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Ruth Rocha1
Ruth Rocha1
Borba, o gato
Vocês já ouviram falar que duas pessoas brigam como cão e gato?
Pois os nossos amigos nunca brigavam, apesar de serem realmente cão e
gato.
Quando chegou a hora de irem para escola, Diogo, que era um cão policial,
resolveu estudar na escola da polícia.
- Mas, mamãe, só porque nunca houve não quer dizer que não possa
aparecer um.
Afinal, é a minha vocação...
E explicava a Diogo:
- Eu preciso reabilitar a raça felina.
Em todas as histórias, os ratos são bonzinhos e os gatos são malvados. Veja
os desenhos animados.
Veja Tom e Jerry! É uma injustiça. Eu vou mostrar a todo mundo que os
gatos são grandes homens, quer dizer, grandes gatos...
O tempo passou e Diogo recebeu seu diploma. Ganhou uma linda farda e
todas as noites fazia a ronda do bairro:
- PRIIIUUUUU! PRIIIUUUUU!...
Borba ainda tinha esperanças de vir a ser um policial e por isso saía sempre
com o seu amigo.
Uma noite, quando vinham passando pela casa do seu Godofredo, viram
alguma coisa muito suspeita no telhado:
Mas o ladrão, que era o ladrão de galinhas, estava tão assustado que não
conseguiu nem fugir.
- Está preso em nome da lei! – disse Diogo, todo satisfeito, pois era o
primeiro ladrão que ele prendia.
E agora, todas as noites, enquanto Diogo vigia as ruas, Borba cuida do seu
setor.
A escolinha do Mar
No fim do ano, Dona Ostra, que é uma professora muito moderna, leva seus
alunos para uma excursão pelo fundo do mar.
- Veja lá, hein? Não vá chegar à beira do ar, e cuidado com as gaivotas!
- Meu filho, não chegue perto do peixe-elétrico quando ele estiver ligado. É
muito perigoso!
- Adeus, adeus, boa viagem, aproveitem bem!
- Aquilo não é peixe, não, é uma baleia. As baleias são de outra família.
Aparentadas com o homem. Por isso dão de mamar aos filhotes.
Começou a caçoar de todos, a imitar o jeito de cada um, que é uma coisa
muito feia.
Dona Ostra ficou aborrecida.
- Olhe aqui, menino, se você quiser, pode ficar, mas tem que se comportar
direitinho, como os outros.
- Ah, dona Ostra, não se aflija, não - disse Peixoto, que, apesar de
pequenininho, era muito valente.
- Eu vou já ao castelo buscar a pérola. Se ele não devolver, falo com o pai
dele!
Dona Ostra empalideceu:
- Ai, não vai não! Eu tenho tanto medo de tubarão, ainda mais de tubarão
barão.
- Eu vou, sim. Se a gente ficar de braços cruzados, sua pérola não volta
nunca mais.
- Boa noite, dona Cobra, diga ao Tubaronete que aqui está o Peixoto, que
quer falar com ele sem demora – disse o peixinho.
- Cobra, não! Dobre a língua, ouviu? Meus patrões não têm tempo a perder
com senhores Peixotos...
E foi entrando, sem querer escutar o que Peixoto estava dizendo.
O Barão não disse nada, mas, no ano seguinte, Tubaronete foi o primeiro
aluno que se matriculou na escola de dona Ostra.
Pedrinho embarcou.
No dia da partida houve grandes festas.
Pedrinho viu, do seu navio, quando o rei, Dom Manoel, se despediu do chefe
da expedição, Pedro Álvares Cabral.
E esperaram chegar o vento. E quando o vento chegou, as velas se
enfunaram e os navios partiram.
Depois de alguns dias, Pedrinho viu ao longe as ilhas Canárias, mais tarde,
as ilhas de Cabo Verde.
E depois não se viu mais nenhuma terra.
Somente céu e mar, mar e céu.
E peixes, que pulavam fora da água, como se voassem.
E baleias, que passavam ao longe, espirrando colunas de água.
Pedrinho viu noites de lua, quando o mar parecia um espelho.
E noites de tempestade, quando as ondas, enormes, pareciam querer engolir
o navio.
E dias de vento, e dias de calmaria.
- Sinais de terra!!!
Todos vieram olhar e houve grande alegria.
- Sinais de terra!!!
E todos trabalharam com mais vontade.
Até que, no outro dia, Pedrinho avistou, ao longe, o que parecia um monte.
E gritou o aviso tão esperado:
- Terra à vista!
E como era o dia da Páscoa, o monte recebeu o nome de Monte Pascoal.
E, depois, as caravelas tiveram que partir para as Índias, mas uma voltou
para Portugal...
Para contar ao rei Dom Manuel, o Venturoso, as aventuras que tinham
vivido: as histórias da linda terra descoberta por Pedro Álvares Cabral.
E Pedrinho, do alto do mastro, deu adeus aos seus amigos índios.
Levava como lembrança a arara.
E pensava:
- Quando eu crescer, eu vou voltar para ficar morando aqui.
E foi o que aconteceu.
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E todos juntos, unidos,
fazendo muito alarido
seguiram pra capital.
Agora, todos bem altos
nas suas pernas de pau.
Enquanto isso, nosso rei
continuava contente.
Pois o que os olhos não vêem
nosso coração não sente...
