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A Redescoberta Da Igreja de S. João Das Covas14RPA - Vol-20 - Pedro - Martins - Mendes PDF
A Redescoberta Da Igreja de S. João Das Covas14RPA - Vol-20 - Pedro - Martins - Mendes PDF
Resumo O conhecimento da existência de uma igreja dedicada a São João das Covas em territó-
rio sintrense provinha da breve descrição nas “Antiguidades de Mafra”, de Estácio da Veiga
(1879). Desde então, entrou no esquecimento e perdeu-se a memória do lugar e do seu culto.
Neste estudo, redescobre-se o referido templo e reconstrói-se um pouco da sua história secular,
espaço, arquitetura, culto e do seu processo obscuro de desaparecimento.
Abstract The knowledge about São João das Covas dedicated church in Sintra’s territory comes from the
brief description in the “Antiguidades de Mafra” from Estácio da Veiga (1879). Since then it has
been forgotten and the memory of the place has been lost. In this study, this temple is rediscov-
ered and its secular history, space, architecture, religious worship it is a little reconstructed, as
well their obscure process of disappearance.
[...] et deinde per ripariam de Cheleiros sur- descontentamento popular que levou à criação
sum ad hereditatem dos tostoens; ita quod da paróquia de São Pedro de Almargem,
Aldea de Covis totallier cum terminis suis por desanexação da Igreja de São Pedro de
contineatur infra Parochiam S. Mariae. Et Canaferrim.
hereditatem dos tostoens directe ad Caput Assim, nos séculos XV e XVI, as quatro paróquias
de Novolast [...]” (Costa, 1980, p. 106). do termo de Sintra tinham originado outras e, com
elas, novos limites eclesiásticos. É neste contexto de
Por outro lado, João Martins da Silva Marques2 mudanças, perdas e ganhos, de rendas e fregue-
elaborou um mapa com a divisão paroquial de ses, que observamos o aumento ou a diminuição
Sintra num ensaio cartográfico onde são defi- de importância e significado dos espaços religio-
nidas as fronteiras entre paróquias em 1253. sos. É dentro desta dinâmica que se enquadra a
Entre alguns dos limites incertos encontra-se pre- história da ermida de São João das Covas.
cisamente o limite noroeste da paróquia de São
2
Ex-diretor do ANTT,
que transcreveu docu-
Miguel, com o limite nordeste da Paróquia de
mentos relativos a Santa Maria a passar na aldeia de São João das 4. Origem e fundação da Ermida de São João
Sintra (1930–1940). Covas, deixando-a do lado da paróquia de São das Covas
Este corpus, encontra-
-se nos reservados do
Miguel.
MASMO. Para respei- As contendas entre diversas partes acerca dos A fundação e as fases iniciais desta pequena
tar as fontes remete- limites das paróquias foram sempre uma constante igreja são difíceis de se apurar. A ausência
mos para Silva Mar-
ques, 1930–1940, n.º
ao longo da Baixa Idade Média. Logo nas Cortes de documentação escrita e de vestígios físicos,
do volume e página. de Santarém, em 1331, os procuradores do con- como elementos arquitetónicos característicos
3
Parte do processo celho de Sintra reclamam que as igrejas da vila inviabilizam considerações sustentadas e reme-
de desanexação não estavam a ser dadas aos naturais, tal como tem-nos para o capítulo das possibilidades. A
das igrejas da Terru- obrigava o foral concedido por D. Afonso Henri- primeira referência à existência de uma igreja
gem, Igreja Nova e
da igreja Matriz de ques em 1154 (Marques & alii, 1982). de São João das Covas surge a partir de uma
Santa Maria de 1550 A dimensão dos territórios paroquiais exigia que hipótese baseada numa inquirição feita sobre
“[…] disse ao dito os fregueses percorressem grandes e penosas dis- os bens e direitos das Ordens e Mosteiros em
senhor arcebispo que
a jgreja de sancta tâncias até às respetivas igrejas matrizes, mor- Lisboa e seu termo, em 1220. Neste documento,
maria de sintra que rendo por vezes sem os principais sacramentos3. são inumeradas as Igrejas de Sintra:
he do padroado de Este facto deu origem a inúmeras queixas, contri-
sua Alteza e estaa
em suas terras tem buindo para alguma independência das Igrejas [...] hec sunt nomina ecclesia umsintrie jn
grande freguesija matrizes, através da atribuição de capelões que primis. Ecclesiassancti Michaelis. Ecclesia
pelo que em tempos celebravam os atos de culto como batizar, con- sancti Matinj. Eclesia sancti petri. Ecclesia
passados se fezerão
duas Jrmidas ou cape- fessar e administrar os sacramentos numa ermida sancti Marie. Ecclesia de chileiros nomine
las na dita freguesia e mais próxima, sem que todavia houvesse pre- sancte Marie. Ecclesia sancti johannis de
se dividirão os fre- juízo das ofertas das missas e batizados à igreja lechym. [...] (Marques, 1930–1940, I,
gueses por nõ pode-
rem hir ouujr missa paroquial. p. 101).
