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EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ DE DIREITO DA VARA DA INFÂNCIA E

JUVENTUDE DE RIO GRANDE DA SERRA

O Ministério Público do Estado de São Paulo, por meio da


Promotora de Justiça que esta subscreve, no uso de suas atribuiçoõ es legais (arts.
129, II e III da Constituiçaõ o Federal e arts. 201, V e 210, I, da Lei 8.069/90), vem aà
presença de Vossa Exceleê ncia, com base no direito material das crianças e
adolescentes (art. 227, da Constituiçaõ o Federal, arts. 1° a 5°, art. 87, II e III, art. 88,
I, III, V e VI, art. 90 e art. 101 da Lei 8. 069/90), diante da competeê ncia inserta no
artigo 148, IV da Lei 8.069/90, e, de acordo com os preceitos em geral da legislaçaõ o
civil e processual civil, especialmente das Leis Federais 8.069/90 e 7.347/85,
propor a presente AÇÃO CIVIL PÚBLICA, para a proteçaõ o dos interesses difusos e
coletivos afetos aà infaê ncia e aà juventude, com preceito cominatoó rio de OBRIGAÇAÃ O
DE FAZER e PEDIDO DE TUTELA ANTECIPADA em face da Prefeitura de Rio
Grande da Serra, pelos motivos de fato e de direito a seguir aduzidos.

1. LEGITIMIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO

A missaõ o do Ministeó rio Puó blico de zelar pelo efetivo respeito


dos serviços de relevaê ncia puó blica aos direitos assegurados na Constituiçaõ o,
promovendo o quanto preciso para a sua garantia eó de ordem constitucional – art.
129, II. Entre estes serviços, estaó o atendimento aà criança e o adolescente.
Especificamente a fiscalizaçaõ o das entidades de atendimento aos menores em
situaçaõ o de risco, entre elas as entidades de abrigo, cabe ao Ministeó rio Puó blico, nos
termos do art. 95 do Estatuto da Criança e do Adolescente.

E, para a fiscalizaçaõ o, nos termos dos art. 201, V e XI, e 210,


ambos do Estatuto da Criança e do Adolescente, deve o Parquet lançar maõ o da açaõ o
civil puó blica, na proteçaõ o dos interesses individuais, difusos e coletivos relativos aà
infaê ncia e aà adolesceê ncia, adotando as medidas, inclusive judiciais, necessaó rias aà
remoçaõ o de irregularidades porventura verificadas.

1
2. RESPONSABILIDADE DA PREFEITURA EM CRIAR E MANTER ATENDIMENTO
ADEQUADO EM ENTIDADE DE ABRIGO PARA CRIANÇAS E ADOLESCENTES

O art. 227 da Constituiçaõ o Federal determina que:

“Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado


assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à
saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à
dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de
colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência,
crueldade e opressão.” (sem grifos no original)

A norma eó repetida nos arts. 4º e 5º, ambos do Estatuto da


Criança e do Adolescente.

Quando a famíólia falta com estes deveres, a ponto de colocar


o menor em situaçaõ o de risco grave e atual ou iminente, o Conselho Tutelar ou a
Vara da Infaê ncia e Juventude devem aplicar a medida de proteçaõ o adequada eó o
abrigo em entidade.

A sociedade eó uma das chamadas a arcar com a


responsabilidade sobre o cumprimento dos direitos das crianças e dos
adolescentes, podendo ela, entre outras medidas, tomar a frente e criar uma
entidade de abrigo.

No entanto, se a famíólia falta com o cumprimento de seus


deveres e a sociedade local tambeó m naõ o se movimenta para suprir esta falta, resta
ao Estado garantir o pleno desenvolvimento do menor, garantindo aà quele que naõ o
pode mais permanecer no seio de sua famíólia, ainda que temporariamente, tenha
um local adequado para ser acolhido, em medida de abrigo.

Portanto, naõ o eó favor do Estado, mas cumprimento de sua


obrigaçaõ o, instalar e manter vagas adequadas em entidades de abrigo.

A políótica de atendimento dos direitos da criança e do


adolescente eó feita por meio de açoõ es governamentais e naõ o-governamentais, da

2
Uniaõ o, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municíópios. No entanto, a sua diretriz
principal eó a municipalização do atendimento, inclusive com a criaçaõ o e
manutençaõ o de programas especíóficos, entre eles, a entidade de abrigo. Tudo
conforme arts. 86; 87; 88; 90, IV; e 101, VI, todos do Estatuto da Criança e do
Adolescente.

Esta municipalizaçaõ o de que trata do ECA eó de rigor,


justamente pela capacidade e obrigaçaõ o de municíópio em lidar diretamente com
questaõ o taõ o delicada e que demanda atençaõ o direta e constante, como eó o caso do
acolhimento institucional.

“É muito importante que a política de atendimento se paute


por uma série de diretrizes previamente estabelecidas em preceito legal. A
municipalização do atendimento, arrolada no inc. I do art. 88, é de reconhecida
importância e de rápida eficácia porque aproxima as autoridades municipais dos
problemas que acontecem em determinado município. Com a vasta extensão
territorial do Brasil, a descentralização é o caminho que melhor atenderá aos
interesses da população infanto-juvenil. Aliás, não teria sentido que as ações
governamentais ficassem exclusivamente a cargo da União ou dos Estados em
detrimento dos próprios municípios que, sem dúvida, conhecem mais de perto os
problemas que afligem seus municípios. A União e o Estado podem e devem trabalhar
em prol do contingente infanto-juvenil, sem porém privar os municípios da adoção de
providências de seu exclusivo interesse. A Carta Magna, vale ressaltar, entrega aos
municípios a competência de “legislar sobre assuntos de interesse local” (art. 30, inc.
I), de forma que as políticas e os serviços arrolados no artigo anterior, acaso
adotados pelo legislador municipal, são assuntos de interesse local.” 1

3. ASSUNÇÃO DA RESPONSABILIDADE – OBRIGATORIEDADE

Frise-se que a Municipalidade naõ o pode furtar-se desta


obrigaçaõ o, sob o argumento da discricionariedade do Governante.

