi a ni- cacorrente te6rica que conseguiu, efetivamente, perceber a espe- idade da periferia latino-americana””. A CEPAL percebeu que justamente, a condicao do Estado latino-americano como Estado periférico, na realidade, que exige que cle seja algo mais do que 0 Estado Social tradicional. A estrutura do Estado Social europeu e as intervengbes keynesianas na economia sfo insuficientes para a atuagao do Estado na América Latina. A teoria de Keynes valoriza, também, os centros nacionais de decisio para a obtencio do pleno emprego. Entretanto, se a luta contra o desemprego exige a atua- 40 do Estado, esta € muito mais necesséria para promover as mo- ficacdes estruturais necessérias para a superacao do subdesenv vimento. O papel do Estado na América Latina deve ser muito mais amplo e profundo do que nos pafses centrais® O Estado latino-americano, portanto, deve sempre ser entendi- do historicamiente, vinculado &s relagbes politico-ideolégices e de poder, que o conformam. Assim, especificamente em relacéo 20 Estado brasileiro, precisamos destacar alguns pontos. A autonomia do Estado brasileiro nunca foi plena, dependendo das intmeras forcas politicas heterogéneas e contraditorias que o sustentam. No entanto, segundo Sénia Draibe, € justamente esta heterogeneidade pp. 95-99. Vide também € 201 a & Rasdo Dualista/O iment: Enfoque Ince pp. 29-30 © Adolfo Crisis Actual” cls, pp. liner, 2" ed, Séo Paulo, Cia Bd" Nacton “Vigencia del Estado Planificador 204-208 © 2 273 que no podemos € incorrer nos mesmos erros da CEPAL: “Si ef pensamiento dela CEPAL sobre el papel del Estado es contrastado con las experiencias histéricas de los patses centrales, se arriba a una conclusion esclarecedora: los problemas que la CEPAL creyé que los Estadas latinoamericanos debian afrontar también han for. mado parte — excepto el vinculado al caractor periférico ~ de la agenda de los Estados centrales en algin momento de su evolucién, com la tinicay gran diferencia de que étos los fueron tratando en el prolongado lapso que va del absolurismo hasta nuestros dias, mien. tras aquéllos deben hacerlo al mismo tiempo y durante wn pertodo ‘mucho mas reducido. Por lo tanto, a la luz de las experiencias y teortas de los centros-y de las necesidades de nuestras sociedades, la CEPAL acert6 en aquel momento en los puntos claves de la agenda de tareas que nuestros Estados debian encarar: agenda que la crisis de hoy hé reforzado y actualizado. Empero, la CEPAL no se pregunt6 entonces si los Estados latineamericanos estaban a la al: tura de dichas tareas, si podrian realizarlas con éxito™* A crise atual, por mais paradoxal que possa parecer, denota a necessidade de fortalecer o Estado: tanto para resistir aos efeitos perversos da “globalizagao”, controlar os desequilibrios por ele ge- rados, como para encontrar um ceminho para sair da crise’. De acordo com José Lufs Fiori: “O problema esta em que as fragilida- des da fase anterior se mantiveram, e a falta de um desenvolvimen- to tecnolégico sustentado e de uma mao-de-obra qualificada impe- dem, hoje, que 2 economia brasileira possa dar 0 salto da Terceira Revolugio Industrial. Para que isso fosse vidvel, a estratégia mais correta deveria ser a oposta da que vem entusiasmando as elites intelectuais, politicas ¢ empresariais brasileiras. Implicaria a exis- cit., pp. 213-214, Paraaeritica da concepcio neoliberal de “Reforma do Estado", gue confunde a reestruturasio do Estado coma mera diminuigio de tamanho do setor piblico, vice especialmente José Luls FIORI, “Reforma ou Sucata? O Dilerna Estratégico do Setor Priblico Brasileiro" in Em Busca do Dissenso Perdi- do cit. pp. 113-116. 