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Se quisermos entender a conduta de qualquer pessoa, mesmo a nossa prépria, a primei- ra pergunta a fazer é: “O que ela fez?", 0 que significa dizer identificar o comportamen- to. A segunda pergunta é: “O que aconteceu entao?’, o que significa dizer identificar as conseqiiéncias do comportamento. Certamente, mais do que conseqiténcias determi- ‘nam nossa conduta, mas as primeiras perguntas freqientemente hao de nos dar uma explicagdo pratica. Se quisermos mudar o comportamento, mudar a contingéncia de reforcamento ~ a relagao entre 0 ato e a conseqiléncia ~ pade ser a chave. Muitas vezes gostarfamos de ver algumas pessoas em particular mudar para me. Ihor, mas nem sempre temos controle sobre as conseqiléncias que so responsaveis por sua conduta. Se o temos, podemos mudar as consequiéncias e ver se a conduta também muda, Ou podemos prover as mesmas conseqiléncias para a conduta desejével € ver se a nova substitui a antiga. Esta é a esséncia da andlise de contingéncias: identificar 0 comportamento ¢ as conseqiiéncias; alterar as conseqiiéncias; ver se 0 comportamento muda. Andlise de contingéncias é um procedimento ativo, nao uma especulacao intelectual. E um tipo de experimentagao que acontece nao apenas no laboratério, mas também no mundo. cotidiano, Analistas do comportamento eficientes estao sempre experimentando, sem- pre analisando contingéncias, transformando-as e testando suas andlises, observando seo comportamento critico mudou... sea andlise for correta, mudangas nas contingén- cias mudardo a conduta; se for incorreta, a auséncia de mudanga comportamental den jandaré uma abordagem diferente. (Sidman, 1995, p, 104-105), Otrecho acima expressa, com maestria, a esséncia da andlise do comportamento: identificar relagbes funcionais entre os comportamentos dos individuos e sua conseqiiéncias. Chamamos esse tipo identificagao de relagdes de Andlise Funcio- nal (ou, como colocado por Sidman, de anilise de contingéncias) Apesar da preciso dos conceitos discutidos até o momento neste livro para descrever o comportamento ¢ seus determinantes, caso no demonstremos sua aplicabilidade na compreenséo do comportamento, eles serao de pouca valia ‘Uma reclamacao muito comum dos alunos de Andlise Experimental do Compor- tamento é © questionamento: “Muito bonito, mas para que isso serve?”. Sem ath caso contrario, nao terfamos escrito este livro. Portanto, este € 0 momento de ida, acreditamos ser essa a forma mais titil de se descrever o comportamento; A anslise fumeional: aplicagao dos conceitos apresentar a aplicabilidade dos principios da an: lidar com ele em seu estado natural. ¢ do comportamento para Andlise funcional do comportamento Os eixos fundamentais de uma andlise funcional sao os paradigmas respondente ¢, principalmente, 0 operante, A andlise funcional nada mais é do que a busca dos determinantes da ocorréncia do comportamento. Sob uma perspectiva beha- viorista radical, esses determinantes estdo na interagao do organismo com 0 meio. Skinner defende a existéncia de trés niveis de causalidade do comporta- mento, que, em maior ou menor medida, estarao sempre atuando em confluéncia na ocorréncia ou nao de uma resposta de um comportamento, Sao eles: a) Filo~ génese — a nossa interagdo com o meio advém da evolugao de nossa espécie. Nossas caracteristicas fisiolégicas ¢ alguns tracos comportamentais (comporta- mentos reflexos ¢ padrdes fixos de acdo) sdo determinados pela filogenese. Nes- se sentido, certos comportamentos podem ser aprendidos por humanos, outros nao (como respirar embaixo d’4gua, por exemplo). Além disso, determinantes filogenéticos podem se dar no individuo, ¢ nao apenas na espécie. Pessoas altas podem aprender certos comportamentos que pessoas baixas provavelmente nao aprenderiam (como enterrar uma bola de basquete na cesta), ou mesmo 0 contr: rio (dificilmente alguém de 1,90 m conseguiria aprender o duplo mortal carpado da Dayane dos Santos). b) Ontogénese individual — esse nivel de andlise aborda a modificagao do comportamento pela interacao direta com © meio durante a vida do organismo, Em outras palavras, trata-se da aprendizagem por experién- s individuais com o meio, Na realidade, Skinner defende que esse seriao | nivel de anlise ao qual a psicologia deveria concentrar os seus esforcos, uma vez que sao 0s determinantes do comportamento mais relacionados a subjetivida- de ¢ a individualidade de cada ser. Ao observarmos os campos de atuagao do psicélogo, veremos que eles estao constantemente manipulando os determinantes ontogenéticos do comportamento, Na ontogénese, o comportamento é modificado pelas suas conseqiiéncias, ou seja, dependendo da conseqiiéncia de uma resposta, essa tende ou nao a se repetir. c) Ontogénese Sociocultural ~ por fim, 0 nosso comportamento seré determinado por varidveis grupais, como moda, estilo de vida, preconceitos, valores, etc. Nosso contato com a cultura estabelecera a fungao reforgadora ou aversiva da maioria dos eventos. Além disso, podemos aprender pela observacao de modelos ou por instrugées, o que compreende a aprendizagem social responsdvel pela emissao de grande parte dos comportamentos humanos Segundo Skinner, se realmente insistirmos em utilizar a palavra “causa” em psicologia, devemos levar em consideracao os trés niveis de analise do comporta- mento. Mas um ponto que deve ficar claro na abordagem comportamental radical da determinagao do comportamento é a sua énfase na relacdo de troca do organis- mo com 0 ambiente, Skinner negou com veeméncia a atribuicao de causa do comportamento aos eventos mentais hipotéticos, como tragos de personalidade, emogies, vontade, desejo, impulso, etc. (esses dizem respeito aos comportamen- tos ¢ devem ser explicados em seu proprio direito, e nao serem colocados como Moreira & Medeiros tal causas de outros comportamentos). Portanto, se quisermos explicar, predizer ¢ controlar 0 comportamento, precisamos analisd-lo funcionalmente, buscando no ambiente externo ¢ interno os seus determinantes, Analisar 0 comportamento funcionalmente refere-se a uma busca da fungao do comportamento, e nao de sua estrutura ou forma (isto é, topografia). Compor- tamentos de mesma topografia podem ter funcdes muito distintas. Por exemplo, um namorado dizer “eu te amo” pode ser determinado por diferentes variaveis no inicio e no final do namoro, Em geral, no inicio do namoro, ele pode dizer “eu te amo” sob controle discriminativo de seus estados internos e de quanto a presen- cada namorada ¢ reforcadora. Por outro lado, com o desgaste da relacéo, a presen- ¢a da namorada nao & mais tao reforcadora assim, nem é acompanhada dos estados internos citados. Entretanto, caso o namorado pare de dizer que a ama, ela comegara a chorar, brigar, fazer chantagem emocional, etc., eventos que certa- mente sao aversivos para o namorado. Ele, nesse caso, pode dizer que a ama, nao sob controle dos estimulos antecedentes, mas sob controle das conseqiiéncias aversivas com as quais entrard em contato caso nao diga o que sua namorada quer ouvir, Sendo assim, 0 “dizer que ama” passa a ser controlado pela conseqiién- cia reforcadora negativa, mesmo tendo a mesma topografia da resposta anterior- mente analisada. Ainda temos 0 caso do namorado que diz que ama como forma de apressar o ingresso na vida sexual do casal. Em resumo: temos a emissao de uma mesma topografia de resposta com funcoes bem distintas. Ainda temos os casos das respostas que possuem topografias bem distintas, mas que apresentam fungées semelhantes, Um exemplo muito interessante € observado quando namorados emitem as respostas “nao quero mais namoré- la” e “Eu te amo, te adoro, nao quero te perder, mas, por favor, mude o seu jeito comigo porque eu nao agiiento mais”, Essas respostas, em topografia, sao bem diferentes. Uma parece demonstrar que 0 namorado nao gosta mais de sua namo- rada, enquanto a segunda expressa justamente o contrario. Entretanto, tais res- postas podem possuir a mesma funcdo: ambas sao mantidas pela mudanga no comportamento da namorada. Com efeito, é muito comum observarmos namora- dos que, ao estarem insatisfeitos com sua relagao, nao possuem repert6rio para discuti-la com a parceira, Nesse caso, emitem a resposta verbal “nao quero mais namorar vocé", quando, na realidade, serao reforcados pela mudanga no com- portamento da namorada, e nao com 0 término do namoro, conforme especifi- cado pela topogratia de sua resposta. Em geral, sao reforcados, pelo menos por algum tempo, Isto é, a namorada, para nao perdé-lo, comeca a agir de forma que © agrade; entretanto, com 0 tempo, é provavel que os padrdes comportamentais que incomodam 0 namorado retornem (nesse exemplos, é dbvio que as andlises feitas para 0 namorado valem também para a namorada). Chamamos de asse tivos os namorados que conseguem emitir a segunda resposta verbal nessas mes- mas circunstancias. Ou seja, se 0 reforgo é a mudanca, o ideal é o namorado emitir uma resposta que especifique a mudanga como reforgo. Em suma, temos respostas verbais de topografias distintas que possuem a mesma fungio, ou seja, so determinadas pelas mesmas varidveis. Com esses exemplos (hipotéticos), tentamos demonstrar que uma anilise do comportamento deve ser funcional, ¢ nao topogratica, Nao encontraremos na estrutura do comportamento, na sua forma, ¢ sim em sua fungao, seus determi- nantes. E é exatamente isso que faz. uma andlise funcional; buscar relacdes fun- cionais entre o comportamento e o ambiente, buscar as funges do comporta- mento. A imteragao funcional do comportamento com o seu ambiente sera descrita em conformidade com os paradigmas respondente ¢ operante. Sao eles: Se ocisco—elicia 0 lacrimejar onde o $ simboliza o estimulo, o R, a resposta, ¢ a seta significa a relacdo de cliciagao entre o estimulo e a resposta. Em outras palavras, o estimulo § elicia a resposta R. Podemos exemplificar esse paradigma com 0 cisco no olho sendo 0 estimulo $ que elicia a resposta R de lacrimejar. Estudar a relagao entre um cisco no olho ¢ lacrimejar talvez nao seja muito de seu interesse, mas, provavelmente, estudar os aspectos emocionais do compor- tamento humano €. Compreender os comportamentos respondentes, ¢ saber dentificd-los, fundamental para o psicélogo entender como funcionam as emogées ¢ os sentimentos. Para relembrar como reflexos, ou comportamentos respondentes, estao relacionados as emocées, releia os Capitulos 1 e 2. ‘O segundo paradigma comportamental ¢ o principal que deve ser considerado em uma anélise comportamental ¢ paradigma operante, cujo principal ponto refere-se ao papel que as conseqiiéncias desempenham na aprendizagem ¢ na manutencao do comportamento, vitériado —servede —pedirocarroproduz —_empréstimo Flamengo ocasido para_emprestado do carro onde o S* simboliza a ocasiéo em que a resposta R ocorre, S* simboliza o estimulo conseqiiente a resposta, 0 travessdo (—-) significa serve de ocasido € a seta (>) significa produz, Portanto, essa relacao de contingéncia pode ser formulada por extenso da seguinte forma: uma resposta R produzira um determinado estimulo conseqiiente (S°) na presenga da ocasiao $*. Por exemplo, a resposta de pedir 0 carro emprestado para o pai flamenguista seré reforcada com o empréstimo do carro na presenga da vitoria do Flamengo. E importante notar que, no comportamento respondente o principal deter- minante do comportamento € 0 estimulo antecedent, isto é 0 que vem antes da resposta, enquanto, no comportamento operante, o principal determinante é 0 estimulo conseqiiente, ou seja, aquele produzido pela resposta. A fungdo do estimulo anteceden- te no comportamento operante advém da sua relagéo coma con- seqiténcia, sinalizando para 0 or- ganismo que se comporta a dis- ponibilidade ou nao da conse- qiiéncia. Atarefa, em uma anilise fun- cional, consiste basicamente em encaixar 0 comportamento em um dos paradigmas e encontrar Controlar comportamento quer dizer apenas tor- har sua ocorréncia mais ou menos provavel. Nao significa, necessariamente, obrigar alguém a fazer algo contra sua vontade. Quando vocé faz uma pergunta, esta controlando comportamen- to; quando para diante de um cruzamento, seu comportamento esta sendo controlado. 0 tempo todo estamos controlando comportamento dos OULTOS e€ Os OULros estdo controlando o nosso. A Anélise do Comportamento busca simplesmente entender melhor como funcionam essas relacdes 05 seus determinantes. Uma vez. que encontremos os determi nantes do comportamento, po- demos predizé-lo (prever a sua ocorréncia) € controla-lo (au- mentar ou diminuir deliberadamente sua probabilidade de ocorréncia). Esse é 0 objetivo da psicologia encarada como ciéncia do comportamento ou mesmo And- lise do Comportamento. Entretanto, para que consigamos analisar funcionalmente o comportamento, precisaremos dominar outros prinefpios comportamentais discutidos neste livro, como privagao e saciagao, esquemas de reforgamento, generalizagao, abstragao, controle aversivo, etc., € conceitos que nao sao abordados, como controle por regras, aprendizagem por observagao de modelos, metacontingéncias, comporta- mento verbal, etc. Outro ponto fundamental a se destacar é 0 de que a apresentago separada dos paradigmas operante ¢ respondente € apenas didatica. Uma andlise mais compreensiva do comportamento revelara que ambos estao em constante inte- racao, e precisamos descrever como se da essa interagao se quisermos lidar com © comportamento de uma forma mais abrangente. Por fim, uma discussdo que nao pode ficar de fora de uma anélise funcional gira em toro da relevancia de se incluir a hist6ria de reforgamento, Diversos autores em andlise do comportamento defendem a irrelevancia de se abordar a histéria de reforcamento ao se conduzir uma anélise funcional, uma vez que para um comportamento estar ocorrendo, é necessério que existam contingéncias atuais que o mantenham., Seria possivel identificar a contingéncia atual e modi- 10 hist6ria de estabelecimento desse comportamento. Entretanto, outros autores defendem a relevancia de se abordar a historia de reforcamento, Em primeiro lugar, a hist6ria de estabelecimento do comportamen- to pode nos fornecer dicas de quais contingéncias atuais sao responsaveis por sua manutengao. Além disso, temos casos em que apenas as contingéncias atuais nao sao capazes de explicar um padr4o comportamental em uma andlise mais ampla. Um exemplo classico disso envolve 0 subproduto da punicdo chamado de respostas incompativeis. As respostas incompativeis sao negativamente refor- de controle (relagées funcionais). ficd-la sem fazer ment 150] "A anflise funcional: aplicagao dos conceitos cadas por evitar que um comportamento anteriormente punido seja emitido, Esse tipo de comportamento, claramente determinado por contingéncias prévias, impede o contato com as contingéncias atuais e, por conseguinte, impede que elas exergam 0 controle sobre 0 comportamento. Por exemplo, um rapaz que apaga os ntimeros de telefones de mulheres que conheceu em danceterias pode estar emitindo uma resposta incompativel. Diga- mos que, ao namorar uma mulher que conheceu em uma danceteria, ele fora traido e sofrera muito. Desde entdo, ele pode até trocar telefone com as mulhe- res que conhece em tais lugares, mas apaga os ntimeros depois, como forma de impedir que uma relacdo se estabeleca. De fato, apagar os ntimeros de telefone € uma resposta incompativel ao impedir que um comportamento punido no passado ocorra, Entretanto, muitas dessas mulheres talvez. nao o traissem em uma relagio estavel. Em outras palavras, as contingéncias atuais de namorar algumas dessas mulheres seriam de reforco, e ndo de punicao, mas nao exercem controle sobre o comportamento, pois a historia de punigao estabeleceu a resposta incompativel de apagar 0 ntimero dos telefones, que é incompativel a exposicdo as contingéncias atuais. Como visto em capitulos anteriores, o comportamento pode pro- duzir varios tipos de conseqiiéncias diferentes. Vimos que os diferen- tes tipos de conseqiiéncias produzem diferentes efeitos no comporta- mento (Tabela 9.1). Em tais relagées (comportamento-conseqiiéncia) esté a explica- cdo de por que os organismos fazem o que fazem e de como aprende- nci rama fazé-lo, Portanto, é crucial para o psiclogo conhecé-las e saber identificd-las, pois s6 assim, caso necessario, sabera desfazé-las. A fim de identificar as relagoes, 0 psicdlogo faz 0 que chamamos de anilise funcional, que nada mais ¢ do que a identificacao das relagoes entre 0 individuo e seu mundo, ou seja, é observar um comportamento e saber que tipo de conseqiiéncia ele produz (reforco positivo, punicao negativa, etc,). Para iden- tificar estas relagGes voce deve seguir os seguintes passos: * A conseqiiéncia do comportamento aumentou ou diminuiu sua freqiiéncia? 1. Caso tenha aumentado, entao verifica-se se: a. Um estimulo foi acrescentado ou retirado do ambiente? — Se foi acrescentado, a conseqiiéncia é um reforco positive. Se foi retirado, a conseqiiéncia é um reforco negativo. a. Oestimulo estava presente ou ausente no momento em que © comportamento foi emitido? i. Se estava presente, trata-se de um comportamento de fuga. ii, Se estava ausente, trata-se de um comportamento de esquiva. 2. Se diminuiu, verifica-se se: — © comportamento parou de produzir uma conseqiténcia reforca- dora? Tipo da conseqiiéncia Efeito no comportamento —_Tipo da operacao Reforgo positivo ‘Aumenta a freqliéncia Apresentacao de um estimulo Reforco negativo Aumenta a freqigncia Retiada ou evitagdo de um estimulo Pungo posiiva Diminui a freqiéncia Apresentagdo de um estimulo Punigdo negatva Diminui a freqdéncia Retirada de um estimulo Extingéo (auséncia do reforgo) Diminui a frequeéncia Suspensio do reforco Recuperagéo (auséncia da Aumenta a freqiéncia Suspensdo da punigao unico) ~ Se sim, houve extingao operante. = Se nao, houve uma punigao. a. Um estimulo foi acrescentado ou retirado do ambiente? i. Se foi acrescentado, trata-se de uma punicao positiva. fi, Se foi retirado, trata-se de uma punicao negativa Anidlise funcional de um desempenho em laboratério No Capitulo 4 (sobre o controle aversivo), vimos um exemplo muito interessante mal previa- mente modelado a receber comida ao pressionar uma barra passa a receber cho- ques contingentes a esse mesmo comportamento. O aspecto curioso desse proce- dimento ¢ 0 de que 0 alimento permanece sendo disponibilizado com a resposta de pressao a barra, mesmo com a liberagdo do choque. Temos af uma situacao curiosa de conflito. Ou seja, a resposta de pressdo a barra possui duas conseqiién- de contracontrole emitido por um rato. Nesse experimento, um an tiva (apresentacao do choque). 0 aspecto curioso nessa situagéo resulta no seu valor heuristico, isto é, nos deparamos com diversas contingéncias conflitantes no nosso cotidiano, Como acender um. cigarro, por exemplo: entramos em contato com 0 efeito reforgador da droga ao fumar (reforgador para quem fuma, é claro), Entretan- to, diversos outros estimulos aversivos sao contingentes a esse comportamento, como bem advertem os dizeres dos macos de ci- garTo no Brasil, sem contar a namorada que deixa de beija-lo ao vé-lo fumar. esperado nessa situacao experimental seria o animal conti- nuar pressionando a barra, comendo e recebendo choque, caso sua intensidade fosse menor que o valor reforgador do alimento®, ou 0 animal parar de pressionar a barra caso a intensidade do ima reforcadora positiva (apresentagao do alimento) ¢ outra pui va posi © 0 valor reforgador do alimento ddependerd da privagdo do animal (quanto maior a privacéo, maior © valor reforcador do alimento) e do fato de ele comer ou no fora da sesso experimental (sistema de economia aberta) ou de a co- mida que obtém advir apenas da sesso experimental (sistema de ‘economia fechada). Obviamente, no segundo caso, a comida con- tingente a resposta de pressdo & barra terd maior valor reforcador, choque fosse maior que 0 valor reforgador do alimento. Entretanto, podemos observar que alguns animais desenvolvem um padrao comportamental comple- x0. Eles deitam de costa na grade que compde o chao da caixa, colocam a cabega no comedouro ¢ pressionam a barra com o rabo. Procedendo dessa forma, os nossos sujeitos se mantém obtendo o alimento coma tesposta de pressao a barra, €, a0 mesmo tempo, evitam o choque, uma vez que seus pélos sao um excelente isolante elétrico. Nesse exemplo, temos alguns comportamentos a serem considerados: 1) a resposta de pressao a barra; 2) as repostas emocionais na presenga do choque; 3) as respostas emocionais na presenga da barra pressionada; 4) 0 deitar de costas no chao da caixa A resposta de pressdo a barra Conforme descrito, a resposta de pressao a barra pertencerd a duas contingéncias operantes: uma de reforgo positivo € uma de punii Reforco positivo: pressionar a barra Se levarmos em conta a modelagem prévia, ¢ apenas essa contingéncia, pode- mos prever, sem dificuldades, que a reposta de pressdo a barra sera provavel caso 0 animal esteja privado de alimento, Entretanto, essa mesma resposta perten- ce a uma outra contingéncia: Punigdo positiva: cs’ barra (aversivo) pressionar a barra choque 'Estimulo aversivo condicionado De acordo com essa contingéncia, a resposta de pressao a barra se torna pouco provavel. Temos, portanto, uma resposta que pertence a duas contingéncias, uma que aumenta a sua probabilidade de ocorréncia ¢ outra que a diminui, Essas contingéncias conflitantes alterarao a probabilidade da resposta de pres- sao a barra; entretanto, podem fazer com que a resposta de contracontrole seja emitida As repostas emocionais na presenga do choque Obviamente, o choque seré um estimulo incondicionado (US) que eliciaré uma série de repostas fisiolégicas incondicionadas (UR), como contragbes musculares, palpitagées ¢ taquicardia. © ponto interessante desse comportamento reflexo para a anilise é o de que ocorrerd o condicionamento de um novo reflexo pelo emparelhamento de um estimulo neutro a esse reflexo incondicionado. US nd UR choque elicia contragao muscular, saguicardia, palpitagies As respostas emocionais na presenga da barra pressionada Como o estar pressionado a barra precede a apresentacao do choque, observare- mos 0 condicionamento de um novo reflexo, Estar com a pata na barra é um estimulo neutro (NS), 0 qual seré emparethado ao choque, que é um estimulo incondicionado. Apés alguns emparelhamentos, isto é, 0 animal insistir em pres- sionar a barra tomando choque, estar com a pata na barra passard também a éliciar respostas fisiolégicas semelhantes as observadas na presenga do choque. Nesse caso, serao chamadas de respostas condicionadas (CR), que serao cliciadas por estar com a pata na barra, que é um estimulo condicionado (CS). A despeito de toda a discussao conceitual envolvida, tradicionalmente em psicologia, deno- mina-se essas repostas condicionadas de respostas de ansiedade. NS estar pressionando barra choque elicia CR (1 ordem inferior) tenga e admiragdo alicia respostas emocionais de dos amigos satisfagdo, alegria et. CS (ordem superior) > CR (ordem superior) observagao de far eticia resposta emocionas de com mulheres satisfagao, alegria, etc, s secs CR reeeptividade abservagdo de respostas emocionais de de outras 2 ficar com mulheres } satisfagéo, alegria, etc. mutheres - E provavel que, nesse esquema, a situacao de flerte e a receptividade de outras mulheres também adquiram fungao eliciadora das respostas emocionais de satisfa- 40. Em outras palavras, Marcos se comportard de forma a entrar em contato com situagées de flerte. Alguns homens e mulheres figis se comportam dessa maneira, interagindo com outras pessoas para que as situagdes de flerte ocorram, mesmo que a resposta de infidelidade nao se concretize. O comportamento dessas pessoas pode estar sendo reforcado pelos efeitos respondentes que as situagées eliciam. Nao € necessario dizer que Marcos nao conta para sua namorada as suas respostas de infidelidade, senao seria, certamente, punido. Sendo assim, as res- postas de infidelidade participam também de contingéncias aversivas: sP* respostas de briga com Paula ‘infidelidade ‘magoar Pata sP termino por parte de Paula Outra vez, nos deparamos com contingéncias conflitantes: ao mesmo tempo em que as respostas de infidelidade produzem reforcadores, também geram pu- hidores positivos e negativos. Mais uma vez, estamos diante da situacdo ideal para a ocorréncia de repostas de contracontrole, como mentir, apagar chamadas € mensagens do celular, ir para lugares discretos com as outras mulheres, etc Ao respostas de contracontrole séo negativamente reforgadas por evitar que as respostas de infidelidade produzam as conseqiiéncias punitivas. De forma similar ao ratinho que deita de costas no chao da caixa de Skinner, Marcos emite uma série de repostas de contracontrole de forma a evitar que Paula descubra a sua infidelidade. Como essas respostas evitam a punigéo das respostas de infidelidade, é provavel que Marcos continue emitindo as respostas de infidelidade, uma vez que as contingéncias de reforco que mantém esse com- portamento ainda estéo em vigor. ‘Marcos, nas sess6es de terapia, apresenta um comportamento muito interes- sante. Ele comeca a chorar quando confrontado, até que a terapeuta mude de assunto. O choro parece, em sua topografia, com comportamento respondente, que, nesse caso, seria eliciado pelos temas que estariam discutindo no momento da terapia. Entretanto, nesse caso, seria mais apropriado tratar esse choro como um comportamento operante. Isto €, 0 choro de Marcos é controlado pelas suas conseqiténcias, e nao apenas cliciado pelos estimulos antecedentes. De fato, os temas discutidos na terapia eliciam respostas emocionais, mas as conseqiiéncias reforcadoras negativas da mudanca de assunto por parte do terapeuta também. determinam a ocorréncia da resposta de chorar. choro de Marcos, portanto, é uma resposta multicontrolada, como as outras discutidas até aqui, tendo sua probabilidade de ocorréncia determinada por aspectos operantes ¢ respondentes. Sem diivida, se a terapeuta continuar a mudar de assunto toda vez que Marcos chorar, esse comportamento de fuga ira se manter, Uma alterna tiva Util seria o uso do reforcamento diferencial, que consistiria em insistir no assunto ‘mesmo com Marcos chorando (extingéo), e mudar de assunto quando Marcos pedir diretamente (reforco negativo). Essa postura da terapeuta também fard com que a confrontagao perca sua funcao eliciadora (caso haja) por um processo de extingao respondente. Ao ser obrigado a se deparar com o estimulo que elicia as respostas emocionais, como 0 choro, 0 estimulo perderd sua fungao eliciadora condicionada Diante desse panorama relativamente complexo, tentamos descrever as varid veis controladoras dos comportamentos mais relevantes apresentados por Marcos. E evidente que 0 caso traz outros comportamentos que também poderiam ser abordados, como as suas respostas de racionalizagao, por exemplo. Mas 0s com- portamentos escolhidos foram éteis para se demonstrar a aplicabilidade dos prin- cipios comportamentais. Para tanto, foi necessdrio utilizar varios conceitos estu- dados, como reforgo, punigao, estimulos discriminativos, estimulos condiciona- dos, respostas condicionadas, condicionamento de ordem superior, extingao ope- rante ¢ respondente, entre outros. Skinner jé dizia “infelizmente [para 0 psicélo- g0] 0 comportamento é complexo”. Ou seja, para explicar, predizer e controlar 0 comportamento, temos de langar mao de todo conhecimento acumulado e sermos capazes de aplicd-lo as situagoes cotidianas, como foi 0 caso de Marcos. Uma dltima nota Neste capitulo, apresentamos algumas nogées acerca da anélise funcional do comportamento e para que ela serve. Foram dados dois exemplos para ilustrar como se procede a andlise: um exemplo de laboratério ¢ um exemplo clinico, Defendemos que a andlise funcional é um instrumento essencial para se estu- dar o comportamento, com fins de producéo de conhecimento e fins tecnolégicos. Uma vez que se identificam ¢ descrevem as varidveis determinantes do comporta- mento, podemos, enfim, compreendé-lo, predizé-lo ¢ controlé-lo. Para finalizar este capitulo, gostarfamos de fazer uma ressalva (mais uma) so- bre os termos predizer ¢ controlar comportamento e determinantes do comportamento. Predizer 0 comportamento Quando falamos em predigéo do comportamento, referimo-nos apenas ao ato de conhecer um pouco melhor do que j4 conhecemos sobre ent que circunstincias as pessoas fazem 0 que fazem, pensam o que pensam ou sentem o que sentem, Quando voce, por exemplo, fica receoso em dizer algo a alguém por temer a reagao de pessoa, esté {azendo predigao do comportamento; quando voce sabe que uma determinada pessoa ficaré “embaragada” se tocar em determinado as- sunto, esta fazendo predicao do comportamento; sempre que vocé “arrisca um palpite” sobre o que alguém iré fazer/pensar/sentir em determinada situacéo, esta fazendo predicao de comportamento. Nesse sentido, 0 que a Analise do Comportamento, como ciéncia do comportamento, tenta fazer, é buscar novos conhecimentos ¢ novas técnicas que melhorem nossas predigdes de comporta- mento, ou seja, que passemos a entender melhor sob quais circunstancias as pessoas fazem, ou pensam, ou sentem aquilo que fazem, ou pensam, ou sentem, Controlar o comportamento O leigo, freqiientemente, ao ouvir a expresso controlar comportamento, associa-a a obrigar alguém a fazer algo. A forma como usamos o termo controle em Anilise do Comportamento é muito mais ampla do que a forma como o leigo a usa. Quando falamos em controlar comportamento, o que se quer dizer é dispor as condigées necessérias ¢ suficientes para que o comportamento se torne provavel de ocorrer. Oterapeuta, ao fazer perguntas ao seu cliente, esta controlado.o comportamento dele. O cliente, ao responder aos questionamentos do terapeuta, est controlan- do 0 comportamento do terapeuta. Quando dizemos a alguém 0 quanto vai ser divertido ir a, por exemplo, um espetaculo, estamos tentando controlar seu com- portamento (0 comportamento de ir ao espetéculo). Quando, no laboratério, apresentamos gua ao rato quando ele pressiona a barra, estamos controlando seu comportamento. Quando o rato pressiona a barra novamente apés termos dado agua a cle, esta controlando nosso comportamento. Quando dizemos “preste atengao no que estou dizendo”, estamos controlando comportamento. Quando fazemos pedidos ou quando atendemos aos pedidos que nos fazem, estamos controlando comportamento. A mie, ao atender as birras do filho, esta controlando 0 comportamento dele, ou seja, estd tornando mais provavel a sua ocorréncia no futuro. No contraponto, quando a birra do filho cessa ao ter seu pedido atendido, 0 filho esta controlando © comportamento da mae de atendé-lo, ou seja, esté tornado mais provavel que a mae emita esse comportamento no futuro, pois foi reforgado negativamente por cessar a birra Sendo assim, controlar comportamento, nao tem nenhum sentido pejora- tivo e nao se refere apenas a coercao. Determinantes do comportamento Skinner, assim como Freud, acreditava que 0 comportamento nao ocorre por acaso, ou seja, ambos acreditavam que existem fatores que determinam se um comportamento iré ou nao ocorrer. A diferenga é que Freud mencionava um determinismo psiquico e Skinner mencionava um determinismo ambiental. ce ‘Aandlise tancional: apicagio dos conceitos Quando falamos em determinantes do comportamento, referimo-nos ao que leva as pessoas a emitirem certos comportamentos. E verdade que a Andlise do Comportamento estuda somente 0 comportamen- to? Sim, é verdade, s6 que, para cla, pensamente, sentimento, emocao, raciocinio, criatividade, meméria e tudo mais que é estudado na psicologia é comportamento. Portanto, em Andlise do Comportamento, estuda-se tudo que se estuda em qual- quer Area da psicologia — nada que diz respeito a compreensao global do ser humano € deixado de fora. Bibliografia consultada e sugestées de leitura Medeiros, C.A. ¢ Rocha, G.M. (2004). Racionalizagao: um breve didlogo entre a psicand- lise e a andlise do comportamento. In: Brandao, M.E.S. (org.). Sobre o comportamento cognigdo. v. 13, p. 27-38. Santa André: ESETEC Rachlin, H. (1974). Self control, Behaviorism, 2, 94-107. Sidman, M. (1995). Coergdo ¢ sizas Implicagées. Tradugio de Maria Amélia Andery ¢ Tereza ‘Maria Sério. Campinas: Editorial Psy.

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