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ISSN 1517-6398/ e-ISSN 1983-4063 - www.agro.ufg.br/pat - Pesq. Agropec. Trop., Goiânia, v. 39, n. 4, p. 307-316, out./dez.

2009

OS AGROTÓXICOS NA PRODUÇÃO DE TOMATE DE MESA


NA REGIÃO DE GOIANÁPOLIS, GOIÁS1
José de Souza Reis Filho2, Joel Orlando Bevilaqua Marin3, Paulo Marçal Fernandes4

ABSTRACT RESUMO
USE OF PESTICIDES ON TOMATO
IN THE STATE OF GOIÁS, BRAZIL Este trabalho procurou identificar as causas do uso
intensivo de agrotóxicos na cultura do tomateiro e possíveis
This research tried to identify the causes for the intensive soluções para uma tomaticultura mais sustentável. Técnicas de
use of pesticides and potential solutions for a more sustainable pesquisa qualitativa (entrevistas semiestruturadas e observação),
tomato cropping. Qualitative survey techniques (semi-structured derivadas da pesquisa sociológica, foram utilizadas para avaliar
interviews and observations), derived from sociological surveys, o uso de agrotóxicos, na região de Goianápolis, Estado de
were employed for evaluating the use of pesticides on tomato Goiás. Os resultados mostraram que as principais causas do uso
cropping, in the Goianápolis municipality, Goiás State, Brazil. intensivo de agrotóxicos são o medo que os agricultores têm de
The results showed that the main causes for the intensive use of perder suas lavouras, uma vez que o investimento é muito alto,
pesticides are the farmer fear of losing crops, since the investment e o fato de que os agrotóxicos representam um seguro contra
is very high, and the fact that the use of pesticides represents an prejuízos. Acrescenta-se, a esses fatores, a falta de opções de
insurance against losses. Lack of alternatives for pests and diseases controle de pragas e doenças, resistência dos agricultores em
control, farmers reluctance in looking for alternative methods buscar alternativas, carência de assistência técnica, falta de
and insufficient technical assistance, absence of association and união e cooperação entre os produtores e aceitação inconteste do
cooperation among tomato growers, and uncontested acceptance atual modelo de produção. Um programa de manejo integrado
of the current production model are other causes for this substantial de pragas, com desdobramento para manejo do sistema como
use of pesticides. A program of integrated pests management, um todo, pode ser a âncora para mudanças de atitudes na
dealing with the production system as a whole, can be the main tool concepção tecnológica dos produtores. É necessário que seja
for changing growers’ concepts and attitudes, regarding the current suscitada a união dos produtores, em busca de soluções a curto
technology. In a short term, grower associations are essential for prazo.
solving short term problems.

KEY-WORDS: Tomato pests; integrated pests management; PALAVRAS-CHAVE: Pragas do tomateiro; manejo integrado
intensive use of pesticides. de pragas; uso intensivo de agrotóxicos.

INTRODUÇÃO trial”, de acordo com o seu hábito de crescimento


(Miname & Haag 1989)
O tomate é a espécie do grupo das hortaliças No Estado de Goiás, dados da Secretaria de
com maior volume de produção no Brasil. São co- Planejamento (Goiás 2008) indicam que a produção
mercializadas, anualmente, cerca de 3,77 milhões do tomate “estaqueado” está concentrada nas micror-
de toneladas, das quais 82% estão concentradas nos regiões de Goiânia e Anápolis e que garante a oferta
Estados de Goiás, São Paulo, Minas Gerais, Paraná, do produto para estas cidades e as circunvizinhas.
Bahia e Rio de Janeiro (Agrianual 2009). Conforme Considerando-se apenas o tomate estaqueado, os
o sistema de cultivo, o tomate pode ser dividido em dados revelam que, na safra 2006/2007, foram plan-
“estaqueado” ou “tutorado” e “rasteiro” ou “indus- tados, em Goiás, 2.302 hectares, com produção de

