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SBPJor – Associação Brasileira de Pesquisadores em Jornalismo

15º Encontro Nacional de Pesquisadores em Jornalismo


ECA/USP – São Paulo – Novembro de 2017
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As personagens jornalísticas nas narrativas radiofônicas:


o lugar do ouvinte
Mirian Redin de Quadros

Resumo: O artigo discute quem são e que papel desempenham as personagens jornalísticas que
ganham voz nas narrativas radiofônicas, especialmente o lugar ocupado pelo ouvinte. Para isso,
toma como referência a Análise Crítica da Narrativa, com base em Motta (2013). Apresenta
considerações a partir da análise de narrativas configuradas no programa Gaúcha Atualidade, da
Rádio Gaúcha, sobre três acontecimentos distintos: a queda de uma marquise, protestos contra
reformas do governo e um dia de chuva intensa na capital gaúcha. A partir de uma análise quan-
ti e qualitativa, o artigo discute qual o espaço e o papel ocupado pelos ouvintes que, ao interagi-
rem com a emissora, são elevados à posição de personagens jornalísticas, exercendo diferentes
funções, de acordo com o projeto dramático adotado pela rádio em suas narrativas.

Palavras-chave: Rádio; Jornalismo; Participação do ouvinte; Personagens jornalísticas; Análise


Crítica da Narrativa.

1. Considerações iniciais
A interação com os ouvintes faz parte da história do rádio (QUADROS; LOPES,
2014). Desde quando ainda experimentava suas primeiras transmissões ao redor do
mundo, no início do século passado, esta mídia já era vista como uma possível ferra-
menta para uma comunicação mais horizontalizada. Bertolt Brecht (2005, p. 42) foi um
dos pensadores que anteviu este potencial, antecipando, em escritos publicados na déca-
da de 1930, que o rádio poderia ser “o mais fabuloso meio de comunicação imaginável
na vida pública [...] se não somente fosse capaz de emitir, como também de receber;
portanto, se conseguisse não apenas se fazer escutar pelo ouvinte, mas também pôr-se
em comunicação com ele”. Hoje, quando nos aproximamos do centenário do rádio bra-
sileiro, a previsão de Brecht parece mais próxima da realidade – mesmo que ainda não
com o caráter democrático que o pensador alemão defendia.

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As tecnologias de comunicação e informação digitais tornaram a relação entre


ouvintes e emissoras de rádio mais acessível e ágil. Não afirmamos aqui que o rádio
hoje é mais interativo que antes. É a intensidade das interações e a instantaneidade com
que elas ocorrem hoje que torna este período tão peculiar.
Nossa reflexão neste artigo parte de questionamentos sobre quem fala no rádio.
Nosso foco, entretanto, recai sobre o ouvinte que interage e conquista um espaço nas
narrativas construídas pelo rádio: aquele ouvinte que envia mensagem pelo aplicativo
do smartphone, que posta comentários em um site de rede social ou que ainda telefona
para a emissora e tem sua contribuição levada ao ar – e que denominamos, outrora, co-
mo ouvinte-enunciador (QUADROS; AMARAL, 2016). A inquietação que nos leva à
pesquisa é descortinar que critérios ou circunstâncias o habilitam a ocupar um papel nas
narrativas radiofônicas.
Partimos do pressuposto de que, por mais acessível que o rádio esteja hoje diante
das diversas ferramentas de comunicação digital e de um perfil cada vez mais ativo da
audiência, o meio não pode ser visto como efetivamente democrático ou plural. O con-
trole sobre a enunciação da narrativa radiofônica ainda se concentra no veículo e seus
profissionais. É o jornalista ou o radialista à frente do microfone quem, geralmente, de-
cide quem fala, de acordo com as determinações e os constrangimentos impostos pelo
veículo. O ouvinte-enunciador, nesse contexto, ainda está subordinado ao poder – e aos
interesses – de outros atores.
O aporte teórico e metodológico da Análise da Narrativa nos ajuda a entender
esse processo. Assumindo, com base em Motta (2013), que toda narrativa é intencional
e argumentativa, entendemos que até mesmo a escolha de qual mensagem será lida no
ar ou qual ouvinte terá voz na narrativa estão alinhados a um determinado projeto dra-
mático. Como se dá essa seleção no dia a dia do rádio informativo? Que fatores levam o
jornalista de rádio a acionar o ouvinte e torná-lo personagem da narrativa?
Para refletirmos acerca destas questões, analisamos narrativas veiculadas no
programa Gaúcha Atualidade, da Rádio Gaúcha, entre julho e outubro de 2016. Selecio-
namos três diferentes casos que se configuram como narrativas em que os ouvintes tive-
ram destaque. Articulando princípios da Análise de Conteúdo (BARDIN, 1977) e mo-
vimentos da Análise Crítica da Narrativa (MOTTA, 2013), buscamos identificar os ou-

