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OBS: Modelo retirado do site do Ministério Público de Pernambuco, com adaptações


do Ministério Público do Amapá.

Processo n. XXX
Adoção nacional cumulada com decretação de perda de poder familiar
Requerentes: AAA e BBB
Criança: CCC

PARECER

Como as pessoas, os valores, que são idéias, nascem,


padecem sorte vária e morrem. Sua raiz é modesta e
comum. As necessidades elementares da vida individual,
projetando-se na vida coletiva, se sublimam em normas.
Estas, desfeita a placenta que as nutre, se apresentam
como valores autônomos, eternos, universais. Em torno
deles se constroem as ideologias, proliferam outros
valores, forma-se o tecido das ilusões caras à existência.
As instituições vicejam à sua sombra e a conduta se
organiza segundo a sua diretriz (Antônio Cândido de
Mello e Souza).

A adoção não pode estar condicionada à preferência


sexual ou à realidade familiar do adotante, sob pena de
infringir-se o mais sagrado cânone do respeito à
dignidade humana, que se sintetiza no princípio da
igualdade e na vedação de tratamento discriminatório
de qualquer ordem... São preconceituosos os escrúpulos
existentes. Por isso, urge revolver princípios, rever
valores e abrir espaços para novas discussões. É chegada
a hora de acabar com a injustificável resistência a que
indivíduos ou casais homossexuais acalentem o sonho de
ter filhos. (Maria Berenice Dias).

Relatório:

A presente ação foi inicialmente proposta perante a 00ª Vara da Infância e da


Juventude, da comarca de XXXXX por AAA, residente nesta Comarca, qualificado à fl.

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XX, na qual pedia a guarda da criança CCC, nascida no dia 00/00/20XX (certidão de
registro civil de nascimento à fl. 00), filho de DDD, residente na Comarca do YYY,
nascida no dia 00/00/00, que, sendo adolescente na ocasião, se fazia representar pelos
seus genitores. Na declaração de fl. 00, com data de 00/00/00, consta:

“não se opõem em conceder a guarda do menor CCC; - omissis – bem


como conceder a visita do menor em apreço ao mesmo ..., antes
mesmo do ajuizamento da competente ação. Declaramos, ainda, que
não possuímos condições materiais para manter o menor CCC, visto
que nos encontramos em dificuldades financeiras ... Omissis”.

Dentre a documentação acostada encontram-se fotografias da genitora ainda


grávida, bem como do requerente com a criança, ao que tudo indica, pouco após o seu
nascimento (fls. 00/00).

Em fevereiro de 20XX o requerente pede a transformação da ação de guarda para


adoção (fl. 00), sendo o pleito deferido e remetido à 00ª. VIJ da Comarca de XXXXX.

A guarda provisória é concedida (fl. 00), prosseguindo-se com o estudo psicológico


que vem também assinado por estagiária de Serviço Social, a partir de entrevistas e
visitas domiciliares (relatório assinado em julho de 20XX), com a escuta do requerente e
do seu companheiro, além da genitora:

A Sra. DDD a informou que sua motivação para entregar o filho


decorreu do fato ..., omissis. Foi quando a Sra. FULANA - ... - disse-
lhe que um casal de amigos concordava em lhe dar abrigo até que a
criança nascesse. Conforme os relatos da genitora, ela aceitou a
proposta vindo a conhecer o Sr. AAA e seu companheiro nesta
ocasião. Acrescentou que lhe trataram muito bem, lhe dando todo o
apoio material e afetivo até a hora em que seu filho nasceu. Omissis.
Ela disse que sabe das implicações do processo de adoção e concorda
com todas elas. Omissis.

O requerente revelou que seu desejo de adotar surgiu desde ...,


omissis. No início de 20XX, o requerente conheceu seu companheiro –
Sr. BBB – depois começaram a ter uma vida em comum e decidiram
adotar uma criança. Omissis.

Durante a conversa ele nos disse que era desejo dele e do requerente
ter um filho. Os dois decidiram juntos o momento de realizar a

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adoção. Além disso, acrescentou que o Sr. AAA deu entrada no
processo de adoção sozinho se deu pelo fato de casais homossexuais
não poderem dar entrada em conjunto. Omissis.... (fls. 00/00)

Em conclusão:

Omissis. Observamos que o ambiente familiar oferecido pelo


requerente a criança é adequado e saudável ao seu pleno
desenvolvimento físico e emocional. Omissis... nos posicionamos
favoravelmente.

Formalizando a sua intenção manifesta por ocasião do estudo psicológico, BBB


adita o pedido visando figurar no pólo ativo da demanda (fls. 00/00). Independente de
despacho da autoridade judiciária, a petição e seus anexos seguem com vista ao
Ministério Público, tendo esta subscritora, em setembro de 2006, exarado parecer em
contrário, pelos argumentos que se seguem:

Não se discute aqui convicções pessoais, mas o limite de ação do


aplicador da lei, e este não pode superar o legislativo por razões
evidentes, dentre elas o fato de que não lhe foi conferido poderes
para tanto no Estado Democrático de Direito em que vivemos (fls.
00/00).