aa dita jgreja matriz No caso de Montelavar não se sabe ao certo
aqueles fregueses que quando deixou de ser um curato anexo e de Esta última Ecclesia sancti johannis de lechym é
morauão longe dela
as quais Jrmidas que apresentação do prior de São Miguel todavia, totalmente ignorada, quer na bibliografia que
asi fizeram se nomeão segundo o “Catálogo dos Priores da Igreja de consultámos, quer pelos estudiosos do património
hua da comçepção S. Miguel” deve ter acontecido nos princípios do eclesiástico de Mafra como pelos próprios habi-
de nossa senhora e a
outra de são Johão século XVI. Por esta altura, a Igreja de Nossa tantes da aldeia do Lexim.
da terugem e porque Senhora da Purificação, em Montelavar, encon- Alguns investigadores, nas últimas décadas, procu-
os ditos fregueses que trava-se a cerca de 4,5 km (em linha reta) de rando também pela desaparecida Igreja de São
moralão lomge da
dita matriz nõ podião Covas, a par da Igreja de Nossa Senhora de João das Covas na região limítrofe entre os atuais
asyhir aa missa a ella Rocamador, em Cheleiros, e a da Nossa Senhora concelhos de Mafra e Sintra, tentaram encontrá-
como dito he ouue- da Conceição, na Igreja Nova. -la na aldeia do Lexim, sem resultados convin-
rão licença pera que
nella lhe dissessem No século XV, o espaço geográfico de Almargem centes. É neste sentido que surge a hipótese de
missa e administras- do Bispo estava repartido entre Sintra, integrado a Ecclesia sancti johannis de lechym corresponder
sem os sanctos sacra- eclesiasticamente na paróquia de São Pedro de à Igreja de São João das Covas. Esta suposição
mentos [...]” (Marques,
1930–1940, XI, Canaferrim, e Lisboa, na parte administrativa faz algum sentido, visto que esta última se encon-
pp. 118–119). e judicial. Este desajuste esteve na origem do tra isolada das duas aldeias e, embora um pouco
mais distante da aldeia do Lexim (3 km), é com tende-se ainda pelas palavras de Sotto Mayor 4
Aqui o
ela que tem contacto visual. Pelo contrário, o lugar que, no século XVII, o prior da paróquia de São transcrevemos:
N. 204. Montelavar
de Covas, a nordeste da Ermida de São João e Miguel seria o padroeiro daquela ermida ou seja, ou Lavar /1
muito mais próximo (1 km), não se avista a partir o administrador responsável por aquele templo. Montelavar ou Monte-
da ermida. É de supor também que, em épocas Contudo, São João das Covas estaria incluído no -lavar he aldea, e
Parochia do /2 termo
mais recuadas, a aldeia do Lexim tivesse maior território da paróquia de Montelavar... da Villa = Cintra =
importância do que o lugar de Covas, pois aquela À decadência desta ermida não deve ter sido na commarca = Alen-
foi cabeça de vintena, ao contrário do lugar de alheia a distância física do seu padroeiro, prior quer = e seo po- /3
vo consta de 315
Covas, que pertencia à vintena de Mastrontas. de uma outra paróquia e com problemas de fogos com 890 almas
A existir validade na hipótese de Ecclesia sancti afirmação face à vizinha paróquia de Santa de sacramento na
johannis de lechym corresponder a São João das Maria. Ambas, desde o século XVI, tiveram Ma /4 tris dedicada
a Senhora da Purifi-
Covas, então esta teria sido fundada no primeiro reduções drásticas de território, com a criação cação /5O Parocho
quartel do século XIII, anterior a todas as outras das novas paróquias da Terrugem, Igreja Nova, he cura appresen-
ermidas conhecidas no território sintrense, justifi- Montelavar e Almargem do Bispo. A redução de tado pelo Prior da
Matris de /6 S. Miguel
cando-se, assim, naquele documento não serem fregueses diminuiu e, com eles, as suas rendas. da villa de Cintra;
referidos outros templos. Por outro lado, se até à criação das novas paró- tem de Congrua o
Considerando o documento do século XIII trans- quias, São João das Covas poderia funcionar Pe d Altar //7ANTT
Memórias Paroquiais.