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vintes-enunciadores, identificando seus papeis em cada uma das narrativas. Apresenta-


mos, adiante, nossas principais observações, após uma breve discussão introdutória, de
cunho teórico.

2. Narrativas jornalísticas radiofônicas


As bases que fundamentam as reflexões sobre narrativas vêm de uma tradição
impressa. Desde as análises estruturais da narrativa, com Barthes, Todorov, Genette e
outros pensadores Estruturalistas e Formalistas, até a proposta de análise pragmática,
sugerida por Motta (2013), o foco de estudo vem recaindo sobre produtos impressos,
sejam livros, contos, reportagens ou notícias de jornal. Os métodos de análise, dessa
forma, consideram, fundamentalmente, elementos textuais e discursivos. Neste artigo,
apropriamo-nos de pressupostos da Análise Crítica da Narrativa (MOTTA, 2013) para
investigarmos uma mídia originalmente sonora, o que nos exige considerar elementos
para além das textualidades, ampliando nosso olhar para características peculiares ao
rádio, como a linguagem sonora, a emissão continuada, a transmissão em tempo real e a
interação com seus públicos.
Compreender o jornalismo radiofônico como uma narrativa, então, requer uma
visada que vá além do texto, dos gêneros e formatos. Não significa ignorar esses ele-
mentos, mas, sim, considerá-los dentro de um contexto, buscando perceber o que eles
ensinam, reforçam, revelam ou silenciam. Tal qual o jornalismo impresso, o rádio in-
formativo não se limita a relatar os acontecimentos por meio de palavras, sons e demais
recursos. Sua narrativa é um recorte, uma versão dos fatos, organizados de forma inten-
cional (informar, ensinar, emocionar, atribuir responsabilidades, provocar indignação,
entre outras) e refletindo uma série de vinculações sociais: as escolhas do repórter, os
constrangimentos organizacionais, a pressão do tempo, a busca pela instantaneidade, o
contexto geográfico, histórico e cultural. Assim, ao dirigirmos um olhar hermenêutico
para a narrativa radiofônica podemos perceber seus significados mais profundos, além
das disputas pelo poder de voz subjacentes aos conteúdos levados ao ar.
Interpretar o jornalismo de rádio como uma narrativa, portanto, não significa
buscar somente na estrutura textual das notícias os elementos que as caracterizam como
uma narração. É preciso considerar o processo de narrar, entendendo-o como um modo

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de articular experiências e sujeitos, dentro de um contexto lógico e temporal. A narrati-


va jornalística não se restringe a um conjunto de procedimentos técnicos de escrita, mas
reconhece o jornalismo como fenômeno simbólico e cultural. Por isso, concordamos
com Leal (2013, p. 28) quando este afirma que “narrar é estabelecer um modo de com-
preensão do mundo, de configurar experiências e realidades”.
As narrativas jornalísticas e, especialmente as radiofônicas, porém, guardam pe-
culiaridades que as distinguem de outras narrativas. A fragmentação e a efemeridade
são duas características importantes que devemos considerar. As histórias do tempo
presente relatadas diariamente pelo jornalismo surgem serializadas nas páginas dos jor-
nais, nas edições noticiosas do rádio e da TV. Sua narratividade, por isso, é mais com-
plexa, emergindo de uma dupla ação: primeiro pelo trabalho simbólico do jornalista que
narra os fatos e os insere em um contexto; e em seguida pela ação da audiência no mo-
mento da recepção, ao conectar os fragmentos serializados da realidade reconfigurando
uma narrativa ampliada.

