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LAUDO PSICOLÓGICO1

SIDNEY SHINE

Coube a mim a honra de participar do I Curso de Capacitação


para Assistentes Sociais e Psicólogos que atuam junto às Varas de Família e Sucessões
sob os auspícios da Coordenadoria da Família e Sucessões do Tribunal de Justiça do
Estado de São Paulo ministrando a aula intitulada "Laudo Psicológico" do qual se
origina este texto. Começo agradecendo a minha colega Assistente Social Maria Isabel
Strong pelo convite a participar desta iniciativa da Coordenadoria da Família em
idealizar, montar e patrocinar este ciclo de aulas.

O reconhecimento da especificidade do trabalho do Psicólogo


Judiciário nas lides de Vara de Família é uma realidade concretizada nesta instituição a
partir da proposta deste curso. É com orgulho que posso afirmar que participei dos
esforços de estudar, sistematizar e divulgar a especificidade de tal trabalho (PINTO &
SHINE, 1993; SHINE, 1993; RAMOS & SHINE, 1994; SHINE, 2002; SHINE, 2004).

O meu percurso profissional me orientou para o estudo do


produto final do psicólogo em sua função pericial nas Varas de Família: o laudo
psicológico enquanto produto de uma avaliação psicológica e prova técnica (laudo
pericial) no procedimento legal (SHINE, 2009).

Um primeiro assinalamento se justifica neste momento. De


todos os trabalhos que o psicólogo pode desenvolver, a sua prática na instituição
judiciária marca uma diferença pela necessidade de produção de um documento
escrito sobre o atendimento prestado ao usuário/beneficiário/jurisdicionado. “Quod
non est in actis non est in mundo” - O que não está nos autos não está no mundo2.

1
Es ta a ula f oi r ea liz a da sob os a usp íc i os da C o or de n a d o ri a da Fa m í lia d o Tr i b u na l
d e J u st i ç a de Sã o P a u l o e E sc o l a P a ul i sta da Ma gi s tr at ur a n o d ia 1 2 d c a g o st o d e
2 0 1 4 , c on t a n d o c om a p a r ti ci p a çã o d o J u iz d e D ir ei t o d a 1 2 ª Var a da Fa míl ia d o F or o
C e n tr a l d e Sã o P a u l o, D r . R ic a r d o P er e ir a J ú ni o r .
2
E st e é u m ve l h o br o c ar d o q ue v e m d o Dir e it o R o ma n o e q u e é ad ot a d o n os
J u di ci ár i os de E s ta d os d emo c r á ti c os. “ M u n d o” , ne s se a xi om a jur í dic o, t em o se nt i d o
de ve r da d e r ea l . Nã o é ve r da de se não e st á n os au t os . In:
h t t p: // g1 . gl ob o. c om / p ol i tic a / me nsa l a o/t r a d uz i n d o- j u l ga m e nt o/ p l a t b / 2 0 1 2 /1 0 / 0 5/ o-
q u e- n a o- e st a- n os- a u t os- na o- e sta- n o- m u n d o/ C on s ul ta e m 0 6. 0 2. 1 4.

1
Portanto, nada mais justo que dedicarmos uma aula específica
sobre este tema.

Antes de adentrar ao tema, há um aspecto que gostaria de


ressaltar que é o fato desta atividade de Capacitação não ser compulsória. Ou seja, o
psicólogo judiciário/servidor público escolheu participar e se mobilizou para estar
presencialmente ou à distância para participar da aula porque assim o desejou. E nada
mais justo e adequado para a formação de um psicólogo que o aspecto do desejo ser a
medida certa de sua ação específica de investir em seu aprimoramento profissional. A
aula neste formato não é uma atividade de trabalho obrigatória e compulsória, mas
livre e opcional.