crito por Francisco Costa (1980), no qual é refe- como uma âncora de segurança na sacralização Tomo 42, Suplemento
rida, pela primeira vez, a aldeia de São João das da paisagem de uma população distante das suas n.º 204 – Montela-
Covas, salientamos que apenas a “aldeia” e não igrejas matrizes, a partir do século XVI, esse esta- var, 1722–1732,
p. 94. Cota: PT/TT/
a “ermida” é visada. Apesar de se encontrarem tuto vai-se perdendo, aproximando-se os fregue- MPRQ/42/204.
a escassas centenas de metros uma da outra, ao ses dos novos espaços sagrados de referência. 5
BNP cota do micro-
ponto de exibirem o mesmo topónimo de “Covas”, Por outro lado, novas ermidas foram criadas: filme: COD208FL11.
apenas a povoação é citada no documento de por exemplo, as do Culto do Espírito Santo, que
1253. Fosse pela sua inexistência ou pela falta teve forte expansão no século XV. No século XVI,
de propósito em fazê-lo, o certo é que só por uma constatamos que os potenciais fregueses de São
vez a igreja é referida em toda a documentação João das Covas seriam os escassos habitantes
conhecida, para além de Estácio da Veiga, per- das aldeias de Covas, Casal da Abegoaria e
tencendo ao território paroquial de São Miguel. Mastrontas.
Esta citação ocorre em 1675, por Manoel da
Pereira Sotto Mayor, prior da Igreja Paroquial de
S. Miguel de Sintra, Escrivão da Torre do Tombo 5. A ermida de São João nas Memórias
(em 1666) no “Cathalogo dos Priores da Igreja de Paroquiais
S. Miguel de Cintra em que se conthem algûas anti-
guidades da mesma Vª. Consagrado ao archanjo As Memórias Paroquiais de 1758, resultantes
S. Miguel Patrono da dita Igreja”. Aqui enumera dos inquéritos feitos após o terramoto de 1755,
todos os clérigos desde 1253, com Martim Pires, ajudam-nos a ter uma visão da estrutura ecle-
até ao século XVII, seguindo uma ordem crono- siástica e da vivência religiosa, todavia, as mais
lógica. Logo no início, e a propósito da primeira importantes, para o nosso estudo, designada-
divisão paroquial do espaço sintrense e dos bens mente as de Montelavar e de São Miguel, são
da paróquia de São Miguel, refere: as mais problemáticas. Desde logo, as Memórias
Paroquiais de Montelavar são dos casos raros
[...] Tem mais esta Igreja [de S. Miguel] que não responderam ao questionário pomba-
três hermidas a de São João das Covas lino, inviabilizando o acesso à informação res-
fundação antiquíssima da qual o prior he peitante a espaço paroquial.
padroeiro como da de S. Miguel de Odri- Existe apenas um pequeno manuscrito nos suple-
nhas, a do Espirito Santo de Montelavar mentos do “Dicionário Geográfico de Portugal”,
[…] (Sotto Mayor, 1675, p. 122). Tomo 42, respeitante aos possíveis apontamen-
tos prévios elaborados pelo Padre Luís Cardoso,
Sabemos por Sotto Mayor que se trata de uma no qual estão incluídas algumas respostas obti-
ermida e não de uma igreja, que tem o nome da das entre 1722 e 17324.
aldeia mais próxima e que se distingue de outras Sabemos, através do “Cathalogo dos Priores da
ermidas pela sua “fundação antiquíssima”. Suben- Igreja de São Miguel [...]”5 que, na dependência
6
ANTT Memórias da Paróquia de S. Miguel de Sintra, se encontra- nor de que neste documento, na nota inicial, o
paroquiais. Tomo 19, vam “ [...] três ermidas: a do Espírito Santo de prior não assume “Arranholas” como fregue-
n.º49, pp. 395–400.