Ora, se a proó pria Constituiçaõ o impoõ e que a proteçaõ o da


Infaê ncia e da Juventude deê -se com absoluta prioridade, portanto, sob todos os
outros deveres do Estado, naõ o haó margem aà avaliaçaõ o do Administrador. O

1
Joseó Luiz Moê naco da Silva, in “ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE – COMENTAÁ RIOS”, Ed.
RT, paó ginas 128/129

3
cumprimento de sua responsabilidade eó imperioso, sobrando espaço para sua
discricionariedade apenas no que tange aà forma de execuçaõ o. Isto eó , naõ o importa se
as vagas adequadas em entidade de abrigo se daraõ o por execuçaõ o direta do Poder
Puó blico Municipal ou por terceiros, mediante conveê nios ou parcerias. O que eó
inafastaó vel eó que, na auseê ncia de entidades naõ o-governamentais, a Prefeitura
forneça o quanto necessaó rio para o cumprimento da medida protetiva de abrigo.

Administraçaõ o naõ o pode, sob o pretexto de exercer sua


discricionariedade, invadir e violar esses princíópios e normas, insculpidas na
Constituiçaõ o e no Estatuto da Criança e do Adolescente. Daíó porque o Judiciaó rio naõ o
tem somente o direito, mas “o indeclinaó vel dever de se debruçar sobre o ato
administrativo, praticado sob tíótulo de exercíócio discricionaó rio, a fim de verificar se
se manteve ou naõ o fiel aos desiderata da lei”, uma vez que a interpretaçaõ o quanto
ao sentido da lei, “para pronuó ncia judicial, naõ o agrava a discricionariedade, apenas
lhe reconhece os confins; naõ o penetra na esfera da liberdade administrativa, taõ o soó
lhe declara os contornos, naõ o invade o meó rito do ato nem se interna em avaliaçoõ es
inobjetivaó veis, mas recolhe a significação possível em funçaõ o do texto, do contexto e
da ordenaçaõ o normativa como um todo”2 .

Importa ainda destacar, que, concretamente, a omissaõ o


administrativa impoõ e aà s crianças e aos adolescentes que sofram mais uma vez um
acentuado processo de vitimizaçaõ o. E, neste momento, haó infraçaõ o direta pelo
Poder Puó blico aos direitos dos menores.

A respeito do tema, confira o seguinte trecho, extraíódo do v. ,


acoó rdaõ o, da lavra de Theodoro Guimaraõ es, que trata exatamente a respeito da
inexisteê ncia de discricionariedade do Poder Puó blico, no que se refere aà garantia de
vagas adequadas em entidade de abrigo no municíópio:

“Nesse passo, é importante que se faça a distinção entre o


poder discricionário do administrador público e sua inércia diante das obrigações
que lhe impõem nossa Lei Maior e demais normas legais com ela compatíveis.

2
Celso Antoê nio Bandeira de Mello, Curso de Direito Administrativo, ed. Malheiros, 24ª ed, p.
948/949.

4
Por isso, o respeito à norma legal não está sujeito ao arbítrio
do administrador público. Só há discricionariedade quando de duas ou mais
providências possíveis, qualquer delas possa atender ao escopo legal.

O agente político pode definir a melhor forma de executar a


lei, mas não pode deixar de fazê-lo sob qualquer pretexto. A lei constitui limite ao
exercício do poder discricionário. Se desobedecer os ditames legais, a ação deixa de
ser válida por desvio de poder, podendo ser objeto de controle judicial e até mesmo de
responsabilização político-administrativa.

Em outras palavras, o respeito ao princípio da conveniência e


oportunidade da Administração Pública não pode merecer o conceito tão lato que
permita ao governante decidir se quer ou não cumprir a legislação vigente.” 3

4. CONDIÇÕES ADEQUADAS DE UMA ENTIDADE DE ABRIGO

O Governo Federal, por meio do Departamento de Proteçaõ o


Social Especial da Secretaria Nacional de Assisteê ncia Social do Ministeó rio do
Desenvolvimento Social e Combate aà Fome, apoó s estudos desenvolvidos
especialmente a partir dos princíópios baó sicos do Estatuto da Criança e do
Adolescente – art. 92 –, elaborou um caderno de Orientaçoõ es Teó cnicas para
Serviços de Acolhimento para Crianças e Adolescentes, editado em fevereiro de
2008. Saõ o paraê metros para atendimento adequado das necessidades da criança e
do adolescente sob medida protetiva de abrigo.

Inicialmente eó de se anotar que o abrigo deve ter, no maó ximo,


capacidade para 20 menores, atendendo especialmente o que determina o art. 92,
III, do Estatuto da Criança e do Adolescente, quando se refere a atendimento em
grupos reduzidos.

Sobre aspectos físicos, eó destacado que a localizaçaõ o do


imoó vel destinado aà instalaçaõ o da entidade de abrigo deve ser em aó rea residencial,
sem distanciar-se excessivamente, do ponto de vista geograó fico e soó cio econoê mico,
da realidade de origem dos menores abrigados. Aleó m disto, deve manter aspecto
semelhante ao de uma resideê ncia, de acordo com o padraõ o da comunidade, e, sua
3
Agravo de instrumento nº 96.093-0/0-00 – Comarca de Dois Córregos. – j. 09/12/02. Voto no mesmo
sentido do relator do E. Denser de Saó .

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fachada, naõ o deve ter placas indicativas da natureza institucional do equipamento.
Tudo visando evitar a discriminaçaõ o do menor em situaçaõ o de abandono e manter
sua identidade e autonomia – arts. 5º e 17 do Estatuto da Criança e do Adolescente.