E os barões e os cavaleiros,
ministros e camareiros,
damas, valetes e o rei
tremiam como geléia,
daquela grande assembléia,
como eu nunca imaginei!
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Eu vou parar por aqui
a história a que estou contando.
O que se seguiu depois
cada um vá inventando.
Se apareceu novo rei
ou se o povo está mandando,
na verdade não faz mal.
Que todos naquele reino
guardam muito bem guardadas
as suas pernas de pau.
Procurando firme
Uma história que parece história de fadas mas não é. Também parece
história para criança pequena mas não é.
“Era uma vez um castelo, com rei, rainha, príncipe, princesa, muralha, fosso
em volta, ponte levadiça e um terrível dragão na frente da porta do castelo,
que não deixava ninguém sair.”
- Mas como não deixava?
- Sei lá. A verdade é que ele parecia muito perigoso.
E cada pessoa via um perigo no dragão.
Uns reparavam que ele tinha unhas compridas, outros reparavam que ele
tinha dentes pontudos, um tinha visto que ele tinha um rabo enorme, com a
ponta toda cheia de espinhos... tinha gente que achava que ele era verde,
outros achavam que era amarelo, roxo, cor-de-burro-quando-foge... E saía
fogo do nariz dele. Saía, sim! Por isso ninguém se atrevia a cruzar o pátio
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para sair de dentro das muralhas.”
“ Mas o príncipe desde pequeno, estava sendo treinado para sair um dia do
castelo e correr mundo, como todo príncipe que se preza faz.
Ele tinha professor de tudo: professor de esgrima, que ensinava o príncipe a
usar a espada; professor de berro...”
- Professor de berro? Essa eu nunca ouvi!
- Ouviu sim. Nos filmes de Kung Fu, ou nas aulas de caratê os caras dão
sempre uns berros, que é pra assustar o adversário.
Tinha aula de berro. Tinha aula de corrida, que era para atravessar bem
depressa o pátio e chegar logo no muro... tinha aula de alpinismo, que é a
arte de subir nas montanhas e que ele praticava nas paredes do castelo;
tinha aula de tudo quanto é língua, tudo era para quando ele saísse do
castelo e fosse correr mundo pudesse falar com as pessoas e entender o que
elas diziam...Tinha aula de andar a cavalo, de dar pontapés...Tinha aula de
natação, que era para atravessar o fosso quando chagasse a hora, tinha aula
do uso de cotovelo...”
- Ah, essa não! Você está inventando tudo isso. Nunca ouvi falar no uso do
cotovelo!
- Pois o príncipe tinha aula. Ensinavam pra ele esticar o braço dobrado, com
cotovelo bom espetado e cutucar quem ficasse na frente.
E tinha aula de cuspir no olho... e ele até esfregava o joelho no chão, que é
para o joelho ficar bem grosso e não machucar muito quando ele caísse. E
ele aprendia a não chorar toda hora, que ás vezes chorar é bom, mas chorar
demais pode ser uma bruta perda de tempo. E quem tem que fugir de
dragão, espetar dragão, enganar dragão, não tem tempo para ficar
choramingando pelos cantos.
Enquanto isso a princesinha, irmã do príncipe, que era linda como os amores
e tinha os olhos mais azuis que o azul do céu, e tinha os cabelos mais
dourados do que as espigas do campo e que tinha a pele branca como as
nuvens nos dias de inverno...”
- Branca como as nuvens do inverno? Por que no inverno? Não pode ser no
verão?
- Ah, não pode, não. Nuvem no verão é nuvem de chuva. Portanto é
escura...
- É, mas nos países frios, no inverno as nuvens são escurinhas...
- Olha, vamos parar com essas discussões que não levam a nada. No
máximo encompridam o livro e fazem ele muito chato...A pele da princesa
era branca, pronto. E as mãos da princesa eram macias como... Ah, não
importa. As mãos eram macias, os pés eram pequenos, e a voz da princesa
era maviosa.
- Maviosa?
- É, maviosa, melodiosa! Eu sei que essa palavra não se usa mais, mas se
eu não usar umas palavras bonitas, meio difíceis, vão ficar dizendo que eu
não incentivo a cultura dos leitores.
- E o que é que a princesa fazia o dia inteiro?
- A princesa se ocupava de ocupações principescas, quer dizer, a princesa
tomava aulas de canto, de bordados, de tricô, de pintura em cerâmica. A
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princesa fazia cursinhos de iniciação à poesia de Castro Alves, estudava um
pouquinho de piano, fazia flores de marzipã...
- O que é marzipã?
- Ah, mazipã é um doce muito caro, que ninguém come mais, que não há
dinheiro que chegue...
E ela aprendia a enfeitar bolos, a fazer crochê com fios de cabelo...
- Com fios de cabelo?
- Pois é, naquele reino era muito bonito ter prendas...
- Prendas?
- É, dotes...
- Dotes?
- É, saber fazer coisas que não servem pra nada, que é pra todos saberem
que a pessoa é rica... só faz as coisas pra se distrair... Se uma pessoa
estuda datilografia, por exemplo, tá na cara que ela vai trabalhar em alguma
coisa...Ou se ela entra num curso de medicina, de engenharia, de confecção
industrial... aí está claro que ela quer trabalhar, ganhar a vida, ganhando
dinheiro, sacou? Agora, de ela estuda frivolitê, por exemplo, tá na cara que
ela está só se distraindo, deixando o tempo passar...