Montelavar, a de S. Miguel de Odrinhas e a de sia, evidenciando o decrescente estatuto e até
7
ANTT Memórias
paroquiais, Tomo 5, São João das Covas [...] ” (Sotto Mayor, 1675, uma certa tensão com as paróquias vizinhas e
n.º 9, pp. 607–610. p. 122), sendo por isso o prior da paróquia de por esta estar reduzida à quarta paróquia dos
Código de ref.: PT/ São Miguel de Sintra quem designava o cura arrabaldes de Sintra.
TT/MPRQ/5/9
destes templos e os administrava. Neste sentido,
as memórias paroquiais de São Miguel assumem Página 607
extrema importância para a pesquisa. N 9 Arranhollas termo Cintra /1
Curiosamente, existem dois documentos asso- [NB] não he freguesia: porquea presen-
ciáveis a esta paróquia. O primeiro, publicado teque sedes /2 creve he a 4ª Parochia da
como inédito pelo investigador Alfredo da mesma villa de Cintra.//3
Costa Azevedo que o entendeu como Emminentissimo Senhor /1 Por não faltar às
ordens de Vossa Excelentíssima magestade
[...] o original do texto enviado em 1758 em execução dellas /2 respondo aos intor-
pelo Pároco da extinta freguesia de rogatórios o Seguinte. /3 Fica esta Igreja de
S. Miguel de Sintra ao inquérito nacional São Miguel do Arrabalde da Villa de Cin-
[...] não remetido por motivos desconheci- tra Cituada /4 na Provincia da Estremadura,
dos, esse relatório paroquial não consta dos termo da mesma Villa de Cintra. Comarca
volumes manuscritos guardados, sob aquele de Alemquer. /5
título, no A.N.T.T., e era dado portanto He a dicta Igreja do Padroado Real, e
como desaparecido [...]“ (Azevedo, 1984, aprezentaçam da Fidelíssima Rainha Nossa
p. 185). Este relatório, até aqui omisso, na /6 Senhora. /7
resposta à sétima questão do questionário Tem vinte e trez vizinhos, e outenta pessoas
Pombalino diz apenas: “[...] He anexa a esta mayores, e menores treze, /8 e está cituada
Igr.ª a Hermida de S. Miguel de Odrinhas na aba da Serra debaixo do Castello pela
[...] (Azevedo, 1984, p. 195). aparte nacente /9 fica em cittio Eminente,
e della se descobrem a Villa de Mafra, a
Não havendo referência à Ermida de São João de Eiriceyra, /10 e mais terras e Lugares,
Covas, deixa em aberto a questão de se esta que. ficam de premeyo na distancia de tres
ainda estaria sob tutela do prior de São Miguel, Legoas.
tal como Sotto Mayor escrevera 83 anos antes. Tem trez Lugares por nomes, Campo razo,
Corroborando este facto, estão as Memórias Rál, e Lourel e os mais /11 vizinhos dispostos
Paroquiais de São João das Lampas, escritas por varios cittios da freguezia. /12
pelo Vigário Galrão e Sylveira, referindo que Tem quatro Altares, que são o Altar mor
entre as sete ermidas inumeradas está a Ermida de São Miguel, e os Colatrais /13 hum do
de São Miguel de Odrinhas, que diz pertencer Senhor JESÚZ, e outro de Santa Catharina,
ao reverendo superior de S. Miguel de Sintra6. e outro de São Francisco Xavier, /14 e não
No entanto, e a favor da ideia de que São João tem Irmandade alguma! /15
das Covas já não seria do prior de São Miguel, O Parocho hé Prior Collado, e terá de renda
existe um segundo documento das Memórias huns annos por outros de /16 ducti sexpensis-
Paroquiais de São Miguel de Sintra. Encontra- Sette Centos mil reis! /17
-se no ANTT7, no “Dicionário Geográfico de Por- Tem Seis Benefficiados Collados, que reve-
tugal”, Tomo 5, A 5, de 1758, pela entrada de rendo Prior aprezenta in Solidum /18 e os
“Arranholas”, e não em “São Miguel”. Não se Colla, e tem de renda cada hum pouco mais,
encontra publicado, por isso transcrevemo-lo. ou menos sesenta mil reis, ser- /19 vindo-os!