1. Trabalho recebido em out./2008 e aceito para publicação em out./2009 (n° registro: PAT 4947).
2. Agência Goiana de Defesa Agropecuária (Agrodefesa), Gerência de Sanidade Vegetal, Coordenação de Agrotóxicos, Goiânia,
Goiás, Brasil. E-mail: ze.reis@globo.com.
3. Universidade Federal de Goiás (UFG), Escola de Agronomia e Engenharia de Alimentos, Setor de Desenvolvimento Rural,
Goiânia, Goiás, Brasil. E-mail: bevilaquamarin@gmail.com.
4. Universidade Federal de Goiás (UFG), Escola de Agronomia e Engenharia de Alimentos, Setor de Fitossanidade,
Goiânia, Goiás, Brasil. E-mail: pmarta@terra.com.br.
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108,28 mil toneladas. Os municípios com maiores produtos, ou doses destes produtos, e/ou contribuindo
áreas plantadas foram: Bonfinópolis, Leopoldo de para a proliferação de pragas que, até então, não eram
Bulhões, Gameleira de Goiás, Silvânia, Pirenópolis, importantes, exigindo, assim, o uso cada vez mais
Corumbá de Goiás e Goianápolis. intensivo desses produtos. Além da emergência de
O tomate, tanto no plantio “estaqueado” graves problemas ambientais e de intoxicação, os
quanto no “rasteiro”, exige grandes investimentos agrotóxicos ampliavam os custos de produção da
fitossanitários, chegando a se fazer, normalmente, lavoura de tomate, inviabilizando a permanência de
pulverizações a cada três dias, desde a emergência muitos agricultores nessa atividade.
das plantas até a colheita. Este fato, além de promover Partindo-se dessa problemática, a pesquisa
um maior custo na produção, pode acarretar dese- teve por objetivo analisar o sistema de produção de
quilíbrio no ecossistema do tomateiro, devido aos tomate de mesa em Goianápolis e as razões que le-
prejuízos sobre a fauna benéfica. Tal desequilíbrio varam os produtores ao uso intensivo de agrotóxicos,
pode ser evidenciado pela ressurgência de pragas, destacando-se os processos tecnológicos adotados
aparecimento de novas pragas, até então consideradas e a interferência dos diversos agentes sociais que
secundárias, ou, ainda, pela resistência de algumas participaram na construção do modelo de produção
dessas pragas aos produtos utilizados (Pazini et al. existente. Outro objetivo foi analisar os desafios do
1989, Nakano 1999). desenvolvimento de alternativas para superar o pro-
O controle de pragas, através do uso intensivo blema do uso intensivo de agrotóxicos, com a adoção
e indiscriminado de pesticidas químicos, de largo de um modelo mais adequado ao meio ambiente e à
espectro de ação e grandes períodos de carência, realidade socioeconômica dos produtores.
representa um componente significativo na forma-
ção do custo de produção, além de oferecer riscos METODOLOGIA
de contaminação aos trabalhadores, consumidores e
meio ambiente em geral. Os inseticidas recomenda- Os dados deste estudo foram obtidos por meio de
dos para o controle das pragas do tomateiro chegam entrevistas semiestruturadas e observações participati-
a ter período de carência de 14 a 30 dias (Makishima vas. As entrevistas foram realizadas com 17 agricultores
1992). Em função do uso intensivo, inclusive na que lidam com a cultura, independentemente de estes
colheita, é inevitável a presença de resíduos tóxicos serem proprietário da terra, arrendatário ou meeiro.
nos alimentos. Além desses problemas, o uso inten- Além dos agricultores, foram entrevistadas 7 pessoas
sivo de inseticidas implica na evasão de divisas, sob que exerceram, ou ainda exercem, atividades agrícolas
a forma de royalties dos ingredientes ativos (Villas ligadas ao cultivo do tomate, tais como ex-produtores
Bôas 1989, Nakano 1999). (3), vendedores de agroquímicos (1) e engenheiros agrô-
Diversas pesquisas indicam que, muitas vezes, nomos (3), para uma caracterização das transformações
são utilizados produtos químicos sem a presença de processadas ao longo do tempo. Os agricultores foram
pragas, adotando-se um combate preventivo, quando entrevistados no ano de 2002 e as observações foram
resultados de pesquisas e experiências demonstram feitas durante as entrevistas, em visitas às propriedades
que só a partir de determinados níveis de infestação é e em locais onde se reuniam produtores, como, por
que as pragas passam a se constituir fatores limitantes exemplo, no Ceasa, em lojas de venda de produtos
à produção, causando perdas econômicas (Crocomo agropecuários, na Agência Rural, etc. Essas observações
1990, Oliveira 1999). continuaram sendo feitas até o ano de 2008.
A pesquisa realizada por Santos (2000), con-
jugada a reportagens nos meios de comunicação e PRODUÇÃO DE TOMATE DE MESA
algumas observações de campo, indicava que, na
região de Goianápolis (maior produtora de tomate de Os produtores entrevistados, que cultivaram
mesa do Estado de Goiás), os agricultores recorriam tomate em Goianápolis, afirmaram, com recorrência,
ao uso intensivo de agrotóxicos, para combater as que o custo de produção aumentou, consideravel-
pragas. Ficou evidenciado que o uso indiscriminado mente, nos últimos 5 anos. A elevação dos custos
de agrotóxicos contribuiu para o desequilíbrio ecoló- de produção, associada ao baixo preço de venda do
gico, eliminando agentes de controle natural das pra- produto, contribuiu para o agravamento da crise da
gas, provocando resistência de pragas a determinados atividade na região. Geralmente, quando se fala em

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Os agrotóxicos na produção de tomate de mesa na região de Goianápolis, Goiás 309