4 Adolfo GURRIERI, "Vigencia dei Estado Planificador en la Crisis Actual” elt, ps 208, 45 José Luis FIORI, “Referma ou Sucats? O Ditema Estratégico do Setor Publi 0 Brasileiro” cie., pp. 115-128. Sobre o antagonismo entre a globalizaco © 0 desenvolvimento nacional nos paises perlféricos, vide Plinio de Arruda S, PAIO Ir, Entre a Nagao e a Barbarie cit, pp. 22-26 e 204. 276 téncia de um Estado nacional capaz de assumir 0 camando estraté- gico de um esforgo de construgio de cenarios e trajet6rias de cres- cimento. Mas esse Estado jé nio pode continuar utilizando-se da velha forrnula baseada na fuga para a frente e nos baixos salérios, A superacdo da crise atual passa pelo desenho de uma estratégia € supe 0 realinhamento dos velhos compromissos entre 0 Estado, 05 capitais privados e os trabalhadores. Esta & a verdadeira esséncia da reforma do Estado a ser feita hoje, muito mais profunda do que a que ocorreu nos anos 30. Uma reforma, aliés, que j4 se iniciou com a redemocratizacao das instituigSes politicas sindicais, mas que ainda enfrentara muitas dificuldades, sobretudo porque, diferen- temente do pensamento neoliberal, este Estado deveria ser forte sem ser extenso e autorivério como foi o Estado desenvolvimentis- ta, Ao contrério portanto das convicgées neoliberais, as transfor- mages que se impdem no momento apontam para um novo decisivo papel do Estado. Transformacées que deveriam colocé-lo ra posigdo de sustentéculo fundamental das estratégias empresa- riais de conquista de novos mercados, além de fazé-lo promotor ativo de politicas de protesao social ¢ requalificacio de mao-de- obra trabalhadora, Um Estado que fosse forte e gil, simultanea- mente autOnomo e democratico, responsével pelo desenho e arti- culagao estratégica de um novo estilo de desenvolvimento, compa- tivel com o avango da cidadania social e politica das populagbes até hoje marginalizadas”®, Do mesmo modo que nos falta uma Teoria do Estado consis- tente e sustentavel, néo temos uma Teoria da Constituigao adequa- da nose realidade latino-americana. O constitucionalismo latino- americano, segundo Aguilar Rivera, € entendido normalmente como um “desvio" do constitucionalismo europeu e norte-america- no, Isto explicaria o sucesso te6rico € o fracasso real do liberalismo € do constitucionalismo na América Latina: a teoria era perfeita, a realidade era errada. A tese dominate, defendida, entre outros, por Bravo Lira, entende que o fracasso do constitucionalismo lati- no-americano se deveria exclusivamente as suas sociedades patri- monialistas, autoritérias ¢ atrasadas. Este constitucionalismo esta- ria marcado pelo conflito entre os ideais de uma minoria ilustrada, 48 José Luts FIORI, "Por uma Economia Politica do Estado Brasileiro" cit, pp. 158-159. a ‘Com a nova economia institucional ¢ as correntes instituciona- listas a ela vinculadas, as teses do dualismo, antes empregadas no ambito da economia, voltam reforcadas na anilise jurfdico-institu- cional. O dualismo defende a coexisténcia do modo de produgao capitalista com outros modos de produsio néo capitalistas (geral- mente de subsisténcia) dentro de uma mesma economia subdesen- volvida. © que caracteriza o dualismo é a interdependéncia dos dois modos de produgio, que tenderia a perpetuar os elementos pré-capitalistas ou setores “atrasados”, Assim, a superacdo das dua- lidades configurara uma necessidade imprescindivel do desenvolvi- mento nacional, A andlise dualista equivoca-se 20 descrever uma ‘oposigéo formal ‘modernos" e “atrasados". As di- ferencas nao significam a existéncia de sistemas econdmicos distin- tos, mas revelam nfveis diferentes de integracdo ao sistema econé- mico nacional como um todo. Além disto, haveria uma unidade entre os setores “modernos” e “atrasados” na realidade, com 0 “moderno”, na definicao de Francisco de Oliveira, crescendo ¢ ali- 1 da existéncia do “atrasado”. A visdo dualista é abstra- tae descritiva, pois s6 descreve