Outro aspecto relevante é que a Capacitação não está sendo


dada exclusivamente para os psicólogos da instituição. Ou seja, aquele psicólogo que
se interesse pela matéria porque pretende ingressar na carreira futuramente ou já
atua neste segmento jurídico na qualidade de Perito Particular ou mesmo Assistente
Técnico pode encontrar no curso ferramentas de trabalho. E com quem melhor
aprender senão com aqueles que fazem no dia-a-dia do seu cotidiano profissional
aquilo que a cada aula buscam apresentar? Acho importante enfatizar que o
conhecimento não foi feito para ser segregado e monopolizado, mas deve circular e
ser posto a prova e testado na prática que é o que, em uma espiral ascendente, vai
produzir seu próprio desenvolvimento. A minha fala/escrita é direcionada a todas
estas pessoas. E agradeço a EPM e à Coordenadoria da Família por esta oportunidade.

Para começar, vou revisitar um tema já trabalhado por mim e


minha parceira Maria Isabel Strong, Assistente Social Judiciária, com quem escrevi "O
laudo psicossocial e a interdisciplinaridade no Poder Judiciário" (SHINE & STRONG,
2005). Naquela oportunidade, estávamos interessados em analisar o produto da
prática do assistente social e do psicólogo judiciário, resultante da atuação
profissional conjunta, ou seja, o laudo psicossocial.

Colocamo-nos a tarefa de responder se o laudo psicossocial


seria um produto interdisciplinar, qual seria sua finalidade e utilidade na instituição
judiciária. Não é o caso de retomar, aqui, a análise e as conclusões de tal trabalho ao

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qual remetemos o leitor interessado. Faremos um recorte para retomarmos uma das
hipóteses que levantamos para sua existência: a economia de tempo.

Mas a título de hipóteses podemos nos pe rguntar: Será


que tal demanda por um produto úni co do Setor Té cni co
(Ser viço Social e Psicologia) não partiria dos operadores
do Direito, e m es pe cial , do Juiz a quem se destina o
pare cer final? Não estaria o Juiz procurando maximi zar o
seu tempo, reduzindo dois laudos e m apenas um? Será
que não é por conta de uma de manda institucional por
efi ciê ncia que não se sacrifica um trabalho aprofundado
de ambas as áreas que redundaria em m aior efi cácia?
(SHINE & STRON G, 2005)

ECONOMIA DE QUÊ E PARA QUEM

Reconheçamos que tanto para os operadores do Direito quanto


para os profissionais da Psicologia quanto do Serviço Social pensarmos em maximizar
nosso tempo sem prejudicarmos a qualidade é uma diretriz válida e pertinente.

Portanto, este trabalho se orienta sobre tal diretriz por meio


das sugestões e orientações que pretendemos oferecer: levar em conta a questão da
economia de tempo seja para quem escreve o Laudo Psicológico (em particular, se bem
que algumas orientações podem ser válidas para a confecção do Laudo Social) seja
para quem o lê (o Juiz e também o demais operadores do Direito).

Neste sentido, não vamos nos concentrar no processo em si de


atendimento do usuário, ou seja, no manejo técnico das entrevistas e observações
com ou sem aplicação de testes psicológicos. Isto que seria o processo de avaliação
psicológica do qual o laudo psicológico é o seu resultado por escrito. Caso haja
interesse do leitor, remeto-o ao trabalho anterior (SHINE, 2003). Vamos nos
concentrar no resultado final na forma de um laudo psicológico, levando em conta que
o objetivo do presente texto é servir como subsídio para os colegas psicólogos
judiciários ou não (psicólogos clínicos, peritos particulares, psicólogos em desvio de
função) para a confecção de seus próprios laudos com a maior economia de tempo e
eficácia de sua intervenção possível.