custo de produção, o produtor só inclui aqueles insu- produtores chegaram a plantar estas variedades, que,
mos adquiridos, especificamente, para aquela safra. por algum tempo, dominaram o cenário da região.
A mão-de-obra não é computada, uma vez que os Com o grupo Santa Clara, a produtividade chegou
produtores recorrem às relações sociais de parceria, a atingir números significativos, com produtores
utilizando, especialmente, o trabalho dos meeiros. A afirmando terem conseguido trezentas caixas por
depreciação de máquinas e equipamentos, bem como mil pés. Desde o ano de 1995, as cultivares híbridas
o aluguel da terra, também não são considerados passaram a dominar, completamente, as plantações.
nesse cálculo (Reis Filho 2002). A adoção das cultivares híbridas foi bastante
O custo de produção de tomate, a cada ano, rápida e intensiva. Atualmente, as cultivares híbridas
aumenta, pelo menos, 20%. Os produtores suspei- representam entre 90% e 95% do tomate plantado
tavam que isto acontecia em função do fato de que no País, com destaque para a cultivar Carmen, da
os insumos que compram sejam cotados em dólar. empresa Sakata. A principal razão para a adoção
A principal reclamação dos produtores, em relação dessas cultivares, segundo os produtores, foi a maior
a custo, é a oscilação do real, em relação ao dólar. produtividade. Embora o tomate do grupo Santa Clara
Eles asseguram - o que é confirmado pelos vende- fosse de boa produtividade, as variedades híbridas,
dores entrevistados - que todos os insumos agrícolas realmente, garantiram, pelo menos num primeiro mo-
estão atrelados à moeda americana, ao passo que, na mento, os mais altos índices de produtividade. Exis-
hora de vender, o preço do tomate é em Real. Com o tem outras razões, alegadas pelos agricultores, para
passar do tempo, esta afirmação perdeu força, uma essa mudança das cultivares plantadas, destacando-se
vez que o dólar desvalorizou-se, em relação ao Real. a exigência do mercado consumidor, principalmente
Entretanto, os insumos continuaram com o preço em no que se refere à durabilidade desse tipo de tomate,
ascensão, em Real. após amadurecido, qualidade que interfere no trans-
O custo de produção está relacionado a um porte do produto a longas distâncias.
pacote tecnológico do tomate, que determina como O tomate longa vida desencadeou alguns
o agricultor deve proceder, desde a decisão de qual problemas para a tomaticultura de Goianápolis. O
variedade plantar, preparo do solo e tratos culturais, primeiro deles foi o incremento substancial no custo
até a colheita e comercialização. Quando decide inicial da produção, devido ao alto preço da semente.
plantar tomate, o produtor fica engessado pelas tec- Para amenizar esse problema, as lojas de produtos
nologias modernas de cultivo e pelos conhecimentos agropecuários combinam um prazo para recebimento
incorporados ao longo dos anos. Os adubos, agrotó- da dívida, normalmente para que esta seja quitada
xicos, sementes, tratores e irrigação, que refletem o após a colheita. Acontece que esse “financiamento”
pacote tecnológico de inovações químicas, genéticas vem acompanhado de juros, que giram em torno de
e mecânicas (Aguiar 1986), tornaram-se indispensá- 3% ao mês. Isto representa mais um acréscimo no
veis para a consecução dos objetivos produtivos dos custo, o que obriga o produtor a buscar uma garantia
agricultores dessa região. Portanto, o uso intensivo no aumento da produção e utilizar todo o arsenal
de agrotóxicos deve ser entendido no bojo das trans- possível de insumos, a fim de garantir o pagamento
formações tecnológicas adotadas na cadeia produtiva das dívidas.
do tomate de mesa. Por essa razão, o tomate longa vida pode estar,
As primeiras variedades de tomate plantadas indiretamente, associado ao uso intensivo de agrotó-
em Goianápolis apresentavam produtividade baixa, xicos. Todavia, a influência direta da adoção do toma-
se comparadas às cultivadas hoje em dia, não passan- te longa vida, no incremento do uso de agrotóxicos na
do de cem caixas por mil pés. Não se pode afirmar região, é questionada, uma vez que essas cultivares
que a baixa produtividade ocorresse em função so- são menos atacadas por doenças. O seu maior custo
mente do potencial das variedades, ou do conjunto de de produção está associado à implantação da lavou-
técnicas e procedimentos aplicados na época. Com o ra, principalmente na compra da semente. Deve-se
tomate Kadá, a produtividade já começou a aumentar, considerar, também, que as cultivares longa vida são
chegando-se a colher 231 caixas por mil pés, o que era precoces, sendo colhidas com um ciclo até vinte dias
considerado satisfatório. Com o passar dos anos, as inferior às do grupo Santa Clara, representando, neste
variedades do grupo Santa Clara foram suplantando caso, redução nos custos com pulverização, amarrio,
aquelas outras variedades. Praticamente todos os adubação e irrigação.

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Se, por um lado, o tomate longa vida tem a influência das lojas, a quantidade de adubo era
um fruto com durabilidade maior, o que facilita o muito menor. Contudo, a produtividade também
transporte a longas distâncias, por outro lado, os o era. A difusão dos adubos químicos solúveis, na
produtores, sob a crença no escoamento da produ- região, ocorreu por volta da década de 1960. Porém,
ção para outros centros consumidores, aumentaram, os agricultores acreditam que o solo ficou mais fraco,
consideravelmente, a área plantada e, consequente- pois, no passado, com pouco adubo, se produzia bem.
mente, o volume produzido. A maior produtividade Inicialmente, os produtores de tomate de Goianápo-
desse tipo de tomate contribuiu para o incremento no lis utilizavam um saco de 50 kg por mil pés, para
volume da produção. Outra questão a ser considerada fazer o plantio. Atualmente, procura-se melhorar os
é que, com a durabilidade do fruto, o tomate longa rendimentos da produção, com investimento maciço
vida contribui para que os comerciantes comprem em adubos químicos de alto preço, que, aliados às
menos tomate, uma vez que este demora mais tempo sementes e aos agrotóxicos, elevam, consideravel-
para se deteriorar na prateleira. Porém, o excesso de mente, o custo de produção.
produto no mercado talvez seja a maior causa do A formulação de adubo mais lembrada pelos
decréscimo do preço do tomate que, muitas vezes, entrevistados ainda é a NPK 4-14-8. A quantidade
fica abaixo dos custos de produção, levando muitos utilizada por ciclo depende da lavoura. Em lavouras
produtores ao prejuízo. consideradas boas, os investimentos em adubos
As transformações ocorridas nas práticas do atingem até quinze ou dezesseis sacos de cinquenta
preparo de solo também significaram aumento nos quilogramas por mil pés. No plantio, são utilizados
gastos dos produtores de tomate entrevistados. O de três a cinco sacos por mil pés. Como se planta
preparo do solo, para o cultivo do tomate na região uma média de doze mil a catorze mil plantas por
de Goianápolis, sempre foi feito com arado e grade. hectare, consequentemente, são aplicadas de nove
Porém, as ferramentas usadas nessas operações a onze toneladas por hectare, adubação considerada
mudaram, consideravelmente, ao longo do tempo. bastante intensiva.
Os produtores mais antigos relembram que a terra A adubação de cobertura é, frequentemente,
era preparada com arado e grade de tração animal, utilizada, aplicada em intervalos de oito a quinze
com muita antecedência ao transplantio das mudas. dias, dependendo do tipo de solo. Em solos de maior
Hoje, o preparo do solo é feito com tratores, cerca fertilidade, os produtores fazem adubação de quinze
de dois meses, ou mesmo um mês, antes da implan- em quinze dias e, para solos de Cerrado, de oito em
tação da cultura, em decorrência da intensificação oito dias.
da produção. O sistema de irrigação mais utilizado é por
Outras operações introduzidas pelos produ- meio de sulcos. Nesse sistema, a água é bombeada
tores, nos últimos anos, contribuíram para melhor da fonte, para uma parte mais alta do terreno, de onde
desempenho da cultura: análise do solo, calagem e partem os sulcos principais. No momento da irriga-
plantio em nível. Os produtores consideram esses ção, sacos de areia são utilizados, estrategicamente,
procedimentos uma evolução no plantio de tomate, para desviar a água para os sulcos secundários, nos
uma vez que o preparo do solo pode ter influência quais se encontram as fileiras de tomates. Molhada
decisiva no uso de agrotóxicos na cultura, principal- a fileira, passa-se para a próxima, e assim sucessi-
mente em relação a doenças, uma vez que o preparo vamente, até se irrigar toda a área. Esse sistema de
bem feito influi, consideravelmente, no vigor inicial irrigação causa alguns problemas ambientais, tais
da planta. Um plantio bem planejado pode, ainda, como: aumenta a exigência de água, facilita a erosão
reduzir bastante as fontes de inóculos de patógenos nos carreadores e sulcos, carreia solo e resíduos para
na área e, por consequência, diminuir a necessidade os cursos d’água e cria um microclima favorável à
de pulverização com agrotóxicos, no período inicial proliferação de doenças, na parte inferior da planta,
da cultura. tornando-se eficiente veículo condutor de determi-
O sistema de produção da cultura do tomate, nados patógenos.
na região de Goianápolis, inclui o uso, quase que No entanto, há uma tendência a se substituir o
exclusivo, de adubos químicos. As recomendações, sistema de sulcos pelo gotejamento. Produtores, com
normalmente, partem dos agrônomos das lojas de áreas maiores, já começaram a utilizar esse sistema.
agroquímicos. No passado, apesar de sempre haver O principal inconveniente para esse tipo de irrigação