Em mateó ria de recursos humanos, os estudos apontaram a


necessidade de: a) um coordenador com formaçaõ o míónima em níóvel superior e
experieê ncia na aó rea; b) uma equipe teó cnica com dois profissionais, sendo uma
assistente social e um psicoó logo, para atendimento para cada grupo de 20 menores,
com carga horaó ria de 40 horas semanais; c) uma equipe de cuidadores e auxiliares,
respectivamente com níóvel meó dio e níóvel fundamental, sendo ambas com
capacitaçaõ o especíófica na aó rea, sendo que, em cada turno, deve haver um cuidador
e um auxiliar para cada grupo de dez menores sem demandas especíóficas 4, ou um
cuidador e um auxiliar para cada oito menores, se entre eles houver apenas um
com demandas especíóficas, ou um cuidador e um auxiliar para cada grupo de seis
menores, no caso de haver dois ou mais usuaó rios com demandas especíóficas. Isto
sem falar nas equipes de vigilaê ncia, cozinha e limpeza da casa. E deve haver pelo
menos um vigia em tempo integral e um profissional para limpeza e outro para a
cozinha, em 40 horas semanais, para garantir o míónimo de segurança e limpeza ao
ambiente e a alimentaçaõ o dos menores.

No que se refere aà infra-estrutura, deve haver: a) quartos:


com no maó ximo 6 menores, sendo no míónimo 2,25m 2 para cada ocupante, com
espaço para guarda dos objetos e vestimentas pessoais de modo individualizado;
b) sala de estar ou similar: com metragem míónima de 1m 2 para cada ocupante
(incluindo os cuidadores e auxiliares); c) sala de jantar e copa: com metragem
míónima de 1m2 para cada ocupante (incluindo os cuidadores e auxiliares); d)
ambiente para estudo: que pode ser em coê modo proó prio ou no mesmo local do
quarto, caso em que este teraó a dimensaõ o de 3,25m 2 para cada ocupante; e)
banheiro: com um lavatoó rio, um vaso sanitaó rio e um chuveiro para cada grupo de 5
menores, sendo que ao menos um deles tem de ser adaptado para menores com
deficieê ncia; f) lavabo para funcionaó rios: com um lavatoó rio e um vaso sanitaó rio; g)
4
Demanda específica é aquela que requer maior atenção do cuidado, como menor com deficiência,
necessidades específicas de saúde ou idade inferior a um ano.

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cozinha; h) aó rea de serviço; i) aó rea externa: com espaço que possibilite o convíóvio e
brincadeiras, mas sem equipamentos que estejam fora do padraõ o da realidade dos
menores abrigados; j) sala para equipe teó cnica: destinada ao desenvolvimento das
atividades de natureza teó cnica, em imoó vel separado da moradia dos menores; l)
sala de coordenaçaõ o e atividades administrativas: destinada a aó rea contaó bil,
financeira, documental, logíóstica etc., com prontuaó rios individuais dos menores, em
imoó vel separado da moradia dos menores; m) sala de reunioõ es: destinada a
realizaçaõ o de reunioõ es de equipe e de atividades grupais com as famíólias de origem.
Evidentemente, tudo com segurança e salubridade garantidas.

Mas naõ o eó soó . Deve haver um projeto políótico-pedagoó gico –


plano de trabalho – para o menor abrigado. Este projeto deve contemplar: a)
detalhamento da estrutura fíósica, que deve garantir espaços privados e adequados
ao desenvolvimento da criança e do adolescente: nos termos jaó expostos neste item
(aspectos fíósicos e infra-estrutura); b) atitude receptiva e acolhedora no momento
da chegada do menor, durante o processo de adaptaçaõ o e permaneê ncia: na acolhida
deve haver apresentaçaõ o do espaço fíósico da casa, dos outros menores, dos
profissionais e do espaço privado (cama, armaó rio, etc.) – no processo de adaptaçaõ o
e permaneê ncia deve os cuidadores conversarem com o abrigado, colhendo as suas
impressoõ es e esclarecendo-o as razoõ es do abrigamento; c) naõ o desmembramento
de grupos de menores com víónculos de parentesco; d) relaçaõ o afetiva e
individualizada com cuidadores; e) definiçaõ o do papel e valorizaçaõ o dos
cuidadores, que devem ter suas opinioõ es ouvidas nos estudos realizados; f)
organizaçaõ o de registros sobre a histoó ria de vida e desenvolvimento de cada
abrigado; g) preservaçaõ o e fortalecimento da conviveê ncia comunitaó ria; h)
desligamento gradativo, preparando naõ o apenas o menor que estaó saindo, como
tambeó m os que permaneceraõ o na casa e a equipe profissional; i) articulaçaõ o
intersetorial para o desenvolvimento das açoõ es: contato perioó dico com Conselho
Tutelar, Justiça da Vara da Infaê ncia e Juventude, Ministeó rio Puó blico, unidades da
Rede de Atendimento do municíópio e outros, com reunioõ es; j) previsaõ o de
capacitaçaõ o e formaçaõ o contíónua do profissional.

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Ainda deve o abrigo desenvolver programa de reinserção
familiar e desabrigo, visando assegurar os seguintes princíópios baó sicos,
determinados no art. 92, I, II e VIII do Estatuto da Criança e do Adolescente. Para
tanto, o programa deve prever: a) elaboraçaõ o de estudo psicossocial do menor e
seu nuó cleo familiar, inclusive com visita domiciliar, logo apoó s sua chegada; b) com
base neste estudo, criaçaõ o e implementaçaõ o de plano de atendimento individual
para o menor, com vistas aà sua reinserçaõ o familiar ou colocaçaõ o em famíólia
substituta, conforme o ponto de vista do que for mais beneó fico ao menor e possíóvel;
c) fortalecimento da autonomia do menor, ouvindo-o e considerando suas opinioõ es;
d) reavaliaçaõ o individual a cada seis meses, com comunicaçaõ o dos resultados aà
Vara da Infaê ncia e Juventude.

5. “CASA ABRIGO” MUNICIPAL


5.1. Criação e funcionamento

Reconhecendo este dever, a Prefeitura de Rio Grande da


Serra, por meio do Decreto nº 1.286, de 03 de setembro de 1997, instituiu o
“Serviço de Atendimento aà Criança e ao Adolescente”, a funcionar na “Casa Abrigo
de Rio Grande da Serra”, destinada a crianças de ambos os sexos.