- E pra que uma pessoa quer deixar o tempo passar?
- Bom, as pessoas em geral eu não sei. Agora, a princesa da nossa história
estava deixando o tempo passar que é pra esperar um príncipe encantado
que vinha derrotar o dragão e casar com ela. Até estava deixando o cabelo
crescer pra fazer que nem a Rapunzel, que jogava as tranças para o príncipe
subir por elas.
Aí chegou o dia do príncipe sair para correr mundo. Ele não quis levar muita
bagagem, para não ficar pesado. Saiu de madrugada, bem cedinho. E lá se
foi correndo, dando cotoveladas, cuspindo no olho de quem passasse perto.
Passou pelo dragão, escalou o muro do palácio, caiu do outro lado, nadou
pelo fosso, subiu na outra margem e se foi pelo mundo, procurando, não sei
bem o quê, mas procurando firme.
- E a princesa?
- A princesa continuava esperando.
A essa altura o príncipe também já estava tão cheio daquela princesa que
não agradava ele mesmo, que foi embora e não voltou mais, para tristeza
dos reis e grande alívio de Linda Flor.
E então, num outro dia, apareceu um outro príncipe em cima do muro, deu
um pulo por cima do dragão, jogou areia nos olhos dele e subiu pelas
tranças de Linda Flor, que agüentou firme o peso do príncipe, mas nem fez
força para parecer graciosa.
O príncipe chegou, coisa e tal, deu uma palavrinha com o rei, fez uns elogios
à rainha, deu umas piscadas pra Linda Flor e já foi perguntando se ela
queria casar com ele.
Esse príncipe também não era feio, também era bem vestidinho, tinha até
uma pena de galinha no chapéu, levava jeito de ser bom moço, mas Linda
Flor não estava gostando dele.
- Como não gostava dele?
- Ah, sei lá, não gostava e pronto!
Para falar a verdade, com grade susto dos pais, Linda Flor tinha cortado os
cabelos e estava usando um penteado esquisitíssimo copiado de povos
longínquos de Africolândia.
E as roupas de Linda Flor? Ela não usava mais aqueles lindos vestidos de
veludo com entremeios de renda e beiradas de arminho que agente vê nas
figuras dos contos de fadas.
Ela agora estava usando... calças compridas!
Ela usava calças compridas, que nem o príncipe. E estava diferente, não sei,
queimada de sol, logo ela que era tão branquinha!”
Os professores estavam se queixando que ela não ia mais às aulas de
craquelê, nem às aulas de etiqueta, nem às aulas de minueto. E a corte
inteira se espantava com a modificação da princesa, que deu para rir alto e
até se intrometia nas conversas dos mais velhos. Até nas conversas dos
ministros sobre política ela deu para dar palpites! E não queria mais ser
chamada de Linda Flor.
- Que nome mais careta! Quero que me chamem de Teca, de Zaba, de Mari,
um nome mais moderninho!”
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Gabriela e a Titia
Gabriela menina.
Gabriela levada...
Ô menina encapetada!
A GABRIELA?
Lá se vai a titia com o macaco pela mão!
- Vamos embora, menina! Tenho que
comprar comida para o papagaio!
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E Gabriela escapa para o outro lado.
Vai se encontrar com os amigos.
A turma da Gabriela é de amargar:
o Marcelo, a Mariana,
o Caloca, a Luciana,
Geraldinho, Valdemar.
Frei Damião não permitiu de jeito nenhum que Pedro fosse. Mas, de
madrugada, Pedro saiu bem de mansinho, sem que ninguém visse, e foi
para a corte vestido de frade.
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O rei recebeu Pedro muito bem e nem desconfiou de nada:
- Muito bem, frei Damião, está pronto para responder às minhas perguntas?
Pedro fez que sim com a cabeça.
Então o rei começou:
- Está vendo aquele morro, detrás do meu palácio?
Pedro olhou pela janela e viu.
- Pois me diga, meu bom frade, quantos cestos são precisos para carregar
toda aquela terra para o outro lado do palácio?
Pedro fingiu que estava pensando, mas por dentro ele estava era rindo:
- Depende, Majestade!
- Depende de quê, frei Damião?
- Pois depende do tamanho do cesto, Majestade. Se o cesto for do tamanho
do morro, basta um. Se for a metade do morro, é preciso dois.
O rei ficou embasbacado. Nunca ninguém tinha conseguido responder àquela
pergunta. Mas ele não podia responder que estava errado. Então pensou, e
tornou a perguntar:
- Pois me diga lá, meu bom irmão, onde é que fica o centro do universo?
Pedro sabia muito bem que ninguém tinha idéia de que tamanho era o
universo, quanto mais onde era o centro...
Mas ele sabia, também, que os reis são muito convencidos e acham que são
a coisa mais importante do mundo.
Então Pedro, muito sem-vergonha, respondeu:
- Ora, meu rei, essa pergunta é fácil! Todo mundo sabe que o centro do
universo é onde está sua Majestade...
O rei ficou todo prosa pela resposta de Pedro e começou a achar que aquele
fradinho era muito sabido, mesmo. E ele veio com a pergunta mais difícil de
todas:
- Vamos lá, me responda, frei Damião, o que é que eu estou pensando?