3. As personagens jornalísticas
Enquanto dispositivo discursivo e, portanto, argumentativo, a narrativa é, também,
um espaço de disputas, em que distintos interlocutores buscam sobrepor suas versões e
pontos de vista acerca da realidade representada. A narrativa jornalística, dessa forma, é
construída pela articulação de diferentes vozes. Para compreender o funcionamento des-
sas vozes, recorremos à metáfora dos balões sucessivos proposta por Genette (1998) e
adaptada ao estudo do jornalismo por Motta (2013).
O modelo apresenta três narradores. O primeiro narrador equivale ao veículo
jornalístico. A ele está subordinado o segundo-narrador, o jornalista, responsável por
configurar a narrativa, de acordo com os limites e constrangimentos implicados pelo
primeiro-narrador. Já o terceiro-narrador, subordinado ao jornalista, equivale às perso-
nagens da narrativa, que representam, principalmente, as fontes ouvidas e acionadas na
construção do texto.
Categoria intradiegética da narrativa, a personagem, então, é uma criação do nar-
rador, inserida em um projeto dramático. No Jornalismo, podemos entender como per-
sonagens os sujeitos em torno de quem a narrativa é construída, bem como as fontes

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ouvidas e para as quais o jornalista dá voz na construção da notícia. As personagens


podem ser identificadas na forma de citações diretas, entre aspas (principalmente em
narrativas textuais), em entrevistas ou depoimentos (comuns em narrativas televisuais e
radiofônicas), ou ainda em discursos indiretos, em que a fala da fonte é enunciada por
meio da voz do segundo narrador.
Aqui se faz necessária uma discussão sobre o conceito de fonte jornalística e até
onde ele nos serve para caracterizar o ouvinte que participa e interage com as emissoras
de rádio, contribuindo com a configuração da narrativa. As fontes jornalísticas são defi-
nidas por teóricos em jornalismo como os agentes sociais, sejam eles instituições, gru-
pos ou indivíduos (bem como os vestígios por eles produzidos, como documentos, dis-
cursos ou dados) que se dispõem a fornecer informações consideradas de interesse pú-
blico para a produção das notícias (LAGE, 2011). Há poucas reflexões, entretanto, que
qualificam o ouvinte/leitor/telespectador como uma possível fonte para o jornalismo.
Poderíamos associá-lo à categoria de fonte testemunhal, entretanto, nem sempre este
receptor que interage o faz com o objetivo de relatar uma experiência; muitas vezes sua
participação tem caráter opinativo ou questionador. Talvez a categoria mais próxima
seja a de fonte popular, definida por Schmitz (2011) como uma pessoa comum que se
manifesta por si mesma e não por um grupo ou organização social específica. Na narra-
tiva jornalística, essa fonte popular geralmente desempenha o papel de vítima, testemu-
nha ou cidadão reivindicador, sendo acionada para testemunhar ou contextualizar algum
fato cotidiano.
Anteriormente, denominamos este ouvinte que ganha voz na narrativa como ou-
vinte-enunciador (QUADROS; AMARAL, 2016), diferenciando-o dos demais recepto-
res que somente consomem a programação radiofônica sem interagir com o meio. O
ouvinte-enunciador é o que busca estabelecer uma relação com a emissora, utilizando-se
de ferramentas interativas para enviar informações, opiniões, perguntas, correções ou
críticas e que tem sua voz, ainda que de forma indireta, inserida na narrativa.

4. Procedimentos metodológicos e objeto de estudo

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A fim de operacionalizarmos a discussão proposta, tomamos como referência os


movimentos sistematizados na Análise Crítica da Narrativa, sugerida por Motta (2013).
Nos valemos, também, de preceitos da Análise de Conteúdo, conforme Bardin (1977).
O método proposto por Motta (2013) considera a narrativa como um ato de fala
entre dois (ou mais) interlocutores em contexto. O objetivo do método é desvelar os
efeitos de sentido que a narração sugere, com base na análise das marcas discursivas
deixadas pelo narrador em relação às personagens do texto. Interessa à análise narrativa,
entre outras possibilidades,

descortinar que relação se constitui entre o narrador e a audiência por


meio das características impostas às personagens pelo narrador, como
a criação de tipos, o uso de estereótipos, de caricaturas grotescas, etc.
Da mesma maneira, investigar as razões estratégicas da realização de
peripécias pelas personagens, a intenção por trás dos papéis e funções
desempenhadas por elas na estória, etc. (MOTTA, 2013, p. 183).