3
Penso ser oportuno também explicar que utilizarei um modelo
na prática de formação do psicólogo que se chama supervisão. De uma maneira ampla,
podemos dizer que o conhecimento que o psicólogo adquire pode ser por meio do
estudo teórico (aula), aplicação da teoria em um caso específico (supervisão) e
desenvolvimento da capacidade perceptiva de si e do outro (terapia). Portanto,
normalmente em uma aula de Psicologia o professor busca trazer referências
bibliográficas e alinhavar seu pensamento apoiado em uma teoria respaldada nos
autores reconhecidos nela. É o recurso usual para se atingir um número grande de
pessoas ao mesmo tempo. A supervisão tem uma estrutura mais focal; geralmente é
individual ou em grupo pequeno em que há a exposição de um caso prático em que e
pelo qual a teoria (dada na aula) é testada, posta em prática para se conhecer mais
tanto do caso (a pessoa atendida/analisada/periciada) quando das limitações e
modificações necessárias da teoria em um processo de construção do conhecimento.
Guardadas as proporções podemos dizer que é como uma "aula particular" em que o
aluno não precisa se contentar com uma fala genérica, mas traz as suas dúvidas
específicas para ser apreciado e debatido com o supervisor/professor. Outro tipo de
aula particular é a terapia3. Só que o objeto da aula é a própria pessoa! A terapia seria
a terceira forma de se aumentar o conhecimento psicológico, mas voltada ao próprio
sujeito que precisa afinar o instrumento pelo qual conhece. É a aplicação da teoria
sobre si mesmo; é o treino de se auto-aplicar o pensamento pelo qual vai buscar
compreender o outro. Conhecer-se a si mesmo para conhecer melhor o outro.

Portanto, irei explorar a questão do laudo psicológico não por


meio de teorias e teóricos, mas por meio de exemplos práticos. E já que não é possível
a audiência expor os seus caso, irei inverter a lógica e darei exemplos próprios para
ilustrar e indicar as formas pelas quais fui resolvendo minhas dificuldades em escrever
um laudo psicológico. Neste sentido, estou ousando dar uma supervisão neste formato
de aula/artigo, mantendo o mais próximo possível o tom coloquial e direto que uma
aula tem comparando-se com um artigo escrito.

3
Fa ç o a r es sa l va q u e e x i st e m e n q u a dre s d e ter a p i a q ue sã o gr u pa is e nã o i n di vi d u a i s.

4
DIRETRIZES BÁSICAS

Após a Resolução do Conselho Federal de Psicologia n.º


07/2003 (CONSELHO FEDERAL de PSICOLOGIA, 2003) há uma uniformidade sobre o
que se entende ser o resultado escrito de uma avaliação psicológica. A denominação
oficial é "laudo psicológico" ou "relatório". Portanto, enquanto tal Resolução não for
atualizada, o resultado por escrito de uma avaliação psicológica terá esta denominação
com uma estrutura e uma exigência próprias devidamente especificadas na referida
Resolução.

O leitor psicólogo pode questionar:

Mas fiz um atendimento rápido de uma pessoa (usuário) e o Juiz somente quer saber
sobre o encaminhamento. É necessário escrever tudo aquilo que a Resolução diz ser
necessário?

Uma forma de responder a tal indagação seria formalista:

- O que você escreveu ao Juiz é um documento dizendo sobre data e local de um


atendimento a um sujeito específico?

- Não, isto é uma declaração.

- O que você escreveu ao Juiz é um atestado dizendo sobre a situação ou determinada


condição do sujeito atendido para determinado fim especificado no documento
(abono de falta, dispensa do trabalho etc.)?

- Não, o Juiz não está solicitando um atestado sobre o sujeito.

- Uma vez que você atendeu o usuário, não está sendo demandado a dar uma
declaração nem um atestado e, o parecer, seria uma resposta a uma questão
problema que não implica em um atendimento clínico, então, o que vc. precisa fazer é
um laudo ou relatório.

Um outro jeito de responder seria:

Mas o que você quer dizer com "tudo aquilo"? Por que na verdade, simplificando, o
que seria necessário constar no documento escrito é basicamente:

5
1. A quem é destinado.

2. Sobre quem se trata.

3. Quem o escreve.

4. Como obteve os dados sobre os quais escreve.

5. E qual é a resposta.

Não parece um absurdo esperar que um documento com


começo, meio e fim discrimine todas estas informações.

Exemplifiquemos como tais itens poderiam ganhar visibilidade


e proporcionar economia de tempo sem perder em eficácia. Eficácia, entendido aqui
como conseguir passar a informação necessária ao leitor.

1. A QUEM É DESTINADO

De todos os modelos dos quais tomei conhecimento, o mais


comum e mais objetivo e claro é colocar o endereçamento do documento logo no
início da página do laudo psicológico:

EXCELENTÍSSIMO SR. DR. JUIZ DE DIREITO DA [ 2ª ] VARA DE FAMÍLIA E SUCESSÕES DO


[FÓRUM CENTRAL JOÃO MENDES JR.]

