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MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL


PROCURADORIA-GERAL DA REPÚBLICA

N.º 49/2019 – SDHDC/GABPGR


Sistema Único nº 62214/2019

SUSPENSÃO DE TUTELA PROVISÓRIA Nº 56


REQUERENTE: Município de Mineiros
REQUERIDO: Juiz de Direito da Vara da Fazenda Pública da Comarca de Mineiros/GO
RELATOR: Ministro Presidente

Excelentíssimo Senhor Ministro Presidente,

SUSPENSÃO DE TUTELA PROVISÓRIA. AÇÃO CIVIL PÚ-


BLICA. SERVIÇO DE TÁXI. LEGISLAÇÃO MUNICIPAL
QUE O CARACTERIZA COMO SERVIÇO PÚBLICO.
NORMA FEDERAL SUPERVENIENTE. SERVIÇO DE UTI-
LIDADE PÚBLICA. DESNECESSIDADE DE LICITAÇÃO.
PRECEDENTES DA CORTE. SUSPENSÃO. PRESENÇA
DOS REQUISITOS AUTORIZADORES DA MEDIDA DE
CONTRACAUTELA. PARECER PELO DEFERIMENTO
DO PEDIDO DE SUSPENSÃO.
1. Ofende o valor da ordem pública, na acepção ordem jurí-
dico-administrativa, a decisão que determina a obrigatorie-
dade de realização de licitação para autorizar a exploração de
serviço de táxi após o advento da Lei nº 12.865/2013, que alte-
rou a Política Nacional de Mobilidade Urbana (Lei nº
12.587/12).
2. Comprovada a presença dos requisitos autorizadores da me-
dida de contracautela, em consonância com o entendimento
atual da Corte.
- Parecer pelo deferimento do pedido de suspensão.

Trata-se de pedido de suspensão de tutela provisória, com requerimento liminar,


proposto pelo Município de Mineiros/GO contra decisão do juízo de primeiro grau proferida
no bojo da ACP nº 201400320482, que, em sede de tutela provisória de urgência determinou
ao requerente que se abstivesse de: (i) “renovar, prorrogar, aditar ou autorizar a transferên-
cia de alvarás, permissões, concessões ou autorizações de táxi entre particulares, tais como

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as decorrentes de alienação, comodato, sucessão, aposentadoria, falecimento, invalidez ou


desistência do permissionário, coibindo-se a burla à licitação, bem como o comércio ilegí-
timo de um serviço público concedido ao particular, por meio de procedimento público pró-
prio, com restrições específicas de direito público”; (ii) “conceder, sem prévia licitação,
novos alvarás, permissões, concessões ou autorizações para taxistas ou empresas detentoras
de frotas de táxi, até o julgamento definitivo da demanda”, bem como de “renovar, prorro-
gar, aditar ou autorizar permissões, alvarás, concessões ou autorizações de táxi concedidas
após 5 de outubro de 1988, que não tenham sido precedidas de processo licitatório”.

A ação civil pública foi proposta pelo Ministério Público do Estado de Goiás vi-
sando a regularização do serviço de táxi do município requerente por entender tratar-se de
serviço público a ser concedido necessariamente mediante procedimento licitatório, nos ter-
mos do art. 175 da CF/88 e da Lei nº 8.987/95. Argumentou, ainda, que a delegação do ser-
viço público de táxi ao particular é de natureza pessoal, por se tratar de permissão, e por essa
razão estaria vedada a transferência a outro permissionário pelo particular.

Em face da referida decisão foi interposto, junto ao Tribunal de Justiça de Goiás,


o Agravo de Instrumento nº 5139683.48.2017.8.09.0000, que foi desprovido pela quinta Câ-
mara Cível daquele Tribunal.

Essa a decisão impugnada.

Vieram os autos à Procuradoria Geral da República.

O pedido de suspensão deve ser deferido.