No que o rei perguntou, Pedro coçou a cabeça, olhou de lado pro rei e
mandou:
- Vossa Majestade está pensando que eu sou o frei Damião, mas sou é o
vaqueiro dele.
Foi uma risada só. Todos na corte acharam tanta graça que o rei não teve
outro remédio senão rir também.
E deu a Pedro uma porção de presentes e mandou que ele fosse em paz.
Historinhas malcriadas
Aí eu não gostei muito, que todo sábado de manhã, enquanto meus amigos
ficavam brincando na rua, eu tinha que ir na tal aula. Eu ia, né, e aí eu
arranjei uns amigos e tinha uma menina boazinha que vinha me buscar que
ela também ia na aula e a gente ia pra igreja rindo de tudo que a gente via.
E o padre uma vez mostrou pra gente um livrão, que tinha uma figura com o
inferno e uma porção de gente se danando lá dentro.
Quando eu chegava em casa e contava essas coisas, meu pai e minha mãe
meio que achavam graça e eu comecei a achar que esse negócio de primeira
comunhão era meio engraçado...
Eu estava muito animada era com o meu vestido novo, que era branco e era
cheio de babados e rendas, e na cabeça eu ia botar um véu, que nem a
minha avó na missa, só que o meu era branco e mais parecia uma roupa de
noiva.
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E eu ganhei um livro de missa lindo, todo de madrepérola, e um terço que
eu nem sabia usar, minha mãe disse que antigamente as pessoas rezavam
terço, mas que agora não se usava mais...
E eu perguntei pra minha mãe por que é que ela nunca comungava e ela
disse que um dia desses ela ia.
E eu perguntei por que é que o meu pai nunca ia na igreja e ele disse que
um dia desses ele ia.
Eu fiquei meio que achando que era pecado ouvir os pecados dos outros,
mas como ninguém tinha falado nada pra mim eu fiquei quieta, e quando o
padre veio pro meu lado eu fui logo falando o ato de contrição: eu pecador
me confesso e o resto que vem depois.
E eu contei os meus pecados, que pra falar a verdade eu nem achava que
eram pecados, mas foi assim que me ensinaram. E aí o padre disse uma
coisa que eu não entendi e eu perguntei “o quê” e o padre disse "vai tirar o
cera do ouvido”. E eu disse “posso ir embora?” e ele disse “vai, vai logo e
reze vinte Ave-Marias”. E eu achei que ele nem tinha escutado o que eu
disse e que ele que precisava tirar a cera do ouvido.
No dia seguinte eu botei o meu vestido branco e eu não comi nadinha, nem
bebi água, e nem escovei os dentes, de medo de engolir uma aguinha.
E eu estava morrendo de medo, que todo mundo tinha dito que se a gente
mordesse a hóstia saía sangue.
A igreja cheirava a lírio, que é um cheiro que até hoje eu acho enjoado.
O padre foi rezando uma missa comprida que não acabava mais e às tantas
chegou a hora da gente comungar e as meninas foram saindo dos bancos e
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foram indo lá pra frente e ajoelhando num degrau que tem perto de uma
grade.
E o padre veio vindo com uma taça dourada na mão e ele tirava a hóstia lá
de dentro e ia dando uma por uma para cada menina e menino.
Aí chegou a minha vez e abri bem a boca e fechei os olhos que nem eu vi as
outras crianças fazerem e o padre botou a hóstia na minha língua. Eu não
sabia o que fazer, que morder não podia e a minha boca estava sequinha e a
hóstia grudou no céu da boca eu empurrava com a língua e não desgrudava
e enquanto isso eu tinha que levantar e voltar pro meu lugar que já tinha
gente atrás de mim querendo ajoelhar.
Eu estava sentindo tudo que é gosto na boca, que devia de estar saindo
sangue da hóstia, mas não tinha coragem de pegar pra olhar.
Aí eu pensei assim: “se eu não olhar se saiu sangue agora, nunca mais na
minha vida eu vou saber se é verdade essa história”.
E foi assim que eu aprendi que quando as pessoas falam pra gente coisas
que parecem besteira não é pra acreditar, que tem muita gente besta neste
mundo!
Arranjei uma caixa de fósforo na cozinha, escondi o maço e fui pro fundo do
quintal.
Subi no muro, que eu gostava muito de ficar encarapitado no muro.
Então eu peguei o maço de cigarros e comecei a fumar.
Pra falar a verdade eu achei uma droga! Mas eu já sabia que no começo a
gente acha uma porcaria. A gente tem que insistir, até acostumar. Não é
fácil não!
Eu fui fumando, fumando, fui tossindo, tossindo, até que eu comecei a
enjoar.
Então ela fez eu lavar a boca, foi até lá em casa buscar a minha escova de
dentes...
Mas não adiantava nada...
Então dona Esmeralda veio lá de dentro com um copo de pinga. Ela disse
que a melhor coisa pra tirar cheiro de cigarro é pinga.
E me fez lavar a boca com pinga, até que ela achou que eu não estava mais
cheirando cigarro...
Todo mundo achava que ele estava arrependido da vagabundagem que ele
tinha feito o ano todo.
Dona Branca dizia em segredo pras amigas:
- Desta vez o Alvinho conserta!
Vocês vão ver!
Até que chegou a hora de fazer matrícula do Alvinho no colégio.
