Você está na página 1de 11

TOCQUEVILLE, Alexis1.

Lembranças de 1848: As jornadas


revolucionárias em Paris; introdução de Renato Janine Ribeiro;
prefácio de Fernand Braudel; tradução de Modesto Florenzano; São
Paulo: Companhia das Letras, 2011.

Título original: Souvenirs

RESUMO DOS
ANTECEDENTES

A Revolução de 1789 acabou se tornando burguesa, ou seja, da


incipiente classe de comerciantes, de pequenos donos de negócios
das cidades, arrendatários, liberais e funcionários públicos, que
exigiam uma participação na política e a defesa da propriedade. Ao
findar este primeiro movimento revolucionário, com a derrota de
Napoleão Bonaparte em 1814, a França voltou a ser uma
monarquia, sob a dinastia bourbon, com os períodos de Luiz XVIII
(1814-1824) e Carlos X, o conde de Artois (1824-1830), que
finalizaram com graves perturbações internas, culminando com a
queda e exílio de Carlos X.

A sucessão arranjada pela nova ordem contemplou o retorno de


Luiz Felipe I, da dinastia orleans, que se encontrava exilado na
Inglaterra. Ele era chamado de “rei burguês”. A mudança trouxe
paz, estabilidade e prosperidade, por algum tempo. Logo, o regime
tornou-se cada vez mais mais corrupto e favorável aos poderosos,
tanto nobres quanto burgueses. Os políticos só buscavam os
interesses pessoais, benesses.
A Revolução Industrial apanhou a França de cheio, e com isto,
aumentaram as fábricas, o número de operários, e os problemas
sociais. Logo, as classes trabalhadoras viram-se desgostosas, na
pobreza e exclusão social. O rei era ultraconservador e o seu
1 Alexis de Tocqueville(1805-1859) pertenceu a uma grande família aristocrática normanda.
Seus pais, Hervé Louis François Jean Bonaventure Clérel, conde de Tocqueville, soldado da
guarda constitucional do rei Luís XVI e Louise Madeleine Le Peletier de Rosanbo, escaparam da
guilhotina graças à queda de Robespierre no Ano I I (1794). Destino diferente teve seu avô, o
Marquês de Rosanbo , que foi executado. Tocqueville, um escritor admirável, como juíz de
direito, visitou os EUA, em 1830 e escreveu o clássico “A Democracia na América”.
governo não conseguiu melhorar as condições de vida dos pobres,
que habitavam as periferias de Paris. Logo, esses seguimentos da
população passaram a ser alvo de políticos do nascente socialismo,
e também de outros partidos revolucionários, ou conservadores
insatisfeitos com as distribuições de cargos e de benesses.

A REVOLUÇÃO DE FEVEREIRO DE
1848

A revolta popular incentivada pelos políticos já mencionados,


entrou em efervescência no dia 22 de fevereiro, quando o governo
proibiu o banquete popular que visava sobretudo à agitação
revolucionária fomentada por políticos radicais. Neste ambiente de
revolta, os operários pediam a instauração de uma República, numa
petição com 5 milhões de assinaturas. A proibição do banquete
popular foi a gota de água que faltava para a revolta. Assustado
com as barricadas e com a violência, Luís Felipe demitiu Guizot 2
tentando aplacar a revolta, mas era tarde demais. Tocqueville
relata:

“Eu não achava que a jornada do dia 22 fosse capaz de


produzir inquietações sérias. A multidão já enchia as ruas, mas
parecia composta de curiosos e descontentes, mais que de
sediciosos: o soldado e o burguês trocavam cumprimentos ao
se encontrar e, entre a multidão, eu ouvia menos gritos que
gracejos. Sei que não se deve confiar nessas aparências. São
os moleques de Paris que costumam empreender insurreições,
e em geral alegremente, como escolares que saem de férias.”
(66)

“Soube que, com efeito, tinha havido sérias agitações em


vários pontos que eu não visitara; alguns homens estavam
mortos ou feridos”(66/7)