De iníócio, a entidade funcionou na Av. Saõ o Joaõ o, nº 168,


Jardim Santa Tereza. Recentemente, houve mudança de endereço, atualmente
estando instalada na Rua Aurora Boreal, nº 93, Vila Figueiredo.

Seu funcionamento eó irregular e naõ o atende, ainda que


minimamente, aà s diretrizes apontadas no item anterior.

5.2. Irregularidades
5.2.1. Falta de Condições Sanitárias e Superlotação

Hoje o municíópio possui 26 crianças e adolescentes


abrigados. Saõ o 22 menores abrigados na “Casa Abrigo” e outros 6 em cidades
vizinhas: 4 em Mauaó e 1 em Ribeiraõ o Pires. E haó 9 aguardando vagas.

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Haó superlotaçaõ o da entidade governamental destinada ao
abrigo de menores. Segundo informou a proó pria Vigilaê ncia Sanitaó ria Municipal, a
capacidade maó xima eó de 15 crianças e adolescentes, portanto, estando com mais de
46% do nuó mero de menores do que comporta.

Aleó m disto, nas treê s inspeçoõ es realizadas por tal oó rgaõ o, foi
anotado o seguinte:

“Banheiro misto – apresentava forte odor de esgoto, apontada


pela Sra. Célia como problema antigo, com inúmeras tentativas de contato com a
Prefeitura para resolução do problema, sem resposta da mesma.”

Como era de se imaginar, naõ o foi expedido, ateó o momento,


alvaraó pela Vigilaê ncia Sanitaó ria, o que comprova a inexisteê ncia de condiçoõ es
sanitaó rias.

E frise-se que a casa foi criada apenas para recepcionar


crianças – necessidade daquela eó poca –, mas jaó atende dois adolescentes e, no ano
de 2010, outras duas abrigadas completaraõ o 12 anos.

A problemaó tica da Infaê ncia e Juventude do Municíópio chama


a atençaõ o e naõ o eó de hoje. No entanto, desde a instalaçaõ o do Foó rum de Rio Grande
da Serra tem se observado maior nuó mero de abrigamentos.

Entre os abrigados, 5 estaõ o desde 2008 e outros 9 foram


inseridos na medida este ano, ateó o meê s de setembro. Muitos saõ o os fatores visíóveis
que geraram este aumento, como a maior atuaçaõ o do Ministeó rio Puó blico e do
Conselho Tutelar, a falta de programas, governamentais ou naõ o, de conscientizaçaõ o
da famíólia, a respeito de seus deveres frente as crianças e adolescentes. Assim, a
proximidade dos oó rgaõ os voltados aà promoçaõ o da Justiça veio a tornar mais clara a
deficieê ncia do Poder Puó blico Municipal no atendimento das normas mais
comezinhas voltadas aà infaê ncia e juventude.

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E a questaõ o estaó longe de ser resolvida. Falando dos que
estaõ o hoje na “Casa Abrigo”, apenas 5 menores teê m chances concretas de retorno
para o seio familiar. Dos menores restantes, os genitores de 15 deles estaõ o sendo
processados para a perda do poder familiar e, com relaçaõ o aos outros 2, apenas naõ o
existe açaõ o de destituiçaõ o por naõ o haver vantagens reais para eles 5. De outro lado,
naõ o se verifica a existeê ncia de investimento na aó rea, por parte da Prefeitura, o que
torna claro o interesse de agir do Ministeó rio Puó blico, na modalidade necessidade,
na presente demanda.

Veja os dados da tabela abaixo:

ESTATÍSTICAS

Número de
Entrada
abrigados
Antes de 2008 8
2008 5
2008 e 2009 Ateó setembro de 14
9
2009
total 22

Número de
abrigados
com chances reais
de retorno para a 5
famíólia
ateó 2 anos de
5
idade
de 3 a 6 anos de
sem chances de 5
idade 17
retorno -
6 a 11 anos de
5
idade
adolescentes 2
total 17 22

Número de Número de
Idade Idade
abrigados abrigados
Crianças -1 1 18
1 2
2 2
3 2
4 2
5 2
6 2
5
Trata-se de uma menina com 11 anos e um adolescente de 13 que dificilmente encontrarão
interessados para adoção.

10
8 1
9 2
11 2
13 1 2
Adolescentes
14 1
total 20

Portanto, hoje a “Casa Abrigo” desatende, especialmente, no


que se refere aà superlotaçaõ o e falta de salubridade, o seguinte mandamento legal:

“Art. 94. As entidades que desenvolvem programas de


internação têm as seguintes obrigações, entre outras:

VII - oferecer instalações físicas em condições adequadas de


habitabilidade, higiene, salubridade e segurança e os objetos necessários à higiene
pessoal;” (sem grifos no original)

5.2.2. Equipe de pessoal insuficiente

Em janeiro de 2009, quando naõ o havia a superlotaçaõ o atual,


a “Casa Abrigo” funcionava com: a) uma coordenadora, com formaçaõ o em
psicologia; b) oito cuidadoras em sistema de plantaõ o 12X36, portanto, sendo
apenas duas por turno; c) treê s vigias em sistema de plantaõ o 12X36, portanto, sendo
apenas um por turno; d) duas cozinheiras; e e) uma assistente social, da Secretaria
de Cidadania e Açaõ o Social.

EÁ exatamente o mesmo quadro encontrado em setembro de


2007, na primeira visita aà “Casa Abrigo”, que deu origem a este procedimento. Na
oportunidade, existiam na casa 12 menores, sendo um bebeê e treê s menores
especiais. Em ata, constou que, na entidade:

“São quatro funcionários durante o dia, sendo que um apenas


na cozinha e outro para cuidar da roupa, ficando apenas dois com os menores.
Durante a noite são duas funcionárias e a segurança. As funcionárias de contato
direto com os menores não têm qualificação profissional. Falta uma psicóloga e
assistente social permanente na casa”

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Percebe-se a completa ineó rcia do Poder Puó blico Municipal
que, mesmo diante da instauraçaõ o de inqueó rito civil pelo Ministeó rio Puó blico e das
inuó meras reunioõ es realizadas, conforme as atas que estaõ o no Inqueó rito Civil, que
serve de supedaê neo para a presente demanda, nada fez para melhorar a falta de
material humano e auseê ncia de capacitaçaõ o adequada.

