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Martuscelli, Danilo Enrico


GRAMSCI E ALTHUSSER COMO CRÍTICOS DE MAQUIAVEL
Revista de Sociologia e Politica, Vol. 16, agosto, 2008, pp. 27-41
Universidade Federal do Paraná
Brasil

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Revista de Sociologia e Politica


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REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA V. 16, NÚMERO SUPLEMENTAR: 27-41 AGO. 2008

GRAMSCI E ALTHUSSER COMO CRÍTICOS DE


MAQUIAVEL1

Danilo Enrico Martuscelli

RESUMO

O artigo compara as análises de Antonio Gramsci e Louis Althusser a partir de um objeto de reflexão comum
– o pensamento de Nicolau Maquiavel – e, a partir disso, apresenta a teoria da história implícita em cada
um. Para cumprir esse objetivo, fazemos a análise em três partes: 1) apresentamos os elementos que conferem
unidade às análises de Maquiavel feitas por Gramsci e Althusser, discutindo também suas interpretações da
obra maquiavélica; 2) apresentamos os elementos de ruptura entre as análises de Gramsci e de Althusser e,
por fim, 3) na tentativa de apresentar uma visão global da relação entre Althusser e Gramsci como críticos
do pensamento de Maquiavel, indicamos o que diferencia esses autores em termos de teoria da história.
Enquanto Maquiavel possuía uma visão cíclica da história, por acreditar em uma determinada natureza
humana, Gramsci recusava qualquer tipo de natureza inata, embora possuísse uma visão teleológica da
história, e Althusser, concordando com Gramsci quanto à ausência de uma natureza humana inata, discordava
deste último quanto à concepção teleológica, preferindo uma concepção pluricausal, enraizada na concepção
de coexistência de modos de produção e na coexistência de mais de duas classes sociais.
PALAVRAS-CHAVE: Teoria Política; marxismo; luta de classes; teoria da história; Maquiavel; Gramsci;
Althusser.

I. INTRODUÇÃO nos. É certo que Maquiavel não sistematiza teori-


camente o que consideraria como um “estado de
Este artigo tem como objetivo comparar as
natureza” humano, à moda de Hobbes, Locke ou
análises de Antonio Gramsci e Louis Althusser a
Rousseau, mas deixa bastante explícita a sua con-
partir de um objeto de reflexão comum: o pensa-
cepção de natureza humana ao longo de todo O
mento de Nicolau Maquiavel. A propósito, não
príncipe. De maneira que, para Maquiavel (2004,
pretendemos identificar qual das análises possui a
p. 106), “os homens costumam ser ingratos, vo-
interpretação mais fidedigna ou adequada da obra
lúveis, dissimulados, covardes e ambiciosos de
de Maquiavel; tampouco tencionamos sustentar a
dinheiro”. Assim, na tentativa de estabilizar os
idéia de que não é possível entender Gramsci e
conflitos gerados por essa natureza humana,
Althusser sem antes conhecer a fundo o pensa-
Maquiavel lança-se ao desafio de refletir sobre o
mento de Maquiavel. Proceder dessa maneira in-
tipo de ação que um Príncipe deve tomar em dife-
duzir-nos-ia ao erro de ocultar o corte
rentes circunstâncias políticas, a fim de garantir a
epistemológico existente entre o pensamento de
manutenção de seu poder.
Maquiavel e as reflexões de Gramsci e Althusser,
bem como a legitimar certo tipo de interpretação Gramsci e Althusser rompem completamente
reducionista que considera possível identificar as com essa perspectiva cíclica da história e, conse-
“origens” de um pensamento. Partindo do con-
ceito de processo histórico, formulado por essas
análises, encontramo-nos em melhores condições 1 Agradecemos aos colegas Alvaro Bianchi, Andriei
de evidenciar as diferenças entre elas.
Gutierrez, Henrique Amorim, Leandro Galastri e Luciano
Maquiavel compreende a história como um Martorano, bem como aos dois pareceristas anônimos da
movimento cíclico, que varia entre a ordem e a Revista de Sociologia e Política, pelos valiosos comentári-
os críticos feitos às versões preliminares deste texto. Obvi-
desordem, ou melhor, varia em termos de tempos amente, não pude incorporar todas as idéias e comentários
de duração das formas de convívio entre os ho- por conta de certas discordâncias teóricas ou por imaturi-
mens, uma vez que não haveria como transfor- dade e insegurança de minha parte para tratar de algumas
mar o caráter imutável de certos atributos huma- questões.

Recebido em 24 de janeiro de 2008. Rev. Sociol. Polít., Curitiba, v. 16, número suplementar, p. 27-41, ago. 2008
Aprovado em 7 de março de 2008.
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GRAMSCI E ALTHUSSER COMO CRÍTICOS DE MAQUIAVEL

qüentemente, com a idéia de natureza humana fixa II. ALTHUSSER LEITOR DE MAQUIAVEL: UMA
e imutável, uma vez que não concebem a existên- ABORDAGEM NEO-GRAMSCIANA?
cia das sociedades de classes e as relações de poder
II.1. A política no posto de comando
delas decorrentes como algo natural. Isso, no en-
tanto, não quer dizer que Gramsci e Althusser O significado da política e o lugar que esta
cheguem aos mesmos resultados no processo de ocupa na vida social são dois aspectos fundamen-
atualização e assimilação do pensamento de tais debatidos por Gramsci e Althusser à luz das
Maquiavel. Ao analisar os textos de Althusser, pa- reflexões de Maquiavel. Em uma das passagens
rece-nos impreciso afirmar que eles expressam dos Cadernos, Gramsci (2000, p. 13) observa que:
estritamente uma perspectiva neo-gramsciana, “O caráter fundamental do Príncipe é o de não
como pretendem Holden e Elden (2005). Talvez ser um tratado sistemático, mas um livro ‘vivo’,
seja mais adequado sustentar que, para “trabalhar” no qual a ideologia política e a ciência política fun-
sobre a obra de Maquiavel (matéria-prima), dem-se na forma dramática do mito” – o que sig-
Althusser tenha tomado as reflexões de Gramsci nifica dizer que Maquiavel não se propôs a for-
como instrumento de produção teórica. Tal hipó- mular um tratado sistemático sobre a política, ou
tese nos leva a problematizar a perspectiva analí- melhor, para ele, o mais importante era descobrir
tica que sustenta a simples identidade entre as duas “la verità effetuale della cosa”, concebida não
interpretações da obra de Maquiavel, e a evidenci- como algo estático, imóvel ou imaginário, mas
ar o processo complexo de “assimilação profun- como “uma relação de forças em contínuo movi-
da” dessa obra, que pode expressar tanto a capa- mento e mudança de equilíbrio”, como conheci-
cidade de Althusser de propor novos argumentos mento objetivo da coisa. Afinal, os príncipes,
favoráveis a algumas das teses elaboradas pela como todos os homens, estão expostos a circuns-
análise de Gramsci e, em certo sentido, de tâncias aleatórias do destino, que Maquiavel cha-
desenvolvê-las teoricamente – o que resultaria ma de fortuna, ou sorte. A fortuna ou sorte pode
numa formulação neo-gramsciana –, quanto pode ser mais ou menos bem aproveitada dependendo
demonstrar a competência daquele autor para cri- das qualidades de cada um; da capacidade de cada
ticar certas teses gramscianas, ao sistematizar seus um de agir no momento correto e, portanto, o
limites internos e apresentar conceitos alternati- Príncipe pode conduzir melhor ou pior as oportu-
vos aos já formulados por Gramsci – o que pode- nidades que se lhe apresentem conforme seja mais
ria resultar numa formulação original ou simples- ou menos politicamente virtuoso, conforme saiba
mente distinta2. Cabe-nos, ainda, detectar, nesse agir com maior ou menor perspicácia sempre
processo de assimilação da obra de Maquiavel, mantendo o objetivo da consolidação e reprodu-
quais dos dois desenvolvimentos, de unidade ou ção de seu poder, em conseqüência, do poder de
de ruptura em relação às reflexões de Gramsci, Estado.
são predominantes na análise de Althusser.
De acordo com Gramsci, Maquiavel não bus-
Para cumprir esse objetivo, propomo-nos a cou tratar da natureza e das leis da política nos
decompor nossa análise em três partes principais: seus escritos. Assim, não é possível extrairmos
na primeira, procuraremos apresentar os elemen- desses escritos uma teoria da política. Sob esse
tos que conferem unidade às análises de Gramsci prisma, Maquiavel não pode ser concebido como
e Althusser; na segunda, avançaremos na discus- um cientista político ou mesmo como um “políti-
são sobre os elementos de ruptura entre tais aná- co em geral”, como fazia a tradição aristotélica e
lises; por fim, na tentativa de apresentar uma vi- platônica, uma vez que seus escritos não têm o
são global da relação entre Althusser e Gramsci alcance nem a pretensão de explicar a política em
como críticos do pensamento de Maquiavel, pro- todos os tempos.
curaremos apresentar o que os diferenciam em
Ao refletir sobre a questão da política na obra
termos de definição de uma teoria da história.
de Maquiavel, Gramsci (2000, p. 29) considera
que o mais procedente é considerar esse filósofo
“como expressão necessária de seu tempo e como
estreitamente ligado às condições e exigências de
2 Emprestamos de Saes (1998a, p. 12) a idéia de “assimi- sua época [...].” Ou ainda: “Maquiavel é um ho-
lação profunda”. mem inteiramente de seu tempo e sua ciência po-

