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amadurecimento
Julia Murachovsky
Professor Iuri Pereira
2ºC - eletiva de literatura
introdução
“Eu não poderia ter escrito de outro jeito. Só da perspectiva de uma criança era
possível relatar toda a crueldade e imoralidade desta história”. - Agja Verteranyi
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A intenção com a elaboração deste ensaio é analisar se existem (e quais
seriam) os possíveis impactos causados por infância conturbada, na formação,
amadurecimento e na vida adulta de alguém, com base na narrativa de Aglaja
Verteranyi.
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Além do mais, aqui vivemos como ricos, depois de comer podemos jogar os ossos
da sopa fora sem peso na consciência, enquanto que, em casa, temos que
guardá-los para a próxima sopa.
(...)
Aqui, as pessoas têm dentes sãos porque podem comprar carne fresca a qualquer
hora.
Em casa, até as crianças têm dentes podres, pois o corpo suga-lhes todas as
vitaminas. (p.22)
No meu país, as pessoas não podem pensar livremente nem em sonho, se falarem
e espiões ouvirem, são levadas para a Sibéria. (página 36)
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Minha irmã também é louca, diz minha mãe, porque meu pai a ama como mulher
(...)
Minha irmã sabe tudo melhor do que eu. Apesar de ser só alguns anos mais velha,
ela já tem um joelho machucado. Meu pai atropelou sua perna com um trator, para
que ela nunca encontre um marido e fique sempre com ele.
(p. 31)
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Queria ser como as pessoas lá fora. Lá, todos sabem ler e sabem das coisas, eles
têm alma de farinha branca.
Queria estar morta. Todos chorariam no meu enterro e se sentiriam culpados.
A tristeza envelhece.
Eu sou mais velha do que as crianças no estrangeiro.
Na Romênia, as crianças nascem velhas, porque já são pobres dentro da barriga
das mães e ficam ouvindo as preocupações dos pais.
Aqui, vivemos como no paraíso. Mas, mesmo assim, eu não fico mais jovem. (p.42)
A narradora nos conta sobre como seu pai abusa de sua irmã, e como sua
mãe se apresenta como sua irmã mais velha na frente de outros homens, e são
atitudes como essa que fazem com que a menina tenha um comportamento precoce
em relação a desejos sexuais. O sentimento de rejeição pela parte do pai faz com
que ela queira chamar sua atenção, por exemplo oferecendo o que ele tanto gosta
na sua outra filha, e a admiração que ela tem por sua mãe faz com que ela
reproduza suas ações.
Ou com dois homens, assim jamais ficarei sozinha. No dia do casamento, tocarei
suas partes proibidas por debaixo da mesa.
As pessoas vão comer bolo e ficar com inveja. Meus maridos vão me amar e me
lamber.
(p.70)
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A narradora e sua irmã passam a viver em um internato, onde frequentam
escola e convivem com outras crianças, e não com os seus pais. Ainda assim, elas
não abandonam as habilidades circenses ou as outras influências que os pais
tiveram sobre elas.
Os meninos pequenos ficam perto das meninas. Os grandes só vem quando minha
irmã e eu mostramos nossas habilidades.
Fazemos malabarismos com pedras.
Ou fazemos movimentos de mulheres-borracha.
Minha irmã faz parada de mão, e eu faço ponte ou espacato.
Coloco algodão debaixo do pulôver para fazer de seio, como minha tia.
Daí os meninos também vêm.
Minha irmã já tem seios de verdade.
Ela também já tem alguns pelos lá.
Devido ao distanciamento da sua mãe, para menina, sua irmã mais velha
passou a desempenhar o papel de uma nova mãe, uma mãe com quem ela
beliscava os bebês até que chorassem, uma mãe que lhe contava a história da
criança que cozinha na polenta, que agora tem rosto de galinha, cortada em fatias, e
com olhos estourados. A história da criança vai ficando cada vez mais cruel e
gráfica, como se a protagonista precisasse imaginar cada vez mais concretamente
para livrar-se de pensamentos negativos.