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Os agrotóxicos na produção de tomate de mesa na região de Goianápolis, Goiás 311

é o alto investimento inicial e, quanto menor a plan- miniviroses, que chegam a dizimar áreas inteiras
tação, maior é o custo do equipamento por unidade da plantação. Os produtores admitiram que, caso
de área. O gotejamento reduz alguns dos problemas a situação perdure, vai ser difícil plantar tomate na
ambientais ocasionados pelo sistema de irrigação por região, uma vez que os inseticidas disponíveis não
sulcos. Além do mais, pode-se fazer a ferti-irrigação, são eficazes em seu combate.
o que diminui a perda de nutrientes aplicados ao solo. A introdução de agrotóxicos em Goianápolis
Atribui-se, também, ao gotejamento a diminuição da foi feita por pessoas sem formação técnica, sobretudo
incidência de geminivírus na cultura, uma vez que pequenos comerciantes, que estavam mais interes-
é possível adicionar produtos via água, que, com sados em ampliar a venda desses produtos. Hoje, os
isso, ficariam disponíveis para a planta, de forma produtores acreditam somente em produtos químicos,
mais direta e rápida, inibindo a presença de insetos chamados por eles de “remédios” ou “venenos”. Só de
vetores da virose. ouvir falar que uma determinada praga ou doença afe-
Na avaliação dos agricultores entrevistados, o tou outros produtores, já se busca um agrotóxico para
custo de produção do tomate elevou-se, consideravel- prevenir aquela moléstia na sua lavoura. E o controle é
mente, a partir de meados da década de 1990. Além da sempre químico porque, em uma cultura que tem alto
questão conjuntural, ligada à macroeconomia do País, custo, como a do tomate, cometer qualquer descuido
o incremento dos custos está ligado à manifestação pode ser fatal para a sobrevivência da mesma. É o fata-
de pragas novas, no cultivo do tomate, que exigem lismo químico, definido por Guivant (1992, 1994).
o uso intensivo de agrotóxicos. Tanto os técnicos quanto os produtores entre-
vistados não têm nenhuma perspectiva de mudança
O USO DE AGROTÓXICOS NA PRODUÇÃO tecnológica, no que se refere ao manejo de pragas da
DE TOMATE cultura. Quando os próprios técnicos não têm infor-
mações ou interesse em mudar a rota tecnológica da
Até os anos 1970, quando o plantio não era produção de tomates, dificilmente se pode esperar
tão intensivo, o uso de agrotóxicos era relativamente iniciativas dos agricultores. Aliás, a grande esperança
pequeno. Com o passar do tempo, aumentou-se, con- destes é que surja um “remédio” melhor.
sideravelmente, a área plantada e, consequentemente, Dois aspectos interessantes vêm à tona, quan-
a pressão de inóculos de pragas e doenças associadas do se avalia a dependência de agrotóxicos. O primeiro
à cultura, exigindo-se, assim, uma intervenção cada é que o universo de alternativas se resume às opções
vez mais intensiva, com reflexos no aumento do custo das empresas fabricantes de agrotóxicos. O segundo
de produção e rendimento superior, para compensar é que este controle já vem pré-definido, independen-
o investimento inicial. temente de haver ou não a praga naquela cultura. O
No início dos anos 1980, apareceu a traça do controle de pragas e doenças, exercido pelos toma-
tomateiro (Tuta absoluta) e constituiu-se o primeiro ticultores de Goianápolis, é quase, exclusivamente,
grande problema fitossanitário na cultura do toma- preventivo. Ao se acompanhar a lavoura de um deter-
te, na região de Goianápolis. Porém, os produtores minado produtor, durante todo o ciclo, observou-se
entrevistados afirmaram que esta não é mais a praga- que este pulverizou, desde o início, para prevenir a
chave da cultura na região. Embora ainda exista, traça, sem que, em nenhum momento, alguma traça
ela é controlada com o uso de inseticidas químicos tenha sido vista na cultura. Foram, praticamente, três
e, desde meados da década de 1990, não provoca meses de agrotóxico aplicado sem necessidade, com
grandes prejuízos. Alguns técnicos entrevistados pulverização duas vezes por semana, em lavoura de
avaliaram que, embora os agricultores considerem oitenta mil pés.
que o controle da traça tenha ocorrido em função As pulverizações são feitas quase todos os
de novos produtos que apareceram, o recuo dessa dias. As misturas de produtos são frequentes, prin-
praga talvez tenha decorrido em função de alguma cipalmente para controle da mosca branca. As pul-
mudança climática. verizações já começam no momento da semeadura,
Atualmente, a principal praga na região é a intensificando-se durante todo o período em que
mosca branca (Bemisia tabaci biótipo B). Esta praga as mudas ficam no viveiro de produção. Ao trans-
está causando grande alvoroço entre os produtores, plantar, imediatamente já se começa a pulverizar a
em função, principalmente, da transmissão de ge- lavoura com agrotóxicos.