Para tanto, Motta (2013) sugere sete movimentos analíticos, que promovem a
desconstrução da narrativa, evidenciando aspectos como as intenções dos narradores, as
estratégias enunciativas empregadas, a caracterização das personagens, os recursos de
encadeamento dos fatos, entre outros. A análise individualizada destes elementos permi-
te ao analista descortinar o processo e o contexto de configuração da narrativa, inclusive
os conflitos pelo poder de enunciação, fator que nos interessa de forma particular.
Dentre os movimentos indicados por Motta, nos concentramos em três deles:
 1º movimento: compreender a intriga como síntese do heterogêneo: este movi-
mento tem como objetivo compreender a intriga central da narrativa;
 4º movimento: permitir ao conflito dramático se revelar: visa identificar o frame
cognitivo da narrativa, ou seja, o enquadramento ou ponto de vista a partir do
qual o narrador organiza os elementos;
 5º movimento: personagem – metamorfose de pessoa a persona: leva à identifi-
cação e caracterização das personagens da narrativa, seus espaços e designantes.
De forma complementar à Análise da Narrativa, nos baseamos nos pressupostos
da Análise de Conteúdo, com base em Bardin (1977), para obter elementos quantitati-

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vos acerca do número de personagens presentes nas narrativas, dos designantes textuais
empregados pelos narradores e do tempo ocupado por cada personagem.

4.1 O programa Gaúcha Atualidade


Antes de apresentarmos o programa analisado, cabe contextualizarmos, breve-
mente, a emissora em que o mesmo é veiculado. Fundada em fevereiro de 1927, em
Porto Alegre, a Rádio Gaúcha caracteriza-se como uma emissora informativa, com pro-
gramação essencialmente dedicada ao jornalismo e esporte. Transmite em AM, FM e
via streaming. Mantém sedes também em Santa Maria, Pelotas e Caxias do Sul, além de
encabeçar a rede Gaúcha SAT, atualmente presente em sete estados brasileiros, por
meio de mais de 140 emissoras afiliadas. É a emissora FM mais ouvida na região Me-
tropolitana de Porto Alegre, sendo a única informativa, conforme medição realizada
pelo Ibope Media, entre os meses de abril e junho de 2017 (EXCLUSIVO..., 2017).
Caracterizado como um programa de talk and news, o Gaúcha Atualidade é
apresentado de segunda à sexta-feira, das 8h10 às 10h, pelo âncora Daniel Scola, e duas
apresentadoras/comentaristas, Rosane de Oliveira e Carolina Bahia (que fala desde Bra-
sília). O roteiro do programa geralmente inclui entrevistas ao vivo, participação de re-
pórteres da emissora com informações atualizadas e interações com ouvintes, geralmen-
te por meio de ferramentas como aplicativos de celular e sites de redes sociais.
No programa Gaúcha Atualidade identificamos quatro tipos de enunciadores: a)
os apresentadores Daniel Scola, Carolina Bahia e Rosane de Oliveira, sendo que Scola
assume o protagonismo da enunciação, geralmente conduzindo o roteiro e dando voz
aos demais sujeitos, por isso o identificamos como o âncora; b) os repórteres e outros
comentaristas da Rádio Gaúcha que têm voz ativa e são constantemente chamados por
Scola e inseridos na programação com informações atualizadas e análises temáticas; c)
os entrevistados, também introduzidos por Scola, são autoridades ou especialistas que
participam ao vivo, presencialmente ou via telefone, respondendo às questões dos apre-
sentadores; e d) os ouvintes que participam por meio dos aplicativos de celular e sites de
redes sociais, enviando informações, perguntas, opiniões e críticas que são lidas no ar,
geralmente por Rosane de Oliveira, portanto, com voz passiva

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5. Análise das narrativas


Para esta análise selecionamos três narrativas configuradas no interior do pro-
grama Gaúcha Atualidade, coletadas entre julho e outubro de 2016. As narrativas esco-
lhidas foram:
 Primeira narrativa: a queda de uma marquise no centro de Porto Alegre, ocorri-
da em 21 de julho de 2016;
 Segunda narrativa: um dia de protestos na capital, em 22 de setembro de 2016;
 Terceira narrativa: chuva intensa, alagamentos e trânsito congestionado na regi-
ão Metropolitana de Porto Alegre, de 17 de outubro de 2016.
A seleção destes casos levou em consideração a configuração de uma narrativa
no interior do programa e a intensa participação dos ouvintes. Optamos, também, por
analisar três narrativas sobre casos distintos, visando justamente observar as diferentes
funções desempenhadas pelos ouvintes-enunciadores e, consequentemente, identificar
os critérios e condições que levam os jornalistas a acionarem estas personagens.