Um dia dona Branca chamou o filho:
- Olha aqui, Alvinho, amanhã você não vai trabalhar. É preciso avisar seu
chefe. Nós vamos ao colégio fazer sua matrícula.
Alvinho olhou espantado para a mãe:
- Matrícula? Que matrícula? Eu não vou mais pra escola, não!
- Que é isso, meu filho? Como não vai pra escola?
- Pois é, resolvi – disse o Alvinho – estou achando ótimo esse negócio de
trabalhar. Eu fico o dia inteiro na rua, cada vez que eu vou fazer uma
entrega eu vou pra um lugar diferente... conheço uma porção de gente
nova, ganho um bom dinheirinho, me encho de sorvete e de chocolate o dia
inteiro, não me amolo com lição disso, lição daquilo, não tenho mais que me
incomodar com equação de 1° grau, estou achando ótimo...
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Dona Branca passou o dia inteiro no colégio conversando com a psicóloga.
O Alvinho ficou na sala de espera esperando.
E só ouvia dona Branca dizer:
- Paciência? Estou cansada de ter paciência...
E na escola? Primeiro da classe perde. Ele sabe tudo! Só tira 10. Nunca vai
pra fora de classe, nunca tem anotação na caderneta.
E quando ele vai na minha casa, puxa vida!
Meu pai fica dizendo “Olha a caderneta do Armandinho. Só tem 10...”
E a minha mãe fala “Olha como o Armandinho se comporta direitinho e
cumprimenta todo mundo, não é como você que entra que nem furacão,
sem falar com ninguém...”
E as canetas do Armandinho não estouram e não sujam a mão dele toda de
tinta, os cadernos dele não enrolam nos cantos que nem os meus e os lápis
de cor dele gastam todos iguaizinhos, não ficam que nem os meus que logo
acaba o vermelho e o azul.
É por isso que eu não posso nem ouvir falar de Armandinho... e é por isso
que quando aconteceu o que eu vou contar eu fiquei bem me divertindo...
Nesse dia o Armandinho já tinha enchido as minhas medidas. Vocês não vão
acreditar, mas o Armandinho trouxe flores pra minha vó. Pode?
E ele veio com uma roupa que eu acho que a minha mãe e a dele
compraram no mesmo dia e que era um horror e que eu disse pra minha
mãe que eu não ia vestir nem que fosse amarrado.
A Arca de Noé
Quando a bicharada
Estava toda embarcada,
E mais a família do Noé todinha,
Começou a cair uma chuvarada.
Mas não era uma chuvarada
Dessas que caem agora.
Você já viu uma cachoeira?
Pois era igualzinho
A uma cachoeira caindo,
Caindo, que não acabava mais.
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Parecia o Rio Amazonas despencando.
E aquela água foi cobrindo tudo, tudo.
Cobriu as terras, cobriu as plantas, cobriu as árvores, cobriu as montanhas.
Só mesmo a Arca de Noé, que boiava em cima das águas, é que não ficou
coberta.
E mesmo depois
Que passou a tempestade
Ficou tudo coberto de água.
E passou muito tempo.
Todo mundo estava enjoado
De ficar preso dentro da Arca,
Sem poder sair nem um bocadinho.
O Camaleão,
Amável como ele era,
Resolveu ficar azul
Como o céu da primavera...
E o sabiá explicou
Que a cor mais linda do mundo
Era a cor alaranjada,
Cor de laranja, dourada.
Na pracinha da floresta,
Saindo da capelinha,
Vinha o senhor louva-a-deus,
Mais a família inteirinha.
Ele é um senhor muito sério,
Que não gosta de gracinha.
- bom dia, Camaleão!
Que cor mais escandalosa!
Parece até fantasia
Pra baile de carnaval...
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Vocês agora já sabem como era o Camaleão.
Bastava que alguém falasse, mudava de opinião.
Ficava roxo, amarelo, ficava cor-de-pavão.
Ficava de toda cor. Não sabia dizer NÃO.
Todos os dias Catapimba levava dinheiro para escola para comprar o lanche.
Mas seu Lucas ficou chateado mesmo quando apareceu o Caloca puxando
um bode.
Aí, seu Lucas correu e chamou a diretora.
Os meninos fizeram uma festa, deram pique-pique pra dona Júlia e tudo.
Naquele dia, nem houve mais aula.
Mas o melhor de tudo é que todos do bairro ficaram sabendo do caso.
E, agora, seu Pedro da farmácia não dá mais compridos de troco, seu Ângelo
do mercado não dá mais mercadoria como se fosse dinheiro.
Afinal, ninguém quer receber um bode em pagamento, como se fosse
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dinheiro. É, ou não é?
SUPERULTRA MERCADÃO
GOLIAS
Capítulo 3
A gente então resolveu fazer uma reunião p´ra conversar sobre o que é que
se podia fazer.
A reunião foi na casa do Calota. A mãe dele chegava tarde em casa, e a
gente podia ficar conversando sem ninguém ficar ouvindo. E graças a Deus
ele não tinha irmãos mais velhos, que querem mandar na gente, e nem
irmãos mais moços que se metem em tudo.
A gente discutiu um bocado antes que alguém tivesse uma idéia boa:
- O seu Golias só pensa em ganhar dinheiro, não é? - disse o Beto. -Então o
jeito é atrapalhar tanto os negócios dele que ele fique louco e desista do
supermercadão.
