Você está na página 1de 9

ESP BRA CAT AME ENG

NEWSLETTER ASSINE

CULTURA
CULTURA
INTERNACIONAL BRASIL OPINIÃO ECONOMIA CIÊNCIA TECNOLOGIA CULTURA ESTILO ESPO

OBITUARIOS

Morre Agnes Heller, a filósofa da vida


cotidiana que sobreviveu ao Holocausto
Foi uma das pensadoras mais influentes do século XX, autora de uma ampla
obra que refletiu sobre a história e a razão

Ágnes Heller, em Budapeste em agosto de 2017. ZSÓFIA PÁLYI

EL PAÍS

Madri - 20 JUL 2019 - 12:28 BRT

Era chocante o contraste entre o físico de Agnes Heller a filósofa


Era chocante o contraste entre o físico de Agnes Heller, a filósofa MAIS INFORMAÇÕES
húngara morta nesta sexta-feira aos 90 anos, e a força do seu
pensamento e da sua biografia. Miúda e só aparentemente frágil,
sobreviveu ao Holocausto em Budapeste — metade do milhão de
judeus assassinados em Auschwitz era húngara — e à repressão
'Por que a
stalinista posterior à Segunda Guerra Mundial, que a obrigou a se Hungria se
exilar durante décadas. Nos Estados Unidos e na Austrália, porém, ela rendeu ao
extremista
elaborou um pensamento baseado num profundo conhecimento da
Orbán', por
história, mas também da vida cotidiana, situado entre a filosofia e a Agnes Heller
sociologia, que conseguiu atravessar fronteiras para torná-la uma das
pensadoras mais influentes da segunda metade do século XX.

Obras como O Cotidiano e a História (Paz e Terra), Historia y futuro


¿sobrevivirá la modernidad?, El hombre del renacimiento, Crítica de la Agnes Heller: “A
maldade mata,
ilustración e Para cambiar la vida são alguns dos títulos editados na mas a razão leva
Espanha, onde seu pensamento encontrou uma ampla difusão. Foi a coisas mais
terríveis”
colaboradora habitual do EL PAÍS desde os anos oitenta e publicou
seu último artigo neste jornal em abril passado, sobre o tema que mais
a preocupava no momento: a guinada autoritária do primeiro-ministro húngaro Viktor
Orban e o perigo que isso representava para a democracia na Europa. Como
sobrevivente dos totalitarismos nazista e soviético, ela sabia perfeitamente quais
podiam ser as consequências de ficar de braços cruzados ante um ataque contra as
liberdades.

Heller considerava que a história não se repetiria e pensava que estávamos muito longe
dos anos trinta. Ao mesmo tempo, porém, estava convencida de que a democracia
corria perigo em alguns países da Europa, lembrando que o Estado de direito não se
baseia apenas no voto. Também se preocupava com o ataque contra a razão por parte
do extremismo islâmico e a ameaça que o nacionalismo representa para a União
Europeia. Foi uma importante pensadora feminista. “É a única revolução que não

considero problemática e é a maior do nosso tempo, porque não é uma mobilização


contra um período histórico, e sim contra todos os períodos. A única totalmente
positiva, talvez junto com o desenvolvimento dos direitos humanos.”

Este jornal a entrevistou em Budapeste no verão de 2017. Vivia num luminoso e


desarrumado apartamento com uma vista impressionante para o Danúbio, repleto de
livros e revistas sobre temas de todo tipo, que mostravam que sua enorme curiosidade
intelectual nunca se apagou A Academia Húngara de Ciências anunciou sua morte na
intelectual nunca se apagou. A Academia Húngara de Ciências anunciou sua morte na
noite desta sexta-feira, sem especificar a causa. Segundo o site húngaro 444.hu, ela
faleceu enquanto nadava no lado Balaton, onde muitos cidadãos da Europa comunista
passavam as férias. Curiosamente, foi ali que começou a ruir a Cortina de Ferro quando
milhares de cidadãos da Alemanha Oriental que estavam na Hungria tiveram
permissão para abandonar o país rumo ao Ocidente.