A Lei nº 12.587/2012, que institui as diretrizes da Política Nacional de mobili-


dade urbana, alterada pela Lei 12.865/2013, deixou de prever a necessidade de permissão do
poder público municipal para a prestação do serviço de transporte privado individual de pas-
sageiro (táxi), passando a determinar sua outorga “a qualquer interessado que satisfaça os
requisitos exigidos pelo poder público local”. Para melhor compreensão, transcreve-se par-
cialmente a referida norma:

Lei 12587/12 (redação original):

Art. 12. Os serviços públicos de transporte individual de passageiros, prestados sob


permissão, deverão ser organizados, disciplinados e fiscalizados pelo poder público
municipal, com base nos requisitos mínimos de segurança, de conforto, de higiene,

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de qualidade dos serviços e de fixação prévia dos valores máximos das tarifas a se -
rem cobradas. (redação anterior)

Lei 12.865:

Art. 27. A Lei no 12.587, de 3 de janeiro de 2012, passa a vigorar com as seguintes
alterações:

“Art. 12. Os serviços de utilidade pública de transporte individual de passa-


geiros deverão ser organizados, disciplinados e fiscalizados pelo poder público
municipal, com base nos requisitos mínimos de segurança, de conforto, de higi-
ene, de qualidade dos serviços e de fixação prévia dos valores máximos das tari-
fas a serem cobradas.” (NR)

Art. 12-A. O direito à exploração de serviços de táxi poderá ser outorgado a


qualquer interessado que satisfaça os requisitos exigidos pelo poder público
local. (Incluído pela Lei nº 12.865, de 2013)

Além disso, a nova redação da lei Lei nº 12.587/2012 passou a prever a possibili-
dade de transferência da outorga a terceiros que atendam aos requisitos exigidos em legisla-
ção municipal, bem como a transferência do direito à exploração do serviço aos
sucessores legítimos do outorgado, por ocasião de sua morte (Art. 12-A, §§1º e 2º -
Incluídos pela Lei nº 12.865, de 2013).
No § 3o do referido artigo restou, ainda, determinado que "as transferências de
que tratam os §§ 1oe 2odar-se-ão pelo prazo da outorga e são condicionadas à prévia
anuência do poder público municipal e ao atendimento dos requisitos fixados para a
outorga".
De fato, de uma interpretação sistemática da norma, levando em conta, além das
alterações promovidas pela Lei nº 12.865/2013, o silêncio eloquente do legislador que, no
que tange aos transportes coletivos fez constar expressamente a necessidade de licitação1, não
o fazendo em relação ao serviço de táxi, conclui-se que a intenção do legislador foi a de
desburocratizar o processo de outorga e, dessa forma, prestar melhor serviço à popula-
ção.

Assim, ainda que a lei orgânica do Município requerente caracterize o serviço de


táxi como serviço público, entende-se que, com o advento da Lei federal nº 12.865, de 2013,

1Art. 10. A contratação dos serviços de transporte público coletivo será precedida de licitação e deverá observar as seguintes diretrizes:
I - fixação de metas de qualidade e desempenho a serem atingidas e seus instrumentos de controle e avaliação;
II - definição dos incentivos e das penalidades aplicáveis vinculadas à consecução ou não das metas;
III - alocação dos riscos econômicos e financeiros entre os contratados e o poder concedente;
IV - estabelecimento das condições e meios para a prestação de informações operacionais, contábeis e financeiras ao poder concedente; e
V - identificação de eventuais fontes de receitas alternativas, complementares, acessórias ou de projetos associados, bem como da parcela
destinada à modicidade tarifária.

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a norma municipal deixou de ter eficácia - especificamente nesse ponto – diante da superve-
niente norma geral da União que o classificou como serviço privado de utilidade pública.

Além disso, impõe-se consignar que a pretensão do Município de Mineiros en-


contra respaldo na jurisprudência atual do Supremo Tribunal Federal. Nesse sentido, trans-
creve-se, em parte, decisão monocrática proferida no RE 1002310/RS, em 30 de novembro
de 2016:

O Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina entendeu que a previsão norma-


tiva viola o art. 175 da Constituição Federal, bem como o art. 137, caput, da Constituição
do Estado de Santa Catarina, além dos princípios da moralidade e da igualdade, uma vez
que os serviços de táxi, por serem serviços públicos, deveriam ser delegados a terceiros
obrigatoriamente por meio de licitação pública.
Ao final, determinou que as autorizações fossem mantidas pelo prazo máximo de 6
meses, interregno estimado para a conclusão de licitação pública que vise à delegação do
pretenso serviço público de táxi.
O cerne da controvérsia, portanto, relaciona-se a definição da natureza jurídica da
atividade exercida no transporte individual de passageiros.
Na doutrina de José dos Santos Carvalho Filho, tal atividade tem caráter pri-
vado, sendo suscetível de autorização pelo poder público (CARVALHO FILHO, José
dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 30ª edição. São Paulo: Atlas, 2016, pp.
476 e 477).
Assim, também, prevê a Lei Federal 12587/2012 (Política Nacional de Mobilidade
Urbana) ao dispôr em seu artigo 12-A, redação dada pela Lei 12.865/2013, que a explo-
ração da atividade de transporte individual de passageiros configura “serviço de
utilidade pública”.
A desnecessidade de submissão a procedimento licitatório para autorização
da exploração da atividade de transporte individual de passageiros já foi reconhe-
cida por esta Corte. No julgamento do RE 359.444, Rel. Min. Carlos Veloso, redator
para o acórdão Min. Marco Aurélio, o Plenário do STF decidiu pela constitucionalidade
de lei municipal do Rio de Janeiro que transformou “motoristas auxiliares de veículos de
aluguel a taxímetro” em permissionários da atividade, sem que se cogitasse, no desenro-
lar dos debates, na exigência de procedimento licitatório para tal. Confira-se a ementa do
julgado:
“ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA - PRÁTICA DE ATOS - REGÊNCIA. A Admi-
nistração Pública submete-se, nos atos praticados, e pouco importando a natureza
destes, ao princípio da legalidade. TAXISTA - AUTONOMIA - DIARISTA - DIG-
NIDADE DA PESSOA HUMANA - TRANSFORMAÇÃO - LEI MUNICIPAL
DO RIO DE JANEIRO Nº 3.123/2000 - CONSTITUCIONALIDADE. Sendo fun-
damento da República Federativa do Brasil a dignidade da pessoa humana, o
exame da constitucionalidade de ato normativo faz-se considerada a impossibili-
dade de o Diploma Maior permitir a exploração do homem pelo homem. O cre-
denciamento de profissionais do volante para atuar na praça implica ato do
administrador que atende às exigências próprias à permissão e que objetiva, em
verdadeiro saneamento social, o endosso de lei viabilizadora da transformação, ba-
lizada no tempo, de taxistas auxiliares em permissionários”

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Dessa forma, não há falar em violação ao disposto no art. 175 da Constituição Fe-
deral, reproduzido no art. 137 da Constituição do Estado de Santa Catarina, que trata da
concessão de serviço público, uma vez que a exploração de transporte individual de
passageiros não se encaixa na modalidade de serviço público, a exigir contratação
exclusiva por meio de licitação. Trata-se tão somente de “serviço de utilidade pública”,
cuja autorização para exploração foi delegada ao poder público local. Cabe, portanto, ao
administrador municipal estabelecer os requisitos autorizadores da exploração da ativi-
dade econômica privada de interesse público, bem como o modo de escolha dos autoriza -
tários do serviço.

A referida decisão monocrática foi mantida pela E. 2ª Turma do Supremo Tribu-


nal Federal, em acórdão com a seguinte ementa:

“Inaplicabilidade do art. 175 ou do art. 37, XXI, da Constituição Federal. Inexigibili-


dade de licitação. 6. Necessidade de mera autorização do Poder Público para a prestação
do serviço pelo particular. Competência do Município para estabelecer os requisitos au-
torizadores da exploração da atividade econômica. 7. Precedente do Plenário desta Corte:
RE 359.444. Inteligência do art. 12-A da Lei 12.587/2012, com a redação dada pela Lei
12.865/2013. 8. Agravo regimental a que se nega provimento” (Agravo Regimental no
R.E n. 1.002.310/SC, Relator Min. Gilmar Mendes, 2ª Turma, v.u., Sessão Virtual de 23
a 29 de junho de 2017).
Do exposto, verifica-se estar presente a situação de grave risco à ordem pública,
enquanto ordem jurídico-administrativa, a justificar a sustação dos efeitos da decisão profe-
rida pelo TJ/GO.

Ante o exposto, manifesta-se a Procuradora-Geral da República pelo deferimento


do pedido de suspensão.

Brasília, 12 de março de 2019.

Raquel Elias Ferreira Dodge


Procuradora-Geral da República

GPT

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