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312 J. de S. Reis Filho et al. (2009)

Os produtores desconhecem ou não acreditam de pesquisadores e cursos rápidos. As informações


em alternativas para reduzir o uso dos agrotóxicos. mais frequentes são as referentes aos agrotóxicos,
É muito difícil encontrar um produtor de tomate, designados, genericamente, de produtos. Esses téc-
em Goianápolis, que tenha ouvido falar em manejo nicos afirmam consultar, também, literatura técnica
integrado de pragas. Aqueles que ouviram falar, ou foi específica.
por meio da televisão, ou através de alguma palestra. Alguns produtores até acham que a quantidade
Eles reclamaram que nunca tiveram alguém para en- de agrotóxicos que se aplica na cultura do tomate
sinar ou apoiar alguma ideia dessa natureza. Aqueles possa ser diminuída. Eles próprios admitiram que
que se aproximam deles estão mais interessados em o uso é abusivo, mas justificaram esta situação pelo
vender mais algum produto. Trabalho específico de medo que têm de perder a lavoura e de que surja
orientação, para a busca de alternativas tecnológicas alguma praga ameaçadora. Às vezes, os agricultores
sustentáveis, nunca aconteceu. têm consciência de que pulverizam sem necessidade,
Os produtores de tomate admitem que a im- por simples medo. Assim que aparece alguma praga
plantação de propostas alternativas ao uso intensivo ou doença, logo querem pulverizar.
de agrotóxicos sofreria um pouco de resistência, O uso abusivo de agrotóxicos foi, também,
inicialmente. Quando questionados se usariam essa atribuído, por técnicos, à falta de profissionalização
técnica, caso alguém buscasse introduzi-la na região, do tomaticultor. Aqueles que creem na diminuição do
deixaram transparecer que têm medo de apostar em uso sugeriram algumas alternativas. Uma delas seria
uma prática que não conhecem, que não têm certeza o uso de produtos, como espalhantes, que reduzis-
se daria certo. Mas acreditam que, se alguns a adotas- sem a dosagem recomendada. Segundo eles, houve
sem, seriam seguidos pelos demais. Exemplificaram tentativas no sentido de se diminuir a dosagem de
esta premissa com a evolução que se teve na própria agrotóxicos, mas não adiantou.
forma de cultivo, que, antigamente, era bem rudi- No geral, para os produtores, controle só se
mentar e foi se transformando, até chegar ao estágio consegue com produto químico. E uma eventual
atual de uso intensivo de tecnologia. diminuição no uso destes controladores está intima-
Não é prática comum dos agricultores frequen- mente ligada à própria eficiência destes produtos.
tar cursos técnicos, embora participem de palestras Eles não acreditam na existência de alternativas
promovidas pelas empresas de agrotóxicos. Ultima- tecnológicas fora do eixo dos próprios agroquímicos.
mente, nem mesmo essas palestras são frequentadas Toda a história da cultura do tomate, em Goianápo-
assiduamente, mesmo com a oferta de churrasco, lis, foi moldada, fundamentalmente, nos princípios
sorteio de brindes e distribuição de bonés e/ou ca- técnicos e culturais, de forma que estão, totalmente,
misetas. Estes são pretextos usados, pelas empresas, sedimentados nas práticas tecnológicas e nos saberes
para atrair o maior número de produtores, a fim de dos agricultores.
divulgar as vantagens de seus produtos sobre os dos Alguns produtores enfatizaram que reduzem
concorrentes. Geralmente, é montado um campo o custo de suas lavouras racionalizando o uso de in-
de produção, comparando-se o pacote tecnológico sumos, principalmente agrotóxicos. A manipulação
daquela empresa, face ao pacote que o produtor está do agrotóxico é determinante na confecção do custo
usando. Por fim, compara-se o custo final de cada de produção. Racionalizar o uso desse insumo é uma
pacote e a produtividade dos campos envolvidos. das alternativas iniciais para se reduzir o custo de
Para coroar o trabalho, promove-se um dia de campo, produção e, consequentemente, viabilizar a volta de
regado a bebida e comida, e, às vezes, a participação melhores resultados na cultura, na região de Goianá-
dos produtores é pífia. Na festa do tomate, geralmente polis. Existem afirmações de que a redução no uso
realizada na cidade no segundo semestre de cada ano, de agrotóxicos já aconteceu, razão pela qual ainda
normalmente, são feitas palestras sobre os problemas existem pessoas cultivando tomate na região.
relacionados à cultura. Constitui prática corrente, na região de Goia-
Dos técnicos entrevistados, nenhum fez nápolis, substituir a cultura do tomate por outras cul-
qualquer tipo de especialização com a cultura, pois turas comerciais, para um maior aproveitamento do
consideram que a experiência de campo é suficiente residual de nutrientes adicionados ao solo. Planta-se
para lidar com a cultura. As informações extras milho, arroz, ou até mesmo capim (pasto). O plantio
são, normalmente, buscadas em palestras técnicas de outra cultura de tomate é, praticamente, limitado,