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As duas meninas consideravam-se (e de fato eram) de origem,
formação e essência completamente distintas de qualquer criança naquele
internato. Ambas demonstram um sentimento de abandono por parte dos
pais, com quem no máximo falam por telefone. É provável que por carência
do ambiente familiar (por mais conturbado que fosse), e buscando por
atenção, surgiram as brincadeiras violentas que são citadas no trecho abaixo.
Até como uma forma de contradição à mãe, que a fim de garantir o futuro
circense de sua filha, que seria sua breve fonte de dinheiro, vigiava a menina
de perto.
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Desde que minha irmã foi embora, conto para minha boneca Anduza a
história da criança na polenta.
O pai de Anduza sempre põe a mão debaixo da saia da boneca. E faz olho
de peixe. E respira como debaixo d’água.
Um dia Anduza terá de jogar a boneca fora. (p.121-2)
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E não quero filhos.
E não quero filhos.
E não quero filhos. (p.123)
A insistência da menina em não querer ter filhos, parece ter relação com seu
sofrimento como uma filha. Isso nos indicia que a menina acredita que as condições
que ela enfrenta em sua família, são vivenciados por todos filhos e filhas.
parte 3- efervescência
Minha mãe bateu na minha irmã, caiu contra uma vidraça e cortou os pulsos (p.129)
Após sofrer um acidente e não poder mais realizar seu número no circo, tudo
indica que a mãe da menina enfrenta um quadro de depressão. Além da
dependência evidente do álcool, tudo que antes lhe trazia prazer em fazer, como
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matar o frango e cozinhá-lo, não lhe interessava mais. Seu apetite também parece
bastante desprovido.
A menina de 13 anos e a construção de sua carreira, parecem tornar-se a
motivação da sua mãe, que acaba expondo a pré-adolescente à situações
deploráveis.
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TENHO A SENSAÇÃO DE ESTAR DESMORONANDO (p.143)
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Cada pele parece pertencer a uma mulher diferente.
Nenhum homem jamais me tocou lá, no lugar certo. Não penso em outra coisa.
Quero ser violada por dois ao mesmo tempo (p.149)
No trecho a cima, está claro (até para própria narradora) as contradições que
aparecem nas ações da mãe, que parece reconhecer que aquele contexto pode
prejudicar sua filha. Talvez por sentir-se culpada pela inserção de sua filha naquele
ambiente, ela em alguns momentos age como se não incentivasse que a menina se
apresentasse. Mas, logo percebemos, que é tarde demais para reparar a noção que
a menina tem de sexualidade, e até mesmo de sexo. O uso da palavra violada é
muito interessante, pois evidencia um desconhecimento do sexo como prazer, e
apenas como agressão.
CRESÇO AO CONTRÁRIO.
A cada ano que passa, minha mãe tenta me fazer mais jovem.
Ouvi ela dizendo para seu marido que eu devo ter provocado o homem, do
contrário isso certamente não teria acontecido.
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O homem e a mulher apareceram de repente no espetáculo de Pepita.
Disseram que eu era linda como Marilyn Monroe.
Minha mãe me apresentava como se eu fosse uma fatia de torta. Eu tinha de
fazer voltinhas e sorrir.
Vou fazer da minha filha uma atriz de cinema! Ela tem uma beleza natural!
Ela vai se casar com o príncipe Alberto, de Mônaco. Belo homem. Quando vir minha
filha, ele vai ficar louco! Ela é inteligente, só estuda, não bebe, não olha para os
homens, nada de taca-taca, nada de putaria! (p.163)
Minha mãe convidava todos para comer, sentávamos à volta de uma grande mesa,
na frente do nosso trailer.
Na fotografia, parecemos uma grande família.
Depois da apresentação, os meninos ficavam dormindo no trailer, e nós saímos pra
dançar.
O homem me tratava como se eu fosse sua filha.
Ele pegava minha mão e colocava sobre seu joelho.
Minha mãe e a esposa dele riam.
O marido da minha mãe me olhava com olhos estranhos (p.164)
De um momento para o outro, ele abriu a calça, tirou a sua coisa para fora e
começou a esfregá-la até espirrar um líquido branco.