“No dia seguinte, 23 de fevereiro, soube ao acordar que a


agitação de Paris aumentara, em vez de se acalmar. Cedo, fui à
Câmara, e o silêncio reinava ao seu redor; batalhões de
2 François Pierre Guillaume Guizot (1787 - 1874) Historiador e político conservador-liberal, que impediu
Carlos X de usurpar poderes do Poder Legislativo. Foi um dos políticos mais influentes depois da Revolução
de 1830 lutando pelas idéias de uma monarquia constitucional.
infantaria ocupavam e fechavam suas entradas, enquanto
esquadrões couraçados se postavam ao longo dos muros do
Palácio. Dentro, as paixões agitavam-se sem saber ao certo a
que se fixar.”(68)

O rei Luís Felipe tenta reformas... Guizot anunciou na Câmara “em


duas palavras que o rei acabara de chamar monsieur Molé para
formar um novo ministério.” (69). Mas, Molé não aceitou o
encargo...

Ao terminar o tormentoso 23 de fevereiro, diz Tocqueville: “Retirei-


me cedo; deitei-me logo depois. Embora morasse bem próximo do
palácio dos Negócios Estrangeiros, não ouvi a fuzilaria que tanta
influência exerceu sobre os destinos, e adormeci sem saber que
tinha visto o último dia da Monarquia de Julho.” (73)

Mas, na noite de 23 a Guarda Nacional atacou os revoltosos,


matando mais de 500 deles. Os cadáveres dos mortos foram
colocados em carros, que iluminados desfilavam pela cidade de
Paris, com grande agitação de ânimos contra o governo.
Pela manhã, Tocqueville ficou sabendo pela sua cozinheira, “que
o governo estava massacrando o povo”. As barricadas começaram
a surgir nas ruas de Paris, construídas pelas mãos dos operários..
Pedras do calçamento e árvores eram tombadas e Tocqueville deixa
escapar aos seus colegas: “Creia-me, desta vez não é mais um
motim: é a revolução”(76) E relata:

“As barricadas eram construídas com arte por um pequeno


número de homens que trabalhavam diligentemente, não como
criminosos premidos pelo temor de serem surpreendidos em
flagrante delito, mas como bons operários que querem terminar
sua tarefa, rapidamente e bem. O público olhava-os
placidamente, sem desaprovar ou ajudar.”(77)

Com tudo isso, a situação do governo foi piorando, até que Luís
Felipe abdicou no dia 24 em favor de sua filha. No mesmo dia
assumiu um Governo Provisório. Em 25 de fevereiro foi
proclamada a Segunda República (1848 -1852), e algumas
bandeiras da oposição revolucionária foram alcançadas, tais como:
o sufrágio universal; a redução das jornadas diária de trabalho de
12 para 10 horas e a criação das Oficinas Nacionais (ateliers
nationaux), que visavam absorver os desempregados, mas que se
mostraram improdutivas e custosas.

Em 23 e 24 de abril ocorreram as eleições para a Assembleia


Nacional Constituinte. O vencedor foi o Partido da Ordem, que
representava, de uma maneira geral, os defensores da propriedade
privada, que conseguiu eleger 700 deputados. Os socialistas e
republicanos radicais não conseguiram eleger 100 deputados.

Deste modo, dominado pelo Partido da Ordem, a Assembleia


Constituinte passou a combater as ideias socialistas e anarquistas.
O descontentamento entre os operários, estudantes e artífices
cresceu e iniciaram-se as agitações.

Tocqueville registra as causas gerais da Revolução de Fevereiro:

“A Revolução Industrial que, há trinta anos, fez de Paris a


primeira cidade manufatureira da França e Paris a primeira
cidade manufatureira da França, atraiu a seus muros uma nova
população de operários, a quem as obras das fortificações
acrescentaram todo um povo de agricultores agora sem
trabalho; o ardor dos gozos materiais que, sob o aguilhão do
governo, excitava cada vez mais essa multidão; a inquietação
democrática da inveja que a minava surdamente; as teorias
econômicas e políticas que surgiram e que tendiam a fazer crer
que as misérias humanas eram obra das leis e não da
providência, e que a pobreza podia ser suprimida mudando-se
a base da sociedade; o desprezo que se devotava à classe
governante, sobretudo aos homens que a encabeçavam,
desprezo tão geral e profundo que paralisou a resistência
daqueles a quem mais interessava a manutenção do poder que
se derrubava; a centralização que reduziu toda a operação
revolucionária a apoderar-se de Paris e a pôr a mão sobre a
máquina administrativa montada; a mobilidade enfim de todas
as coisas, instituições, ideias, costumes, e homens em uma
sociedade movediça, que fora sacudida por sete grandes
revoluções em menos de sessenta anos, não se considerando a
infinidade de pequenos abalos secundários: estas foram as
causas gerais sem as quais a Revolução de Fevereiro teria sido
impossível.”(104/5
AS AGITAÇÕES DE 15 DE MAIO DE
1848

“Um espectro paira sobre a Europa - o espectro do


comunismo. Todas as forças do velho Continente se unem
numa Santa Aliança para exconjurá-lo: o papa e o czar,
Metternich e Guizot, os radicais franceses e os policiais
alemães3.”
“Manifesto Comunista”, Marx/Engels

As agitações de dia 15 de maio ocorreram, quando os operários


instigados pelos líderes invadiram a Assembleia Nacional, tentando
golpear a ordem já estabelecida. O governo aciona a Guarda
Nacional e a revolta é sufocada e seus chefes presos. Logo depois,
o governo nomeia uma Comissão executiva que determinou o
fechamento das Oficinas Nacionais, que empregavam mais de 110
mil operários, o que ocorreu em 21 de junho, sob grandes
manifestações e protestos. Sobre a tentativa de tomada da
Assembleia ele relata:

“Fui, pois, à Assembleia em 15 de maio, sem prever o que iria


se passar. A sessão começou como qualquer outra; o estranho
foi que 20 mil homens já rodeavam a sala, sem que nenhum
ruído de fora anunciasse sua presença. Na tribuna estava
Wolowski: mastigava entredentes não sei que lugar-comum a
respeito da Polônia, quando o povo manifestou, enfim, sua
aproximação por um grito terrível, que, penetrando de todos os
lados através das janelas do alto (deixadas abertas por causa
do calor) ressoou sobre nós como se tivesse vindo do
céu.”(164)

E outros líderes de clubes logo também entravam, trazendo


“consigo vários emblemas do Terror e agitavam no ar uma multidão
de bandeiras, algumas das quais coroadas com o barrete
vermelho.”(166)

3 “A liga dos Comunistas, associação internacional de operários, vivendo na clandestinidade, forçada pelas
circunstâncias, delegou aos abaixo assinados, em novembro de 1847, no Congresso de Londres, a
incumbência de elaborar e publicar um programa pormenorizado”. Prefácio à edição alemã de 1872 do
“Manifesto”.
Da área socialista, o líder mais destacado era Louis Blanc,
retratado por Tocqueville com uma certa aversão, do seguinte
modo:

“...tinha as faces macilentas e murchas, os lábios brancos, o ar


doentio, malévolo e imundo, uma palidez suja, o aspecto de um
corpo bolorento, sem nenhuma roupa branca visível, uma velha
sobrecasaca negra, grudada sobre membros franzinos e
descarnados; parecia ter vivido em um esgoto de onde acabava
de sair...”(168)

De como as forças leais ao governo e Assembleia dominaram a


tentativa de golpe comunista:

“Um acontecimento bem trágico esteve a ponto de interromper


essas saturnais: de repente, as tribunas do fundo da sala
estalaram, inclinando-se cerca de quarenta centímetros sob o
peso e ameaçando derrubar na sala a multidão que as
sobrecarregava e que as abandonou com pavor. O espantoso
incidente suspendeu por um instante o tumulto e foi então que
ouvi, pela primeira vez, vindo de longe, o ruído propagado pelos
tambores que tocavam o alarme em Paris. E como eu, ouviu-o a
multidão, que lançou um longo grito de cólera e de terror. “Por
que tocam o alarme?” , gritou Barbès fora de si, aparecendo
novamente à tribuna4.. “Quem toca o alarme?” “Que os que
fazem tocar o alarme sejam declarados fora da lei!” E do povo
elevam-se os gritos: “Estamos sendo traídos; às armas! Ao Hotel
de Ville!”

O presidente é expulso de sua cadeira, ou, se devemos acreditar


na versão que deu depois, deixou-se voluntariamente expulsar.
Um líder de clube, chamado Huber5, sobe à mesa da presidência
e hasteia uma bandeira coroada com o barrete vermelho. Esse
homem acabava, ao que me pareceu, de ter um longo
desvanecimento epilético - causado sem dúvida pela excitação e
4 ARMAND BARBÈS (1809-1870): Revolucionário francês condenado a prisão perpétua pela
sua participação nos acontecimentos de 15 de Maio de 1848 foi anistiado em 1854.
5 Louis Huber ou Aloysius Huber (1815 -1865). Foi um agitador político e conspirador que participou de
um atentado contra a vida do rei Luis Filipe I, ocasião em que foi preso e condenado a deportação em 1838.
Colocado em liberdade pela Revolução de fevereiro de 1848, ele desempenhou um papel equivocado na
tentativa de dissolver a Assembleia de 15 de maio de 1848. Refugiado em Londres após a manifestação de
15 de maio, ele foi por contumácia, condenado pela Alta Corte de Justiça de Bourges à deportação.
pelo calor - e apresentava-se no momento em que saía dessa
espécie de pesadelo perturbador; ainda tinha as roupas em
desordem e o ar sobressaltado e feroz; gritou duas vezes: “Em
nome do nome do povo, enganado por seus representantes,
declaro dissolvida a Assembleia Nacional!” (171)

E pouco depois, chegaram as tropas do governo para evitar a


tomada da Assembleia. Os populares foram acometidos de pânico e
fugiram, os líderes foram presos pelas tropas governistas.

AS JORNADAS DE JUNHO DE
1848

Mas, nas chamadas “Jornadas de junho” de 18486, novamente,


insuflada pelos mesmos descontentes, a massa operária
novamente se levantou, ocupando mais uma vez as barricadas nas
ruas da cidade de Paris. Ele escreve:

“Eis-me, enfim, chegado à Insurreição de junho, a maior e a mais


singular que teve lugar na nossa história e talvez em qualquer
outra: a maior, pois durante quatro dias mais de 100 mil homens
nela se engajaram, e cinco generais pereceram: a mais singular,
pois os insurgentes combateram sem gritos de guerra, sem
líderes, sem bandeira e, não obstante com um conjunto
maravilhoso e com uma experiência militar que assombrou os
mais antigos oficiais...(187)

E prossegue:

“ O que a distinguiu ainda, entre todos os acontecimentos do


gênero que se sucederam nos últimos sessenta anos na França,
foi que ela não teve por objetivo mudar a forma de governo, mas
alterar a ordem da sociedade. Não foi, para dizer a verdade, uma
6 6 Dominada pelo Partido da Ordem, a Constituinte passou a combater as ideias socialistas. Os socialistas,
descontentes, reiniciaram as agitações. Em 22 de junho de 1848 o governo tomou severas medidas para
controlar e reprimir os operários, depois dos levantamentos comunistas de 15 de maio.
luta política ( no sentido que até então tínhamos dado à palavra),
mas um combate de classe, uma espécie de guerra servil7. Isso
caracterizou a Revolução de Fevereiro quanto aos fatos, do
mesmo modo que as teorias socialistas a haviam caracterizado
quanto às ideias; ou antes, ela saiu naturalmente dessas ideias ,
como o filho sai da mãe; e nela não se deve mais que um esforço
brutal e cego, mas poderoso, dos operários para escapar às
necessidades de sua condição ( que lhes havia sido descrita como
uma opressão ilegítima) e para abrir a fórceps um caminho em
direção àquele bem-estar imaginário (que lhes havia sido
mostrado de longe como um direito). Foi essa mistura de cúpidos
desejos e de falsas teorias que, depois de desencadear a
insurreição, tornou-a tão formidável. Havia-se assegurado às
pessoas pobre que o bem dos ricos era de alguma maneira o
produto de um roubo de cujas vítimas eram elas8. Da mesma
forma foi-lhes dito que a desigualdade das fortunas era tão
contrária à moral e à sociedade quanto à natureza. Sob o impulso
das necessidades e das paixões, muitos haviam acreditado
nessas idéias. Tal obscura e errônea noção do direito, que se
misturava à força bruta, comunicou a essa força uma energia,
uma tenacidade e um poderio que por si só jamais teria tido.
É preciso assinalar ainda que essa insurreição terrível não foi
fruto da ação de certo números de conspiradores, mas a
sublevação de toda uma população contra outra. As mulheres
nela tomaram parte tanto quantos os homens. Enquanto estes
combatiam, elas preparavam e traziam as munições; e quando,
ao final, tiveram de se render, foram as últimas a se decidir.
Pode-se dizer que as mulheres trouxeram a luta as paixões
da vida doméstica; contavam com a vitória para o bem-estar de
seus maridos e para a educação de suas crianças. Amavam essa
guerra como teriam amado uma loteria.
Quanto à ciência estratégica de que a multidão deu
mostras, bastam para explicá-la a natureza belicosa dos
franceses, sua longa experiência em insurreições e sobretudo a
educação militar recebida sucessivamente pela maioria dos
homens do povo. A metade dos operários de Paris tem servido
7 Guerras servis. Refere-se às guerras da Republica romana do I Sec. Especialmente a revolta de
Spartacus. Daí servis..
8 Pierre-Joseph Proudhon Lembrar do livro “A propriedade é um roubo”, Proudhon.É considerado um
dos mais influentes teóricos e escritores do anarquismo, sendo também o primeiro a se
auto-proclamar anarquista, até então um termo considerado pejorativo entre os
revolucionários. Foi ainda em vida chamado de socialista utópico por Marx e seus
seguidores, rótulo sobre o qual jamais se reconheceu. Após a Revolução de 1848
passou a denominar-se federalista.
em nossos exércitos e sempre retoma de bom grado as armas.
Os antigos soldados abundam, em geral, nos motins. Em 24 de
fevereiro, [ o general] Lamoricière, rodeado de inimigos, deveu a
vida por duas vezes a insurgentes que haviam combatido sob
suas ordens na África, e para os quais as lembranças dos campos
de batalha resultaram mais fortes que o furor das guerras civis.”
(187/8)

As possibilidades de vitória de uma revolução socialista eram muito


maiores agora. Tocqueville, como deputado da Assembleia Nacional
sai para inspecionar a tomada da cidade, em 24 de junho, e vê o
quadro seguinte:

“Quem esteve sublime, nesse momento, foi Lamoricière 9; até


então tinha mantido a espada embainhada, mas agora tira-a,
corre para seus soldados - com o mais magnífico furor em todos
os seus traços, detém-nos com sua voz, agarra-os com as mãos,
golpeia-os até com o punho da espada, faz com que regressem,
concentra-os e, pondo-se no comando, obriga-os a cruzar a
passo curto o fogo da rua do Faubourg-du-Temple, para tomar a
casa de onde a fuzilaria havia partido. Tudo isso em um instante
e sem o menor dano; o inimigo havia desaparecido.

O combate retomou sua lúgubre fisionomia e durou ainda


algum tempo, até que o fogo dos insurgentes foi finalmente
extinto e a rua ocupada. Antes de passar a outra operação, houve
um momento de pausa. Lamoricière entrou em seu quartel-
general, que não era mais que uma taverna do bulevar, próxima
da porta Saint-Martin, e eu pude, enfim, consultá-lo sobre o
andamento da situação. “Quanto tempo pensa que durará tudo
isso?”, perguntei-lhe. “Ah! o que sei eu”, respondeu-me, “isto
depende do inimigo, não de nós.” Mostrou-me então, no mapa,
todas as ruas que já haviam sido tomadas e que estavam
ocupadas e todas as que já haviam sido tomadas e que estavam
ocupadas e todas as que ainda faltavam e acrescentou: “Se os
insurgentes querem defender-se no terreno que lhes resta, como
fizeram no que já conquistamos, podemos contar ainda oito dias,
e nossas perdas serão enormes, pois nós perdemos mais que
9 General Christophe Juchault de Lamocière (1806-65). Deputado republicano moderado à Assembleia
Constituinte e ministro da guerra no governo Cavaignac. Esteve preso por cinco anos depois do golpe de
Luís Bonaparte.
eles; aqui o vencido será o primeiro que perder a força moral”.
(214/5)

E conclui:

“Tais foram as jornadas de junho, jornadas necessárias e


funestas; não extinguiram na França o fogo revolucionário, mas
puseram fim, pelo menos por algum tempo, ao que se pode
chamar o próprio trabalho da Revolução de Fevereiro. Elas
livraram a nação da opressão dos operários de Paris e
reafirmaram na posse de si mesma.
As teorias socialistas continuaram a penetrar no espírito do
povo sob a forma de paixões cúpidas e invejosas, nele
depositando a semente de revoluções futuras; mas o partido
socialista, como tal, ficou vencido e impotente. Os montanheses,
que a ele não pertenciam, logo sentiram que haviam sido
irremediavelmente atingidos pelo mesmo golpe que abatera o
partido socialista.” (219/20)

Nas “Jornadas de Junho”, os operários enfrentaram o Exército, a


Guarda Móvel, a Guarda Nacional de Paris e a Guarda Nacional das
Províncias. Nesta último confronto foram mortos mais de três mil
operários e aderentes da causa.

Um príncipe postulando a República... Teria ele gosto pelo


modelo republicano? Pergunta desconfiado Tocqueville:

“ O príncipe Luís Napoleão, em quem ninguém pensava uns dias


antes, acabava de ser eleito para a Assembleia de Paris e por
mais três departamentos. Começou-se a temer que muito em
breve seria posto à frente da República, caso a escolha do
presidente fosse deixado ao povo. Os diversos pretendentes e
seus amigos alarmaram-se, a questão foi novamente posta na
Comissão e a maioria confirmou o primeiro voto.” (232)

A Constituição francesa foi promulgada em 12 de novembro de


1848, estabelecida a República presidencialista, com o legislativo
unicameral eleito pelo voto universal. Nas eleições presidenciais
apresentaram-se dois candidatos: o príncipe Luís Napoleão e o
general Cavaingnac, venceu o primeiro. Em 02 de dezembro de
1951 Luís Napoleão deu um golpe de Estado e, pouco depois,
tornou-se Imperador da França. Karl Marx logo descreveu o
processo como o golpe do “18 de Brumário”, numa alusão ao que
acontecera com o tio de Luís Napoleão com a Primeira República
Francesa. Sarcasticamente Marx escreve: “na primeira vez o fato
ocorre como tragédia, na segunda como farsa”...

ENCERRAMENTO

Finalizando seu livro Tocqueville descreve seu trabalho como


Ministro dos Negócios Estrangeiros da República, tecendo
considerações sobre a participação da diplomacia da França nas
questões de unificação da Alemanha e Itália. No caso, a curiosidade
é verificar como eram tomadas as decisões, com base nos
princípios realistas, no quadro do chamado “equilíbrio do poder”
europeu.

As “quimeras” do presidente Luís Napoleão:

“Uma das suas quimeras era uma aliança pactuada com uma das
duas grandes potências da Alemanha, da qual contava servir-se
para refazer o mapa da Europa e apagar os limites que os tratados
de 1815 haviam impostos à França.”(293)

Consultas de Luís Napoleão a um embaixador “assustado” :

“ Um dia, um deles veio, todo alarmado, dizer-me que o presidente


da República havia lhe perguntado se, mediante algo equivalente,
sua corte consentiria que a França se apoderasse da Savoia.”(293)

Você também pode gostar