As letras garrafais não deixam dúvida de quem é o destinatário


do laudo psicológico.

2. SOBRE QUEM SE TRATA

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Uma vez que atendemos (clinicamente) os usuários do Poder
Judiciário ao atendermos (a determinação) ao Juiz é preciso discriminar as pessoas4
que receberam nossa atenção clínica.

Lembramos que o atendimento de casos de V. de Família tem


um grupo como foco de nossa atenção: o grupo familiar. Portanto, quase sempre,
atendemos, no mínimo, três pessoas: os dois adultos responsáveis que protagonizam o
litígio e a criança sobre quem possuem o poder familiar.

O sistema judiciário em Vara de Família nomeia os adultos


como partes, tornando aquele que inicia a ação como o REQUERENTE e aquele que se
opõe como REQUERIDO.

Como todo processo judicial tem um número de referência, tal


número identifica o caso particular no qual se trabalha. Este número é, por vezes, o
mais importante para a sua localização no Cartório onde são guardados os autos do
processo que logo nem terão existência física em função da previsão de que haja uma
total informatização dos dados processuais.

É comum em Vara de Família os profissionais se referirem "ao


melhor interesse da criança" para justificar seus argumentos e ações. Muitos
profissionais psis também aderem a tal discurso. E já que discriminamos QUEM da
família são nossos usuários (ou seja, por nós atendidos) seria, no mínimo, coerente
que discriminássemos a(s) criança(s) da família neste momento. Um dado acessório
que costumo agregar é a data de nascimento (d.n.) do(s) filho(s). Isto dá uma visão

4
Esc lar e ç o q ue u ti li z o " u su á ri o" d e ac or d o c om o d oc u m e nt o d o C R E POP : "P er a n t e
a i n da ga çã o s ob r e q ue m se r ia o u s u ár i o d o tr a ba l h o d e se n v ol vi d o p or ps ic ól o g os q u e
a t ua m e m V ar a s de Fa mí l ia, a p on t a - se q u e, c om o o tr a ba l h o é e nca m i n ha d o ou
d e se n v ol vi d o n o P od er Ju d i ciár i o, o u s uá r i o é o j u ri s di ci on a d o, ou se j a , a q ue l e q u e
e stá se n d o ate n d i d o pe l o P ode r J u d ic iár i o.
N o c aso d a s Va r a s d e Fam íl ia , de n tr o d e sta f or ma de c om p r ee n de r o t e r mo, u suár i os
d o s ser vi ç os d os p s ic ól o g os se r ia m a s f a mí li a s e s eu s me mbr o s, p or t a n t o, sã o e sses
o s c li e nte s q u e de ve m t e r o si gi l o r e s gu ar d a d o.
E n te n de - s e q ue a pe n as n o ca s o d e o p s ic ól o g o e sta r a t u a n d o c om o a s si st e nt e t éc n i c o
é q u e se u cl ie nt e ser ia u ma das p a rt e s e n v ol v i d as n o p r oce s so, e n ã o a f a míl i a t od a .
M e sm o a ss i m, o pr of issi on a l nã o d e ve de s pr e za r o da d o de q u e es tá li da n d o c om
q u e stã o i n scr it a e m u ma d i nâ m ica f a m il ia r " (C on se l h o Fe de r a l d e Psic ol o gi a
R ef er ê nc i a s t é c ni ca s par a a t ua çã o d o ps ic ó l o g o e m Var a s de Fa m íl ia. B r así l ia: C FP ,
2 0 1 0 . p . 2 3 e 2 4) .

7
imediata de que fase do desenvolvimento infantil ou do adolescente estaremos
trabalhando. Vide exemplo abaixo.

PROC. Nº 0051401-95.2011.8.26.0100

AÇÃO: Regulamentação de Visitas

REQTE.: Evandro Hashimoto Foligno

REQDO.: Adriana Ferreira da Silva

FILHA: Linda Hashimoto Foligno (d.n. 23/01/2003)

Ou

PROC. Nº 0003270-26.2012.8.26.0100

AÇÃO: Guarda de Menor

REQTE.: Paula Rodriguez de Palma

REQDA.: Carmen Rodriguez

MENOR: Kauê Rodriguez de Palma Cunha (d.n. 04/09/2002)

3. QUEM O ESCREVE

Repare que os dados até agora dizem respeito aos dados de


identificação básicos (a quem o documento se dirige, sobre quem é o referido
documento e, quem o escreve).