EÁ bem verdade que, aà eó poca do iníócio das investigaçoõ es a


Coordenadora da casa tinha formaçaõ o em Direito e, agora, a nova ocupante deste
cargo eó Psicoó loga. No entanto, isto de pouco adianta porque, na praó tica, ela naõ o daó
atendimento pessoal para os menores, limitando-se a desempenhar as funçoõ es
burocraó ticas e de direçaõ o da unidade de atendimento, isto eó , funçoõ es
administrativas que naõ o exigem a formaçaõ o especíófica em psicologia. Quando as
orientaçoõ es teó cnicas apontam para a obrigaçaõ o de haver um profissional da aó rea da
psicologia – e um da aó rea social –, o faz para suprir a necessidade de elaboraçaõ o e
cumprimento de plano de trabalho para o menor abrigado e programas de
reinserçaõ o familiar e desabrigamento.

A falta de profissionais em nuó mero suficiente e devidamente


capacitados jaó geraram diversas situaçoõ es anormais, que jaó foram objeto de
tentativa de soluçaõ o pelo Ministeó rio Puó blico.

Consta na representaçaõ o acostada nos autos que, um dos


menores abrigados, no iníócio deste ano, logrou entrar na cozinha e se apoderar de
uma faca, proferindo ameaças.

Tambeó m estaõ o nos autos coó pias do caderno de ocorreê ncias


do abrigo, do segundo semestre de 2008, em que eó possíóvel notar situaçoõ es que
violam os direitos dos menores abandonados. Consta que, diante de situaçaõ o de
falta de controle sobre um dos abrigados, as pajens, sem ter a quem recorrer,
mantiveram contato com o Conselho Tutelar, que nenhum gereê ncia tem sob aquela
entidade. Em outra ocasiaõ o, referindo-se a um menor abrigado, a cuidadora anotou
que: “quis dar piti, dei uma engrossada e ele ficou pianinho” (sem grifos no original).
E acrescenta dizendo que o mesmo ocorreu com outro menor.

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Em outra passagem, em total desrespeito aà orientaçaõ o
meó dica, constou: “A médica passou pra ele (além dos remédios que já estava
tomando), o carbamazepina 1 comprimido de manhã e outro a noite, os outros
permanecem a 2 de manhã e 2 à noite. Os da tarde foram tirados. Porém a Maria
Luiza disse p/ tomar um carbamazepina a tarde e outro à noite e não de manhã.
Achei uma boa idéia, assim ele não fica sem remédio”.

No dia 19 de julho deste ano de 2009, quando houve vistoria


do Ministeó rio Puó blico “in loco” no abrigo, verificou-se, de forma cristalina, a
flagrante insuficieê ncia de funcionaó rios, eis que o vigia estava desempenhando as
funçoõ es de cuidador.

Estaõ o sendo desatendidas vaó rias normas baó sicas, entre elas,
o dever de respeito aà dignidade enquanto ser humano em desenvolvimento e o
dever de prevençaõ o, nos termos dos artigos seguintes do Estatuto da Criança e do
Adolescente:

“Art. 15. A criança e o adolescente têm direito à liberdade, ao


respeito e à dignidade como pessoas humanas em processo de desenvolvimento e
como sujeitos de direitos civis, humanos e sociais garantidos na Constituição e nas
leis.”

“Art. 70. É dever de todos prevenir a ocorrência de ameaça ou


violação dos direitos da criança e do adolescente.”

5.2.3. Estrutura física inadequada

Justiça seja feita, naõ o se pode deixar de anotar que a casa


segue os padroõ es da vizinhança e tem boa localizaçaõ o, trazendo aos menores a
realidade semelhante aà origem de suas famíólias.

No entanto, a estrutura fíósica ainda eó inadequada, apesar das


recentes reformas realizadas. O quintal lateral, que jaó era coberto, depois de ter
tido fechadas tambeó m as janelas laterais de grade com vidros, foi transformado no
refeitoó rio – sala de jantar e copa. Assim, o espaço antes destinado ao refeitoó rio

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pode servir para ampliaçaõ o de um dos quartos. O quintal frontal tambeó m foi
melhorado. No entanto, ainda existe apenas um banheiro e as dimensoõ es dos
quartos e sala naõ o comportam o nuó mero de menores que hoje ali estaõ o acolhidos.

A construçaõ o eó composta: a) um quintal frontal; b) um


refeitoó rio com duas mesas, sendo cada uma para, no maó ximo seis lugares; c) uma
cozinha; d) um quarto dotado de uma janela, com duas beliches, uma cama, uma
coê moda e uma prateleira pequena; e) um quarto dotado de uma janela, com treê s
beliches, quatro berços, duas coê modas, um trocador e um guarda-roupas; f) uma
sala com televisaõ o e dois sofaó s.

A entidade, portanto, naõ o obedece ao disposto no art. 94 do


Estatuto da Criança e do Adolescente, porque naõ o oferece “instalaçoõ es fíósicas em
condiçoõ es adequadas de habitabilidade”.

5.2.4. Falta de plano de trabalho para o menor abrigado com


programas de reinserção familiar e desabrigo

Existe um plano de trabalho inscrito no Conselho Municipal


de Direitos da Criança e do Adolescente – que, aliaó s, somente foi objeto de inscriçaõ o
em novembro de 2008, mais de 10 anos apoó s a instalaçaõ o do abrigo –, mas ele naõ o
atende todos os requisitos legais e tampouco estaõ o de acordo com as Orientaçoõ es
Teó cnicas do Governo Federal.