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Os agrotóxicos na produção de tomate de mesa na região de Goianápolis, Goiás 313

em função do grande potencial de inóculo de doenças os restos culturais, aumentam, consideravelmente, a


e infestação de pragas. fonte de infestação dessas pragas para outros produ-
Um dos grandes problemas observados na tores limítrofes. Da mesma forma, não há garantias
região é o fato de culturas, em diferentes estágios de de que, nas novas áreas de plantio, um outro produtor
desenvolvimento, conviverem lado a lado. Em alguns também não tenha abandonado a lavoura sem destruir
casos, o problema é relacionado ao fato de o produtor os restos culturais. É fundamental, nesse caso, uma
escalonar o plantio, buscando alcançar o melhor pre- tomada de consciência coletiva, de modo que todos os
ço possível, uma vez que há oscilações no mercado. produtores envolvidos adotem práticas apropriadas.
A região não tem muita terra disponível e, em função
disso, os agricultores alugam-na, plantam uma parte, DESAFIOS PARA A REDUÇÃO DO USO DE
imediatamente, e, no restante, vão sequenciando o AGROTÓXICOS
plantio. Existem casos de percepção do problema e
tentativas de não repetição dessa prática. No final da A cultura do tomate de mesa, na região de
colheita, as pragas aumentam, principalmente pelo Goianápolis, passa por enormes dificuldades, so-
fato de os produtores serem obrigados a pulverizar bretudo no plano econômico. A atividade está se
um “veneno mais fraco, pois não pode bater veneno inviabilizando, a cada ano. As razões que levaram a
forte”. Em função disso, sempre preferem fazer novas esta situação permeiam as várias interfaces do ciclo
lavouras, em outro local. produtivo e da história da cultura. O processo tec-
Outra razão da coexistência de plantios de nológico de produção está assentado em princípios
estágios diferentes é o fato de as propriedades serem questionáveis, tanto do ponto de vista técnico como
pequenas e limítrofes, com diferentes produtores ecológico e econômico. Mas esta tecnologia está
plantando em diferentes épocas, formando um con- consolidada de tal forma que os produtores de tomate
tinuum de plantas em estágios diferentes, e, o que é não conseguem redirecioná-la. Tanto os produtores
pior, o abandono dos restos culturais após a colheita, quanto os técnicos captam, perfeitamente, os reflexos
constituindo-se, assim, um imenso laboratório a céu do atual modelo de produção, mas, na maioria das
aberto, para a proliferação de pragas. vezes, a análise fica na superfície do problema, à
Muitos produtores têm ideia do risco que é a medida em que sempre se busca uma forma de reparar
não destruição dos restos culturais. Existem produ- uma questão específica ou pontual.
tores que destroem os restos culturais. No entanto, Fica cada vez mais evidente que o uso de
ainda é grande o número daqueles que insistem em agrotóxicos deixou de ser somente um problema
não fazê-lo. Alguns põem o gado para destruir a ambiental, ou de saúde pública, para se tornar um
rama do tomate. Outros alegam que não utilizam grave problema econômico, com reflexos diretos e
esta prática porque não têm uma máquina. Outros, graves sobre a atividade da tomaticultura. Os agrotó-
ainda, justificam a não destruição de restos culturais, xicos, ao mesmo tempo em que se tornam condição
no passado, porque “a manifestação de pragas era de garantia da safra, aumentam de tal forma o custo
pouco”. Com efeito, a não utilização dessa prática re- de produção que exigem uma alta produtividade para
comendada contribuiu para o aumento da incidência compensar o recurso investido, retroalimentando a
dos riscos de ataques de pragas, tornando inviável a necessidade de se usar todo o suporte tecnológico
atividade na região. existente, a fim de garantir um retorno financeiro em
É interessante observar que os produtores, percentuais minimamente aceitáveis. Dessa forma,
muitas vezes, esperam que o proprietário da terra cria-se uma dependência cada vez maior, por parte
exija a destruição dos restos culturais. Muitos deles dos produtores, em relação ao pacote tecnológico,
não assumem que esta prática favoreça mais a eles de tal sorte que eles não conseguem vislumbrar uma
próprios do que ao dono do imóvel. O fato de a mudança de atitude.
maioria dos produtores alugar terra também contribui Desde o início do estabelecimento da cultura,
para agravar esta situação. A principal justificativa na região de Goianápolis, houve a utilização de insu-
dos produtores para alugar a terra somente para um mos químicos, ditada por representantes comerciais.
ciclo da cultura é a possibilidade de migrarem para Apesar do uso reduzido desses produtos, quando se
outra área, fugindo da contaminação por pragas. Eles tinha um problema qualquer, recorria-se às lojas, que,
só não atentam para o fato de que, ao abandonarem naquela época, não ofereciam nenhum suporte técni-