Há relatórios que deixam para a última página a identificação


do seu Autor com assinatura e CRP. Eu prefiro me identificar na primeira página, pois
se eu fosse o leitor não gostaria de folhear para frente para ver quem escreveu o
documento para depois voltar para trás e continuar sua leitura. É uma preferência e a
Resolução não diz que uma forma é a certa sobre outra, contanto que o dado esteja lá.

Os meus laudos se iniciam com a apresentação protocolar


abaixo discriminada.

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SIDNEY SHINE, psicólogo judiciário, matrícula nº
802.704-7, vem, mui respeitosamente, à presença de V. EXA. apresentar
o laudo psicológico como determinado.

4. COMO OBTEVE OS DADOS SOBRE OS QUAIS ESCREVE

Todo trabalho que se pretende científico necessita discriminar


a forma como os elementos que subsidiaram o trabalho realizado (avaliação
psicológica) se transformaram em dados.

Veja que o psicólogo ao atender entra em contato com as


pessoas e ouve, vê e sente diversas coisas. Mas nem tudo entra no laudo. Aliás o laudo
seria "um livro" se colocássemos tudo que sabemos das pessoas. Um livro proibido,
diga-se de passagem.

É somente a partir de uma ferramenta de trabalho que estas


"coisas" que formam a "realidade do outro enquanto fenômeno humano" se
transmutam em dados de pesquisa.

Perceba o leitor que utilizo pesquisa aqui como sinônimo de


atendimento do psicólogo. Em outras palavras aquilo que o profissional faz, o que
defini anteriormente como "avaliação psicológica". Atendimento psicológico -
avaliação psicológica - pesquisa - perícia são termos equivalentes neste contexto que
abordamos.

E com quais ferramentas de trabalho fazemos esta coleta de


dados? De que instrumentos lançamos mão? Toda esta parte vem encabeçado em
uma seção do laudo psicológico que pode ter diferentes nomes. Alguns chamam de
"Procedimentos". Outros chamam de "Metodologia". Eu utilizo "Método".

Veja abaixo como discrimino "O Método".

1. Após a leitura crítica dos Autos, marquei uma


Reunião Técnica com as Assistentes Técnicos indicadas.

- FRANCISCA SOARES CARNEIRO, CRP 06/45265 do REQDO.


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- ALESSANDRA SANTIAGO, CRP 06/59248 da REQDA.

As entrevistas semi-dirigidas individuais foram


realizadas com as partes e com outros membros da família, a saber:

- SR. L. H. B. C., 30 a., tio materno;

- SR. E. R., 67 a., avô paterno;

- SR. E. M. C., 56 a., avô materno;

- SRA. N. B., 51 a., avó materna.

Além das entrevistas individuais, realizei entrevistas


conjuntas com:

- SRA. M. T. M. R., 58 a., avó paterna e SRA. D. R. G., 40 a., tia


paterna.

A criança foi vista em observação conjunta com cada


um dos pais.

O referencial técnico é a Psicanálise da forma como


apropriado e descrito em SHINE (2003) 5.

Este laudo psicológico foi redigido segundo os


parâmetros da Resolução CFP N.º 07/2003.

Descobri que uma das vantagens de escrever um livro é que


você pode citá-lo e economizar tempo de explicar o que faço e o como. É claro que
nem todos escreveram um livro e para isto é necessário um bom tempo.

Considero colocar os elementos mínimos necessários para que


o leitor consiga entender o que fiz e com quem. Particularmente, gosto de discriminar
as datas das entrevistas que coloco na sequência como CRONOGRAMA. Por exemplo:

CRONOGRAMA

5
S H I N E , S . A E s p a d a d e S a l o m ã o . A P s i c o l o g i a e a D i s p u t a d e G u a r d a d e Fi l h o s . S ã o P a u l o : C a s a d o
Ps icólog o, 2 00 3. 3 02p.