Terão sido estas as respostas ao questionário /20
entregue em 1758, contrariando a tese de José Tem no Seo distrito hum Convento de Reli-
da Costa Azevedo. Possivelmente, a diferente giosos da Santissima Trindade que pou- /21
nomenclatura usada para a mesma paróquia — cas vezes excede o numero de Sinco, e o
“São Miguel” e “Arranholas” — conduziu à ideia [ilegível] São menos de tres, cujo Convento
de que estas memórias teriam desaparecido. /22 fundaram elles no dito cittio com obriga-
Chamamos a atenção também para o porme- ção de ensinarem os filhos da terra ! /23
Tem esta freguezia huma Ermida em Boyalvo empenhasco Levantada Legoa e meya Por exemplo, as
8
na Quinta de Ayres da Crûz /24 Couza muito pouco mais ou menos terá de /25 Largura do questões 13.ª e
14.ª do referido
especial, e bem feita, tanto pelo dourado Convento da Penha Longa até Galamares questionário.
como pelos relevedes, e fosco spin- /25 turas huma Legoa pouco /26 mais ou menos! /27 9
As cartas aqui repre-
pela melhor architetura cuja invocação he Tem esta Serra tantas e tão grande quanti- sentadas foram sujei-
da Santissima Trindade Hé a unicanes- /25 dade de Ervas medicinais /28 que no tempo tas a ampliação para
melhor leitura.
ta freguezia e a melhor que tem o termo. /26 da Primavera arebentam que só quem as
Trigo e Cevada são os fructos que se reco- conhecer se poderá servir //29
lhem nesta freguezia e mayor abundancia Página 609
//27 De suas virtudes! /1
Página 608 Há nesta Serra huma Ermida de Nossa
Está sugeita ao Juiz de fora de Cintra que a Senhora da Peninha de Romagem /2 munto
Fidelissima Rainha /1 Nossa Senhora apre- frequentada : Tem hum Convento de Nossa
senta ! /2 Senhora da Pena dos Monges /3 de São
Dista quatro Legoas de Lisboa. /3 Terentino. Tem mais huma Ermida da Glo-
Tem huma fonte celebrada da chamada da rioza Santa Eufémia muito asistido /4 de
Sabuga com agoa singu- /4 lar, de verão devotos /5
muito fria, e de Inverno tepidas por cuja Hé o temperamento desta Serra frio e
causa he frequentada /5 dos habitantes da umido. /6
terra, e parageiros, por ficar na fralda da Estes são os interrogatórios a que posso res-
Serra e o da cercada /6 de arvoredos! /7 ponder e aos mais que aqui fal- /7 tam não
Fica assima da dita Igreija hum Castello tão tenho que dizer por não pertencerem ao
emminente e sobre elle /8 humas torres tão meu Distrito. Arraholas /8 de Cintra hoje 25
Levantadas que por causa do terramoto de Março de 1758. //9
ficaram totalmente de- /9 molidas. Tem den-
tro deste Castello huma concavidade chea O Prior João Maria Spring [rubrica
[palavra sobredita] de agoa por modo a imperceptível]
/10 Cisterna. a qual por mais que os verões
sejam calidos, ou os Invernos sejam /11 chu- Deste modo, mantem-se a incógnita sobre em que
vozos nunca a dita concavidade tem mais, altura São João das Covas deixou de estar afeta
nem menos agoa ; por cuja cau /12za se tem ao prior da Igreja Paroquial de São Miguel e Fig. 2 – Localização
da igreja na Carta
questionado mitas vezes, affirmando huns para quem passou essa responsabilidade. Corographica do
que hé nativa, e /13 outros que hé da chuva Outro aspeto de referir é a discordância entre Reino (1.ª edição), à
; e não se pode fôrmar juizo certo de que as perguntas do questionário pombalino e as res- escala de 1:100 000,
folha n.º 23 H, de
modo se /14 poderá conservar a dita agoa postas do prior que indicia esse apartamento em 1856 (trecho da
tão clara, e tão Saboroza sem ter correr /15 relação a São João das Covas8. carta ampliada).