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Eu não tinha coragem de me mexer.
O homem colocou os dedos nos meus lábios.
Lambe, sussurrou. (p.168)
Meu cãozinho corre pelas ruas, ele é um esqueleto, não tem carne, posso enxergar
através dele. Todos que virem o meu esqueleto podem me castigar. Você não pode
chorar, diz a boca, senão a mãe fica com medo. A boca está sempre com fome,
boca, fome, fome, costurar a boca! Não gosto de bonecas. Minhas pernas são de
uma outra, elas enchem o quarto inteiro. Tenho um buraco, ele sangra. Isso não é
nada, diz a dos cabelos negros, você fez nas calças, diz ela, sou sua mãe, diz ela.
Encho o buraco de pão, não quero sangrar nas calças. O CÉU PARECE UMA VEIA
DE OLHO ESTOURADA. Não quero que o comediante PIPER me toque! Não
quero! Eu e minhas pernas encenamos com ele o esquete A VIÚVA ALEGRE no
show de Pepita. Amanhã, chega de comida! Se PIPER durante A VIÚVA ALEGRE
me tocar, meus seios apodrecerão. Amanhã, parar de comer, tudo tem gosto de
plástico. Assim não dá, diz Pepita, pare de comer, ela diz, você está cada vez mais
gorda, você está muito diferente do que no cartaz, assim não dá! O cão está morto.
Colocar o cão na caixa de sapato, a caixa, na geladeira. Os pelos do cão morto
crescem, cobrem inteiramente o cão, a caixa, a geladeira, a mim, o quarto. Um anjo
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veste-se de cão, cão degolado, empalhar o anjo morto. O anjo de dentes
arreganhados. Meu anjo sorri sangue. (p.176)
A protagonista diz: “Pareço comigo sem mim” . Essa é um bom trecho para
exemplificar o momento e a sensação que vivia, que envolve sua demissão do show
de Pepita, problemas de pele (chamadas de “erupções” pela menina), e o que
parece ser uma angústia penosa, quem sabe até um quadro depressivo. Assim é
encerrada a parte 3 do livro.
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parece ficar bastante impressionada com os móveis, roupas, decorações
abundantes…
Minha mãe reformou algumas das suas fantasias do circo para vendê-las a
go-go girls.
Minhas fantasias do tempo de Pepita, temos até hoje.
Quando você se recuperar, poderá se apresentar onde quiser aqui, dizia
minha mãe. O público vai cair aos seus pés! O que essas go-go girls fazem você já
sabe há muito tempo! (p.188)
ANTES DE TER VISTO MEU PAI pela última vez, ele rodou um filme no qual
fazia o papel de Deus.
Minha mãe era a avó de Deus, e eu era o seu anjo da guarda.
Estou com o vestido de renda branca, com meias brancas até o joelho e
sapatos pretos de verniz. As unhas são cor-de-rosa, e as bochechas, vermelhas.
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No papel de Deus, meu pai veste o seu velho fraque preto.
Minha mãe enrolou-se em um pano, como as velhas camponesas romenas, e
vestiu o seu roupão floreado de tecido de cortina por cima.
No início do filme, vê-se meu pai como diretor de circo, com um fraque
vermelho.
No jardim da avó, que mora no campo, diz ele, há uma árvore debaixo da
qual sempre chove.
Então, vê-se o meu pai, no papel de Deus, sentado embaixo da árvore.
A avó está na janela e acena com a mão, ela preparou a polenta para Deus.
A canção do violino é tão triste, que a grama, as flores, e as árvores do jardim
também ficaram tristes.
O diretor do circo aparece novamente e diz que a cerca do jardim, a janela a
porta e até a polenta começam a chorar.
A avó sacode a cabeça e diz uma frase que não se ouve, porque ela está
dentro da casa.
Boxi atravessa o gramado.
Traz asa de anjo cor-de-rosa na boca e levanta-se sobre as patas traseiras
em frente a um arbusto, de onde eu saio.