As crianças e adolescentes inseridas na “Casa Abrigo”


recebem atendimento psicoloó gico na rede municipal, naõ o havendo atençaõ o
individualizada, visando especialmente aà elaboraçaõ o de estudo psicossocial para
traçar plano de trabalho com as famíólias de origem e desabrigo. A falta de
entendimento sobre as razoõ es da institucionalizaçaõ o e a inexisteê ncia de programa
de reinserçaõ o familiar e desabrigo atrasam e, muitas vezes, impedem o retorno do
menor ao lar, seja para sua famíólia, seja para uma substituta, atitudes estas que
violam o Estatuto da Criança e do Adolescente.

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Naõ o rara vez a Coordenadora do abrigo menciona que sabe
muito pouco ou quase nada sobre as histoó rias de vida dos menores.

Recentemente duas crianças chegaram a ser entregues a um


casal interessado em adoçaõ o, mas, ao teó rmino do períóodo inicial de estaó gio de
conviveê ncia, apenas um das crianças decidiu que queria ser adotada. A outra,
nutrindo a expectativa de que retornaria para sua famíólia original, desistiu da
medida. Sua vontade foi aceita e, de qualquer modo, pelo constrangimento causado
com o casal interessado na adoçaõ o, a medida de colocaçaõ o naquela famíólia
substituta ficou inviabilizada.

Novamente em contato com a Coordenadora do abrigo, a


informaçaõ o era de que a menor naõ o estava sendo orientada corretamente sobre sua
situaçaõ o, qual seja, impossibilidade de retorno aà famíólia natural.

A “Casa Abrigo”, portanto, fere os seguintes mandamentos do


Estatuto da Criança e do Adolescente:

“Art. 92. As entidades que desenvolvam programas de abrigo


deverão adotar os seguintes princípios:

I - preservação dos vínculos familiares;

II - integração em família substituta, quando esgotados os


recursos de manutenção na família de origem;

(...)

VIII - preparação gradativa para o desligamento;”

6. NÃO ATENDIMENTO AO PRINCÍPIO DA PRIORIDADE ABSOLUTA PELA


PREFEITURA

A Administraçaõ o Puó blica de Rio Grande da Serra tem


mostrado que, ao contraó rio de seu discurso, naõ o coloca em praó tica o princíópio da
prioridade absoluta do atendimento da Infaê ncia e Juventude. Mesmo diante de

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todas estas irregularidades, apontadas nos itens anteriores, a Prefeitura opta por
investir em outros segmentos que, legalmente, naõ o teê m prioridade sob a Infaê ncia.

Foram comprados 225 ipeê s amarelos, pelo preço de R$


56.250,00, conforme termo de adjudicaçaõ o publicado na imprensa em 25 de
dezembro de 2009.

Durante investigaçoõ es do Ministeó rio Puó blico, no Inqueó rito


Civil nº 18/07, que tramita na Promotoria de Justiça de Rio Grande da Serra, a
respeito de irregularidades na criaçaõ o e nomeaçaõ o de cargos em comissaõ o, ficou
demonstrado que o Poder Puó blico Municipal manteó m inuó meros funcionaó rios em
aó reas de menor relevaê ncia, como: uma terapeuta de acupuntura, com carga horaó ria
de 20 horas semanais e um organizador de excursoõ es para a terceira idade que
recebem, em meó dia, R$ 1.200,00 por meê s. Anote que saõ o cargos comissionados,
portanto, de livre nomeaçaõ o e exoneraçaõ o, bem como sem qualquer relevaê ncia no
cotejo com o que preveê o ordenamento juríódico vigente no tocante aà infaê ncia e
juventude.

Isto sem falar nos recentes aumentos de vencimentos


concedidos a funcionaó rios comissionados, por meio de mudança de cargo, que
chegaram a 100%, quando a inflaçaõ o nos uó ltimos anos naõ o chegou sequer a 02
díógitos.

Por oportuno, destaca-se que, em razaõ o da investigaçaõ o a


respeito das irregularidades dos cargos em comissaõ o, a Prefeitura jaó exonerou, sem
que houvesse novas nomeaçoõ es, pelo menos 09 funcionaó rios, o que, por certo,
geraraó uma disponibilidade do eraó rio, que deve ser aplicado em conformidade com
os preceitos estabelecidos na Carta Magna, em especial o princíópio da prioridade
absoluta, esculpido no art. 227, caput.

7. INDIFERENÇA DO PODER PÚBLICO DURANTE AS INVESTIGAÇÕES DO


MINISTÉRIO PÚBLICO

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A instauraçaõ o do Inqueó rito Civil nº 04/08 deu-se com
fundamento faó tico na ata de vistoria realizada pelo Ministeó rio Puó blico e pelo Poder
Judiciaó rio na “Casa Abrigo” e no ofíócio nº 106/08 do Conselho Municipal dos
Direitos da Criança e do Adolescente endereçado ao Prefeito. As queixas iniciais,
em suma, eram a falta de funcionários capacitados e falta de programa de desabrigo.
Durante as investigaçoõ es, chegou-se aà informaçaõ o de que o local tambeó m carência
de condições normais sanitárias e de segurança, sequer possuindo alvaraó do corpo
de bombeiros e da vigilaê ncia sanitaó ria. Aleó m disto, tambeó m não tinha inscrição no
Conselho Municipal da Criança e do Adolescente, ao contraó rio do que preconiza o
art. 90, paraó grafo uó nico do Estatuto da Criança e do Adolescente.

Poucas provideê ncias foram tomadas durante o inqueó rito


civil, a custa de muitos ofíócios expedidos e cobranças pessoais das autoridades e
responsaó veis. Ateó o momento, quase um ano e meio apoó s a instauraçaõ o, apenas
foram regularizadas a inscriçaõ o no CMDCA, o que ocorreu em novembro de 2008, e
as irregularidades de segurança, obtendo-se o alvaraó do Corpo de Bombeiros em
junho deste ano de 2009.

Frise-se que os responsaó veis pela “Casa Abrigo” sequer


tomaram as medidas para a vistoria do Corpo de Bombeiros. O primeiro ofíócio
oriundo do Ministeó rio Puó blico requisitando tal provideê ncia foi recebido pela
Administraçaõ o Puó blica em abril de 2008. Ofíócios em reiteraçaõ o foram recebidos em
julho de 2008, setembro de 2008 e janeiro de 2009.