alguma! /16
Demoliu-se totalmente esta Igreija no Terra-
moto grande por lhe falta /17 rem da parte
debaxo as muralhas , sobre as quais estava
fundada ; cujas /18 muralhas que firmavam
o Adro à Roda da Igreija se acham já Com-
pletamente /19 acabadas por cuja cauza
se não podia bolir nos ellicerces da Igreija
sem /20 aquelles estavam firmados! Todas as
cazas da Rezidencia se demuliram to- /21
talmente por serem de aboboda e ferorra-
das Sobre penedos! /22
Fig. 5 – Fotogra-
7. A procura de vestígios físicos fia aérea de 1946
da ermida de São João das Covas ampliada com a
ermida de São João
das Covas.
7.1. A ermida na fotografia aérea
dencia, tal como a anterior peça, um traba- das Covas, embora a documentação sobre
lho de cantaria cuidado. No topo, apresenta uma necrópole de São João das Covas seja
um negativo retangular perfeitamente escul- omissa, o conjunto dos elementos recolhi-
pido, de forma a receber uma outra peça. Por dos permite-nos comprovar a sua existên-
comparação, este elemento seria a primeira cia. Desde logo, através do relato de Está-
pedra do arco do altar-mor. Por fim, desco- cio da Veiga de uma inscrição funerária11 e
brimos um esteio de cabeceira de sepultura em rodapé fala-nos em “[...] duas cruzes de
de tipo discoide (Fig. 9), encontrado no cami- pedra que deixo figuradas, as quaes desco-
nho de terra batida que divide as parcelas do bri n’uma sepultura [...]” (1879, p. 23). Estas
Cerrado de São João N.º 30 e a parcela N.º correspondem a cabeceiras de sepultura dis-
11
Estácio da Veiga
descreve uma inscrição
39 da Terra de Velhas. coides coerentes com a que descobrimos no funerária:“em frente
Diversas testemunhas contaram-nos que muitas caminho12. da porta da sachris-
das pedras foram transportadas para o Casal Os testemunhos orais mais antigos que reco- tia, […] de 175 cm de
altura [com um] epitá-
da Abegoaria, onde vivia o usufrutuário da lhemos, cruzados com a informação de Estácio fio de um tal de Braz
parcela de São João das Covas. Também sou- da Veiga, apontam para que esta se locali- Serrão, do próximo
bemos que o chão da igreja foi parcialmente zasse a oeste e a norte da ermida. sitio dos Negraes, ali
sepultado em 1619!”.
remontado para a construção de uma eira, Uma testemunha conta que viu o arrendatário
12
Mas ao das cabecei-
sendo verdade que esta possui o mesmo tipo alargar o caminho rasgando o talude paralelo ras dom cruz de braços
de pedras que podemos observar em muitos à fachada da ermida (Fig. 8), nessa altura já curvilíneos esta pos-
pisos de igrejas da região. Uma das testemu- em ruína, quando lhe mostrou o que acabara sui uma cruz simples,
simétrica, com cerca de
nhas afirmou mesmo que “o altar foi levado de encontrar: “Um esqueleto com uma caveira 37 cm de comprimento
para a Igreja de Montelavar e a pia batis- em cima de uma pedra a servir de almofada”. máximo, cujos braços
mal tiraram-na e andava a servir de come- Deste modo, a necrópole de São João das em baixo relevo, não
chegam a cruzar ao
douro para os animais, mas era comentado, e Covas estaria localizada no adro em frente à centro. Desconhece-
o homem resolveu parti-la”. Num outro depoi- fachada — a oeste — e prolongar-se-ia para -se na região uma cruz
mento recolhido, disseram-nos “que tinha uma o lado norte (Fig. 8). com esta tipologia.