- E como é que a gente pode atrapalhar os negócios dele? - disse Mariana.
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- Há, isso é fácil - disse Cassiano, que era louco por uma desordem. - Eu
vou lá e derrubo as latas, solto umas bobinas, pego os frangos e jogo tudo
no chão e ...
- Chega, Cassiano! - gritou Madalena. - Assim a gente não consegue nada.
Seu Golias pega a gente pela orelha e ainda
Capítulo 4
E era m tal das pessoas chegarem à caixa e começarem a reclamar que não
tinham comprado nada daquilo, o que é que estava acontecendo, meu
Deus?
O Davi só o que fazia era rabiscar as paredes do supermercado do mesmo
jeito que ele fazia na rua. Uma porção de letras, eu não queriam dizer nada,
as, bês, cês e até erres, todas ao contrário, assim:
Quando seu Golias ouviu o barulho, lá do escritório, veio ver o que é que
havia e ficou furioso, porque ele logo reconheceu a turma e percebeu que
era tudo molecagem.
Então começou a gritar, que ia chamar a polícia, e coisa e tal, e nós, quando
vimos a coisa malparada, tratamos de dar o fora. E saímos correndo pelo
beco da padaria e só fomos parar na outra rua, longe da vista do seu Golias.
Capítulo 5
A gente pensou que ia ficar por isso mesmo, mas quando chegamos em casa
cada pai e mãe estava com uma cara de meter medo. Seu Golias foi dar
queixa de todos na casa de um por um.
Não sei qual dos pais qual das mães estava brava.
O Caloca eram mais feliz que a gente, que a mãe ele é separada do pai, e o
pai Del mora no Rio Grande do Sul e só tinha um pra brigar com ele.
Mas foi um tal de palmada pra cá, castigo pra lá, o-senhor-não-vai-ver-
televisão-o-mês-inteiro-o-senhor-não
Em todo caso o que sabemos é que procuramos tornar o texto legível, já que
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achamos que conviria muito bem para completar um livro que vínhamos
compondo há tempos e para o qual já não tínhamos mais assunto.
O autor deste manuscrito refere-se ás vezes aos habitantes do nosso
planeta com alguma ironia.
Mas vocês vão notar que o relatório em questão não obedece a um rigor
científico na sua exposição, de maneira que não devemos nos impressionar
muito com ele.
Algumas palavras, como o leitor inteligente não poderá deixar de notar, não
pertencem á nossa língua.
Vamos chamar estes espécimes de freguetes, que são a coisa mais parecida
com os terráqueos de que eu me lembro.
Como é que eles são?
Vou tentar descrevê-los.
Os freguetes estão sempre botando dentro deste buraco uma coisa que eles
chamam de comida.
Essa tal de comida é que dá a eles energia, como a nossa fagula.
Tem uns que botam bastante comida dentro. Tem outros que só botam de
vez em quando.
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Esses buracos servem pra outras coisas, também.
É por aí que saem uns sons horrorosos que é a voz lá deles.
Embaixo da bola tem um tubo que une a bola ao corpo.
Do corpo saem quatro tubos: dois pra baixo e dois pros lados.
Os tubos de baixo, que se chamam pernas, chegam até o chão e servem
para empurrar os freguetes de um lado pro outro.
Eles moram, quase todos, amontoados nuns lugares muito feios, que eles
chamam de cidades.
Esses lugares cheiram muito mal por causa de uma s porcarias que eles
fabricam e de umas nuvens escuras que saem de uns tubos muito grande
que por sua vez saem de dentro de umas caixas que eles chamam de
fabricas.
Parece que eles vivem dentro de outras caixas.
Algumas destas caixas são grandes, outras são pequenas.
Quando fica claro, eles saem das caixas deles e todos começam a ir pra
outro lugar de onde vieram.
Não sei como é que eles encontram, o lugar de onde eles saíram, mas
encontram; e entram outra vez nas caixas.
Assim que eu cheguei era um pouco difícil compreender o que eles diziam.
Mas logo, logo, graças a meus estudos de flóbitos, consegui aprender uma
porção das línguas que eles falam.
Ah, porque eles falam uma porção de línguas diferentes.
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E como é que eles se entendem?
E quem foi que disse que eles se entendem?
Quer dizer, tem uns que entendem os outros, mas não é todo mundo, não.
Eles vivem brigando muito, os grandes brigam com os pequenos o tempo
todo e então os bem pequenos começam a gritar e a gritar e é aí que sai
água das bolas que eles têm na cara.
Algumas pessoas de um lugar brigam com as pessoas de outro lugar e eles
chamam isso de guerra e então eles jogam uns nos outros umas coisas que
destroem tudo que eles passam um tempão fazendo. E até destroem eles
mesmos.
É muito difícil explicar esta tal de guerra porque eu também não entendi.
Não sei direito pra que é que serve esta tal de guerra. Acho que é pra gastar
as tais coisas que eles jogam uns nos outros e que eles fabricam em
grandes quantidades e que fazem as cidades ficarem cada vez mais
fedorentas.
Eles gostam muito de jogar coisas uns nos outros.
Tem até uma festa que eles chamam Carnaval e eles jogam pedacinhos de
umas coisas coloridas uns nos outros, enquanto ficam gritando muito.