5.1 Primeira narrativa: a queda de uma marquise no centro de Porto Alegre


5.1.1 A intriga
O Gaúcha Atualidade do dia 21 de julho de 2016, iniciou com uma pauta atípica.
O programa deu continuidade à cobertura de um acontecimento trágico ocorrido na ma-
drugada: um incêndio em um centro de reabilitação de dependentes químicos, no muni-
cípio de Arroio dos Ratos (distante pouco mais de 60 quilômetros da capital gaúcha),
que vitimou sete internos. Poucos minutos após a abertura do programa, no entanto, a
informação sobre outra tragédia, desta vez no centro de Porto Alegre reordenou a pauta
do programa.
Por volta das 8 horas, a marquise de um prédio em reformas, localizado na Rua
Annes Dias, desabou atingindo duas mulheres. Uma delas, de 34 anos, morreu no local.
A outra, de 59 anos, teve ferimentos e foi levada ao Hospital de Pronto Socorro. A in-
formação chegou ao programa Gaúcha Atualidade por meio de uma mensagem enviada
por ouvinte e lida no ar pela apresentadora e comentarista Rosane de Oliveira. A repor-
tagem da emissora foi imediatamente acionada e colocada em movimentação. Enquanto
isso, os ouvintes continuaram contribuindo com informações do local.
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Pouco antes das 9 horas, o repórter Cid Martins chega ao local do acidente, de
onde descreve em detalhes a localização e as condições do prédio. Martins também en-
trevista fontes oficiais, como um sargento do Corpo de Bombeiros e um agente da Defe-
sa Civil, e fontes independentes, como o subsíndico do prédio em reformas, e, mais tar-
de, em uma segunda entrada ao vivo, um familiar da mulher morta no desabamento.
Com a atuação da reportagem in loco e o esclarecimento dos principais elemen-
tos daquele acontecimento imprevisto, a narrativa sobre o caso toma outro rumo, vol-
tando-se à explicação das causas e busca por responsáveis pelo acidente. Essa virada na
narrativa foi marcada pela realização de uma entrevista, via telefone, pelos apresentado-
res Daniel Scola e Rosane de Oliveira, com o secretário adjunto da Secretaria Municipal
de Urbanismo (Smurb) de Porto Alegre, às 9h30. As mensagens enviadas pelos ouvintes
e inseridas no programa, por Rosane de Oliveira, também mudaram de enfoque, passan-
do a reforçar os questionamentos sobre as causas do acidente.
A narrativa sobre a queda da marquise no centro de Porto Alegre não encerrou-
se no programa Gaúcha Atualidade, estendendo-se ao longo da programação da Rádio.
No programa Gaúcha Atualidade, a narrativa sobre o caso foi composta por 15 sequên-
cias narrativas (SNs), que totalizaram 32’55s do programa. Das SNs identificadas, sete
foram classificadas como Participação do Ouvinte (6’05s), quatro como Reportagem
(21’06s), três Teasers1 (1’23s) e uma Entrevista (4’21s).

5.1.2 As personagens
Os segundos-narradores – que, como vimos anteriormente, conforme o modelo
de Genette (1996) adaptado por Motta (2013), equivalem aos jornalistas – são represen-
tados, nesta narrativa, pelo âncora do programa, Daniel Scola, a apresentadora e comen-
tarista Rosane de Oliveira, o repórter Cid Martins e o produtor Tiago Boff.
Os terceiros-narradores são as personagens da narrativa, sujeitos que ganham
voz, subordinados aos segundos-narradores. Neste caso, podemos dividi-los em duas
categorias: as fontes ouvidas pela reportagem e os ouvintes que interagiram com a emis-
sora, enviando informações e comentários sobre o acidente.
1
Consideramos como teaser as breves menções dos apresentadores aos casos narrados, geralmente na
abertura e encerramento dos blocos. Semelhantes às suítes, os teasers ajudam a chamar a atenção do ou-
vinte para novas informações ou a continuidade da narrativa, funcionando como elementos de coesão.