pia batismal encastrada na parede da igreja Sem acesso aos livros desta igreja ou a outra 13
Não encontrámos o
e que o altar era muito parecido com o da documentação, podemos apenas apontar que acento de óbito de
Brás Serrão mas o
foto”, referindo-se à fotografia da igreja do tenha estado a uso a partir da Baixa Idade de baptismo da sua
Espírito Santo de São João das Lampas, que média e em alturas de maior mortalidade e filha: “Aos 19 dias
lhe mostrámos. E ainda outra testemunha diz devido à já referida distância das respetivas do mes de Setem-
bro de 1593 annos
que “… tinha uma torre sineira mas já não igrejas matrizes e consequente ausência de bapti /1 sei a maria
tinha o sino. A entrada tinha 3 ou 4 degraus serviços religiosos mínimos em de Santa Maria filha de bras Serrão
mas já estavam a tirar as cantarias da porta e São Miguel. e de Antonia Jorge
/2 forão padrinhos
e lá dentro o telhado já estava a cair. Ao lado O decréscimo demográfico e o surgimento Domingos Jorge mora-
havia uma sacristia que tinha o telhado inteiro de outros espaços cemiteriais, mesmo antes dor no pero pinheiro
e que “havia também uma pia para a água da Revolta da Maria da Fonte em 1846, E /3 Isabel Rodrigues
filha de mario tome do
benta em “liós vermelho”. terão levado ao fim das tumulações naquela São Miguel /4 Jorge
No que concerne à necrópole de São João ermida13. Rodrigues//5.”
14
Art.º 62 “In Lei de 8. A dessacralização de um espaço na conformidade com /7 o artigo 63 da Lei
Separação do Estado
e das Igrejas, Diá-
e o fim da Ermida de São João das Covas de 20 de Abril ultimo, /8 commigoJayme de
rio do Governo”, 21 Gouveia Sarmento, aspi= /9 rante de finan-
de abril de 1911, A dessacralização de igrejas e posterior des- ças, na qualidade de secreta= /10 rio por
pp. 1622–1623.
truição ou reestruturação aconteceram recor- delegação do secretario de finanças, /11
15
Arquivo e Biblioteca rentemente por diversos motivos e ocasiões. Por bem assim o cidadão Manoel da Silva /12
Digital da Secreta-
ria-geral do Minis- exemplo, a Ermida de Santa Marta do século Vistas presidente da junta de parochia/13
tério das Finanças. XVI em Casal de Cambra (Rocha & Espinha, d’esta freguesia achando-se assim consti=
Processo PT/ACMF/ 1999, p. 188). No último quartel do século XIX, /14 tuida a Comissão Concelhia de Arrola-
CJBC/LIS/SIN/
ARROL/004 – Mon- a ermida de São João ainda teria “pregado- men= /15 to a que se refere o mencionado
telavar. Liv. 62, fl. res e festeiros” (Veiga, 1879, p. 22) que ali artigo. Em /16 conformidade com o artigo
213–214. se deslocavam anualmente, mas esta periodici- 67 da mesma /17 Lei, elle cidadão repre-
dade revela já pouca vitalidade. E de acordo sentante da auctorida= /18 de ordenou se
com as testemunhas, a festa a São João deixou pricipiasse como competen= /19 te arrola-
de ser ali, devido ao mau estado da ermida mento o que sendo levado na devida /20
e passou a ser feita na Maceira, no início do consideração se principiou pela forma se=
século XX. Com esta deslocação, perdeu-se o /21 guinte: /22 Verba Nº1 /23 Um prédio
cariz religioso e os rituais. Já não há memó- urbano com umas casas an= //24
ria viva de romarias ou procissões; apenas de (a) Entregue à Fábrica da Igreja, com
festa a São João. dependências e recheio, pelo /1 auto de
entrega, datado de 24-10-1944. Processo
18.241/117 [rubrica imperceptível] //2
8.1. O Auto de Arrolamento: novas funcionalidades [Esta é uma nota de rodapé escrita poste-
riormente ao documento original referindo-
A 5 de outubro de 1910, dá-se a implantação -se ao processo de auto de entrega feito 33
da República e com ela um forte ataque à Igreja anos mais tarde]
Católica, tendo Afonso Costa responsabilidade [reverso da folha 213]
por algumas medidas polémicas, como a de 21 nexas em que habita o ermitão e uma outra