Essas coisas coloridas sujam muito e então vem uns freguetes que recolhem
toda aquela sujeira e jogam num lugar onde eles guardam uma porção de
porcarias que ninguém quer.
E embora ninguém queira eles ficam o tempo todo fabricando essas
porcarias.
Eu poderia ainda contar muitas coisas sobre este planeta. Mas como eu não
entendi quase nada, acho que não adianta muito.
Recomendo, por isso uma nova visita ao planeta, ,mas com muito cuidado,
por um grupo especializado em planetas de alto risco.
Pois este planeta, que é chamado por seus freguetes de Terra ´-e
incrivelmente semelhante ao planeta Flórides do sistema Flíbito, que se
desintegrou, na era Flatônica, não se sabe por que, mas, que nessa ocasião
desprendeu grandes nuvens de fumaça em forma de cogumelos...
Mas tinha gente que pedia pra gente umas coisas absurdas:
- Será que dava pra você ir ao dentista por mim, enquanto eu vou comer
uma pizza aqui na esquina pra você?
Aí não dava, é ou não é?
Ou então:
- Olha, vai fazer exame na escola pra mim que eu vou ao cinema pra você.
No começo, quando as pessoas pediam essas coisas, a gente recusava,
naturalmente.
Mas com o tempo foi ficando tão difícil a gente se movimentar que as
pessoas foram concordando em fazer a tarefa dos outros.
Tinha gente que substituía os amigos no trabalho, tinha gente que namorava
a namorada dos amigos, diz que teve um que até fez operação de apendicite
no lugar de um primo...
Esse cara ficou no palácio durante anos, e só saiu quando soube que tinha
um cara na casa dele morando com a mulher dele, gastando o dinheiro dele,
e o pior, usando o carro dele, que era feito sob encomenda nas oficinas
especializadas de Cochabamba.
Essas coisas hoje em dia já são raras...
E agora vocês me desculpem. Tenho muito o que fazer.
Tenho que jogar uma partida de futebol para o meu sobrinho, enquanto ele
experimenta meu vestido na costureira...
Naquele tempo eu até que achava natural que as coisas fossem daquele
jeito.
Eu nem desconfiava que existissem lugares muito diferentes...
Eu ia pra escola todos os dias de manhã e quando chagava, logo, logo, eu
tinha que me meter no vidro.
É, no vidro!
Cada menino ou menina tinha um vidro e o vidro não dependia do tamanho
de cada um, não!
O vidro dependia da classe em que a gente estudava.
Uns eram muito gordos, outros eram muito grandes, uns eram pequenos e
ficavam afundados no vidro, nem assim era confortável.
Os muitos altos de repente se esticavam e as tampas dos vidros saltavam
longe, ás vezes até batiam no professor.
Ele ficava louco da vida e atarrachava a tampa com força, que era pra não
sair mais.
A gente não escutava direito o que os professores diziam, os professores
não entendiam o que a gente falava...
As meninas ganhavam uns vidros menores que os meninos.
Ninguém queria saber se elas estavam crescendo depressa, se não cabia nos
vidros, se respiravam direito...
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A gente só podia respirar direito na hora do recreio ou na aula de educação
física.
Mas aí a gente já estava desesperado, de tanto ficar preso e começava a
correr, a gritar, a bater uns nos outros.
As meninas, coitadas, nem tiravam os vidros no recreio. e na aula de
educação física elas ficavam atrapalhadas, não estavam acostumadas a
ficarem livres, não tinha jeito nenhum para Educação Física.
Dizem, nem sei se é verdade, que muitas meninas usavam vidros até em
casa.
E alguns meninos também.
Estes eram os mais tristes de todos.
Nunca sabiam inventar brincadeiras, não davam risada á toa, uma tristeza!
Se agente reclamava?
Alguns reclamavam.
E então os grandes diziam que sempre tinha sido assim; ia ser assim o resto
da vida.
Uma professora, que eu tinha, dizia que ela sempre tinha usado vidro, até
pra dormir, por isso que ela tinha boa postura.
Uma vez um colega meu disse pra professora que existem lugares onde as
escolas não usam vidro nenhum, e as crianças podem crescer a vontade.
Então a professora respondeu que era mentira, que isso era conversa de
comunistas. Ou até coisa pior...
Tinha menino que tinha até de sair da escola porque não havia jeito de se
acomodar nos vidros. E tinha uns que mesmo quando saíam dos vidros
ficavam do mesmo jeitinho, meio encolhidos, como se estivessem tão
acostumados que até estranhavam sair dos vidros.
Mas uma vez, veio para minha escola um menino, que parece que era
favelado, carente, essas coisas que as pessoas dizem pra não dizer que é
pobre.
Aí não tinha vidro pra botar esse menino.
Então os professores acharam que não fazia mal não, já que ele não pagava
a escola mesmo...
Então o Firuli, ele se chamava Firuli, começou a assistir as aulas sem estar
dentro do vidro.
O engraçado é que o Firuli desenhava melhor que qualquer um, o Firuli
respondia perguntas mais depressa que os outros, o Firuli era muito mais
engraçado...
E os professores não gostavam nada disso...
Afinal, o Firuli podia ser um mal exemplo pra nós...
E nós morríamos de inveja dele, que ficava no bem-bom, de perna esticada,
quando queria ele espreguiçava, e até mesmo que gozava a cara da gente
que vivia preso.