as desigualdades existentes, sem inseri-las no processo histérico de formacao do sistema capitalista na periferia™. Para os neoinstitucionalistas, como Douglass North, apenas as instituigées anglo-saxds so adequadas. As demais sio “ateasadas", inibindo o livre desenvolvimento das forcas de merca~ do®, Haveria, portant, um dualismo institucional nos paises pe- riféricos, com as instituig6es “atrasadas” prejudicando a possibi- lidade de as instituicées “modernas’, calcadas no modelo anglo- 3-117 € 137-140, Vide também Carlos Agu igdes € Desenvolvimento Econts ‘mento, Petr6palis, Vezes, 2001, pp. 78- 83 Celso FURTADO, Teoria # Politica do Desenvolvimento Econtmico, 10° ed, Rio de Janeiro, Paz e Terra, 2000, pp. 219-220. 4 Francisco de OLIVEIRA, "A Economia Brasileca: Critica & Razdo Dualista” in Crisica @ Razdo Dualista/O Ornitorrinco cit, pp. 29-34 e Octavio ANNI, saxo e orientadas para o livre mercado, promoverem o desenvol- vimento. Especificamente, em relacio ao Bra: j4 definido por Lenio Streck como um pais de “baixa constitucionalidade”®®, hé também uma série de interpretacées sobre o nosso constitucionalismo. Se- gundo a andlise cléssica de Paulo Bonavides e Paes de Andrade, 0 problema constitucional brasileiro esté fundado na contradicéo en- tre a Constituicéo formal e a Constituigao mate: cdo geraria uma crise permanente, pois no teria sido superada, formal e materialmente, por nenhuma de nossas constituicies” As interpretacées do constitucion? nados autores “autoritérios’ da Repiblica Velha e da década de 1930 séo também muito influentes. Alberto Torres publicow em 1914 um estudo denominado.A Organizagdo Nacional, onde criti- cava a Constituicgo de 1891 e propunha uma nova estrutura para o Estado brasileiro. Para ele, a Constituicao de 1891 era uma consti- ‘tuigio ex6tica, imposta, sem existéncia real na vida do pais. Ela precisaria ser revisada urgentemente para poder instituir uma efe~ iva coordenacZo dos interesses nacionais. A sua critica se dirige principalmente maneira como se desenvolveu a Federagéo no Brasil, que nao teria federalismo, mas “desmembramento, com rétu lo de federacao politica”. O Brasil teria se dividide em *20 eixos icos", sem unidade, a néo ser para manifestagbes aparentes e formais da vida institucional. A autonomia dos Estados ¢ Mi pios se opunha & autonomia dos “povos" e a vida nacional e politica. A prépria Unido reconhecia a forca superior dos Estados, buscando intervir para conquistar a fora do poder local. A prosperidade dos Estados sob o regime federativo era um mito, pois ocorreu de for- ma febril e imprevidente, através da exploracao estrangeira, O con- flito permanente e generalizado entre as relagGes das diversas uni- dades politicas s6 seria resolvido com o estabelecimento da confor- midade de fins de agdo dos diversos érgios politicos®. A sua pro- sé Lanio Lule STRECK, Jurisdi¢ao Constinuctonal ¢ Hermendutica cit, pp. 5-218, 835-836 e 843. Paulo BONAVIDES & Paes de ANDRADE, Histbria Constisucional do Bra- 3¥ ed, Rio de Janeiro, Paz.e Terra, 1991, op. Iberto TORRES, A Organizagdo Nacion: Nacional, 1978, pp. 161-166, 201-202, 209, 223, 243-245 e 248. cumprimento de alguns dispositivos constitucionais. © nticleo da Constituicao (direitos findamentais, democracia, etc.) € atingido, Os érgéos estatais néo a cumprem, pelo contrério, a ignoram e 2 violam incessantemente, Os seus dispositivos sto utilizados apenas de mancira retérica, Ai ica dos go- vernantes®”. Um dos perigos da constitucionalizacio simb6lica, se- gundo Marcelo Neves, 6 fato de a nio concretizacao da Constiti- do gerar crescente indiferenga popular sobre o regime constitucio- nal. A contestacio da legitimidade do poder, ou aresponsabilizacéo da Constituicéo por todos os males do pats, pode acabar propician. do.o apelo as safdas de forca'®. No entanto, quanto maior a discre- : cu tetirar presses do siteme tensbes socials, entt outros, CE. Marcelo NEVES, idem, pp 132. 67 Marcelo NEVES, A Conttitucionalizapao Simbélica ci oe izapto Si it, pp. 49-51, 83-86, ca dos paises periférics, vide idem, pp. 147-153. A constitucionaliza Bibles € crcrriote,soyende Marcle Neve, ds consis comets da clssficacio de Loewenstein Para este autor, a Constituigdo nominal €juri dicamente vilida, mas 0 processo pa modo, catece de tealidade existencial, om condigSes po cas impedindo sua integragio na vida politics. Sua Fungo & “educa Ser uma Constitucio aormativs, ist, efetivamente cum de Loewenstein, no futuro. Ae contrdrio de Loewen Neves afirma queo riven pars mateo dosing quo, Vide Kal LOEWANGTEIN, Vor sungslehre, 4" ed, Tiibingen, J.C.B.Mol iE Dee Sass 94-58 0 107108 Pan Marco NEVES, Vefcoons en Po neta, pp. 65-71 e Marcelo NEVES, A Consuconlvopto So 95-99 e 151-153. fae 68 Marcelo NEVES, A Constitucionalizagio Simbélica cit. 1 Tez Neato brani a eptmiice Cots segind Marcelo Ne )assa pela incluso social farcelo NEVES, Verfassung und Positivitat des Rechts in der peripheren Moderne cit., pp. Beas a eee 284 pincia entre a agéo politica dos governantes € © texto constitucio- nal, a constitucionalizacao simbélica, segundo Marcelo Neves, pode gerar o efeito contririo 2o pretendido, e ter um papel eman- Cipatério, com a Constituigdo servindo de pauta de reivindicagSes para movimentos politicos e sociais que busquem a sua efetiva- o™, Como podemos perceber, ha uma série de correntes que bus- cam compreender 0 constitucionalismo brasileiro inserido em sua especificidade, Peter Haberle, em nossa opinido, destacou alguns pontos essenciais para um estudo mais aprofundado sobre 0 cons- titucionalismo periférico. Em primeiro lugar, devemos ter sempre em mente o dbvio: 0 processo de recepcéo do Estado Constitucio nal nos Estados periféricos ocorre em uma realidade distinta, por- tanto necessita de textos e solugbes constitucionais distintos dos europeus. O risco desta adverténcia nao ser levada a sério, todos conhecemos: 0s textos constitucionais acabam se transformendo ‘em uma utopia ou mera declaracdo de princfpios, enfraquecendo a implantagio do Estado Constitucional”. Outro ponto relevante tratado por Haberle € a sua concepgio de que 0 Estado Constitu- cional € uma aquisigéo cultural, portanto, na anilise dos Estados Constitucionais periféricos existe a necessidade de relativizacio das solug6es e alternativas tradicionais, levando-se em considera- gio 0 contexto material e a cultura na qual cada Estedo Constitu- Clonal esté inserido”’, Nao por acaso, 0s textos constitucionais pe- ¢@ Marcelo NEVES, A Constituctonalizagdo Simbélica cit, pp. 40, 90-92, 109- 153 e 161-162. O colombiana Mauricio Garcia Villegas, em um sentido imo de alguns das expostos pela constitucionalizacio simbélica, entende © ‘na América Latina como portador de uma dupla funcio. Por um lado, bi 5 poder simbélico de am discurso articulador de préticas que poder reat ‘speranca dos cidadios. Por outro, o dieito permite que, pela fixagdo casuistica de sentido dos enunciados juridicos, ‘nio sejam stingides pela aplicagdo dis normas © "damente das normas constiwucionals. Na Amé a cooxisténcia do valor igualdade, através da linguagem> - fantida por meio da interpre "LLEGAS, La Eficacia nas, Bogets, Ediciones vados te tacio dos textos normatives. Vide Mauricio Gar Simbélica del Derecho: Examen de Situaciones Col 35 ¢ 278-288, je Entwicklungslander im Proze der Textsufendifferen- dicrung des Verfassungestaates” cit, pp. 254-261, 265-266 e 291-296. 285 ¢40, no entanto, no pode ter a pretensio de resumir ou abarcar em sia tot ico, como ocorreu com a Teoria da Consti tuigho vo fechado que, de acordo com Eloy Garcia, prosperou o “positivismo jurispruden. ial!” a despolitizacio das quest6es constitucionais™. A Constit Gio deve ser compreendide também de acordo com 0 papel que desempenha no processo politico. pensamento constitucional precisa ser reorientado para a reflexdo sobre contedides p americano a proposte de Karl Loewenstein, que entende a Teoria da Constituicio como uma expl realista do papel que a Constituiglo joga na dindmice g Também para entender 0 constitucionalismo periférico, talvez se justifique uma “volta a Lasalle”, para termos consciéncia de que as concepg6es exclusivamente normativas de Constituicao nao de- finem seu conceito, sua esséncia, que inclui (embora nao se limite 2 eles) os célebres fatores reais de poder, ou seja, as forcas ativas que conformam as instituig6es juridicas, que, quando colocados em uma folha de papel (Blatt Papier), se erigern em direito®, Nio pretendemos, aqui, tentar reduzir a problemética do constitucio- nalismo brasileiro e latino-americano & visio da “Constituigio como folha de papel”, tradicionalmente utilizada de forma simplis- ta entre nds. Afinal, embora sem plena efetividade, as constitui- ‘G6es latino-americanas tém impacto politico, social ¢ jurfdico in- Contestavel®?, O que devemos destacar como contribuicéo de Las- € 0 fato de ter chamado a atencio para entendermos as ques- t6es constitucionais também, como questées politicas, como ques- 8 Eloy GARCEA, El Estado Constitucional ante su “Momento Maguiavilico", Civitas, 2000, pp. 90-91 LOEWENSTEIN, Verfas tes consideracSes de Mic’ icionalismo Ibero-Americano, Passo Fundo, UPF Editore, 2003, pp. inand LASSALLE, “Uber Verfassungswesen in Gesamrwerke: Poltis- 41-42, 45-45 € 51 Jean-Michel BLANQUER, "Consolidation Démocratique? Pour une Appro- che Consttutionnelle, Powoirs n° 98, Pars, 2001, pp. 45-47, 288 tes de poder, E isto fica muito claro a0 analisarmos os Estados ¢ as Constituigées latino-americanos. Estas consideragées sao ainda mais importantes na atualidade. ‘final, hf, nos dias de hoje, um obstéculo fundamental para a re- flexao sobre o constitucionalismo periférico e a construcio de um Estado que promova 0 desenvolvimento. © desenvolvimento en- volve a normalidade continua, tendo por pressupasto 0 anteceden- te dos trinta anos de consenso keynesiano. O micleo do sistema politico democrético esté na normalidade e na sua continuidade. No entanto, os tempos atusis nfo sto de normalidade, O que existe € um estado de excecio econdmico permanente a que esta subme- tida a periferia do capitalismo® ‘A periferia vive em um estado de excegdo econdmico perma- nente, contrapondo-se & normalidede do centro. Nos Estados pe- riféricos latino-americanos hé o convivio do decisionismo de emer- para salvar os mercados com o funcionamento dos poderes ais, berm como a subordinacao do Estado 20 mercado, com a adaptacéo do direito interno s necessidades do capital fi nanceiro, exigindo cada vez mais flexibilidade para reduzir as pos- idades de interferéncia da soberania popular. A raz4o de mer- cado, € a assim chamada “governabilidade”, passam a ser a nova razio de Estado". J.C. Mobr (Paul Siebeck), 1959, p. 18. ‘Sobre a concepcio de estado de excegio econtmico permanente, vide o capitulo 5 de nossa tese de livre-doctacia Gilberto BERCOVICI, Entre o Esiado ‘0 Estado Social: Atualidade do Debate sobre Direito, Estado ¢ Economia ra Repiblica de Weimar, mimeo, Faculdade de Direito da Universidade de Sto Paulo, 2003, ep. 129-149, em vide de publicaco. 28 Sobre 0 subdesenvalvimento come forma de excegio permanente do capita- lismo na perifera, vide Francisco de OLIVEIRA, "O Orniterrinco" cit. pp, 130-132, 67 Paulo ARANTES, “Estado de Sitio’ Elisa CEVASCO (or 191-192 ¢ Tarso GENRO, Crise 289

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