de abril de 1911, onde o Diário do Governo /1 casa onde reunem os mordomos em dias
promulga a Lei da Separação do Estado e das de /2 festa, com dois pequenos quintais uma
Igrejas (Telo, 2010). Uma das consequências é parreira /3 e arvores de fructo./4 Verba Nº2
a expropriação dos bens da Igreja Católica14. É /5Um sino /6 Verba Nº3 /7 Dois andores /8
neste contexto que a ermida de São João das Verba Nº4 /9 Uma caixa grande /10 Verba
Covas e seu mobiliário passaram, de um dia para Nº5 /11Uma cruz processional /12 Verba
o outro, para a tutela da Junta de Freguesia de Nº6 /13 Cinco capas /14 Verba Nº7 /15Um
Montelavar. caixote para a cêra /16 Verba Nº8/17 Seis
A 17 de outubro de 1911, foi elaborado o auto castiçaes pequenos de latão, com uma cruz
de arrolamento da ermida por uma Comissão e crucifixo /18 Verba Nº9 /19 Uma toalha
Concelhia de Arrolamento composta pelo escri- de linho /20 Verba Nº10 /21 Um manto da
turário Alypio Simões Alves, o representante do Senhora das Dores /22 Verba Nº11 /23 Uma
Secretário das Finanças Jayme Gouveia Sarmento lâmpada de latão //24 [anverso da folha]
e Manoel da Silva Vistas, presidente da junta de 214 Verba Nº12 /1 Trez imagens: duas de
paróquia da freguesia de Montelavar, que passa- São João, Senhora /2 das Dores /3 Verba
mos a transcrever 15: Nº13 /4 Um colar de ouro /5 Verba Nº14
/6Tresanneis de ouro /7 Verba Nº15 /8 Um
[Anverso da folha] 213 broche de ouro /7 Verba Nº16 /8 Tres pares
Auto de Arrolamento /1 de arcadas em ouro /9 Verba Nº17 /10 Tres
Aos desasete dias do mez de Outubro de pares de brincos em ouro /11 Não havendo
/2 mil e nove centos e onze, n’esta Capella mais bens a arrolar n’esta /12 Capela se
de /3 São João, aonde se achava o cida- deu por findo este auto./13 E para constar se
dão Alypio/4 Simões Alves, amanuense da lavrou este auto que /14 assignam todos os
administração /5 d’este Concelho, na quali- mencionados e as teste= /15 munhas, Felis-
dade de representan=/6 te da autoridade, berto Baumberg, casado mora= /16 dor em
João, de que já se suspeitava existirem. encontra inscrita na matriz pre /7 dial da de Sintra, é o prédio
Quanto aos bens imóveis, como os terrenos adja- freguesia de Montelavar, nem esta des- rústico N.º38 – folha
centes, tinham potencial agrícola. Sendo o novo crita na conservatoria do regis- /8 to pre- 34 da secção A de
Almargem do Bispo.
proprietário, a Junta de Freguesia de Almar- dial desta comarca como se mostra na 17
Correspondentes
gem do Bispo16, quis rentabilizar a terra e por certidão junto --- /9 aos prédios rústicos
isso cedeu-a por algum dinheiro, numa situação Mobiliários afectos ao culto do N.º28 e N.º30, desig-
pouco clara, a um habitante do Casal da Abe- templo e devidamente arrolados: /10 nados por Cerrados
de São João.
goaria, pois seu pai já era proprietário de duas Todos os mobiliarios, alfaias, imagens,
18
Arquivo e Biblioteca
outras parcelas a sudoeste daquela17. paramentos e mais objectos destinados digital da Secretaria-
O novo proprietário tirou proveito não só do /11 ao culto, devidamente arrolados. -Geral do Ministério
terreno agrícola mas também da ermida em --- /12 das Finanças CJBC/
LIS/SIN/ADMIN/060.
ruína. Sem que houvesse autoridade interes- Pelo segundo outorgante foi dito que, na
sada pelo edifício, foi sendo desmantelada: qualidade que representa, aceita a /13
19
Arquivo da Fábrica
da Igreja de Nossa
telhas, cantarias, portas, janelas e ferragens e entrega, em propriedade, dos bens des- Senhora da Purifica-
tudo o mais que fosse útil. critos neste auto --- /13 [...] ”. ção de Montelavar.
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em que se conthemalgûas antiguidades da mesma Vª. Consagrado ao archanjo S. Miguel Patrono
da dita Igreja. In Memórias Geographicas e Históricas da Provincia da Estremadura. [manuscrito por
BARBOSA, José; FREITAS, Gregório de].
Fotografia aérea: