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Nós Já Vimos Esse Filme!

Logo após o colapso das “pontocom” em 2001, a Brooks Brothers,


fabricante de roupas masculinas, publicou um anúncio irreverente no The Wall
Street Journal, introduzindo a "mais recente inovação" nas práticas de
negócios: “The Business Suit”.

Durante o boom tecnológico do final dos anos 90, quando a cada


segundo tínhamos um IPO de uma empresa do setor de tecnologia, mídia ou
telecomunicações, mesmo as empresas mais conservadoras do setor de
serviços, como bancos, consultorias e escritórios de advocacia, começaram a
trocar suas gravatas e ternos Armani por camisas T-shirt e calças jeans.

Fazia sentido num mercado em que o olho do furacão era o Vale do


Silício e os bilionários, recém-formados, lá alcançaram seu status,
interrompendo as formas arcaicas e sérias de pensar e trabalhar.

Muitas coisas fazem sentido... até deixarem de fazer. Então, quando


US$5 trilhões são varridos da NASDAQ todos começaram a se perguntar
porque estavam indo trabalhar de chinelos e shorts.

Em um mercado alimentado por mais de uma década de taxas de juros


nulas ou quase nulas, o excesso de liquidez em busca de rendimentos criou
uma geração de investidores, fundadores e outros seres míticos de um chifre
adorando o altar dos investimentos em crescimento exponencial. Assim, o
dinheiro foi derramado em classes de ativos cada vez mais arriscados e o
tamanho dos fluxos começou a distorcer os preços dos ativos, resultando em
uma valorização do capital cada vez mais desconectada das métricas de base.

Pois é... já vimos esse filme antes! E podemos arriscar a dizer que não
saiu de cartaz. As avaliações pós-IPO de pouco menos da metade dos 119
IPOs deste ano estão abaixo do preço de oferta, com algumas das maiores,
como Slack e Uber, mais de 30% abaixo. Com mais de 70 períodos de “lock-
up” terminando entre agora e o final do ano, podemos esperar mais pressão
para baixo sobre as avaliações.

As avaliações em queda dificultam a captação de mais dinheiro para


financiar operações deficitárias e, assim, os modelos de negócios das
empresas passam a ser submetidos a um escrutínio maior. O flagelo da
WeWorked ameaçou expor a realidade de que muitos unicórnios – reais e
aspirantes – são empresas de operações que, na verdade, se disfarçam de
empresas de tecnologia.

Não há nada de errado em ser uma empresa de operações enormes e


bem geridas que, por exemplo, realiza a entrega de alimentos com o clique de
um botão ou organiza uma coleta para você em minutos – certamente, se
funcionar melhor, mais rápido e mais barato do que as opções existentes.
Contudo, as empresas de tecnologia têm margens tecnológicas – margens
brutas superiores a 70% - que não são modelos altamente alavancados que
ganham centavos em uma transação e dependem de uma escala maciça para
obter algo que se aproxime de um lucro razoável.

Portanto, apesar de eu não possuir uma bola de cristal, posso afirmar alguns
acontecimentos que estão por vir:

- nos próximos meses veremos muita gente recolhendo seus pôneis coloridos
com um chifrezinho de suas mesas e colocando seus ternos de negócios;

- Veremos mais perguntas sobre como a tecnologia principal atua para os


negócios de uma empresa e se ela é, de fato, uma empresa de tecnologia ou
um courier com um aplicativo no smartphone da moda;

- Em vez de focar apenas na receita, veremos um exame mais minucioso da


contabilidade subjacente, com ênfase na “receita ajustada pelo WeWorked” -
ou seja, qual é a receita real depois de removidos todo o preenchimento,
abatimentos, descontos e abatimentos de receita que foram contratados, mas
nunca realmente materializados;

- Ao invés de simplesmente observar as taxas de crescimento, haverá um


exame minucioso para avaliar quanto do crescimento é orgânico ou quase
orgânico e quanto é apenas por meio de aquisição;

- Economia unitária, custo de aquisição do cliente e valor da vida útil do cliente


começarão a desempenhar um papel mais central e os pitches precisarão
demonstrar, com credibilidade, onde está a lucratividade;

- Aliás, a credibilidade dos efeitos do network ou “troca-troca” será contestada,


especialmente quando os custos desse troca-troca forem baixos e os usuários
puderem alternar entre plataformas diferentes, oferecendo serviços iguais ou
semelhantes.

Tudo bem, vamos lá, para ser justo com os VCs do Vale do Silício o tipo
mais desconcertante de aumento de preço, que levou a esse acerto de contas,
foi realizado por investidores que estavam fora do ecossistema Sandhill Road –
como o SoftBank e os fundos soberanos do Oriente Médio, ansiosos por
diversificar suas economias além do petróleo – por exemplo, após 2012,
praticamente todo investimento que a WeWorked obteve foi do SoftBank.

Mas, as vacas frias vão temperar o ecossistema como um todo e esse


exame adicional terá várias implicações, tais como:
- IPOs serão arquivados ou adiados e, quando ocorrerem, as avaliações serão
mais realistas. Isso terá um impacto desde o ciclo de gestação do VC, no qual
as startups terão que se esforçar mais para provar sua segurança;

- Já estamos vendo o aperto de muito cinto por aí, como o próprio Uber vem
fazendo ao mudar seus “cafezinhos” para o Starbucks e procurando formar
equipes de engenharia em áreas geográficas de menor custo – e, certamente,
veremos mais redução de contratações e, possivelmente, demissões. Da
mesma forma, poderemos ver algumas falências se a “música parar” e as
empresas deficitárias não conseguirem obter financiamento adicional.

- Ainda, o valor sobre a compensação de equity negociado será revisado e isso


acabará sendo muito ruim para a maioria das startups, já que as opções de
ação são ilíquidas. Contudo, isso poderá tornar-se uma vantagem num IPO,
aumentando a atratividade de valor do papel futuro;

- Os tremores serão sentidos ao redor do mundo de diferentes maneiras: as


histórias de sucesso das réplicas regionais começarão a ser questionadas, tão
logo as empresas originais caiam do cavalo. Talvez, o processo de
“Uberização” possa cair em desuso;

- No curto prazo, os ecossistemas de inovação em países emergentes podem


sofrer, especialmente se gigantes como o Uber realocarem suas operações de
engenharia.

Agora, cá entre nós, as startups brasileiras vem fazendo seu dever de


casa há algum tempo levando em consideração o “fator Brasil” e algumas
outras variáveis que, possivelmente, só existam em terras tupiniquins. Acredito
que não se trata de malandragem, mas de sermos gatos escaldados de tantas
crises sucessivas e uma sempre pior que a outra fazendo com que, de forma
quase autônoma, criássemos mecanismos de adaptação altamente
responsivos às transformações e intenções do mercado nacional e
internacional.

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