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co para a recomendação. Eram pessoas leigas, com que atuem nos órgãos estatais de extensão rural,
conhecimento alicerçado em suposta experiência com dificilmente surgirão alternativas para os produtores
a cultura, ou em informações obtidas no contato com mudarem a tecnologia de controle de pragas e do-
diversos produtores, proporcionada pela própria ativi- enças. Os agricultores afirmam que não procuram
dade no comércio de produtos. Assim, as informações técnicos autônomos, que sejam portadores de uma
eram repassadas, sem maiores comprovações. concepção diferenciada no trato dos cultivos de to-
Ainda hoje, resiste a tradição de se procurar a mate, simplesmente porque não existem profissionais
solução de problemas agrícolas nas lojas de produtos com este perfil. Os técnicos, por sua vez, não se pre-
agropecuários. A maioria destas empresas conta com param porque os produtores não costumam recorrer
engenheiros agrônomos em seus quadros. Porém, à assistência dos técnicos autônomos, e, nesse caso,
estes profissionais atuam, quase exclusivamente, não se justifica investir em formação, uma vez que
como vendedores e estão preparados para lidar com não há demanda por este tipo de serviço.
produtos químicos. A maioria deles se esquiva de se Também ficou evidente que, para os agricul-
intitular como profissionais de assistência técnica, tores, assistência técnica é um assunto secundário
preferindo identificar sua atuação na orientação dos na produção. O agricultor entende que assistência
produtores, uma vez que não assinam Anotações de técnica tem que ser “de graça”, um dever do Estado.
Responsabilidade Técnica. Na maioria das vezes, Quando a Emater interveio no campo, a assistência
são procurados depois que o problema surgiu, o que técnica era gratuita e o agricultor se familiarizou com
limita a atuação profissional na resolução de algum esta forma de trabalho, não aceitando pagar pelos
foco de pragas ou doença. Dessa forma, a ação tem serviços. Outro fato que contribui para a aposta na
um caráter curativo e, quase sempre, a única solução gratuidade da assistência técnica é que as lojas dis-
que podem indicar são os produtos químicos. põem de engenheiros agrônomos que recomendam
Os órgãos públicos do setor agrícola deixam o uso de insumos. No intuito de se livrarem de mais
a desejar, em relação à assistência técnica integral. uma despesa, os agricultores procuram as empresas
A existência do escritório da Emater (atual Agência que recomendam a solução que têm para oferecer.
Rural), no município de Goianápolis, é recente e a Acresce, ainda, o fato de o produtor entender
mesma não se envolve, efetivamente, com o con- que agricultura é uma atividade em que a experiên-
trole de pragas no tomate. Antigamente, existiam cia conta muito mais do que a formação curricular
os escritórios de Anápolis e Goiânia, mas que não de um técnico. A experiência dos outros produtores,
eram procurados pelos agricultores que lidavam com ou a adquirida ao longo do tempo com a cultura, ou
tomate, uma vez que eles sempre preferiram as lojas mesmo a passada de geração para geração, são as
de produtos agropecuários. De acordo com os produ- principais referências para se medir o conhecimento.
tores, a influência dos agentes de assistência técnica Tais experiências são calcadas, exclusivamente, no
do Estado, ligados à Emater, foi muito restrita. Assim, modelo de tecnologia da agricultura convencional
as lojas tornaram-se as principais responsáveis pela moderna, de alto uso de insumos externos.
introdução dos pacotes tecnológicos, para o cultivo Embora exista uma rede de informações entre os
do tomate, e a participação delas tende a se acentuar produtores, eles não usam esse pressuposto para criar
ainda mais, com o passar anos, devido à redução dos canais de cooperação, na busca de solução para seus
serviços estatais de extensão rural. problemas. Em Goianápolis, não existem iniciativas
A evolução da assistência técnica, ao longo dos de organização social dos produtores de tomate. As
anos, talvez tenha sido uma das grandes causadoras decisões são todas individualizadas, cada um buscando
do uso de agroquímicos na cultura do tomate, na re- resolver o seu problema específico e pontual.
gião pesquisada. É evidente que qualquer empresa irá O individualismo ainda prevalece na toma-
vender aquilo de que dispõe. Se a empresa comercia- ticultura. Há a premissa de que muitos produtores
liza agroquímicos, esta é a tecnologia que ofertará ao torcem para que os concorrentes produzam menos,
cliente, para dirimir as dificuldades existentes na sua a fim de evitar o excesso de produto no mercado e,
lavoura. E, quando só existe esta opção, é evidente com isso, redução no preço. É notável que, se os
que esta tecnologia irá predominar. produtores não abdicarem do individualismo e parti-
Se, por um lado, só há técnicos ligados às rem para a busca de soluções conjuntas, dificilmente
lojas de agroquímicos, e, por outro, não há técnicos conseguirão reverter a situação dramática em que se

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Os agrotóxicos na produção de tomate de mesa na região de Goianápolis, Goiás 315