Então um dia um menino da minha classe falou que também não ia entrar
no vidro.
Dona Demência ficou furiosa, deu um coque nele e ele acabou tendo que se
meter no vidro, como qualquer um.
Mas no dia seguinte duas meninas resolveram que não iam entrar no vidro
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também:
- Se o Firuli pode por que é que nós não podemos?
Mas Dona Demência não era sopa.
Deu um coque em cada uma, e lá se foram elas, cada uma pro seu vidro...
Já no outro dia a coisa tinha engrossado.
Já tinha oito meninos que não queriam saber de entrar nos vidros.
Mas nós estávamos loucos para sair também, e pra cada um que ele
conseguia enfiar dentro do vidro - já tinha dois fora.
E todo mundo começou a correr do seu Hermenegildo, que era pra ele não
pegar a gente, e na correria começamos a derrubar os vidros.
E quebramos um vidro, depois quebramos outro e outro mais dona
Demência já estava na janela gritando - SOCORRO! VÂNDALOS! BÀRBAROS!
(pra ela bárbaro era xingação).
Chamem o Bombeiro, o exército da Salvação, a Polícia Feminina...
Os professores das outras classes mandaram cada um, um aluno para ver o
que estava acontecendo.
E quando os alunos voltaram e contaram a farra que estava na 6° série todo
mundo ficou assanhado e começou a sair dos vidros.
Na pressa de sair começaram a esbarrar uns nos outros e os vidros
começaram a cair e a quebrar.
Foi um custo botar ordem na escola e o diretor achou melhor mandar todo
mundo pra casa, que era pra pensar num castigo bem grande, pro dia
seguinte.
Então eles descobriram que a maior parte dos vidros estava quebrada e que
ia ficar muito caro comprar aquela vidraria tudo de novo.
Pedrinho desapontava:
- Eu estou chorando é de raiva! É de ódio! Joana se metia :
- Homem é assim mesmo! Quando a gente chora é porque é mole, é boba, é
covarde. Agora, homem quando chora é de ódio...
Um dia...
Tinha chovido muito e os dois vinham voltando da escola.
De repente, Pedro gritou:
- Olha só o arco-íris!
- É mesmo! - disse Joana. - que grandão! Que bonito!
- Puxa! - espantou-se Pedro. - Parece que está pertinho! Vamos passar por
baixo? Vamos!
Joana se riu:
- Tia Edith disse que se a gente passar por baixo do arco-íris, antes do meio-
dia, homem vira mulher e mulher vira homem...
- Que besteira! - disse Pedro. - Quem é que acredita numa coisa dessas?
E os dois se deram as mãos e correram, correram, na direção do arco-íris. E
de repente pararam espantados.
Vocês podem imaginar o reboliço que foi na casa deles quando contaram o
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que tinha acontecido.
No começo ninguém estava acreditando.
- Que brincadeira mais idiota! - falou seu Setúbal.
- Vamos parar com isso? - disse dona Brites.
Mas depois tiveram que se convencer...
E naquele dia, no jantar, ninguém brigou para saber se menina podia ou não
podia fazer isso ou aquilo.
Afinal ninguém sabia direito quem era quem...
nome de gente? E o Pedro, que horror! Vai ter que se chamar Pêdra. Pode
uma coisa dessas?
- E tem um outro problema em que estou pensando - disse seu Setúbal. -
Está bem que a gente vista o Joano de homem... afinal as mulheres hoje em
dia só querem se vestir de homem... mas vestir a Pêdra de mulher... não
sei, não! E se ele, quer dizer, ela, virar homem outra vez?
- Ah, sei lá! - disse dona Brites. - Jà nem sei o que pensar. Acho melhor a
gente ir dormir...
- Vamos parar co isso? - disse Joano. - Menina não faz essas coisas.
- E eu sou menina? - reclamou Pêdra.
- É, não é?
- Ah, mas eu não me sinto menina! Tenho vontade de chutar tampinha, de
empinar papagaio, de pular sela...
- Ué, eu também tinha vontade de fazer tudo isso e você dizia que menina
não podia - reclamou Joano.
- Mas é que todo mundo diz isso - disse Pêdra. - que menina não joga
futebol, que mulher é dentro de casa...
- Pois é, agora agüenta! Não pode, não pode, não pode...
- Ah, mas agora eu posse chorar a vontade, posse dizer fita, posso ter medo
de escuro...
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Quando tiver que ir buscar água de noite você é que tem que ir... e quando
eu quiser ver novela ninguém vai me chatear...
Até que um dia eles acordaram e estava chovendo a maior chuva que já
tinha visto.
Trovão, relâmpagos, água que não acabava mais.
Os dois ficaram torcendo para a chuva passar. E quando passou, saíram,
como sempre um para cada lado, procurando o arco-íris.
Joano chegou para lá da escola, num lugar onde ele nunca tinha ido.
E já vinha voltando, desanimado, quando viu, bem na sua frente, o arco-íris.
Joano correu e passou por baixo.
Mas não aconteceu nada.
Joano continuava Joano...
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Com Pêdra aconteceu mais ou menos a mesma coisa.
Andou, andou, até fora da cidade. E só quando vinha voltando é que
encontrou o arco-íris, passou por baixo e nada!
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