Heller não tinha problema algum para responder a perguntas sobre todo tipo de
assunto, nem para recordar o Holocausto. Narrava a forma como sobreviveu à Shoá,
quando os nazistas, apoiados pelos fascistas húngaros do Partido da Cruz Flechada,
organizaram a deportação dos judeus de Budapeste a Auschwitz e depois o seu
assassinato em massa na própria cidade, quando, ante a iminência da chegada dos
soviéticos, os trens deixaram de sair. “Como todas as pessoas que conseguiram sair
vivas daquilo, foi por acidente. Meu pai foi assassinado em Auschwitz, minha mãe e eu
estivemos a ponto de morrer, mas de alguma forma nos livramos. Os fascistas
húngaros mataram muitos judeus junto ao Danúbio, mas pararam antes de chegar à
nossa casa. Também dispararam contra mim, mas, como sou baixa, o tiro passou por
cima da minha cabeça. Em outro momento, nos colocaram numa fila. Soube que não
devíamos ficar ali porque nos matariam, e conseguimos fugir. Mas tudo isso não foi
sorte, e sim instinto.”

Após a Segunda Guerra Mundial, Agnes estudou e depois ensinou filosofia na chamada
Escola de Budapeste, encabeçada pelo filósofo marxista Georg Lukács. Depois da
invasão soviética de 1956, que reprimiu uma tentativa de libertação do regime
comunista húngaro, Heller se tornou dissidente e acabou se exilando, primeiro como
professora em Melbourne (Austrália) e depois na New School for Social Research de
Nova York. Até o fim de seus dias, deu palestras e seminários pelo mundo todo.

Como outros filósofos pegos no turbilhão do século XX, Agnes Heller refletiu sobre o
Iluminismo e sobre como se poderia ter passado da esperança despertada pela
razão — noção que devia a pensadores da modernidade como Spinoza e Kant — aos
horrores do totalitarismo. Foi marxista no início, mas logo se desvinculou de qualquer
marco teórico que cerceasse sua vontade de buscar respostas.

Heller perdeu a confiança na razão, porque sem ela não poderiam ter construído os
campos nazistas e soviéticos nem organizar a deportação de milhões de pessoas. Mas
nunca perdeu a confiança no ser humano. Questionada sobre suas crenças, ela
respondeu naquela entrevista: “Tenho que acreditar em algo? Talvez possa responder
respondeu naquela entrevista: Tenho que acreditar em algo? Talvez possa responder
à sua pergunta. Acredito numa coisa: as pessoas boas existem, sempre existiram e
sempre existirão. E sei quem são as boas pessoas.”

Adere a Mais informações >

ARQUIVADO EM:

Agnes Heller Viktor Orban Budapeste Obituários Filosofia Hungria Holocausto Judeu
Mortes Nazismo Europa Central Ultradireita Segunda Guerra Mundial História Contemporânea

MAIS INFORMAÇÕES
ENTREVISTA / ROGER-POL DROIT

“Há um imperativo de ser feliz, em todos os lugares, o tempo todo”


ALAN SOKAL I FÍSICO E MATEMÁTICO

“O pior inimigo da Ciência não é Deus; são os políticos e a


propaganda”

CONTENIDO PATROCINADO

Novas fotos ilegais Fotos Horripilantes do [Fotos] Ex-aeromoças


mostram o que a vida na Titanic Encontradas em revelam o que realmente
é d â b d
Coréia do Norte Câmera Antiga acontece a bordo
realmente é como

DIRECT EXPOSE COOLIMBA DESAFIO MUNDIAL

E TAMBÉM…

O abraço entre duas crianças que Galeria de fotos: Incêndio no Biden se apresenta como a melhor
comoveu as redes hospital Badim, no Rio de Janeiro, aposta democrata para derrotar
deixa mortos e feridos Trump

(EL PAÍS) (EL PAÍS) (EL PAÍS)

Recomendado por
NEWSLETTERS
Receba o boletim diário do EL PAÍS Brasil

Anúncio

Conheça a máquina Nº 1

SumUp Con ra Agora

PODE TE INTERESSAR

O herói que, sem enxergar, salvou judeus cegos e surdos do horror nazista

A crescente indignação contra Orbán sai às ruas da Hungria

Por que o papa Francisco ordenou a abertura dos arquivos secretos do Vaticano sobre o
Holocausto judeu?

Por que devemos recordar os anos da República de Weimar


© EDICIONES EL PAÍS S.L. Contato Venda de conteúdos Publicidade Aviso legal Política cookies Mapa

EL PAÍS en KIOSKOyMÁS Índice RSS

Você também pode gostar