encontram. A formação de associações ou cooperati- pode ser limitado pelo poder aquisitivo e pela própria
vas, para buscar a redução de custos, contratação de falta de informação dos perigos que representam os
técnicos especializados e bem treinados, substituição resíduos de pesticidas, por parte da outra parcela da
da tecnologia de produção e uma melhor atuação no população que não adquiriu a consciência dos riscos
mercado, é iniciativa imprescindível para a retomada apresentados por alimentos contaminados.
dos resultados positivos da cultura. Um programa de redução no uso de agrotóxi-
A união dos produtores é imprescindível para cos certamente resultará em diminuição nos custos
a adoção de algumas práticas agronômicas reco- de produção. Para isso, alguém, ou algum órgão,
mendáveis para a região de Goianápolis. Uma delas precisa começar a agir, mostrando os benefícios,
é a destruição de restos culturais, que ainda não se divulgando a ideia e executando algumas práticas
tornou prática entre os tomaticultores. Percebe-se estimulantes, para quebrar a barreira existente entre
que não existe uma cobrança direta de uns para com a situação atual e as perspectivas de uma agricultu-
os outros, no sentido da corresponsabilidade cole- ra mais racional, rentável, justa e ecologicamente
tiva. É necessária uma ampla conscientização das sustentável. Mas, não basta reduzir apenas o uso de
pessoas envolvidas, para a convivência e solução agrotóxicos. É preciso discutir a situação da aduba-
dos problemas da cultura, cobrando-se agilidade e ção, irrigação, sementes, mão-de-obra, assistência
responsabilidade de todos, para a recuperação da ati- técnica e comercialização. Ou seja, um manejo inte-
vidade. É necessária a interferência do poder público grado de pragas não resolverá a situação de penúria
municipal, buscando-se estimular a cooperação social da atividade, mas pode aliviar um pouco os prejuízos.
e coordenar algumas mudanças de comportamento É necessário rediscutir todo o processo produtivo do
na agricultura, no município, bem como fiscalizar a tomate. A especialização de agricultores, em deter-
adoção de práticas sustentáveis. minadas culturas, é um risco muito grande. Cria-se
Outra prática agronômica, que depende da uma dependência que pode, a qualquer momento,
coordenação de uma associação, cooperativa, ou do ser crucial para a atividade.
poder público, é o calendário de plantio. Somente sob
organização, ou por imposição de alguma entidade CONSIDERAÇÕES FINAIS
respeitada (ou obedecida), é possível chegar a uma
plantação organizada, no tempo e no espaço, para A cultura do tomate exige um investimento
se evitar a transferência de pragas e/ou doenças de muito alto em insumos agrícolas. O cultivo está
uma lavoura para outra. Na cultura do tomate indus- assentado em proposta tecnológica baseada no uso
trial, conforme Instrução Normativa do Ministério intensivo de insumos externos à propriedade, com
da Agricultura (n° 24, de 15/04/2003) e Instrução preços controlados pelas indústrias de insumos e
Normativa da Agrodefesa (n° 05, de 13/11/2007), seus representantes comerciais, que sofrem efeitos
só é permitido o replantio a campo entre os meses da economia nacional.
de fevereiro e junho. Para tomate de mesa, foram O uso intensivo de agrotóxicos na cultura do
definidas medidas fitossanitárias, que visam a impe- tomate representa investimento inicial muito alto. O
dir o escalonamento de plantio. Espera-se que, com medo de perder a lavoura, pela entrada de uma deter-
a observância de tais medidas, seja possível atenuar minada praga, faz com que os agricultores aumentem
problemas com pragas. o uso de agrotóxico.
O Estado de Goiás apresenta um potencial Os órgãos públicos de assistência técnica e
de mercado para produtos agrícolas diferenciados, extensão rural tiveram participação muito tímida nos
notadamente produtos de presumida ausência de re- rumos da tecnologia de produção do tomate e, quando
síduos de agrotóxicos. A oferta de tomate, com estas intervieram, não mudou muito o foco de atuação,
características, é quase nula. No entanto, é preciso recomendando-se o pacote elaborado e sedimentado
que se busque a viabilização da cultura, para um pelas empresas que desenvolvem o produto, restando,
universo maior de produtores. Produtos diferencia- aos produtores, a assistência técnica disponibilizada
dos, geralmente, têm preços melhores e se destinam pelas lojas de insumos agrícolas, que estão interessa-
a “nichos de mercado” que podem pagar esse preço das em ampliar suas vendas de agrotóxicos.
mais elevado. Só que, por mais que os consumidores Os produtores também não se questionam e
procurem esses produtos, o potencial de mercado nem reivindicam uma opção diferenciada de cultivo,

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316 J. de S. Reis Filho et al. (2009)

pois sempre esperaram que alguém, ou algum órgão, GOIÁS. Secretaria de Estado do Planejamento e
disponibilize as mudanças necessárias. Desenvolvimento (Seplan). Estatísticas Municipais:
Os técnicos da região de Goianápolis traba- produção agrícola: tomate de mesa. 2008. Disponível
lham em conformidade com o padrão hegemônico de em: <http://www.seplan.go.gov.br/sepin>. Acesso em:
produção, estando ligados às lojas revendedoras de 15 out. 2009.
insumos. Não existe procura por técnicos especiali- GUIVANT, J. S. O uso de agrotóxicos e os problemas
zados na cultura, uma vez que, para os agricultores, de sua legitimação: um estudo de sociologia ambiental
isto é mais um custo. Existe, na verdade, uma rede no município de Santo Amaro da Imperatiz, SC. 1992.
de informações entre os agricultores, à medida que 387 f. Tese (Doutorado em Ciências Sociais)–Instituto de
algumas informações, como o veneno que deter- Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Estadual de
minada pessoa está usando, passa de produtor para Campinas (Unicamp), Campinas, 1992.
produtor.
Em Goianápolis, inexistem iniciativas associa- GUIVANT, J. S. Percepção dos olericultores da grande
tivistas para enfrentar os problemas, seja da produção, Florianópolis (SC) sobre os riscos decorrentes do uso de
agrotóxicos. Revista Brasileira de Saúde Ocupacional,
seja da comercialização. A comercialização pode ser
São Paulo, v. 22, n. 82, p. 47-57, 1994.
ajustada com a união dos produtores.
O manejo integrado pode ser a âncora para MAKISHIMA, N.; MIRANDA, J. E. C. de (Eds.). Cultivo
reunir os diferentes órgãos, na busca de alternativas do tomate (Lycopersicon esculentum Mill.). Brasília,
para a produção de tomate. O estabelecimento de um DF: Embrapa Hortaliças, 1992. (Instruções técnicas do
programa de manejo pode começar com a implan- CNPHortaliças, n. 11).
tação de unidades demonstrativas, em propriedades MINAME, K.; HAAG, H. P. O tomateiro. Campinas:
de produtores mais abertos às mudanças, na forma Fundação Cargill, 1989.
de condução da lavoura.
O manejo integrado deve ser focado como uma NAKANO, O. As pragas das hortaliças: seu controle e o
solução emergencial, voltada para reverter a situação selo verde. Horticultura Brasileira, Brasília, DF, v. 17,
atual dos agricultores, buscando-se princípios agroe- n. 1, p. 4-5, 1999.
cológicos de produção, diversificação de atividades OLIVEIRA, R. Projeto reduz em 60% veneno no tomate.
e culturas agrícolas, rearranjo dos agentes sociais, 1999. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/fsp/
eficiência econômica e sustentabilidade ecológica. agrofolh/fa29069901.htm>. Acesso em: 15 out. 2009.
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ISSN 1517-6398/ e-ISSN 1983-4063 - www.agro.ufg.br/pat - Pesq. Agropec. Trop., Goiânia, v. 39, n. 4, p. 307-316, out./dez. 2009

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