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lítica representa a filosofia da época que tende à a questão militar3 e, justamente por isso, não pode
organização das monarquias nacionais absolutas, ser considerada uma atividade autônoma.
a forma política que permite e facilita um novo
Gramsci enfatiza o fato de Maquiavel diferen-
desenvolvimento das forças produtivas burgue-
ciar-se de seus antecessores – cujas análises são
sas” (idem, p. 30).
marcadas por um viés idealista – por colocar a
Embora, nessa passagem, Gramsci possa su- política no lugar dominante das relações com ou-
gerir que Maquiavel tenha sido um cientista políti- tras esferas da vida social. Isso quer dizer que a
co, tal entendimento, literal, deve dar lugar ao de primazia da política em relação à religião e à ques-
que se trata de uma frase de efeito. Levar a tese tão técnico-militar, ressaltada por Gramsci na aná-
da positividade da ciência política às últimas con- lise da obra de Maquiavel, coloca sua interpreta-
seqüências na obra de Gramsci resultaria numa ção num terreno bastante distinto da análise de
incongruência em face de sua própria formulação Croce. Este teria instrumentalizado o conceito de
de que não é possível tratar a política como ativi- política, ao conferir a ele um sentido de neutrali-
dade autônoma em relação às demais atividades dade, sugerindo, assim, uma disjunção absoluta
sociais. Nessa problemática, a política não se sin- entre pensamento – ou, mais precisamente, filo-
gulariza ou possui características que lhe são pró- sofia – e atividade sócio-política – isto é, política
prias. Assim, ao contrário do que sugere Coutinho (FONTANA, 1993). Quando define, pois, a auto-
(2003), não entendemos que Gramsci tenha uma nomia da política em termos relativos, e não em
visão positiva da ciência política, mas da ação termos de autonomia absoluta em relação à mo-
política fundadora do momento dos interesses ral, à religião, à questão técnico-militar, Gramsci
universais, também denominado momento ético- observa que a política deve ser pensada numa re-
político. lação dialética ou de identidade com a filosofia
(KANOUSSI, 2003).
Para Gramsci, Maquiavel não pode ser consi-
derado um “tratadista sistemático”, mas um “ho- É a partir dessa compreensão da política que
mem de ação”, um “homem de partido”, um “ho- Gramsci detecta a ruptura de Maquiavel com o
mem de paixões poderosas”, um “político em ato”, feudalismo e o Renascimento. Como ele obser-
ou melhor, Maquiavel teria procurado resolver vou no diálogo com o Cardeal Rouen, que afirma-
problemas referentes à “grande política”, às mu- ra que os italianos não entendiam de guerra, a res-
danças estruturais, especificamente, à fundação e
a consolidação do Estado nacional italiano. Nesse 3 No tocante à questão militar, é importante salientar que
sentido, a continuidade do Papado necessariamente uma das principais dificuldades divisadas por Maquiavel,
levaria a Itália à condição de não-Estado. Isto é, tanto em O príncipe como em A Arte da Guerra, no sentido
enquanto a própria religião não deixasse de ser da consolidação do poder nos principados é a inexistência
política do Papa para tornar-se uma “política” do de exércitos nacionais permanentes e profissionais. Nos
Estado, a Itália não teria condições de compor um principados italianos é comum, à época, a contratação de
Estado nacional. Gramsci procura demonstrar, milícias para objetivos específicos como golpes ou
contragolpes, milícias que são imediatamente desmobilizadas
portanto, que Maquiavel não nega a religião pura apenas atingindo o objetivo do príncipe contratante, fican-
e simplesmente, mas desloca-a da condição do- do este então desguarnecido militarmente. Isso pra não
minante para a condição subordinada em relação falar das traições às vezes empreendidas pelo próprio co-
à política, a fim de construir o seu objetivo maior mandante da milícia contratada, usurpando ele próprio o
que é a fundação do Estado nacional italiano. lugar do inimigo derrubado. É a partir dessa constatação
Gramsci também entende que a questão técnico- que Maquiavel dá início a uma das mais importantes ques-
tões da Ciência Política moderna e do poder de Estado:
militar não pode ser compreendida de maneira iso- “[...] as forças com as quais um príncipe preserva seu Es-
lada, visto que, na obra de Maquiavel, ela é con- tado são ou próprias ou mercenárias, ou auxiliares ou mis-
cebida como uma questão subordinada à “cons- tas. As mercenárias e as auxiliares são inúteis e perigosas.
trução política”. Ou seja, a questão técnico-mili- Se alguém mantiver seu Estado apoiado nessa classe de
tar não se constitui o cerne da análise de Maquiavel, forças, nunca haverá de estar seguro; não se unem aos prín-
formulando-se como questão subordinada à polí- cipes, são ambiciosas, indisciplinadas, desleais, insolentes,
para com os amigos e covardes diante dos inimigos, não
tica. Enfim, Gramsci evidencia, a partir da obra têm o temor a Deus nem confiam nos homens, e o príncipe
de Maquiavel, que a política deve ser concebida apenas adia sua ruína enquanto adia o ataque”
como atividade que subordina a moral, a religião e (MAQUIAVEL, 2004, p. 85-86).

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GRAMSCI E ALTHUSSER COMO CRÍTICOS DE MAQUIAVEL

posta de Maquiavel – de que os franceses não Nessa perspectiva, Maquiavel é compreendi-


entendiam de Estado – não pode ser tomada no do como o teórico da conjuntura, como o primei-
sentido literal, uma vez que não se presta a dedu- ro a pensar na conjuntura, ou ainda, a pensar no
ções científicas, antes se tratando de uma “frase conceito de conjuntura como caso singular. Mas,
de espírito, de uma réplica de efeito imediato”: pensar na conjuntura, pensar sob a categoria con-
“Naquele seu diálogo com o Cardeal de Rouen, juntura, não tem o mesmo significado que pensar
ele fez ‘política’ prática e não ‘ciência política’, sobre a conjuntura, pois, segundo Althusser,
porque, segundo ele, se o fortalecimento do Papa Maquiavel não estabelece reflexões sobre um con-
era prejudicial à ‘política externa’ francesa, era junto de dados concretos: “Pensar sobre a con-
mais prejudicial ainda à política interna italiana” juntura é literalmente se submeter ao problema que
(GRAMSCI, 2000, p. 217). produz e impõe seu caso: o problema político da
unidade, a constituição da Itália em Estado nacio-
Para Gramsci, faz-se necessário o deslocamen-
nal. É necessário aqui reverter os termos:
to da política da posição subordinada para a posi-
Maquiavel não pensa o problema da unidade naci-
ção dominante em relação às demais esferas soci-
onal em termos de conjuntura; é a própria con-
ais, para tornar possível a fundação do momento
juntura que coloca negativamente, mas de modo
“ético-político”, que ultrapassa o nível dos inte-
objetivo, o problema da unidade nacional italiana”
resses imediatos e particulares e que, portanto,
(idem, p. 61).
constitui o momento da liberdade, dos interesses
universais. Essa tarefa deveria ser concebida ten- Por esses motivos, expressa-se na obra de
do-se em vista as relações de força atuais – o que Maquiavel a ruptura com as tradições aristotélica
leva Gramsci, na análise da obra de Maquiavel, a e platônica. A remissão que ele faz à Antiguidade
relevar os aspectos internos e externos que difi- não tem o propósito de recuperar as “teorias filo-
cultavam a construção da unidade nacional do sóficas da política”, mas a história concreta, da
Estado italiano, a saber: as divisões e conflitos in- prática política concreta, da política na Antiguida-
ternos e a vulnerabilidade aos ataques e ameaças de. Isto é, a Antiguidade que importa para
externos. Enfim, em Gramsci, a política, ao ocu- Maquiavel é a “Antiguidade da política”. Nesse
par o lugar dominante na vida social, não com- ponto, poderíamos assinalar que, de prisma simi-
porta a idéia de neutralidade técnica, que separa lar ao de Gramsci, Althusser concebe as referên-
de modo radical filosofia e política, visto que to- cias à história da Antiguidade, presentes na obra
das as práticas sociais estão, de modo direto e de Maquiavel, como analogia histórica, ressaltan-
indireto, sob influência da política. No entanto, ao do, contudo, a possibilidade de extrair dessa obra
enfatizar a historicidade dos processos sociais e uma teoria da conjuntura4.
colocar a política no posto de comando, Gramsci
O lugar subordinado que a religião e a técnica
parece dar pouca atenção aos obstáculos estrutu-
militar têm em relação à política na obra de
rais que impedem a emergência de uma prática
Maquiavel justificaria, para Althusser, o caráter
política efetivamente revolucionária.
antifeudal dessa obra. Uma vez que Maquiavel
Em concordância com Gramsci, Althusser coloca a unidade nacional italiana como objetivo a
sustenta a idéia segundo a qual não há uma teoria concretizar, as formas feudais existentes seriam
da política em Maquiavel. Para Althusser, tratadas como incompatíveis com esse objetivo
Maquiavel não se interessa pela natureza das coi- político. Nesse outro tópico, mais uma vez en-
sas. Isso significa que os elementos teóricos, ain- contramos uma aproximação entre as análises de
da que existentes na obra de Maquiavel, não se Althusser e Gramsci. Observamos, no entanto,
articulariam sob a forma de uma teoria. Eles esta- que, na análise de Althusser, as condições objeti-
riam dispostos sob a forma de fragmentos ou, vas para a constituição da unidade nacional impe-
ainda, estariam voltados para o conhecimento da ram sobre as condições subjetivas, ou ainda, a
prática política: “A colocação do problema da prá- constituição dessa unidade não pode ocorrer como
tica política está no coração de tudo: todos os ele- simples ato de vontade, como mero “otimismo da
mentos estão, portanto, dispostos [...] em função vontade” dos agentes – digo: das vanguardas –
desse problema político central [o problema polí-
tico da prática concreta da formação e da consti-
tuição da unidade nacional]” (ALTHUSSER, 1997, 4 Aprofundaremos a discussão a respeito da teoria da
p. 59). conjuntura mais adiante.

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que defendem essa causa. Não é por acaso que, metodológica. Tanto num texto como no outro,
em sua auto-biografia, Althusser negue o uso das os momentos de coerção e consentimento estão
expressões “pessimismo da inteligência” e “oti- presentes, ou melhor: “[...] não há oposição de
mismo da vontade”, empregadas por Gramsci, e princípio entre principado e república, mas se tra-
conclua, de modo contundente, o seguinte: [...] ta sobretudo da hipóstase dos dois momentos de
acredito na lucidez da inteligência e no primado autoridade e universalidade” (GRAMSCI, 2000,
dos movimentos populares sobre a inteligência. A p. 22). Para elucidar essa questão, Gramsci reto-
esse preço, porque ela não é a instância suprema, ma da obra O príncipe a metáfora da natureza
a inteligência pode seguir os movimentos popula- dúplice do centauro: a que se refere à natureza
res, inclusive e antes de tudo a fim de evitar que “ferina e humana, da força e do consenso, da au-
esses tornem a cair nas aberrações passadas e a toridade e da hegemonia, da violência e da civili-
fim de ajudá-los a encontrar formas de organiza- dade, do momento individual e do momento uni-
ção realmente democráticas e eficazes. Se pode- versal” (idem, p. 33)5.
mos conceber, apesar de tudo, alguma esperança
Além da unidade dos momentos de autoridade
em ajudar a desviar o curso da história, aí está
e de consentimento, outra tese defendida por
ela, e só aí. Em todo caso, não nos sonhos
Gramsci é a da existência de uma unidade das
escatológicos de uma ideologia religiosa com a
duas obras principais de Maquiavel. Ou seja, a
qual estamos todos morrendo. Mas, aqui, eis-nos
existência de um problema político comum: a cons-
em plena política” (ALTHUSSER, 1992, p. 200).
tituição do Estado nacional italiano como condi-
Quando nos referimos aqui ao primado das ção imprescindível para a superação dos conflitos
condições objetivas sobre as condições subjeti- internos e das ameaças de invasão externa exis-
vas, chamamos a atenção para a idéia de que, para tentes na Itália6. Assim, as relações de forças vi-
Althusser, não é uma consciência adjudicada, im- gentes na conjuntura histórica precedente à unifi-
portada de fora, que fará que as massas popula- cação nacional italiana assumem uma importância
res, tomadas como amorfas, se esclarecem sobre vital nas reflexões de Maquiavel. Isso leva Gramsci
o melhor mundo para viver-se. Utilizando uma a sustentar a tese de que para a solução dos con-
metáfora empregada por Mao, diríamos que a lu- flitos existentes numa sociedade cindida como a
cidez da inteligência não deve tencionar o arco e italiana não se deve considerar apenas a articula-
disparar a flecha, mas sim tencionar o arco e indi- ção entre força e consenso, mas também entre os
car uma direção, orientar a prática revolucionária fatores endógenos e exógenos, tendo primazia,
das massas populares, cabendo a elas próprias a nesse caso, a superação dos problemas internos –
iniciativa “de tirar os ídolos e derrubar os templos o que somente é possível com a constituição do
das virgens mártires e os portais comemorativos Estado nacional italiano.
em honra das viúvas castas e fiéis: é errado que
Althusser extrai de Gramsci a tese da
outros o façam por eles” (TSÉ-TUNG, 1968, p.
indissociabilidade das obras O príncipe e os Dis-
45).
cursos, desenvolvendo, contudo, idéias e argumen-
II.2. A unidade profunda: O príncipe e os Dis- tos distintos. Para Althusser (1997), há duas for-
cursos mas, articuladas entre si, de pensar a unidade en-
tre as duas obras: por um lado, como unidade do
A existência de uma unidade profunda entre as
objeto de reflexão; por outro lado, como unidade
obras O príncipe e os Discursos de Maquiavel é
do problema político colocado.
outra tese compartilhada pelas análises de Gramsci
e Althusser. Porém, a forma de apreendê-la é dis-
tinta nessas análises.
5 Fontana (1993, p. 129-132) também salienta a inexistência
Gramsci sustenta, nos Cadernos do cárcere,
de uma contradição entre o momento da autoridade e do
que essas duas obras de Maquiavel não podem indivíduo e o momento do universal e da liberdade nos
ser concebidas de modo separado. Segundo ele, textos de Maquiavel.
ainda que se possa tratar O príncipe como o mo- 6 É interessante observar que, segundo Holden e Elden
mento da autoridade ou da força e os Discursos
(2005), em análises como as de Foucault, a existência desse
como o momento da hegemonia ou do consenso, problema político comum nessas duas obras de Maquiavel
essa distinção não pode ser considerada uma opo- sequer é mencionada, ou ainda, os Discursos nem sempre
sição de princípio, mas uma distinção são matéria de reflexão teórica.

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GRAMSCI E ALTHUSSER COMO CRÍTICOS DE MAQUIAVEL

Para ele, tanto em O príncipe quanto nos Dis- mos, o objetivo de Maquiavel, segundo Althusser,
cursos o objeto de análise é a prática política do não é o de elaborar “a teoria do Estado nacional
Príncipe. Essa consideração é particularmente existente na França ou na Espanha no tempo em
importante, pois, segundo esse autor (1997), faz- que viveram sob a forma da monarquia absoluta,
se necessário distinguir o espaço da teoria pura mas de colocar a questão política das condições
ou geral do espaço da prática política. A obra de da fundação de um Estado nacional num país sem
Maquiavel não se enquadra, segundo Althusser, unidade, a Itália” (idem, p. 315; sem grifos no
no desenvolvimento do primeiro espaço, pois o original).
filósofo florentino não desvenda as leis e a natu-
Para negar a suposta oposição entre monar-
reza da política, não sistematiza, portanto, uma
quia e república na obra de Maquiavel, Althusser
teoria da política. Se assim fizesse, seria necessá-
distingue dois momentos decisivos da constitui-
rio, ao menos, que a análise de Maquiavel não re-
ção de um Estado – o que lhe permite colocar sob
fletisse sobre o sujeito da prática política. Ou
a forma teórica o conceito de conjuntura: “1. O
melhor, conforme Althusser (1997), o espaço da
momento do começo absoluto, que pode ser ape-
teoria só faz sentido se não houver sujeito, o que
nas o feito de um único, de um ‘indivíduo sozi-
significa que, nesse espaço, a verdade vale para
nho’. Mas que é instável, pois pode no limite os-
todo sujeito possível. Por oposição, o espaço da
cilar tanto do lado da tirania quanto do lado de um
prática só tem sentido se houver o sujeito da prá-
Estado verdadeiro. [...] 2. o segundo momento é
tica política. Dada a existência do sujeito da práti-
o da duração, que só pode ser assegurada por
ca política (o Príncipe), o conceito de conjuntura
uma dupla operação: a dotação de leis e a saída da
presente na obra de Maquiavel encontra-se em
solidão, isto é, o fim do poder absoluto de um só
estado prático, ou seja, aplicado na análise, mas
(ALTHUSSER, 1997, p. 119-120; sem grifos no
não refletido, formulado teoricamente.
original).
Como observa Althusser, nas duas obras prin-
Nessa passagem, é interessante notar a proxi-
cipais de Maquiavel o sujeito da prática política é
midade das reflexões de Althusser com as de
o mesmo: o Príncipe. É, portanto, a prática polí-
Bettelheim, quando este procura definir a “estru-
tica do Príncipe, a prática política de “um indiví-
tura da conjuntura” e conceber diferentes tipos
duo de exceção, dotado de virtù, que, partindo do
de periodização. Vejamos qual sentido esse autor
nada ou de alguma coisa, saberá mobilizar as for-
dá ao termo “fase”: “Parece justificado reservar o
ças adequadas para unificar a nação italiana sob
termo ‘fase’ para designar os dois momentos do
sua direção” (ALTHUSSER, 1997, p. 62). O prín-
desenvolvimento de uma formação social, a sa-
cipe é a forma da solução de um problema políti-
ber: 1) o de seu início, quer dizer, a fase de tran-
co anunciado por Maquiavel: o problema da uni-
sição no sentido estrito, que é também o de uma
dade nacional italiana. Assim, a oposição monar-
não correspondência específica entre forças pro-
quia-república freqüentemente utilizada para ilus-
dutivas e relações de produção [...]. E 2) a fase da
trar a oposição entre O príncipe e os Discursos é
reprodução ampliada da estrutura de produção,
incongruente com o conteúdo do conjunto des-
que pode ser o objeto de uma análise sincrônica e
sas obras. Althusser observa que Maquiavel dis-
que é caracterizada por uma dinâmica própria”
cute o começo, a fundação de um Estado durável,
(BETTELHEIM, 1969, p. 28; sem grifos no ori-
a constituição do Estado nacional italiano, mas de
ginal).
modo algum preconiza uma tipologia das formas
de governo (monarquia ou república) que pudes- Caso aplicássemos essa definição de fase à
se aplicar-se em todos os tempos históricos. Isto obra de Maquiavel, poderíamos dizer que se a
é, não desenvolve “uma classificação prévia dos monarquia absoluta – e, portanto, um poder úni-
governos, uma tipologia dos governos, clássica co, centralizado, mas não arbitrário – é o momen-
desde Aristóteles, que considera as diferentes for- to do começo absoluto da fundação de um Esta-
mas de governo, sua normalidade, sua patologia” do, que só depende do indivíduo (o Príncipe), a
(ALTHUSSER, 1998, p. 314; sem grifos no origi- república representa o momento da duração, da
nal). Maquiavel coloca um problema político – a consolidação do Estado nacional, do fim da soli-
unificação da nação italiana – e define uma tática dão absoluta do reformador ou do fundador, da
histórica, ou seja, um instrumento que possa for- dotação de leis. Assim, monarquia e república, em
jar essa unidade: o Estado nacional. Noutros ter- vez de regimes opostos, poderiam ser pensadas

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como momentos distintos (fases), articulados entre truir e difundir um ‘realismo’ popular, de massa,
si e decisivos na constituição e durabilidade do e tiveram de lutar contra uma forma de ‘jesuitismo’
Estado nacional7. adaptada aos novos tempos” (idem, p. 307).
Embora Althusser desenvolva argumentos fa- Aqui Gramsci opera com a distinção entre os
voráveis à argumentação de Gramsci no tocante pares intelectual tradicional e intelectual orgânico
ao significado e ao lugar da política na vida social, ou intelectual cosmopolita8 e intelectual nacional-
assim como ratifique a tese da unidade entre as popular, contrapondo, respectivamente, a ativida-
obras O príncipe e os Discursos, de Maquiavel – de diplomática, de preservação das relações soci-
vislumbrando, não obstante, resultados diferen- ais existentes, de distanciamento em relação às
tes –, não podemos verificar a mesma conver- massas populares – o que corresponderia a mantê-
gência no que se refere às questões analisadas a las numa situação primitiva de conhecimento – e
seguir. Aqui nos parece que as aproximações en- a atividade política, de transformação das relações
tre um e outro autor são ainda mais tênues. sociais existentes, de relação educacional dialética
com o povo – o que implicaria o ato de educar e
III. ALTHUSSER E GRAMSCI: DUAS LEITU-
ser educado pelo povo9. Assim se contribuiria para
RAS DE MAQUIAVEL?
a criação de uma reforma intelectual e moral, pos-
III.1. Intelectual de seu tempo ou a solidão de sibilitando às massas populares atingirem uma
Maquiavel concepção de mundo que deslocasse a concep-
ção dominante para uma posição subordinada nas
Um dos pontos de desacordo entre as análises
novas relações sociais estabelecidas10. Nessa
de Gramsci e Althusser é o lugar que a obra de
perspectiva, Maquiavel representaria a figura do
Maquiavel ocupa na história do pensamento polí-
intelectual orgânico e nacional-popular de sua épo-
tico.
ca.
No início do Caderno 13, Gramsci chama a
Cabe ressaltar, contudo, que Maquiavel, se-
atenção para o fato de que a obra O príncipe é um
gundo Gramsci, não pode ser concebido como
“livro vivo”, podendo ser concebida como a
um intelectual que tomava como exemplo exclu-
exemplificação histórica do “mito” soreliano, isto
sivamente os problemas italianos, uma vez que
é, como expressão da “ideologia política que se
eram a França e a Espanha os exemplos mais vi-
apresenta como uma criação da fantasia concreta
síveis de possibilidade da unidade estatal territorial.
que atua sobre um povo disperso e pulverizado
É a partir de uma “comparação elíptica” entre, de
para despertar e organizar sua vontade coletiva”
um lado, a Itália, e, de outro, a França e a Espanha,
(GRAMSCI, 2000, p. 13-14). Ou como Gramsci
que Maquiavel, segundo Gramsci, deduz as re-
salienta em outra passagem: “Pode-se [...] dizer
gras para um Estado forte em geral e o Estado
que Maquiavel propôs-se educar o povo, mas não
italiano em particular. Com isso, não podemos
no sentido que habitualmente se dá a esta expres-
conceber Maquiavel como um intelectual que pensa
são ou, pelo menos, lhe deram certas correntes
democráticas. Para Maquiavel, ‘educar o povo’
pode ter significado apenas torná-lo convencido e 8 Em Gramsci, é possível identificar uma diferença funda-
consciente de que pode existir uma única política, mental entre o intelectual com função cosmopolita – ao
a realista, para alcançar o fim desejado e que, por- qual é atribuído valor positivo, uma vez que esse intelectu-
tanto, é preciso cerrar fileiras e obedecer exata- al tem a capacidade de articular os elementos internos e
mente àquele Príncipe que emprega tais métodos externos para resolver o problema da unidade do Estado
nacional, vinculando-se diretamente com a educação do
para alcançar o fim, porque só quem almeja o fim,
povo – e o intelectual cosmopolita – ao qual é conferido
almeja os meios adequados para alcançá-lo. Em valor negativo devido ao fato de este ater-se aos fenômenos
tal sentido, a posição de Maquiavel deve ser apro- exclusivamente extranacionais, descurando da incorpora-
ximada daquela dos teóricos e dos políticos da ção das massas populares na resolução ou tomada de deci-
filosofia da práxis, que também procuram cons- sões políticas.
9 Idéia provavelmente retomada da III tese sobre Feuerbach
em que Marx aventa a necessidade de o educador ser educa-
7 Voltaremos à discussão sobre a forma instável e duradou- do.
ra do desenvolvimento de uma formação social no último 10 Ver Fontana (1993), em especial o cap. 3, Renaissance
tópico deste artigo. and Reformation.

33
GRAMSCI E ALTHUSSER COMO CRÍTICOS DE MAQUIAVEL

os problemas italianos e as formas de superá-los consideração o quadro da intelectualidade italiana


como reflexo da conjuntura exclusivamente itali- no período vivido por Maquiavel.
ana. Gramsci, numa passagem dos Cadernos,
Seguindo a análise de Gramsci, afirmaríamos
chega a afirmar que Maquiavel não só pensou os
que Maquiavel colocou como tarefa a ser resolvi-
problemas extra-italianos, como também serviu
da a fundação do Estado nacional italiano, pois
aos Estados absolutos em formação: “[...]
tomou como referência os exemplos da França e
Maquiavel serviu realmente aos Estados absolu-
da Espanha. Dessa maneira, Maquiavel não pode
tos em sua formação, porque tinha sido a expres-
ser entendido como um visionário, formulando
são da ‘filosofia da época’, européia mais do que
idéias inteiramente novas, sem par na história da
italiana” (GRAMSCI, 2000, p. 228).
humanidade. Ao contrário, Maquiavel era um ho-
Nessa passagem, Gramsci evidencia o caráter mem de seu tempo, que, ao se colocar na posição
e a função cosmopolita dos escritos de Maquiavel. de intelectual com função cosmopolita, que pensa
Tal questão é retomada com todo vigor em outra os problemas extra-italianos, propunha-se resol-
passagem, quando Gramsci trata especificamen- ver as questões de ordem interna, mesmo que para
te da função cosmopolita dos intelectuais italia- isso tivesse que realizar seu intento sob a forma
nos: “Os intelectuais italianos eram funcionalmente de um manifesto político, ou melhor, anunciar os
uma concentração cultural cosmopolita, eles aco- modos de superar os obstáculos que se impunham
lhiam e elaboravam teoricamente os reflexos da à situação política italiana de seu tempo. Sendo
mais consistente e autóctone vida do mundo não assim, embora as condições materiais de resolu-
italiano. Vê-se essa função também em Maquiavel, ção do problema da unidade nacional na Itália ain-
embora Maquiavel tente dirigi-la para fins nacio- da não existissem, já estavam em vias de existir.
nais (sem êxito e sem continuadores em número É possível concluir, então, que, para Gramsci,
apreciável): com efeito, o Príncipe é uma elabora- Maquiavel militava em prol de um problema que a
ção dos eventos espanhóis, franceses, ingleses no humanidade – italiana – necessariamente resolve-
empenho pela unificação nacional, unificação que ria. Há, portanto, em Gramsci, a afirmação de uma
na Itália, não tem forças suficientes e nem inte- visão teleológica do processo histórico que se re-
ressa muito.” (GRAMSCI, 1999, p. 429-430). Ou sume na identificação de um trajeto a ser seguido
ainda: Maquiavel “é o teórico do que ocorre fora pela sociedade italiana em direção a um fim, tra-
da Itália, não de eventos italianos” (GRAMSCI, duzindo-se, na problemática de Maquiavel, como
2000, p. 342). a constituição da unidade italiana, e, na análise de
Gramsci, como a construção do momento ético-
Nessas notas, Gramsci caracteriza Maquiavel
político11.
como um intelectual com função cosmopolita.
Nesse sentido, a obra de Maquiavel pode ser con- Quando procura situar a obra de Maquiavel
cebida como a expressão do modo de pensar es- diante dos autores e tradições filosóficas que tra-
pecífico dos intelectuais da época em que viveu, taram da questão da política, Althusser conside-
os quais estavam atentos aos eventos extra-italia- ra-a imersa na solidão. Mas o que significa essa
nos. Ainda que se considere sua obra como de solidão? Ela expressa o caráter de “começo de
ruptura, foi o fato de seu fazer intelectual estar algo sem precedente” da obra de Maquiavel. A
ligado, como o de outros tantos intelectuais italia- fórmula que consagra esse começo está apresen-
nos, aos acontecimentos extra-italianos que lhe tada de modo visível em seus escritos, quando
permitiu colocar o problema político concreto da Maquiavel afirma que é mais justo ir à verdade
unificação nacional italiana. efetiva da coisa que à sua imaginação. Segundo
Althusser, o discurso de Maquiavel pode ser consi-
A defesa que Maquiavel faz da unificação na-
derado um começo sem precedente ou mesmo uma
cional da Itália parece ser resultado de um certo
ruptura, pois ele condena “não apenas os discur-
“otimismo da vontade”, já que a situação concre-
sos edificantes, religiosos e morais ou estéticos dos
ta italiana que ele mesmo descreve só pode ser
Humanistas de séquito, e mesmo os Humanistas
pensada nos termos de um “pessimismo da inteli-
radicais, não apenas os sermões revolucionários
gência”. Portanto, para analisar a obra de
Maquiavel, Gramsci não toma como referência
apenas a ruptura desse autor com a tradição dos
tratados sistemáticos da Antiguidade, mas leva em 11 Voltaremos a essa questão mais adiante.

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REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA V. 16, NÚMERO SUPLEMENTAR: 27-41 AGO. 2008

de um Savonarola, mas também toda a tradição da III.2. A vanguarda revolucionária ou o movimento


ideologia cristã, e todas as teorias políticas da Anti- de massas
guidade” (MAQUIAVEL, 1997, p. 47).
As relações entre partido ou direção, de um
Maquiavel não pode ser classificado, de acor- lado, e base ou massas, de outro, são outros as-
do com Althusser, como pertencente à tradição pectos abordados pelas análises de Gramsci e
do direito natural, visto que sua obra não trata de Althusser à luz do pensamento de Maquiavel. Aqui,
um Estado já formado, mas de uma tarefa a ser uma vez mais, observam-se elementos de ruptura
cumprida: a unidade da nação italiana. Nesse sen- entre as duas abordagens.
tido, ao buscar o conhecimento da prática políti-
De acordo com Gramsci, o Príncipe idealiza-
ca, Maquiavel traz-nos uma contribuição inova-
do por Maquiavel (o condottiero ideal) não existe
dora para o estudo da política, não podendo ser
na realidade histórica, sendo apenas invocado nos
igualada à tradição teórica anterior aos seus escri-
últimos capítulos da obra na figura de César Bórgia
tos – a qual tratava das leis de governo; uma tra-
(o condottiero “realmente existente”). Isso signi-
dição moralizante, religiosa e idealista do pensa-
fica que, a despeito de Maquiavel ter, ao longo de
mento político –, nem à tradição teórica posterior
toda a sua obra, descrito o Príncipe com certo
aos seus escritos – a qual iria tratar dos proble-
distanciamento científico, no final ele “se fez
mas de direito de um Estado nacional já constitu-
povo”. Para Gramsci, portanto, a co-existência
ído, ou melhor, a tradição da nova filosofia do
do condottiero ideal e de um condottiero real, na
direito natural. Como Althusser destaca:
obra O príncipe, revela muito menos uma contra-
“Maquiavel fala da monarquia absoluta existente
dição interna do texto de Maquiavel que uma pre-
na França e na Espanha, mas como exemplo e
ocupação deste com o “dever ser”, daí advindo o
argumento para tratar de um objeto completa-
estilo de manifesto utópico dessa obra.
mente diferente; para tratar da constituição de um
Estado nacional na Itália: ele fala de um aconteci- Na condição de “homem de partido”, de “pai-
mento a se realizar (ALTHUSSER, 1998, p. 319; xões poderosas”, Maquiavel deseja criar novas
sem grifos no original). relações de força. Nesse sentido, Gramsci chama
a atenção para o fato de que essa questão do “de-
Pelo fato de não poder situar a obra de
ver ser” não pode ser tratada como um simples
Maquiavel em uma tradição teórica ou mesmo
problema moral: “trata-se de ver se o ‘dever ser’
classificá-la, Althusser sustenta a idéia de que
é um ato arbitrário ou necessário, é vontade con-
Maquiavel encontra-se na solidão: “Maquiavel está
creta ou veleidade, desejo, miragem. O político
sozinho porque ficou isolado, ficou isolado por-
em ato é um criador, um suscitador, mas não cria
que, se se discutiu ininterruptamente seu pensa-
a partir do nada nem se move na vazia agitação de
mento, não se refletiu sobre o mesmo” (idem, p.
seus desejos e sonhos. Toma como base a reali-
318; sem grifos no original). Ou seja, a obra de
dade efetiva: mas o que é esta realidade efetiva?
Maquiavel não teria sido assimilada, no sentido
Será algo estático e imóvel, ou, ao contrário, uma
forte do termo. Assim, se Gramsci integra o pen-
relação de forças em contínuo movimento e mu-
samento de Maquiavel à perspectiva do
dança de equilíbrio? Aplicar a vontade à criação
“historicismo absoluto” – o que o leva a conceber
de um novo equilíbrio das forças realmente exis-
o filósofo florentino como um “intelectual de seu
tentes e atuantes, baseando-se naquela determi-
tempo” e a operar com a problemática do otimis-
nada força que se considera progressista, fortale-
mo da vontade e do pessimismo da inteligência –
cendo-a para fazê-la triunfar, significa continuar
, na análise de Althusser não há espaço para tal
movendo-se no terreno da realidade efetiva, mas
perspectiva. Dito de outra maneira, a
para dominá-la e superá-la (ou contribuir para
excepcionalidade da obra de Maquiavel não se
isso). Portanto, o “dever ser” é algo concreto, ou
encontra em seu vínculo com a filosofia da época
melhor, somente ele é interpretação realista e
em que viveu, ou ainda em sua atividade política
historicista da realidade, somente ele é história em
como filósofo que lida com os problemas extra-
ato e filosofia em ato, somente ele é política”
italianos, mas situa-se no seu próprio conteúdo
(GRAMSCI, 2000, p. 35).
de uma obra que está imersa na solidão, à medida
que rompe com a tradição filosófica pretérita e Assim, não se pode atribuir ao “dever ser” de
não encontra par na filosofia que a sucede. Maquiavel o mesmo sentido revolucionário em-
pregado por Marx n’O manifesto comunista, vis-

35
GRAMSCI E ALTHUSSER COMO CRÍTICOS DE MAQUIAVEL

to que “Maquiavel jamais diz que pensa em, ou A tese de Gramsci de que O príncipe é um
propõe-se ele mesmo, mudar a realidade, mas visa “manifesto utópico revolucionário” é retomada por
apenas concretamente a mostrar como deveriam Althusser (1997, p. 67), que entende que essa obra
operar as forças históricas para se tornarem efici- tem a propriedade de ser “um chamado passional
entes” (idem, p. 36). Ainda que pese a fórmula à solução política que anuncia” – passional no sen-
revolucionária da unidade da nação italiana, de tido de querer conquistar adeptos à causa da uni-
acordo com Gramsci, Maquiavel compreende-a ficação da nação italiana.
de maneira utópica, uma vez que a situação con-
Enquanto, segundo Althusser (idem), a retóri-
creta italiana não reunia as condições materiais para
ca adequada a ganhar adeptos para a sua causa é
a constituição do Estado nacional, ou seja, a tare-
o primeiro sentido em que os escritos de Maquiavel
fa política defendida por Maquiavel é inexeqüível
podem ser considerados um manifesto, o deslo-
por não estar vinculada às condições materiais
camento da ideologia do lugar da prática política é
realmente existentes na Itália de seu tempo, quan-
o segundo sentido. No âmbito da ideologia,
do o desenvolvimento das forças produtivas não
Maquiavel não deveria escrever seu texto do pon-
havia tornado-se ainda um obstáculo às relações
to de vista daquele que deve revolucionar a con-
sociais de produção existentes.
juntura histórica: o Príncipe (sujeito da prática
Para Gramsci, o caráter utópico do texto re- política), mas do ponto de vista do povo.
vela-se quando Maquiavel “faz-se povo”, ou seja,
Partindo dessa observação, Althusser procura
quando delega a um indivíduo desconhecido – o
traçar o elemento que diferencia o Manifesto co-
Príncipe, portador de características excepcionais
munista, escrito por Marx, do “manifesto utópico
– a posição de sujeito revolucionário. No entanto,
revolucionário”, escrito por Maquiavel. De acor-
é necessário observar que a referência d’O prín-
do com ele, o Manifesto comunista coloca-se, na
cipe é de extrema importância para a elaboração
ideologia, sob o ponto de vista do proletariado, e é
do conceito de moderno Príncipe, de partido re-
o mesmo proletariado e as demais classes explo-
volucionário, para a realidade efetiva da Itália dos
anos de 1930. É o sujeito revolucionário que for-
necerá condições para a criação em ato do mo- posição seja incompatível com a defesa do sistema de par-
mento ético-político e da sociedade regulada. Tra- tido único, uma vez que os partidos subalternos poderiam
ta-se de uma importante reflexão sobre a relação estar destinados a uma participação minoritária na gestão
entre partido revolucionário e massas populares. do Estado, exercendo, de modo apenas marginal, influência
sobre o processo de construção do socialismo. Sobre a
Isso leva Gramsci à crítica da tradição elitista do
discussão acerca do pluralismo político socialista, ver Saes
pensamento político italiano – avessa à participa- (1998b). A segunda ausência dos escritos de Gramsci, que
ção política das massas –, à crítica da oposição está de algum modo relacionada à anterior, diz respeito,
entre teoria e prática política e à defesa de um como salienta Lefort (1972), à impossibilidade de
partido que consiga fazer-se povo: o moderno discursividade exterior do leitor (poderíamos dizer: da base
Príncipe12. ou das massas) em relação ao escritor (poderíamos dizer:
da direção ou do partido). Segundo Lefort, Gramsci reduz
essa relação a uma interpelação. Logo, o discurso que se
12 No que se refere ao tratamento que Gramsci dá ao apresenta inicialmente como aberto, fecha-se, no momento
partido político revolucionário talvez fosse interessante seguinte, não admitindo exterioridade, apenas interioridade
indicar aqui – ainda que de modo provisório e precário – discursiva do leitor: “A teoria é reduzida à sua função prá-
duas ausências em seus escritos que podem ter implicações tica; mas ela conserva o estatuto que lhe confere a tradição
teóricas e políticas de grande monta. A primeira delas refe- idealista: a idéia é transparente nos limites da mensagem. E
re-se à ausência de reflexão sobre a possibilidade de um o intérprete que detém o saber da idéia ignora a necessidade
pluralismo partidário socialista. Coutinho (1999, p. 170- de tomar conhecimento de sua própria prática política”
171) sustenta que na caracterização do partido político (idem, p. 256). Poderíamos afirmar, assim, que Gramsci,
como “síntese” ou “mediação” da vontade coletiva, Gramsci ao conceber o conhecimento como expressão direta da ação
não explicita que essa “síntese” ou “mediação” pode ser política, como ideologia orgânica, parece corroborar a ide-
realizada por mais de um partido – o que, em nosso enten- ologia anticientificista e, conseqüentemente, sugerir que a
der, parece indicar que Gramsci sustenta o sistema de par- transformação das ideologias existentes é plausível no pla-
tido único como expressão da vontade coletiva. Ainda que no subjetivo, no plano da ação política organizada, o que o
Gramsci (2002, p. 140-141) admita a existência de mais de leva a ignorar o papel que cumprem as condições objetivas
um partido, quando se reporta à possibilidade de exercício nessa transformação, ou como nos lembra Marx: os ho-
da hegemonia do partido dos grupos dominantes sobre o mens agem, fazem história, mas não em condições escolhi-
partido dos grupos subalternos, isso não significa que essa das por eles próprios.

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REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA V. 16, NÚMERO SUPLEMENTAR: 27-41 AGO. 2008

radas que devem se organizar no partido do pro- Althusser (1978) vê com preocupação a relação
letariado, ou seja, é o próprio proletariado que deve entre direção e base, mas aponta para novos pro-
ser o sujeito da prática política. Há aqui, portanto, blemas, uma vez que entende que os partidos co-
uma coerência entre o ponto de vista de classe munistas, em especial o Partido Comunista Fran-
definido no texto e o sujeito da prática política, ou cês (PCF), estariam diante de sérias dificuldades
ainda, nessa relação, o aspecto ou efeito de alusão de superar um problema estrutural existente em
da ideologia não abre espaço para o seu contrário: sua organização interna: trata-se do que o autor
o aspecto ou efeito ilusório. Com os escritos de chama de reprodução do modo de funcionamento
Maquiavel bastante diferente, uma vez que há um burguês da política. Dito de outra maneira: a es-
deslocamento entre o lugar ocupado pelo texto e trutura e o funcionamento hierárquico do partido
o lugar do sujeito da prática política. Como passou a reproduzir o aparato de Estado parla-
Althusser (idem, p. 72) observa: “Maquiavel se mentar burguês, bem como seu aparato militar.
coloca certamente do ponto de vista do povo, mas No primeiro caso, a vontade política da base do
esse Príncipe, ao qual é atribuída a missão de uni- partido transforma-se em poder de direção; no
ficar a nação italiana, se ele deve se tornar um segundo caso, desenvolve-se uma “compartimen-
Príncipe popular, ele não é, de fato, povo. Do tagem vertical” do partido, por meio da hierar-
mesmo modo, o povo não é chamado a se tornar quização ascendente que existe entre a célula e a
Príncipe. Há então uma dualidade irredutível en- seção partidárias, ou ainda, entre a célula e a fede-
tre o lugar do ponto de vista político e o lugar da ração, ou no limite, o comitê central.
força e da prática política, entre o ‘sujeito’ do ponto
Podemos depreender do que foi dito que a crí-
de vista político, o povo, e o ‘sujeito’ da prática
tica à estrutura e ao modo de funcionamento da
política, o Príncipe.
política burguesa é algo que se revela com maior
Essa dualidade existente entre o lugar do ponto contundência na análise de Althusser. Em Gramsci,
de vista político e o lugar da força ou prática polí- mais do que a crítica à política burguesa, é cen-
tica aparece mais explicitamente nos escritos em tral a idéia de interpelação dos sujeitos como modo
que Althusser (1978; 1994) trata da questão do de solucionar o problema da cisão que poderia
partido revolucionário, ou ainda, quando ele trata ocorrer entre partido ou direção, de um lado, e
da relação da Internacional Comunista e da organi- base ou massas populares, de outro.
zação dos partidos comunistas em relação ao mo-
V. CONCLUSÕES: TEORIA DA HISTÓRIA E
vimento de massas e à própria base partidária.
POLÍTICA
De acordo com Althusser (1994), o processo
Como já indicamos, é inadequado afirmar que,
de “mundialização” e o “imbricamento dos mono-
na definição do conceito de processo histórico,
pólios”, em curso no último quartel do século XX,
Gramsci e Althusser situem-se no mesmo terreno
teriam criado obstáculos ao modelo de organiza-
que Maquiavel. Para este, a história era entendida
ção partidária, controlado por um centro mundial
como movimento cíclico, variando entre a ordem
de decisão e de direção, tal como fora a III Inter-
e a desordem, ou melhor, em termos de tempos
nacional Comunista e por sua relação com os par-
de duração das formas de convívio entre os ho-
tidos comunistas nacionais. Esse centro mundial
mens, uma vez que não haveria como transfor-
de decisão e de direção teria contribuído, durante
mar o caráter imutável de certos atributos huma-
o século XX, para a divisão das lutas das massas
nos, tais como: ingratidão, simulação, avidez por
populares, como parecem ilustrar os conflitos
dinheiro entre outros.
entre a URSS e a Iugoslávia de Tito, entre a URSS
e a China de Mao, e a ocupação do Camboja pelas Em Gramsci, a idéia de natureza humana fixa
tropas nacionalistas do Vietnã (idem). Isso levou- e imutável não tem lugar: “A recusa de uma natu-
o a criticar a idéia de moderno Príncipe, presente reza humana fixa permitia a Gramsci livrar-se de
em Gramsci, que, segundo Althusser, daria su- uma concepção cíclica do tempo sem com isso
porte à organização desse centro mundial – diría- abrir mão daquela importante sensibilidade histó-
mos: pouco apegado historicamente à política de rica” (BIANCHI, 2007, p. 122). Se Gramsci rompe
autodeterminação dos povos, defendida por Lênin. com a definição de história como movimento
cíclico, ao mesmo tempo, atribui ao processo his-
No que se refere à organização interna dos
tórico um sentido teleológico, visto que acata a
partidos comunistas, assim como Gramsci,
idéia de que o “dever ser” encontra-se inscrito no

37
GRAMSCI E ALTHUSSER COMO CRÍTICOS DE MAQUIAVEL

É certo que na análise da reprodução do todo


“ser”. Trasladando-se essa questão para os pro-
social, Gramsci opera com a tese de que toda
blemas da formação social italiana analisada por
vida social é marcada pela política, pela relação
Maquiavel, entende-se que o povo italiano esti-
de forças políticas. Contraditoriamente, no en-
vesse subordinado a um destino, um fim, que,
tanto, na análise do processo de transição social,
mais cedo ou mais tarde, seria atingido. Ou, como
sustenta a tese do primado do desenvolvimento
sintetiza a fórmula: ainda que a unidade italiana
das forças produtivas. Desse modo, observa-se
não existisse na época, ela estaria em vias de exis-
que Gramsci apóia-se nessa tese para explicar a
tir.
transição do feudalismo para o capitalismo na
Essa visão teleológica da história tem funda- Itália, defendendo que a condição para que a uni-
mentação, a nosso ver, na tese de que a mudança dade nacional pudesse concretizar-se na Itália
histórica só tem condições de se consumar caso estava alicerçada num nível determinado de de-
o desenvolvimento das forças produtivas entre em senvolvimento das forças produtivas que possi-
contradição com as relações de produção existen- bilitasse a constituição de uma nova forma polí-
tes e acionem, com isso, uma nova forma políti- tica – poderíamos dizer: no início instável (a
ca. Nessa perspectiva, não é nas lutas de classes monarquia) e, num segundo momento, duradoura
que devemos procurar a possibilidade de funda- (a república).
ção da unidade italiana, mas, fundamentalmente,
A partir do que foi dito acima, cabe esclarecer
no desenvolvimento das forças produtivas. Nesse
que não nos valemos de uma reflexão global dos
sentido, queremos dizer que é possível concluir
Cadernos do cárcere, mas das análises que Gramsci
que está presente nos escritos de Gramsci, mes-
faz do pensamento de Maquiavel. Nesse caso,
mo que não sistematizada teoricamente, a idéia de
consideramos que Gramsci parece estar informa-
que o processo histórico é determinado pelo de-
do, em especial na análise da transição social, por
senvolvimento das forças produtivas que, num
uma visão teleológica da história que se encontra
momento histórico particular (no momento de
imbricada com a tese do primado das forças pro-
transição social), entram em contradição com as
dutivas. Se, portanto, as relações políticas incidem
relações de produção às quais elas davam supor-
sobre a reprodução do todo social, na análise da
te. Essa mudança na estrutura econômica seria,
transição social elas parecem estar subordinadas
portanto, pré-condição para a mudança na supe-
ao desenvolvimento das forças produtivas, ou ain-
restrutura.
da, é a mudança econômica que ativa o surgimento
Não é por acaso que, ao tomar como proble- de uma nova forma política.
ma político a superação do momento dos interes-
Althusser, nos escritos inéditos, produzidos,
ses particulares e a criação do momento dos inte-
ao longo dos anos de 1970 e 1980, aborda a ques-
resses universais, passasse a adquirir grande in-
tão do processo histórico sob outro prisma. De
fluência nas análises de Gramsci do período
acordo com Vatter (2003), na caracterização do
carcerário o Prefácio de 1859, escrito por Marx.
processo histórico, Althusser inova em relação à
Em especial, a passagem a seguir: “1) A humani-
análise de Lefort (1972) ao considerar “a consti-
dade só se coloca sempre tarefas que pode resol-
tuição do ‘Estado que dura’ como uma emergên-
ver; a própria tarefa só surge quando as condi-
cia ‘a partir do nada’”. Ou melhor, Althusser con-
ções materiais de sua resolução já existem ou, pelo
cebe esse nada como encontro aleatório do políti-
menos, já estão em vias de existir; 2) Uma forma-
ção social não desaparece antes que se tenham
atenta, descobrir-se-á que o próprio problema só surgiu
desenvolvido todas as forças produtivas que ela quando as condições materiais para o resolver já existiam
ainda comporta; e novas e superiores relações de ou estavam, pelo menos, em vias de aparecer. [...] As rela-
produção não tomam o seu lugar antes que as ções de produção burguesas são a última forma contraditó-
condições materiais de existência destas novas ria do processo de produção social, contraditória não no
relações já tenham sido geradas no próprio seio sentido de uma contradição individual, mas de uma contra-
dição que nasce das condições de existência social dos indi-
da velha sociedade” (GRAMSCI, 1999, p. 140)13.
víduos. No entanto, as forças produtivas que se desenvol-
vem no seio da sociedade burguesa, criam ao mesmo tempo
13 Em Marx (1977, p. 27), essa passagem aparece do as condições materiais para resolver esta contradição. Com
seguinte modo: “[...] a humanidade só levanta os proble- esta organização social termina, assim, a pré-história das
mas que é capaz de resolver e assim, numa observação sociedades humanas”.

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REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA V. 16, NÚMERO SUPLEMENTAR: 27-41 AGO. 2008

co (virtù) e do social (fortuna), distanciando-se, cito, a partir de sua dupla função teórica: como
assim, do discurso das leis da história e da neces- conceito abstrato-formal e como conceito con-
sidade histórica. Embora Vatter descure da fun- creto-real16. A maioria das análises acerca da pro-
ção retórica dos conceitos de nada, vazio, pre- dução teórica althusseriana parece descurar da
sentes nos textos inéditos14, a nosso ver, isso não existência dessa primeira função e relegar o con-
desautoriza o significado das idéias de contingên- ceito de formação social ao âmbito das socieda-
cia e de aleatório, concebidos como possibilidade des concretas. Assim, se na análise de Althusser
histórica – no lugar de uma injustificada ausência sobre a obra de Maquiavel, ganha centralidade o
de determinações ou como processo inevitável – conceito de formação social, os adeptos da inter-
e como processo multicausal – em vez de unicausal pretação empirista da unicidade histórica poderi-
e de desenvolvimento unidirecional15. am argüir que a teoria não existe nessa análise,
enquanto os adeptos da “produção em geral” con-
Entendemos, portanto, que a crítica radical à
cluiriam que Althusser teria se tornado empirista.
visão teleológica da história compreendida como
processo inelutável e necessário e o uso do con- Em nosso entender, o que chama a atenção
ceito de história compreendido como processo nos textos inéditos é a formulação do conceito
contingente são aspectos elementares e fundamen- abstrato de formação social, compreendido, de um
tais que podemos extrair da análise de Althusser. modo geral, como coexistência complexa de mo-
Ademais, é preciso ressaltar que, apesar de efetu- dos de produção, podendo ser pensado quer em
ar uma autocrítica à sua obra – a qual teria incor- sua forma estável ou de duração, quando há a
rido supostamente no teoricismo, quando das aná- dominância de um modo de produção sobre os
lises elaboradas em Pour Marx e Lire Le Capital demais (coexistência com dominante), quer em
–, Althusser não nega a teoria, como sugere Vatter sua forma transitória ou instável, quando nenhum
(2003), ou chega a formular nos seus escritos o modo de produção consegue erguer-se à condi-
“materialismo da subjetividade” (NEGRI, 1997), ção dominante (coexistência sem dominante)17.
ao supostamente eliminar a distinção entre estru- A propósito, o conceito de modo de produção apre-
tura jurídico-política (o político) e prática política endido apenas de modo “puro” abriria brechas para
(a política). Consideramos essas teses inadequa- se pensar a transição em termos de desenvolvi-
das e infundadas, uma que vez que ignoram o fato mento das forças produtivas. Ao contrário, o con-
de a análise de Althusser ter deslocado o seu obje- ceito de modo de produção concebido em estado
to de reflexão do patamar dos conceitos “puros” articulado, isto é, concebido a partir do conceito
de modo de produção geral e particular – os quais de formação social, faz realçar o papel determinante
repercutem na análise da reprodução ampliada bem das lutas de classes na história, bem como seu
como na análise da transição, tal como aparecem desenvolvimento desigual em cada formação so-
nas reflexões de Balibar –, para o nível do concei- cial. Tal operação conduz a análise althusseriana a
to abstrato-formal de formação social na cons- rechaçar a interpretação teleológica da história, pois
trução da teoria marxista da história. Mais preci- realiza a crítica sistemática ao modelo explicativo
samente, afirmamos que esse deslocamento não monocausal, enraizado na concepção de modo de
reduz ao empirismo a teoria da história formulada produção puro; no sistema binário de classes so-
por Althusser, mas tem o efeito de pôr em evidên- ciais. Quando se coloca o conceito de formação
cia os conceitos de lutas de classes e de desen- social no posto de comando, toma o lugar domi-
volvimento desigual. nante a explicação pluricausal, enraizada na con-
A análise de Althusser nos escritos inéditos não
se reduz ao empirismo, pois o conceito de forma-
ção social é compreendido, de modo mais explí- 16 Embora não concorde com o emprego da primeira fun-
ção teórica do conceito de formação social acima indicado,
Saes (1998a) salienta que a idéia de pensar o conceito de
formação social em sua dupla função teórica já havia sido
14 De acordo com Morfino (2006, p. 19): “Se se toma esta aludida por Étienne Balibar em uma das notas de rodapé do
função retórica por teórica corre-se o risco de se transfigu- texto Sur les concepts fondamentaux du matérialisme
rar a teoria do encontro em uma teoria do evento ou da historique.
liberdade”. 17 Retiramos de Turchetto (2005) a idéia de forma estável
15 Ver observações da nota de rodapé 18. e forma de transição.

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GRAMSCI E ALTHUSSER COMO CRÍTICOS DE MAQUIAVEL

cepção de coexistência de modos de produção, da qual partem, isto é, ambas as análises têm como
na coexistência de mais de duas classes sociais18. preocupação central o processo histórico, não
empreendendo, como se poderia supor, uma in-
Ora, deslocar o objeto de estudo não significa
terpretação humanista que opera com definições
de maneira alguma a negação da teoria. Assim,
como: homem, natureza humana e essência gené-
enfatiza-se a dimensão da coexistência de modos
rica do ser.
de produção. Isso significa que, ao colocarmos a
formulação teórica do conceito de prática política Observamos, no entanto, que mesmo concor-
– central em Maquiavel –, não podemos mais dando quanto ao caráter relativo da distinção en-
concebê-la como efeito de um único modo de tre teoria da história e política, as análises de
produção, mas como efeito da coexistência dos Gramsci e de Althusser chegam a resultados dis-
modos de produção com dominante, caso tome- tintos. Parece-nos possível afirmar que, em
mos como objeto de reflexão a reprodução ampli- Gramsci, essa distinção possui um sentido subje-
ada, e como coexistência sem dominante, a tran- tivo (o que não significa arbitrário), enquanto em
sição. Althusser possui um sentido objetivo (o que não
é sinônimo de teoria “pura”). Entendemos, assim,
Enfim, em Gramsci predomina a visão
que, em Gramsci, a distinção entre teoria da his-
teleológica da história, uma vez que a própria teo-
tória e política encontra-se em estado prático, ou
ria da política subsume-se à sua função prática de
melhor, não é elaborada teoricamente, uma vez
construção do momento ético-político. Althusser,
que está subordinada à proposta de ação prática
ao contrário, refuta a visão teleológica da história,
de construção do momento ético-político19. Já
pois ao dar centralidade ao conceito de luta de
Althusser toma as reflexões de Gramsci como
classes, considera que o processo de transforma-
instrumento teórico que “opera” ou “trabalha”
ção social não pode ser tomado como final
sobre a obra de Maquiavel. Consideramos que o
preestabelecido, mas como produto ou resultado
resultado desse processo de elaboração teórica é
ativo das circunstâncias em que se inscrevem as
a construção de uma teoria da história ancorada
lutas de classes nas diferentes formações sociais
na ausência de sujeito – o que é sintetizado, por
que se desenvolvem desigualmente.
Althusser, na expressão “processo sem sujeito”.
Se há razões explicativas que unem as duas Isso não significa que a prática política seja des-
análises da obra de Maquiavel (primeiro sentido pojada de importância, mas que os problemas a
da assimilação), há também pontos cruciais que serem enfrentados pela prática teórica e pela prá-
as distinguem (segundo sentido da assimilação). tica política são distintos. Quanto ao primeiro caso,
Quanto à convergência, notamos que Gramsci e para o marxismo, coloca-se como imperativo cri-
Althusser não definem teoria da história e política ticar, desconstruir e desvelar as ideologias exis-
como dois objetos, radical ou absolutamente, dis- tentes, inclusive as formuladas em seu próprio
tintos. O que significa que a distinção entre esses arcabouço teórico. Quanto à prática política, apre-
termos é concebida de maneira relativa. A justifi- senta-se um objetivo diferente: o de destruir o
cativa para isso se encontra na problemática geral Estado e, portanto, o aparelho reprodutor da coe-
são social. Em nenhum dos dois casos as práticas
restringem-se a desconstruir a ideologia e a políti-
18 Quando falamos em explicação “pluri” ou multicausal
ca dominantes, podendo assumir a função de
remetemos à idéia, já presente em Pour Marx, segundo a
meras reprodutoras da ideologia e da política do-
qual a contradição capital-trabalho nunca é simples ou ab-
soluta, mas sempre especificada por outras instâncias da minantes.
vida social ou, como observa Althusser (2005, p. 113; sem
grifos no original), “jamais a dialética econômica age em 19 Nos Cadernos do cárcere, quando Gramsci refere-se à
estado puro”. Nos escritos de Althusser, é a noção de história ético-política tal qual a existente na sociedade bur-
sobredeterminação que melhor explica essa idéia de guesa, observamos que, na maioria das vezes, faz uso do
multicausalidade e corrobora a crítica à idéia de contradição recurso de aspas para justamente distingui-la de sua reali-
única. zação plena na “sociedade regulada”.

Danilo Enrico Martuscelli (daniloenrico@yahoo.com.br) é Doutorando em Ciência Política pela Univer-


sidade Estadual de Campinas (Unicamp).

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REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA V. 16, NÚMERO SUPLEMENTAR: 27-41 AGO. 2008

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REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA V. 16, NÚMERO SUPLEMENTAR: 183-187 AGO. 2008
ABSTRACTS
GRAMSCI AND ALTHUSSER AS CRITICS OF MACHIAVELLI
Danilo Enrico Martuscelli
ABSTRACT: This article compares the analyses of Antonio Gramsci and Louis Althusser through a
common object of their reflections – the thought of Niccolo Machiavelli. This enables us to present the
theory of history that is implicit in each one of these thinkers by: 1) showing the elements that provide
unity to Gramsci and Althusser´s analyses of Machiavelli´s work and discussing their interpretations of
the latter; 2) presenting the elements of rupture within these analyses and lastly, 3) in our attempt to
present a global view of the relationship between Althusser and Gramsci as critics of Machiavelli´s
thought, we indicate the differences between these authors´ theories of history. While Machiavelli had
a cyclical view of history, based on his beliefs in human nature, Gramsci refused to put forth any view
of “innate nature”; nonetheless, he did hold a teleological view of human history. On the other hand,
Althusser, coinciding with Gramsci on the inexistence of any type of “ innate human nature”, was in
disagreement with him regarding a teleology of history, preferring a pluri-causal perspective rooted in
a conception of the coexistence of modes of production and of more than two social classes.
KEYWORDS: Political Theory; Marxism; class struggle; theory of history; Machiavelli; Gramsci;
Althusser.
* * *
SOCIAL ACTORS AND ATTEMPTS TO BROADEN DEMOCRACY: SOCIAL NETWORKS
IN PERSPECTIVE
GRAMSCI ET ALTHUSSER EN CRITIQUES DE MACHIAVEL
Joana
DaniloTereza
EnricoVaz de Moura and Marcelo Kunrath Silva
Martuscelli
ABSTRACT: Over
L’article compare lesthe coursed’Antonio
analyses of the 1980s and 1990s,
Gramsci et LouisBrazil has witnessed
Althusser à partir d’untheobjet
proliferation of
de réflexion
forums, councils, committees and partnerships that have instituted institutional channels
commun – la pensée de Nicolas Machiavel – et présente la théorie de l’histoire implicite liée à tous open for
the political
les deux. Pourexpression
accomplirofcetactors and nous
objectif, segments of civil
effectuons society
une at the
analyse different
en trois partieslevels of government
: 1) nous présentons
and over a wide
les éléments quirange of areas
unifient of State action.
les analyses Nonetheless,
de Machiavel the literature
effectuées that analyzes
par Gramsci this process
et Althusser, tout en
has, to a large
discutant leurs extent, adoptedde
interprétations a dichotomous and normative
l’oeuvre de Machiavel view
; 2) nous of civil society.
présentons We put
les élements forth a
de rupture
entre les analyses de Gramsci et Althusser et, enfin, 3) dans une tentative de présenter un aperçu
général de la relation entre Gramsci et Althusser en tant que critiques de la pensée de Machiavel,
nous soulignons ce qui sépare ces auteurs en ce qui concerne la théorie de l’histoire. Alors que
Machiavel avait une vision cyclique de l’histoire, puisqu’il croyait à une certaine nature humaine,
Gramsci refusait la nature innée, bien qu’il ait une vision téléologique de l’histoire, et Althusser, qui
est d’accord avec Gramsci quant à l’absence d’une nature humaine innée, s’opposait à ce dernier
quant à la conception téléologique et préférait une conception multi-causale, enracinée dans la
conception de coexistence de plus de deux classes sociales.
MOTS-CLÉS : Théorie Politique ; marxisme ; lutte de classes ; théorie de l’histoire ; Machiavel ;
Gramsci ; Althusser.

183

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