O quadro torna-se mais preocupante porque a proó pria “Casa


Abrigo”, ainda no endereço anterior, jaó havia sido alvo de inceê ndio, em 13 de
fevereiro de 1999. Isto sem falar que, recentemente, em setembro de 2008, um dos
menores, segundo anotaçoõ es do livro de ocorreê ncias, teria tentado colocar fogo no
banheiro.

A visita daquele oó rgaõ o para inspeçaõ o somente aconteceu por


força de requisiçaõ o do Ministeó rio Puó blico – em maio –, dirigida diretamente ao
Comandante do Corpo de Bombeiros. Em inspeçaõ o, foram anotadas

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irregularidades. Com isto expediu-se ofíócio para que a Municipalidade dissesse se
tinha interesse de firmar Termo e Ajustamento de Conduta, recebido no mesmo
meê s. Apenas assim, diante do concreto e proó ximo ingresso com açaõ o civil puó blica eó
que foram sanadas as imperfeiçoõ es, instalando-se extintores de inceê ndio e
transferindo os botijoõ es de gaó s GLP para local naõ o confinado.

No mais, a falta de funcionários capacitados, a ausência de


programa de desabrigo e a inexistência de condições sanitárias adequadas, dentre
outras irregularidades, naõ o foram supridas. E a situaçaõ o ainda se agravou, como
mencionado nos itens anteriores, com superlotação e constataçaõ o de que a
estrutura física é inadequada.

8. PEDIDO

Diante de todo o exposto, requer-se:

1. Liminarmente seja determinado que a requerida, com relaçaõ o aà “Casa Abrigo”,


criada pelo Decreto Municipal nº 1.286, de 03 de setembro de 1997, sob pena de
multa diaó ria de treê s salaó rios míónimos:
1.1. Em 10 (dez) dias, solucione-se a questaõ o da superlotação, deixando no abrigo
no maó ximo 15 (quinze) menores, ficando a cargo da requerida a forma legal de
soluçaõ o (ex. ampliar vagas no imoó vel ou proceder aà transfereê ncia dos menores,
apoó s preó via autorizaçaõ o judicial, para outros abrigos);
1.2. Em 10 (dez) dias, solucione a questaõ o do mau-cheiro no banheiro;
1.3. Em 48 horas, providencie pedido de expediçaõ o de alvará da Vigilância
Sanitaó ria Municipal e Estadual, apresentando o protocolo em Juíózo;
1.4. Execute as obras necessárias para obter o alvará da Vigilância Sanitaó ria
Municipal e Estadual, em 10 (dez) dias;

1.5. Em 10 (dez) dias, nomeie quantos cuidadores e auxiliares necessaó rios para
atender adequadamente os menores, nos termos desta inicial (uma equipe de
cuidadores e auxiliares, respectivamente com níóvel meó dio e níóvel fundamental,
sendo ambas com capacitaçaõ o especíófica na aó rea, sendo que, em cada turno, deve
haver um cuidador e um auxiliar para cada grupo de dez menores sem demandas

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especíóficas6, ou um cuidador e um auxiliar para cada oito menores, se entre eles
houver apenas um com demandas especíóficas, ou um cuidador e um auxiliar para
cada grupo de seis menores, no caso de haver dois ou mais usuaó rios com
demandas especíóficas. Isto sem falar nas equipes de vigilaê ncia, cozinha e limpeza
da casa)

2. Citação da requerida;
3. Seja dada procedência da açaõ o para condenar a requerida, com relaçaõ o aà “Casa
Abrigo”, criada pelo Decreto Municipal nº 1.286, de 03 de setembro de 1997, em 60
(sessenta dias), sob pena de multa diaó ria de treê s salaó rios míónimos:
3.1. Manter atendimento para grupo reduzido, de no maó ximo 20 menores;
3.2. Manter o aspecto físico do imoó vel, que deve ser em aó rea residencial, sem
distanciar-se excessivamente, do ponto de vista geograó fico e soó cio econoê mico,
da realidade de origem dos menores abrigados, e deve manter aspecto
semelhante ao de uma resideê ncia, de acordo com o padraõ o da comunidade, e,
sua fachada, naõ o deve ter placas indicativas da natureza institucional do
equipamento;

3.3. Adequar-se no que se refere a recursos humanos, para nomear a) um


coordenador com formaçaõ o míónima em níóvel superior e experieê ncia na aó rea; b)
uma equipe teó cnica com dois profissionais, sendo uma assistente social e um
psicoó logo, para atendimento para cada grupo de 20 menores, com carga horaó ria
de 40 horas semanais; c) uma equipe de cuidadores e auxiliares,
respectivamente com níóvel meó dio e níóvel fundamental, sendo ambas com
capacitaçaõ o especíófica na aó rea, sendo que, em cada turno, deve haver um
cuidador e um auxiliar para cada grupo de dez menores sem demandas
especíóficas7, ou um cuidador e um auxiliar para cada oito menores, se entre eles
houver apenas um com demandas especíóficas, ou um cuidador e um auxiliar
para cada grupo de seis menores, no caso de haver dois ou mais usuaó rios com
demandas especíóficas. Isto sem falar nas equipes de vigilaê ncia, cozinha e
limpeza da casa. Deve haver pelo menos um vigia em tempo integral e um
6
Demanda específica é aquela que requer maior atenção do cuidado, como menor com deficiência,
necessidades específicas de saúde ou idade inferior a um ano.
7
Demanda específica é aquela que requer maior atenção do cuidado, como menor com deficiência,
necessidades específicas de saúde ou idade inferior a um ano.