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Cinco fontes conquistaram um lugar de fala na narrativa: um sargento do Corpo


de Bombeiros, um agente da Defesa Civil, o subsíndico do prédio cuja marquise desa-
bou, um familiar da mulher morta no acidente e o Secretário Municipal de Urbanismo
de Porto Alegre. A ETPC também é mencionada como fonte, porém com voz passiva,
através do relato do repórter Cid Martins.
Já os ouvintes são convocados como personagens da narrativa em sete sequên-
cias. Rosane de Oliveira e Daniel Scola mencionam os ouvintes 15 vezes durante a co-
bertura. Destas, entretanto, em apenas duas há a identificação pelo nome e em uma pela
profissão. Afora estas menções, as demais são genéricas. Os ouvintes são identificados
por expressões como “vários ouvintes”, “nossos ouvintes” ou “outro ouvinte”.
Interessante observarmos, também, como se deu o acionamento dos ouvintes ao
longo da narrativa e como suas funções no relato da estória foram sendo alteradas. As
primeiras mensagens de ouvintes mencionadas no programa traziam informações acerca
do acidente, descrevendo a situação da obra e relatando o atendimento das vítimas. À
medida que o repórter chega ao local, pouco antes das 9 horas, o papel da audiência
muda. Nesta segunda “fase” da narrativa, é o repórter quem passa a atualizar os fatos,
enquanto os ouvintes contribuem com opiniões.

5.2 Segunda narrativa: um dia de protestos na capital


5.2.1 A intriga
Em 22 de setembro de 2016, o Gaúcha Atualidade foi ao ar com uma pauta pro-
gramada: a cobertura do Dia Nacional de Paralisação e Mobilização, convocado pelas
centrais sindicais, contra o conjunto de reformas propostas pelo presidente Michel Te-
mer. Desde o início do programa, o âncora Daniel Scola deu destaque à atuação da re-
portagem da emissora, distribuída em regiões estratégicas da capital para acompanhar as
principais mobilizações. Também desde a abertura do programa é apresentado o enqua-
dramento – ou projeto dramático – da narrativa que começa a ser construída: os trans-
tornos no trânsito provocados pelos manifestantes.
A narrativa nesse dia se mostra bastante linear, ancorada nos relatos dos repórteres
que realizam várias entradas ao vivo. Vitor Rosa e Daniel Fraga acompanham duas pas-

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seatas, em locais distintos, informando sobre os avanços dos manifestantes pelas princi-
pais vias da capital gaúcha e o impacto no trânsito.
A narrativa sobre o dia de protestos, no Gaúcha Atualidade, foi composta por 22
sequências narrativas, que ocuparam 23’24s do programa. Destas, 10 foram identifica-
das como Reportagem (14’15s), quatro como Participação do Ouvinte (4’16s), três co-
mo Teaser (41s), duas como Manchete (1’06s), e outras três como Entrevista (1’17s),
Notícia (43s) e Comentário (1’06s). Assim como no caso anterior, esta narrativa não se
encerra no Gaúcha Atualidade, estendendo-se ao longo da programação da emissora.

5.2.2 As personagens
Ocupam as posições de segundos-narradores, nesta narrativa, os profissionais da
emissora: o âncora Daniel Scola, as apresentadoras e comentaristas Rosane de Oliveira
e Carolina Bahia (de Brasília), e os repórteres Vitor Rosa, Daniel Fraga e Caroline Ávi-
la. Já os terceiros-narradores, as personagens da narrativa, novamente podem ser dividi-
dos entre fontes oficiais e audiência.
Nesta narrativa, as fontes e os ouvintes ocupam um espaço reduzido, em relação
à participação dos repórteres. Quantitativamente, os repórteres ocupam 14’15s da narra-
tiva, enquanto as fontes e ouvintes são restritos a 5’33s. As fontes, além disso, não têm
voz ativa: a EPTC e a Polícia Rodoviária Federal (PRF) são mencionadas através dos
apresentadores e repórteres. A terceira fonte a ocupar um espaço na narrativa é a então
candidata à Prefeitura de Porto Alegre Luciana Genro 2, que foi questionada acerca de
sua postura em relação às manifestações. Nenhum manifestante ou liderança sindical
envolvida no protesto foi ouvida pela reportagem.
Os ouvintes foram mencionados seis vezes, em quatro sequências narrativas.
Três menções têm caráter genérico, em que foram empregadas expressões como “ouvin-
te”, “muitos ouvintes” e “vários ouvintes”. Em outras duas situações, os ouvintes foram
identificados pelo nome e sobrenome, e, em um caso, com nome e localização: “Jéfer-
son, de Alvorada”.