Coloco as asas e vou saltitando com Boxi até árvore da chuva.
A chuva cai de um regador.
O anjo da guarda e Boxi dançam a triste melodia de Deus. Mas, mesmo
assim, Deus não consegue se alegrar.
O diretor de circo aparece e diz: Deus come polenta por amor aos pobres.
Ele também é um estrangeiro e viaja de país em país. Ele está triste porque vai
partir outra vez para uma grande viagem.
A avó chora.
Boxi também chora, encolhe o rabo e abana as orelhas.
O anjo da guarda continua a saltitar.
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OS ANJOS DA GUARDA NUNCA FICAM TRISTES, DIZ O DIRETOR DO
CIRCO, ELES EXISTEM PARA ESPALHAR ALEGRIA (p.194)
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Devir-criança, porém, não é tornar-se uma criança, ou agir como tal, e sim
entrar em contato com esta potência que faz caminhos, percorre trilhas, explora:
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natureza física, emocional, social e cultural permanecem inscritos por toda
existência nas conexões sinápticas do ser humano.
Experiências negativas durante a infância podem gerar um trauma, que na
visão da psicologia, ocorre pela incapacidade do sujeito de superar um determinado
acontecimento na sua vida. Os danos que um trauma causa depende da
intensidade da violência sofrida e a capacidade da pessoa de elaborar
psiquicamente a situação ocorrida.
Podemos usar como exemplo, a neurose. A neurose é causada por um
trauma, que vai gerar um conflito entre o desejo do sujeito e as repressões criadas
pelo ambiente externo (família, escola, igreja, etc) e também pelo ambiente interno,
ou seja, nossa autocensura, pois nossa liberdade de ceder aos nossos desejos,
será limitada de acordo com a nossa criação e o meio no qual vivemos.
Crianças, por serem inocentes, indefesos, carentes, e despreparados para a
vida, precisam de alguém que supra as suas carências para um desenvolvimento
ideal. Caso contrário, os traumas surgem e, na sua grande maioria, são carregados
para a vida adulta. Essas sequelas formarão um adulto inseguro, e com medo de se
aventurar, alguém que vai se ver sempre como desamparado, abandonado e
solitário.
Na origem do trauma, também consta a culpa que a criança sente por não
entender se foi responsável por determinada situação de violência. Podemos
classificar como violência qualquer acontecimento que a criança tenha vivido e
tenha sido agressivo à ela, podendo ser brigas entre os pais, xingamentos,
chantagem emocional, drogas ou bebedeiras na sua frente, tentativa de estupro,
incentivo à prostituição infantil, etc.
xperienciou
A protagonista da obra Por que a criança cozinha na polenta e
todas das violências citadas acima, portanto não seria uma surpresa caso ela se
apresentasse como uma adulta insegura e com falta de autonomia. Com nível da
intensidade e constância que as agressões se deram na infância (e adolescência)
da menina, é difícil presumir que se tornaria uma pessoa estável, livre de sequelas.
Porém, não há como confirmar essa hipótese, pois a narrativa se encerra quando a
personagem ainda é jovem.
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De qualquer maneira, a menina revela pensamentos violentos e mórbidos
desde criança, que parecem indiciar algum tipo de transtorno psicológico. E
considerando a semelhança existente entre a vida da autora e as vivências
relatadas pela protagonista no livro, não podemos ignorar o fato de que Aglaja se
suicidou, com 34 anos, afogando-se no lago de Zurique. Esse fato, de alguma
maneira reforça a ideia de que a personagem (que passou pelas mesmas
experiências que Aglaja viveu) teria sofrido algum impacto proveniente da sua
criação conturbada.
conclusão
Bibliografia:
VETERANYI AGLAJA. Por que a criança cozinha na polenta. São Paulo. 1. ed.DBA,
2004. 198p
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Deleuze, Gilles. "Infância". In: Abecedário. Web
Http://Stoa.Usp.Br/Prodsubjeduc/Files/262/1015/Abecedario+G.+Deleuz e.Pdf Acceso:
06/08/2016.
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