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profissional para limpeza e outro para a cozinha, em 40 horas semanais, para
garantir o míónimo de segurança e limpeza ao ambiente e a alimentaçaõ o dos
menores;

3.4. Adequar-se no que se refere a infra-estrutura, nos seguintes termos: a)


quartos: com no maó ximo 6 menores, sendo no míónimo 2,25m 2 para cada
ocupante, com espaço para guarda dos objetos e vestimentas pessoais de modo
individualizado; b) sala de estar ou similar: com metragem míónima de 1m 2 para
cada ocupante (incluindo os cuidadores e auxiliares); c) sala de jantar e copa:
com metragem míónima de 1m2 para cada ocupante (incluindo os cuidadores e
auxiliares); d) ambiente para estudo: que pode ser em coê modo proó prio ou no
mesmo local do quarto, caso em que este teraó a dimensaõ o de 3,25m 2 para cada
ocupante; e) banheiro: com um lavatoó rio, um vaso sanitaó rio e um chuveiro para
cada grupo de 5 menores, sendo que ao menos um deles tem de ser adaptado
para menores com deficieê ncia; f) lavado para funcionaó rios: com um lavatoó rio e
um vaso sanitaó rio; g) cozinha; h) aó rea de serviço; i) aó rea externa: com espaço
que possibilite o convíóvio e brincadeiras, mas sem equipamentos que estejam
fora do padraõ o da realidade dos menores abrigados; j) sala para equipe teó cnica:
destinada ao desenvolvimento das atividades de natureza teó cnica, em imoó vel
separado da moradia dos menores; l) sala de coordenaçaõ o e atividades
administrativas: destinada a aó rea contaó bil, financeira, documental, logíóstica etc.,
com prontuaó rios individuais dos menores, em imoó vel separado da moradia dos
menores; m) sala de reunioõ es: destinada a realizaçaõ o de reunioõ es de equipe e de
atividades grupais com as famíólias de origem;
3.5. Adequar o plano de trabalho e implantaó -lo, contemplando: a) detalhamento
da estrutura fíósica, que deve garantir espaços privados e adequados ao
desenvolvimento da criança e do adolescente: nos termos jaó expostos neste item
(aspectos fíósicos e infra-estrutura); b) atitude receptiva e acolhedora no
momento da chegada do menor, durante o processo de adaptaçaõ o e
permaneê ncia: na acolhida deve haver apresentaçaõ o do espaço fíósico da casa, dos
outros menores, dos profissionais e do espaço privado (cama, armaó rio, etc.) – no
processo de adaptaçaõ o e permaneê ncia deve os cuidadores conversarem com o

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abrigado, colhendo as suas impressoõ es e esclarecendo-o as razoõ es do
abrigamento; c) naõ o desmembramento de grupos de menores com víónculos de
parentesco; d) relaçaõ o afetiva e individualizada com cuidadores; e) definiçaõ o do
papel e valorizaçaõ o dos cuidadores, que devem ter suas opinioõ es ouvidas nos
estudos realizados; f) organizaçaõ o de registros sobre a histoó ria de vida e
desenvolvimento de cada abrigado; g) preservaçaõ o e fortalecimento da
conviveê ncia comunitaó ria; h) desligamento gradativo, preparando naõ o apenas o
menor que estaó saindo, como tambeó m os que permaneceraõ o na casa e a equipe
profissional; i) articulaçaõ o intersetorial para o desenvolvimento das açoõ es:
contato perioó dico com Conselho Tutelar, Justiça da Vara da Infaê ncia e Juventude,
Ministeó rio Puó blico, unidades da Rede de Atendimento do municíópio e outros,
com reunioõ es; j) previsaõ o de capacitaçaõ o e formaçaõ o contíónua do profissional;
3.6. Criar e implantar programa de reinserçaõ o familiar e desabrigo, prevendo: a)
elaboraçaõ o de estudo psicossocial do menor e seu nuó cleo familiar, inclusive com
visita domiciliar, logo apoó s sua chegada; b) com base neste estudo, criaçaõ o e
implementaçaõ o de plano de atendimento individual para o menor, com vistas aà
sua reinserçaõ o familiar ou colocaçaõ o em famíólia substituta, conforme o ponto de
vista do que for mais beneó fico ao menor e possíóvel; c) fortalecimento da
autonomia do menor, ouvindo-o e considerando suas opinioõ es; d) reavaliaçaõ o
individual a cada seis meses, com comunicaçaõ o dos resultados aà Vara da Infaê ncia
e Juventude;

3.7. Garantir condições sanitárias, obtendo-se o alvaraó da Vigilaê ncia Sanitaó ria
Municipal e Estadual, inclusive solucionando a questaõ o do mau cheiro do
banheiro.
4. Requisite-se da requerida a planta do imóvel e a lista com todos os funcionários
atualmente na “Casa Abrigo”, indicando seus nomes, suas funçoõ es e carga horaó ria,
bem como quantos profissionais e em quais funçoõ es existem em cada turno
(diurno e noturno, dias uó teis e finais de semana);
5. Provar o alegado por todos os meios de prova admissíóveis em direito, sem
exceçaõ o de nenhum, especialmente pelo depoimento das testemunhas a seguir

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arroladas, bem como produçaõ o de prova documental, períócia, estudo social, se
necessaó rio.
6. Daó -se aà causa o valor de R$ 1.000,00 para efeitos de alçada, aguardando isençaõ o
de custas.

Rol de testemunhas:

1. Elaine – Coordenadora da Casa Abrigo


2. Edeuvis Gomes de Oliveira – cuidadora
3. Dalila Evaristo Borges – cuidadora
4. Clarice Lima Silva – cuidadora
5. Celia Alves Andrade – cuidadora
6. Rilsimar Toledo – cuidadora
7. Neusa da Silva Santiago – cuidadora
8. Maria da Conceiçaõ o Pereira de Souza – cuidadora
9. Maria Aparecida Nascimento – cuidadora
10. Maria Aparecida Costa – cuidadora
11. Maria Aparecida Augusto Barros – cuidadora
12. Janaina Leite da Silva – cuidadora
13. Aila Martins Arauó jo Oliveira – cuidadora
14. Kaó tia Veroê nica Pontes – Conselheira Tutelar
15. Elaine Cristina Santos Silva – Conselheira Tutelar

Rio Grande da Serra, 28 de setembro de 2009.

SANDRA REIMBERG
Promotora de Justiça

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