10
- 08/05/13 – Reunião Técnica com a Sra. IRANEIDE (Assistente
Técnica).

- 13/05/13 – 1ª entrevista individual com PAI.

- 20/05/13 – 1ª entrevista individual com MÃE.

- 28/05/13 – 2ª entrevista individual com PAI.

- 03/06/13 - 2ª entrevista individual com MÃE.

- 06/06/13 – 1ª entrevista conjunta com AVÔ e AVÓ PATERNOS.

- 12/06/13 - 1ª entrevista conjunta com FILHO e FILHA.

- 20/06/13 – Cancelado.

- 28/06/13 – 1ª entrevista individual com FILHO.

- 28/06/13 – 1ª entrevista conjunta com FILHO, FILHA e MÃE.

- 10/07/13 – 1ª entrevista conjunta com FILHO, FILHA e PAI.

- 15/07/13 – 1ª entrevista individual com TIA MATERNA.

5. E QUAL É A RESPOSTA

O documento de referência do psicólogo para a redação do


Laudo Psicológico, como já mencionado, é a Resolução n.º 07/2003. Neste documento
temos:

O relatório psicológico deve conte r, no mínimo, 5 ( cinco)


itens: identificação, des crição da de manda,
procedimento, análise e conclusão.

Como já tratamos da Identificação e do Procedimento, restam


as outras três partes. A Resposta para o Juiz está sempre na Conclusão. Enquanto o
nosso leitor privilegiado, ele quer saber o "final da estória" e "o que fazer" buscando
no tópico que já indica (ou deveria) aquilo que deve estar contido nele.

Ora, mas se é uma Resposta, antes de mais nada deveríamos


nos perguntar: E qual é a pergunta? Afinal, o que é que o Juiz quer saber? Por que ele
manda o caso para a Psicologia? Qual é a sua expectativa?

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Portanto, para bem responder a este item, já que nós não
podemos ir direto à Conclusão, temos que primeiro nos apropriarmos da pergunta ou
do questionamento que nos é feito (sempre em termos alheios ao nosso campo) para
daí experimentarmos uma resposta possível.

Estamos falando, então, que até o momento não fizemos aquilo


que se chamaria de "descrição da demanda", ou nos meus termos, qual é a pergunta?
Qual é a pergunta que define o trabalho? É algo que quem fez ou faz carreira
acadêmica fatalmente ouve de seu orientador: Mas qual é a pergunta do seu trabalho?
O que ele busca responder? E me parece que o modelo da dissertação ou tese é um
bom modelo para pensar o laudo porque afinal, ao se escrevê-lo estar-se-ia
defendendo uma tese, uma explicação de um fenômeno psicológico. No nosso caso
um fenômeno psicológico que virou foco de um processo jurídico.

Penso que depois de identificar as pessoas principais do


processo no qual estamos trabalhando, lá no início do laudo, seria interessante
explicitar qual é o objetivo do laudo. Ou seja, qual é a demanda da Autoridade
Judiciária e a que o laudo psicológico pretende responder.

Exemplos abaixo:

Exemplo 1. O objetivo deste laudo é subsidiar V. EXA. em pleito no


qual pai solicita VISITA ao casal de filhos: um menino de 7 anos e 11
meses e uma menina de 1 ano e 8 meses. Os filhos estão sob custódia da
mãe que tem uma Medida Protetiva contra o ex-companheiro.

Em especial este laudo focará duas preocupações


centrais de V. EXA. (fl. 101), a saber:

1. É possível dizer se há risco à integridade física e psicológica dos


filhos diante da presença do pai?

2. Há ocorrência de alienação parental por parte da mãe em relação ao


pai?

12
Exemplo 2. O foco nesta perícia recaiu sobre a questão da guarda do filho
de 4 anos e 11 meses e o esquema de VISITA pertinente.

Exemplo 3. O objetivo deste trabalho é subsidiar V. EXA. no julgamento


do processo em tela. Por conta da mudança das condições de vida da mãe
e REQUERENTE, guardiã da criança de 8 anos e 6 meses, focamos o
trabalho na questão emergencial que ora se prefigura: a mudança
iminente da mãe para Finlândia e autorização para levar consigo sua
filha em contraposição ao pai e REQUERIDO que se opõe a tal mudança.

Bem, agora que resolvemos a questão da pergunta podemos


nos voltar à resposta que seria a Avaliação Psicológica propriamente dita, ou análise
nos termos da Resolução. Ou segundo nossa lista, o quinto item que denominamos
"Qual é a Resposta?"

Como disse brincando uma colega, se a pergunta é "Qual é esta


cor?" Não bastaria responder "branco". Mas justificar porque "branco" e não "verde",
"cinza" ou outra cor. E também explicar o que é "branco".

Tal como no Laudo Psicológico, abordar a Resposta neste


artigo/aula é a parte mais difícil. Como exemplificar a análise que é sempre particular
que possa ser aproveitável para o outro?

A análise diz respeito à teoria e técnica utilizadas pelo


psicólogo/pesquisador para obter os seus dados. Contudo, na hora do laudo, o que
está em jogo é a habilidade do psicólogo/escritor em bem expor a sua argumentação
como o próprio Documento de Referência da categoria diz:

O psicólogo, ainda nesta parte , não deve fazer


afirmações sem sustentação e m fatos e /ou teorias ,
devendo ter linguagem pre cisa, espe ci al mente quando se
referir a dados de nat ureza subjetiva, expressando-se de
mane ira clara e exata ( CONSELHO FEDERA L DE
PSICO LOGIA , 2003).

13
O que em Psicologia não é de "natureza subjetiva"? A precisão
a que se refere esta passagem somente pode ser alcançada se conseguirmos passar ao
leitor a segurança de que o dado de "natureza subjetiva" revela mais da subjetividade
de nossos usuários do que as preferências, valores, preconceitos e vieses de nós
mesmos. Como fazer?

Encontrei uma resposta que me satisfez e pelo qual conduzo a


análise em meus laudos em uma indicação de Rovinski (2004, p. 117). A Autora
discutindo em sua obra a questão da previsão de risco em uma perícia se refere a
Melton e colaboradores (1997) que sugerem uma forma de integrar dois tipos de
abordagens: a "atuarial" e a "anamnésica" . A abordagem anamnésica é familiar ao
psicólogo que utiliza o método clínico. Trata-se de identificar traços, características e
padrões no comportamento do sujeito avaliado. A abordagem atuarial "envolveria
predições que explicitamente identificariam os critérios utilizados e a importância
dada a cada um; a escolha de cada categoria seria dada por pesquisas empíricas que
demonstrassem quais grupos específicos teriam maior risco ".

Ora, esta proposta de integração me pareceu promissora, pois


se o dado clínico e sua avaliação (que é sempre subjetiva) puder ser corroborada por
dados estatísticos, quantitativos por meio de pesquisas empíricas poder-se-ia
contornar a questão do subjetivismo sempre presente em uma avaliação psicológica.

Como isto funcionaria na prática? Em primeiro lugar, é


necessário estar atualizado com as pesquisas relevantes no meio. As pesquisas
empíricas confiáveis podem fornecer dados numéricos pelos quais podemos aumentar
a convergência de nossos achados e a credibilidade na comunicação.

Por exemplo, em um caso recente que atuei uma mãe acusa o


pai de ter abusado do filho de 04 anos de idade. Os meus dados clínicos não
corroboravam a hipótese de abuso sexual.

Em primeiro lugar, em minha casuística tenho mais casos em


que a denúncia não se configura do que o inverso. Como este também era o caso, citei
o dado estatístico de uma pesquisa que corrobora tal situação:

14
1.

! " #$ % & &% & ' " () * % & + , " -


. . / 0 1-
) 2 & 3 4 !5

Em relação à suposta vítima contrapus os meus achados


clínicos (ausência de hiperssexualização, não confirmação verbal do abuso, bom
desenvolvimento emocional, cognitivo, social e acadêmico) com resultado de outra
pesquisa:

2. No que tange às consequências do abuso sexual,


verifi cam-se reações de ansiedade , pensame ntos
invasivos, fuga e abandono do l ar, problemas legais , tai s
como, pequenos furtos; problemas de autoi magem como
desvalorização e autoimagem pobre; e dúvidas quanto à
orie ntação sexual (Holmes e Slap, 1998; Kristensen,
1996).
Há dive rsidade de alterações cognitivas, emocionais e
comportamentais de corre ntes do abuso sexual (Borges e
Dell’Aglio, 2008) , e ntre elas estigmat ização; vergonha;
revitimização ou abuso de pares; j ogos sexuais
envolvimento com bri gas e agressi vidade ;
comportamentos infanti li zados; enurese ; desate nção;
difi culdades para dor mir ; medos espe cíficos ( de es curo,
de ficar sozinho) ; aumento de peso; preocupação com
limpeza (Kristensen, 1 996); problemas sexuais, tais como
hipe rsexualidade e com portame ntos sexuais de risco;
além de problemas de relacionamento . inter pessoal.
Além de transtornos disruptivos, foram ide ntifi cado s em
meni nos vítima de abuso sexual , quadros de estresse
pós-traumático, somati zação, paranoia, bulimia,
depressão, suicí di o, abuso de substância, personali dade
antis social e pe rs onalidade borderline (Holmes e Slap,
1998). HOHEN DORFF, J.V. ; BARESCO, P.D.; HABIGZAN G,
L.F.; KO LLER, S.H. Abuso sexual de meninos: uma revisão.
In: HABIGZANG, L.F.; KOLLER , S .H. V iolência contra
crianças e adolescentes. Teoria, pesquisa e prática. Porto
Alegre: Artes Médicas , 2012. pp. 107-122.

Em relação à família que se apresentava com uma configuração


até, então, "normal" contrapus a seguinte afirmação:

5 ) 67 8
- 9 : : -9 6;

15
6; < $ = =% ' <$ = =% > 2 *% ) &" $ & / 3' ,$ = * #? @) & 2
) & * >A # ? @) & 3 # B 2 < C 4D

Para apoiar a tese de que o pai não é um abusador fui buscar


um outro dado de pesquisa:

4. E - C F/ = =/ ) @ !
D
9 0 : 6;
6
6 & ;
6;

Para propor uma explicação do porquê a mãe teria


"visto" o abuso, sugeri que a mãe teria se equivocado e me apoiei em
outro dado de pesquisa:

5. Faller e DeVoe (apud S chuman, 1999) encontraram


21% de falsas alegações de uma amost ra de 215 casos
com alegações de abuso no contexto do divórcio, dos
quais classificou 16 % (ou se ja, 34 casos) como de má-
interpretação ( mi sinterpretions) e ape nas 5 % de
alegações falsas intencionais (SHINE , 2003, p. 235 7).

Penso que o laudo psicológico ganhou em consistência e peso


no sentido de respaldar as afirmações feitas. Ganhou peso também pelo número de
páginas que foram necessárias para colocar todas as referências bibliográficas, mas em
certos casos é melhor escrever mais no laudo do que ficar respondendo intermináveis
quesitos complementares a posteriori. No fim, a extensão do laudo compensa a
economia de tempo nos quesitos ou, o que é pior, no retorno por conta de uma
avaliação inconclusiva.

Sustento a posição também que ler pesquisas e se atualizar em


nossa área, por mais trabalho que dê, além de necessária, tem a vantagem, na
condução da avaliação psicológica e na escrita do laudo psicológico de se fazer
acompanhar e dividir o peso deste trabalho com os vários autores e pesquisadores que
convocamos para nos apoiar.
6
W I LL IA MS , L. C. A. P e d of il i a. I d e nt if i ca r e pr e ve n ir . Sã o P a u l o: Br a si li en se , 2 0 1 2 .
7
SH I NE , S. Ab u s o se x ua l de c ri a n ça s. I n : G R OE N IN GA, G. C. ; P E RE IR A, R. C .
Di re it o d e F a míl i a e P si ca n á li se: R u m o a u m a N o va E pi st e m ol o gi a. R i o de J a ne ir o:
I m a g o, 2 0 0 3. p p. 2 2 9- 2 5 1.

16
Obrigado e espero que tenha ajudado.

São Paulo, 17 de março de 2014.

Revisão final 07.07.14

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