O feito prossegue com a citação da genitora que já alcançara a maioridade (fl. 00),
complemento ao estudo psicológico, reiterando o parecer favorável à adoção pelo casal
(fl. 000), e audiência (fls. 000/000), ocasião em que, além da oitiva dos requerentes e
testemunhas, ouve-se a genitora, em cumprimento ao disposto no art. 166, parágrafo
único da Lei n. 8.069/90, Estatuto da Criança e do Adolescente, que anui ao pedido e
esclarece que, ao engravidar, ................... Com relação aos requerentes, afirma:

que o melhor para a criança é ser adotada por AAA e BBB... (fls.
000/000).

Publica-se edital de citação de “genitor desconhecido” da criança (fl. 000),


................., enquanto que EEE é citado pessoalmente (fl. 000), apresentando resposta
em forma de contestação (fls. 000/000), alegando, em apertada síntese, que manteve
um relacionamento amoroso com DDD durante ............, nascendo desta relação a
criança CCC que foi por ela entregue a terceiro sem o seu consentimento, por fim,

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reivindica a guarda do filho, tendo realizado denúncias na imprensa e interposto Ação de
Investigação de Paternidade que tramita na 00ª Vara Cível da Comarca de XXX.

Em resposta os requerentes afirmam que EEE rejeitou a criança ................., e


pugnam pelo deferimento do pleito tendo em vista o tempo de convivência com o
adotando e o contido no estudo “psicossocial” (sic, por considerarmos o estudo apenas
psicológico). Ao final pede a manutenção da guarda concedida, a não regulamentação do
pedido de visita formulado, e a apresentação dos antecedentes criminais do contestante.
Omissis.

A excelentíssima Promotora de Justiça que subscreve o parecer de fl. 000 opina


contrariamente à visitação requerida pelo contestante, pede diligências para a
localização de YYY, e realização de exame de DNA para comprovação da alegada
paternidade (fls. 000/0000).

Uma segunda audiência ocorre no dia 00/00/20XX ocasião em que são ouvidas a
genitora e a avó materna, o ainda suposto genitor, suposta avó paterna, e testemunhas. A
primeira reitera a sua anuência ao pedido e a versão TAL, versão que é corroborada pela
avó materna que acrescenta que a avó paterna também rejeitou o neto. Enquanto EEE
assevera que DDD não lhe falou da gravidez, tendo o relacionamento chegado ao fim pelo
.................... . Após forte desavença com ..................... , DDD “sumiu da
vizinhança”, somente tendo notícias da mesma após o nascimento de CCC e, diante da
notícia dada pela avó materna de que “a criança já tinha sido dada e estava fora do
país”, acionou os órgãos de imprensa.

EEE reitera o desejo de receber o filho, diz trabalhar em ..................., não


possuir uma companheira. A avó paterna e testemunhas corroboram com a versão de EEE
e a última manifesta o desejo de ficar com o neto, afirmando que tal intenção já havia
sido comunicada à família materna desde a gravidez de DDD (fl. 000).

Em petição que vem com o timbre da campanha “Seja um pai legal” EEE junta
perícia comprobatória da paternidade genética (fls. 000/000), e, posteriormente,
certidão negativa de antecedentes (fls. 000/000). Os requerentes insistem na não

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concessão do direito de visita (fl. 000), juntam escritura pública declaratória de união
homoafetiva (fls. 000/000) e declaração de matrícula da criança em estabelecimento
educacional (fl. 000). Novo estudo psicológico é realizado, com o parecer que se segue,
datado de 00/00/20XX:

Omissis. (fls. 000/000).

Sem que venha acompanhado por petição é feita a juntada de antecedentes de


pessoa homônima do genitor, tendo em vista que diverge a filiação (fl. 000). Vindo os
autos com vista a esta subscritora, em junho de 20XX, manifestamo-nos como se segue:

7) Entendo que é necessário equilíbrio na apreciação do caso. O


preconceito que atinge os homossexuais pode levar a que, na busca
da defesa destes, se venha a perder o equilíbrio necessário à
apreciação da causa, sobretudo em desfavor da criança, o que
afronta um dos pressupostos processuais que é o da imparcialidade.
Ademais, parece causar um certo incômodo o fato de que, em tantos
estados de Brasil, já foi concedida adoção para casal homoafetivo e
Macapá ainda não deu a “sua contribuição” para os avanços
necessários à aceitação das novas formas de configuração familiar.
Tramita nesta mesma Vara uma ação de adoção proposta por casal
heterossexual, que a genitora contesta (genitora esta afastada da
criança há vários anos). Todavia, não apenas o parecer técnico é
favorável à visitação da mãe como tal visitação já foi autorizada
judicialmente. 8) Esta iniciativa (direito de visita) possibilita que se
aprecie o compromisso da família biológica para com a criança e os
sentimentos desta última para com a família que, em tese, não
oferece causa para que venha a perder o poder familiar (onmissis),
ao contrário, Sr. EEE com dificuldade parece lutar pelo filho. Não é
demais lembrar que há correntes que defendem uma concepção
ampliada de família de forma a comportar, mesmo quando deferida a
adoção, a história biológica anterior, corrente esta conhecida como
“adoção aberta”. Será que, na presente ação, não se estaria
praticando um preconceito às avessas? 9) Observo que esta
Promotoria de Justiça, questionando os limites ao poder normativo
do juiz, notadamente quando o legislativo assinalava de forma
contrária à adoção por casal homoafetivo, posicionou-se, de início,
de forma contrária a que o pedido fosse apresentado em conjunto
(proposta esta surgida posteriormente à primeira entrevista
psicológica). (fls. 000/000).

Seguem-se as alegações derradeiras dos adotantes (fls. 000/000), genitor


(fls. 000/000), manifestação do curador que pugna pelo “uso de muito bom senso” e

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deferimento do direito de visita (fls. 000/000), enquanto que o excelentíssimo Promotor
de Justiça reitera o pedido de mais um estudo em conjunto (fl. 000). Este é apresentado
às fls. 000/000, subscrito tão somente por psicólogas, e destaca o uso excessivo de
bebida alcoólica por parte da família paterna do genitor de CCC, a forte influência da avó
paterna, o sentimento de exclusivismo inviabiliza uma adoção aberta, e que a criança
encontra-se bem cuidada e há longo período na companhia dos guardiões. Em
00/00/20XX realiza-se audiência de tentativa de conciliação, sem sucesso (fl. 000).

Parecer:

Concluído o relatório acima, iniciamos as considerações acerca dos aspectos


jurídicos. De logo analisamos a questão atinente à competência territorial. Estabelece o
Estatuto acerca desta competência relativa:

Art. 147. A competência será determinada:


I – pelo domicílio dos pais ou responsável;
II – pelo lugar onde se encontre a criança ou adolescente, à
falta dos pais ou responsável.

A ação foi distribuída no dia 00/00/20XX, quase seis meses após o nascimento do
infante. A genitora é domiciliada na Comarca do YYY (a princípio a criança era registrada
apenas com o nome desta), Comarca onde tramitou a Ação de Investigação de
Paternidade proposta pelo genitor no dia 00/00/20XX (processo n. 000), enquanto que
os requerentes, detentores da guarda de CCC, são domiciliados em .......................,
assim, é competente este juízo. Acerca da matéria permito-me transcrever entendimento
jurisprudencial vazado como se segue:

CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA. ADOÇÃO. DOMICÍLIO DE QUEM


DETÉM A GUARDA. INTERESSE DO MENOR. ART. 147,I, DO ECA.
Em se tratando de processo submetido às regras protetivas do
Estatuto da Criança e do Adolescente, a exegese da norma deve ser
feita com avaliação do caso concreto, sempre visando ao critério que
melhor atenda ao interesse dos tutelados.
Na espécie, mostra-se aconselhável que o pedido de adoção seja
processado no domicílio de quem detém a guarda do menor, seus

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responsáveis (art. 147, I, do ECA), o que atende aos interesses da
criança.
Conflito conhecido, para declarar competente o juízo suscitado, qual
seja, o da Vara da Infância e da Juventude de São José dos Campos –
SP. (STJ, CC 86197/MG, S2 – Segunda Seção. Rel. Min. Sidnei Beneti.
Data do julgamento: 27/02/2008).

O conflito entre as partes decorrente do presente caso não é atípico em ações


desta natureza nas quais a criança não se encontra apta à adoção, o que poderia
acarretar (como ocorreu) irresignação do genitor ou até mesmo (o que não aconteceu)
arrependimento por parte da genitora, situação que, em tese, não aconteceria se a
adoção se desse através de cadastro, na qual a criança já se encontra disponível
juridicamente para uma adoção tendo em vista que os seus genitores perderam o poder
familiar ou este poder está extinto (como ocorre no caso dos órfãos). Entretanto, a
legislação admite a possibilidade da adoção intuito personae (art. 45, § 1.o.), devendo
esta possibilidade ser restrita a partir da vigência da Lei nº. 12.010/2009 (art. 50, § 13),
matéria passível de questionamentos aos quais não me dedicarei tendo em vista que a
presente ação foi proposta em data anterior a esta Lei.

No que concerne aos estudos técnicos realizados, destacamos que, mais uma vez e
injustificadamente, se apresentam apenas como estudos psicológicos, sendo
recomendável, como tem pugnado esta subscritora em caso anterior, que deles
participem profissional de Serviço Social, os quais integram as equipes desta 00ª VIJ, é
neste sentido que dispõe o Estatuto ao tratar dos procedimentos a serem seguidos quando
da colocação em família substituta estabelece que:

Art. 167 – A autoridade judiciária, de ofício ou a requerimento


das partes ou do Ministério Público, determinará a realização
de estudo social ou, se possível, perícia por equipe
interprofissional, decidindo sobre a concessão de guarda
provisória, bem como, no caso de adoção, sobre o estágio de
convivência.

Art. 168 – Apresentado o relatório social ou o laudo pericial, e


ouvida, sempre que possível, a criança ou o adolescente, dar-
se-á vista dos autos ao Ministério Público, pelo prazo de cinco
dias, decidindo a autoridade judiciária em igual prazo.
(Grifei).

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No que concerne à possibilidade jurídica do pedido, qual seja, a resposta à


indagação: é possível a adoção por pessoas do mesmo sexo? Transcrevemos o nosso
parecer apresentado em ação anterior de natureza semelhante que tramitou nessa 00ª
VIJ (processo n. 000), que significa uma evolução do nosso entendimento de três anos
atrás acerca dos limites ao poder normativo do juiz em um Estado Democrático de Direito
(fls. 00/00):

tradicionalmente compreendida como uma das condições da ação


pela qual se verifica a existência ou não de vedação legal ao pedido
formulado. Diante da inegável polêmica que reveste o tema da
adoção por casal homossexual, defendemos que caberia algumas
considerações acerca do pedido em caráter preliminar, sem
antecipação do julgamento do mérito. Todavia, a omissão não
acarretou prejuízo aos envolvidos. Prosseguindo com a nossa análise
nos debruçamos com as considerações que se seguem.
A Constituição da República, CR/88 ao dispor acerca da adoção
estabelece:

“Art. 227 – É dever da família, da


sociedade e do Estado assegurar à criança e
ao adolescente, com absoluta prioridade, o
direito à vida, à saúde, à alimentação, à
educação, ao lazer, à profissionalização, à
cultura, à dignidade, ao respeito, à
liberdade e à convivência familiar e
comunitária, além de colocá-los a salvo de
toda forma de negligência, discriminação,
exploração, violência, crueldade e
opressão.
Omissis
§ 5.o. A adoção será assistida pelo Poder
Público, na forma da lei, que estabelecerá
casos e condições de sua efetivação por
parte de estrangeiros.
§ 6.o. Os filhos, havidos ou não da relação
do casamento, ou por adoção, terão os
mesmos direitos e qualificações, proibidas
quaisquer designações discriminatórias
relativas à filiação”.

Ou seja, o direito à convivência familiar é direito fundamental


– portanto erga omnes, universais, possuem eficácia imediata e
abrange um mínimo existencial – da criança e do adolescente; sendo
vedada qualquer discriminação entre as modalidades de filiação –

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seja genética ou não -; cabendo ao Poder Público a responsabilidade
de assistir a adoção.
O Estatuto da Criança e do Adolescente trata do tema nos seus
arts. 39 usque 52, estando os procedimentos disciplinados nos arts.
152 usque 170. Refere-se a “cônjuges ou concubinos" (arts. 41, § 1.o.
e 42, § 2.o.); “divorciados e judicialmente separados” (art. 42, §
4.o.), não restringindo o deferimento da adoção a formas específicas
de entidades familiares, mas estabelecendo como requisitos que: o
adotante deve ser maior de 21 anos (art. 42, caput); não ser
ascendente ou irmão do adotando (art. 42, § 1.o.); ser 16 anos mais
velho do que o adotando (art. 42, § 3.o.); em caso de tutor ou
curador é vedado a adoção enquanto não saldar o seu alcance ou der
conta da sua administração (art. 44).
Alguns destes requisitos foram alterados com a Lei n. 10.406,
de 10 de janeiro de 2002, conhecida como novo Código Civil, que
dispõe sobre adoção nos arts. 1.618 a 1.629 e estabelece as seguintes
exigências: a idade mínima do adotante é reduzida para 18 anos, a
ser cumprida por pelo menos um dos cônjuges ou companheiros (art.
1.618 e seu parágrafo único); mantém a diferença de idade entre
adotante e adotando em 16 anos (art. 1.619); veda a adoção por
tutor ou curador que não tenha dado conta de sua administração e
saldado o seu débito (art. 1.620).
Todos estes requisitos, seja do Estatuto seja do Código Civil,
foram atendidos pelos adotantes. Todavia, a Lei nº. 10.406/2002 não
prevê a possibilidade de adoção por casal homossexual (ou
homoafetivo):

“Art. 1.622 – Ninguém pode ser adotado


por duas pessoas, salvo se forem marido e
mulher, ou se viverem em união estável”.
(Grifei).

A união estável, por sua vez, é conceituada no artigo 1.723:

“É reconhecida como entidade familiar a


união estável entre o homem e a mulher,
configurada na convivência pública,
contínua e duradoura e estabelecida com o
objetivo de constituição de família”.
(Grifei).

A Constituição da República considera, para efeito de proteção


do Estado, a união estável entre o homem e a mulher como entidade
familiar (art. 226, § 3.o.), ao lado da família monoparental (§ 4.o.) e
daquela constituída a partir do casamento civil. Indaga-se, contudo,
se estas modalidades de entidades familiares são as únicas admitidas
pelo ordenamento jurídico brasileiro. Em sendo negativa a resposta,
a questão a ser enfrentada volta-se à restrição do Código Civil.

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Na perspectiva doutrinária é forte a posição que rejeita a
teoria da norma geral exclusiva. Destaco entre os estudiosos do tema
Paulo Lôbo1 que apresenta os seguintes argumentos:

“A ausência de lei que regulamente essas


uniões não é impedimento para a sua
existência, porque as normas do art. 226
são auto-aplicáveis, independentemente de
regulamentação. Por outro lado,
entendemos que não há necessidade de
equipará-las à união estável, que é
entidade familiar completamente distinta.
As uniões homossexuais são
constitucionalmente protegidas enquanto
tais, com sua natureza própria”.

A união homossexual constitui-se entidade familiar desde que


apresente como características: afetividade, estabilidade e
ostensibilidade, também é o que nos ensina Paulo Lôbo 2. Do que dos
autos constam estes elementos característicos em relação a
REQUERENTE I E REQUERENTE II estão presentes.
Agasalhando, como ora o fazemos, a posição segundo a qual a
norma contida no art. 226 da Constituição da República é uma norma
de inclusão, passemos à análise dos dispositivos do Código Civil. É
cediço que as normas podem se constituir de regras e de princípios,
enquanto que os primeiros exigem, permitem ou proíbem algo de
forma definitiva, os princípios são mandados de otimização de um
direito ou bem jurídico3. A vida real é complexa e dinâmica, não há
como o Direito prevê todos os fatos e situações, em resposta à
natural incompletude do desenho normativo tradicional busca-se na
Constituição e nos seus princípios os valores fundantes da sociedade.
É a alternativa que ora utilizamos em resposta aos dispositivos do
Código Civil supramencionados.
Para considerar a viabilidade jurídica do pedido recorremos
primeiramente ao princípio da dignidade da pessoa humana (art.
1.o., III da CR/88), pelo qual todos devemos não apenas reconhecer e
proteger a dignidade existente – uma vez que é dado natural e
cultural, inerente e irrenunciável de todo o ser humano - como
promovê-la, criando as condições para que as necessidades
existências básicas do indivíduo se realizem, o que só será possível a
partir de um modelo inclusivo.
Tendo em vista que a família enquanto um valor deve ser
considerado – a par das suas funções sociais– pela sua contribuição
para a felicidade, promoção e realização pessoal dos seus

1
LÔBO, Paulo. Famílias. São Paulo: Saraiva, 2008, p.68.
2
LÔBO, Paulo. Entidades familiares constitucionalizadas: para além do numerus calusus. Revista Brasileira de Direito
de Família, n. 12, 2002.
3
CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e teoria da constituição. 3. Ed. Coimbra: Almedina,
1999, p. 1177-1178.

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integrantes4, a consideração deste princípio ganha relevo na
apreciação do presente pedido. È a família baseada no afeto, na
compreensão, no cuidado e na solidariedade que se deve promover.
Acerca da solidariedade, vista neste parecer não mais como
um sentimento ou fato social, mas como princípio constitucional (art.
3.o., I e III da CR/88), recorremos a Maria Celina Bodin de Moraes 5
que o inclui – juntamente com o da igualdade, liberdade e
integridade física e moral – dentre os princípios que fornecem o
substrato material da dignidade da pessoa humana. Baseamo-nos,
portanto, nestes princípios, na defesa de uma sociedade solidária,
promotora do bem de todos, sem preconceitos ou discriminação de
qualquer ordem, inclusive a sexual, que tenha a todos como iguais
perante a lei, sendo inviolável este direito (art. 5.o. da CR/88). A
igualdade não deve se dar apenas na consideração de todos como
iguais, mas na construção de uma cultura de iguais que passa pelos
Poderes Públicos, pela sociedade e nela se inclui em especial a escola
que, segundo os autos, mostra-se preparada e disposta a promover
este direito que é de REQUERENTE I e II e CRIANÇA I e II, pois estas
são também sujeito de direitos e prioridade absoluta (art. 227 da
CR/88).

Poder-se-ia questionar a utilidade dos argumentos acima que se voltam na defesa


do reconhecimento da união homossexual (ou homoafetiva) como entidade familiar e não
em prol da adoção, mas afinal o que se deseja não é dar à criança uma família (aí se
inclui a monoparental, mas carece de sentido deferir a adoção apenas para um dos
requerentes quando ambos constituem uma família e deverão, nesta condição, conviver
com o adotando)? Logo, não vemos como dissociar tais argumentos da análise do pedido
em apreço. A inovação a ser introduzida diz respeito à Lei n. 12.010, de 03 de agosto de
2009 que, não acolhendo o Substitutivo (SBT – 1) o qual expressamente admitia a adoção
por casal homoafetivo desde que “haja comprovação de estabilidade da convivência”,
dispõe sobre a matéria nestes termos:

Art. 42, § 2.o. – Para adoção conjunta, é indispensável que os


adotantes sejam casados civilmente ou mantenham união estável,
comprovada a estabilidade da família.

4
QUEIROZ, Laíse Tarcila Rosa. A garantia do direito à convivência familiar através da adoção internacional: em
defesa do mito de Réia no combate a Cronos, devorador da infância. 2007. 237f. Dissertação (Mestrado em Direito) –
Programa de Pós-Graduação em Direito, Centro de Ciências Jurídicas/FDR, Universidade Federal de Pernambuco, 2007,
p.49.
5
MORAES, Maria Celina Bodin de. O conceito de dignidade humana: substrato axiológico e conteúdo normativo. In:
SARLET, Ingo Wolfgang (Org.). Constituição, direitos fundamentais e direito privado. Porto Alegre: Livraria do
Advogado, 2006, p. 105-147.

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Muito embora não haja a dualidade de sexos a que se refere o art. 1.723 do CC não
se pode negar reconhecimento aos adotantes enquanto uma família, ante a regra de
hermenêutica jurídica contida no art. 5.o. da LICC, tendo em vista que restou
comprovada a ocorrência dos requisitos para tanto, qual seja: afetividade, estabilidade e
ostensibilidade. Ademais o caput do artigo não limita o sexo do adotante: “Podem adotar
os maiores de 18 (dezoito) anos, independente do estado civil”, portanto a interpretação
deve se dar da forma mais harmônica com os princípios fundamentais da nossa sociedade
e contidos na Constituição, conforme já referidos, ou como por nós argumentado na ação
já mencionada:

Esta moldura dever ter a fluidez necessária para acompanhar a


evolução social em um Estado laico que fez esta escolha como
modelo civilizatório. A complexidade do mundo real exige uma
dinâmica que se opõe a um determinismo de sentido absoluto em
nome de uma suposta e ilusória “segurança jurídica”.

O STJ, apreciando a questão da união homoafetiva na perspectiva do direito de


família, no caso em que um casal formado por um brasileiro e um canadense busca o
reconhecimento da união estável para fins de obtenção de visto permanente no Brasil
para este último, assim decidiu:

PROCESSO CIVIL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE UNIÃO HOMOAFETIVA.


PRINCÍPIO DA IDENTIDADE FÍSICA DO JUIZ. OFENSA NÃO
CARACTERIZADA AO ARTIGO 132, DO CPC. POSSIBILIDADE JURÍDICA DO
PEDIDO. ARTIGOS 1.O. DA LEI 9.278/96 E 1.723 E 1.724 DO CÓDIGO
CIVIL. ALEGAÇÃO DE LACUNA LEGISLATIVA. POSSIBILIDADE DE
EMPREGO DA ANALOGIA COMO MÉTODO INTEGRATIVO.
1. Não há ofensa ao princípio da identidade física do juiz, se a
magistrada que presidiu a colheita antecipada das provas estava em
gozo de férias, quando da prolação da sentença, máxime porque
diferentes os pedidos contidos nas ações principal e cautelar.
2. O entendimento assente nesta Corte, quanto a possibilidade jurídica
do pedido, corresponde a inexistência de vedação explícita no
ordenamento jurídico para o ajuizamento da demanda proposta.
3. A despeito da controvérsia em relação à matéria de fundo, o fato é
que, para a hipótese em apreço, onde se pretende a declaração de
união homoafetiva, não existe vedação legal para o prosseguimento
do feito.
4. Os dispositivos legais limitam-se a estabelecer a possibilidade de
união estável entre homem e mulher, dês que preencham as
condições impostas pela lei, quais sejam, convivência pública,

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duradoura e contínua, sem, contudo, proibir a união entre dois
homens e duas mulheres. Poderia o legislador, caso desejasse,
utilizar expressão restritiva, de modo a impedir que a união entre
pessoas de idêntico sexo ficasse definitivamente excluída da
abrangência legal. Contudo, assim não procedeu.
5. É possível, portanto, que o magistrado de primeiro grau entenda
existir lacuna legislativa, uma vez que a matéria, conquanto derive
de situação fática conhecida de todos, ainda não foi expressamente
regulada.
6. Ao julgador é vedado eximir-se de prestar jurisdição sob o argumento
de ausência de previsão legal. Admite-se, se for o caso, a integração
mediante o uso da analogia, a fim de alcançar casos não
expressamente contemplados, mas cuja essência coincida com outros
tratados pelo legislador.
7. Recurso especial conhecido e provido”. (REsp 820475/RJ. Rel. Min.
Antônio de Pádua Ribeiro. Rel. p/ Acórdão Min. Luis Felipe Salomão.
Órgão Julgador: T4 - Quarta Turma. Data do Julgamento:
02/09/2008). (Grifamos).

Não menos brilhante é a decisão do TJRS, em sessão presidida pela


Desembargadora Maria Berenice Dias, vanguarda na luta pelo reconhecimento e respeito
aos direitos das pessoas homossexuais:

APELAÇÃO CÍVEL. ADOÇÃO. CASAL FORMADO POR DUAS PESSOAS DO


MESMO SEXO. POSSIBILIDADE. Reconhecida como entidade familiar,
merecedora da proteção estatal, a união formada por pessoas do
mesmo sexo, com características de duração, publicidade,
continuidade e intenção de constituir família, decorrência
inafastável é a possibilidade de que seus componentes possam
adotar. Os estudos especializados não apontam qualquer
inconveniente em que crianças sejam adotadas por casais
homossexuais, mais importando a qualidade do vínculo e do afeto
que permeia o meio familiar em que serão inseridas e que as liga aos
seus cuidadores. É hora de abandonar de vez preconceitos e atitudes
hipócritas desprovidas de base científica, adotando-se uma postura
de firme defesa da absoluta prioridade que constitucionalmente é
assegurada aos direitos das crianças e dos adolescentes (art. 227 da
Constituição Federal). Caso em que o laudo especializado comprova o
saudável vínculo existente entre as crianças e as adotantes.
NEGARAM PROVIMENTO. UNÂNIME. (Apelação Cível n. 70013801592,
Sétima Câmara Cível, Rel Des. Luiz Felipe Brasil Santos, Presidente
Desa. Maria Berenice Dias).

Entendimento em contrário - ou seja, excluir a pretensão dos adotantes tão


somente por serem eles homossexuais e nesta condição viverem em família - não se

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mostra possível, ignorar a realidade social não pode se constituir uma alternativa ao
Estado, a ele cabe, como por nós enfatizado no parecer já referido:

uma apreciação amparada em uma racionalidade que


possibilite o olhar para o presente e o futuro de um mundo
plural que se transforma e reclama uma nova postura do
Direito, Direito este que também se realiza e recria quando
aplicado ao caso concreto, apoiado na Constituição que exerce
o papel de centro reunificador.

Países como a Dinamarca, Alemanha, Islândia, Noruega, Reino Unido, Suécia,


Finlândia, Espanha, Principado de Andorra, e mais recentemente a Escócia e o Uruguai,
admitem a adoção por homossexuais. Lamentavelmente o legislador brasileiro não se
posicionou com clareza (em consulta ao site da Câmara dos Deputados utilizando como
argumento de pesquisa a palavra “homossexual” acessamos 41 itens de Projetos de Lei e
Outras Proposições, uma das mais antigas é o PL – 1151/1995 da Deputada Marta Suplicy
(PT/SP), que disciplina a união civil ente pessoas do mesmo sexo, apresentado no dia
26/10/1995 e que ainda não alcançou o seu desiderato. Outro, é o PL 3323/2008 de
autoria do Deputado Walter Brito Neto (PRB/PB) que propõe a expressa vedação da
adoção “por casal do mesmo sexo”), levando a que o Judiciário supra a omissão. Situação
no presente caso inevitável, mas que não é a ideal por infantilizar a “sociedade órfã”,
colocando o judiciário como o seu superego, segundo Ingeborg Maus 6:

Esta informalização básica do direito, a “dinamização da


proteção dos bens jurídicos”, sujeita cada vez mais setores
sociais à intervenção casuística de um Estado que, em nome da
administração das crises ou sua prevenção, coloca em questão
a autonomia do sujeito para garantir a autonomia dos sistemas
funcionais. Ao mesmo tempo em que a moralização da
jurisprudência serve também à funcionalização do direito, a
Justiça ganha um significado duplo. A nova Imago paterna
afirma de fato os princípios da “sociedade órfã”. Nesta
sociedade exige-se igualmente resguardo moral a fim de se
enfrentar pontos de vista morais autônomos oriundos dos
movimentos sociais de protesto. Os Parlamentos podem mais
facilmente desobrigar-se da pressão desses pontos de vista que
6
MAUS, Ingeborg. O judiciário como superego da sociedade – sobre o papel da atividade jurisprudencial na “sociedade
órfã”. In: Anuário dos Cursos de Pós-Graduação em Direito da UFPE. Recife, n. 11, p. 125-156, 2000. Acerca da
matéria é também oportuna a leitura do artigo de Jorge Luiz Ribeiro de Medeiros: Interpretar a Constituição não é
ativismo judicial (ou ADPF 132 e ADPF 178 buscam uma interpretação adequada aos direitos já existentes na
Constituição), publicado no site do IBDFAM.

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vêm “de baixo” na medida em que já internalizaram eles
próprios os parâmetros funcionalistas de controle jurisdicional
da constitucionalidade das leis. Mas mesmo quando a Justiça –
em todas as suas instâncias – decide questões morais polêmicas
por meio de pontos de vista morais, pratica assim a
“desqualificação” de base social. (p. 153-154)

O “novo” (na realidade, a relação homoafetiva data de priscas eras) “sempre


vem”, já disse o poeta, e se encontra não na nossa porta, mas na nossa casa, na nossa
realidade, e o preconceito será superado tal qual ocorreu com os filhos ilegítimos, os
adotivos e as mulheres desquitadas.

Admitido, portanto, a possibilidade jurídica do pedido, passemos à análise do


mérito da questão. A genitora anui ao pleito, de forma livre e espontânea, em juízo,
sendo devidamente esclarecida das consequências desta decisão nos termos do art. 166,
parágrafo único do Estatuto (vide ainda o art. 163, § 2º da Lei n. 12.010/2009). O genitor,
ao contrário, luta pelo filho, primeiro comprovando a paternidade e, em seguida,
reivindicando a sua guarda ou, ao menos, o direito de visita, pedido que sempre foi
indeferido, apesar do nosso parecer em contrário por entender que tal posicionamento
seria condenar previamente a que este viesse a perder o poder familiar pelo longo
período de afastamento da criança que leva, como é cediço, ao enfraquecimento dos
vínculos afetivos.

A pobreza não constitui causa para que um pai venha a perder o filho, como não o
é a fé que a família extensa professa ou o uso de bebida alcoólica por um avô ou um tio,
ou mesmo se uma família é predominantemente matriarcal, desde que tais circunstâncias
não ofereçam risco à criança. Se assim não o fosse, a exclusão daqueles que integram a
camada social desfavorecida seria ainda mais desumana, pois além de negar-lhes
melhores condições de vida lhes seriam negados direitos como a ter filhos (não apenas
gerá-los), constituir uma família, amar e por eles ser amado; ou por se exigir um padrão
único de comportamento, idéias e religiosidade que - bem sabemos - é impossível.
Ademais, em quantas famílias extensas se encontram usuários de bebida alcoólica,
independente da sua condição social, sem que se considere que esta situação autorize a
medida extrema de afastamento definitivo da criança da família? Tais situações seriam
tão desumanas quanto a escravidão foi um dia, aviltando a conquistada cidadania e os

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direitos dela decorrentes. Eis porque conclamamos a uma reflexão para que não se
praticasse um “preconceito às avessas”, pois, verdadeiramente, cremos que um dos mais
odiosos males da humanidade é o preconceito, e a consequente discriminação, em nome
do qual já se praticaram inauditas injustiças.

A despeito das considerações que ora fazemos, o certo é que o genitor não
recorreu da decisão interlocutória que lhe negou o direito de visita, como também não se
discute que o lapso temporal de convivência de CCC com o casal e o afastamento da
família biológica se deu de tal forma prolongado que esmaeceu os vínculos afetivos com
esta última e floresceu e consolidou-se com os primeiros, operando-se o que doutrina
denomina posse do estado de filiação. Neste contexto, resta a aplicação do princípio do
superior interesse da criança, previsto na Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos
da Criança de 1989 (art. 3.1), na Declaração dos Direitos da Criança de 1959 (Princípio 2),
constituindo-se este interesse superior uma “noção marco” (segundo Cecília Grosman)
que referencia a atuação dos Poderes, neste caso do Judiciário. Este primado encontra-se
insculpido no art. 227, caput da Constituição com a expressão “prioridade absoluta”, e é
reiterado na legislação infraconstitucional, da qual destacamos o art. 43 do Estatuto.

O voto do Ministro do STJ Ruy Rosado de Aguiar no Resp. nº. 196.404/6-SP


evidencia o sentimento das Cortes Superiores em relação à prevalência dos interesse da
criança e do adolescente:

Contudo, o caso tem uma particularidade. É que o indeferimento do


pedido de suspensão da guarda permitiu que a criança permanecesse
com o casal Hall desde 17 de dezembro de 1996, há mais de dois
anos, portanto, tendo sido nesse entretempo proferida a sentença de
adoção. Nada recomenda a mudança desse estado de coisas, com
profundos reflexos sobre a criança.
A função deste tribunal é a de fazer a interpretação da lei federal, e
aqui se põe uma boa oportunidade para definir o entendimento da
regra que está no art. 31 do ECA. Contudo, tal decisão – que tenho
seja a melhor do ponto de vista do ordenamento jurídico – implicaria
modificação da vida da criança de cuja adoção se trata, sem que para
isso exista outro argumento que não o de ordem meramente legal. É
bem possível que o precedente poderia servir para o julgamento de
outros casos, mas provavelmente acarretará ao menor V. um mal que
ele não fez por merecer.

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A oitiva da criança, em virtude da sua idade, foi dispensada (arts. 28, § 1.o., 45, §
2.o. e 168 do Estatuto). Os requerentes, do que foi apurado, podem oferecer ao adotando
condições para o seu bom desenvolvimento físico, emocional, psicológico e afetivo,
autorizando o deferimento do pedido de adoção formulado por AAA e BBB, em favor da
criança CCC, filho de EEE e DDD e, via de consequência, extinguindo-se o poder familiar
dos genitores em razão da adoção (art. 1.635, IV do CC, destacando-se a reconhecida
impropriedade legislativa do inciso V), que é consentida em relação à genitora
(lembrando que pela nova redação da Lei nº. 12010/09, art. 166, § 5.o. o consentimento
é retratável até data da publicação da sentença constitutiva da adoção) e cumulada com
a perda do poder familiar do genitor, que não anuiu ao pleito e, apesar dos seus esforços
iniciais, resultou por ver prejudicado o seu direito que pereceu diante do interesse maior
da criança que se encontra com o casal requerente há mais de três anos.

A situação é, de fato, anômala, tendo em vista que não restou provado que o
genitor tenha incorrido nas hipóteses sanções previstas no art. 1.638 do CC, se
considerada a inconstitucionalidade decorrente da supressão da expressão “injustificado”
contida no art. 24 do Estatuto quando da redação do inciso IV do art. 1.638 do CC,
fundamentando-se o nosso posicionamento com base no interesse superior da criança
como acima argumentado.

Quanto ao registro civil de nascimento, em respeito aos arts. 5º, caput e 227, §6º
da Constituição da República, opino no sentido de que seja aplicado, como habitual
nesta 00ª VIJ, o controle difuso de constitucionalidade da lei - pelo qual a autoridade
judiciária, no exercício da sua função jurisdicional de dizer o direito, negar-se-ia a
aplicar determinado dispositivo legal por este se chocar com a Constituição, provocando
um efeito inter partes, apenas no caso concreto – com relação ao art. 10, III do CC,
adotando-se o procedimento previsto no art. 47, § 2.o. do Estatuto, lançando-se o nome
dos requerentes como pais, conferindo-se ao adotando o nome de família destes
(cabendo aos adotantes informar a ordem de lançamento do patronímico), bem como o
dos seus ascendentes na condição de avós.

Eis o parecer.

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Cidade, dia de mês de ano.

XXXXXX
Promotora de Justiça

Rio de Janeiro, 10 de outubro de 2018.

______________________________________
Psicólogo Fulano de Tal – CRP xxx

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até a penúltima lauda, e a assinatura da(o) psicóloga(o) na última página.

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expresse a ordenação de ideias e a interdependência dos diferentes itens da estrutura do documento.

Na realização da Avaliação Psicológica, ao produzir documentos escritos, a(o) psicóloga(o) deve se basear
no que dispõe o artigo 2º da Resolução CFP nº 09/2018, fundamentando sua decisão, obrigatoriamente, em
métodos, técnicas e instrumentos psicológicos reconhecidos cientificamente para uso na prática

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