2
Durante os meses de setembro e outubro, o programa Gaúcha Atualidade realizou uma série de entrevis-
tas com os candidatos que concorriam à prefeitura de Porto Alegre, nas Eleições Municipais de 2016.

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O acionamento dos ouvintes nesta narrativa se dá com diferentes funções. Pelo


menos três mensagens têm caráter informativo, referindo-se às manifestações em Santa
Cruz do Sul e sobre o içamento do vão móvel da ponte sobre o Rio Guaíba. Um ouvinte
reclama sobre o comportamento dos motoristas. Outras duas menções parecem reforçar
o projeto dramático da narrativa, questionando as mobilizações.
Apesar das mensagens trazerem posicionamentos distintos em relação às mani-
festações, as reações dos apresentadores reforçam o projeto dramático adotado na confi-
guração da narrativa pela Rádio Gaúcha, no programa Gaúcha Atualidade. As reivindi-
cações dos manifestantes são silenciadas e os protestos criticados pelo transtorno que
causam ao trânsito da capital.

5.3 Terceira narrativa: chuva intensa, alagamentos e trânsito congestionado


5.3.1 A intriga
A instabilidade climática e suas consequências foram a pauta principal do Gaú-
cha Atualidade do dia 17 de outubro de 2016. Chuvas intensas, acompanhadas de ventos
fortes e queda de granizo, desde a madrugada, resultaram em ruas alagadas, árvores
caídas, interrupções no fornecimento de energia elétrica e muitos pontos de congestio-
namento na região metropolitana de Porto Alegre. A narrativa sobre este dia articulou a
participação de repórteres, espalhados por diferentes pontos da capital e cidades vizi-
nhas, e a contribuição de ouvintes, que relatavam os problemas urbanos enfrentados em
decorrência dos temporais. Logo de início, Daniel Scola destaca a atuação da reporta-
gem e, em seguida, convida os ouvintes a participarem por meio do envio de mensagem
pelo aplicativo Whatsapp – algo que não aconteceu nos dois outros casos analisados.
A narrativa se concentra no relato sobre a situação das principais vias de Porto
Alegre, com repórteres informando quais ruas e avenidas encontram-se mais congestio-
nadas, bem como indicando rotas alternativas. Os ouvintes colaboram com a narrativa,
trazendo testemunhos de outros pontos da cidade. Conflitos secundários se somam à
narrativa por meio da atuação da reportagem e das contribuições dos ouvintes: os pro-
blemas nos semáforos, a ausência de profissionais (“azuizinhos”) orientado o trânsito, a
falta de energia elétrica, o mau comportamento dos motoristas, os carros em pane me-
cânica, além da situação em outros municípios próximos.

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A narrativa configurada pelo Gaúcha Atualidade sobre o dia de chuvas intensas na


capital foi composta por 26 sequências narrativas, que ocuparam 29’03s do programa.
Destas, 13 foram identificadas como Participação do Ouvinte (14’25s), oito como Re-
portagem (10’58s), três como Manchete (55s), e outras duas como Entrevista (2’21s) e
Previsão do Tempo (24s). A cobertura continua ao longo da programação da Rádio Ga-
úcha.

5.3.2 As personagens
São segundos-narradores nesta narrativa sobre clima e trânsito, o âncora Daniel
Scola, as apresentadoras e comentaristas Rosane de Oliveira e Carolina Bahia (de Brasí-
lia), o meteorologista Cléo Kuhn, os repórteres Vitor Rosa, Daniel Fraga e Cid Martins,
e o produtor Bruno Teixeira. A posição de terceiros-narradores é ocupada principalmen-
te pelos ouvintes. Além deles, tem voz ativa na narrativa o então candidato à Prefeitura
de Porto Alegre Nelson Marchezan Jr., que, assim como Luciana Genro, foi interpelado
sobre a pauta principal do programa durante uma entrevista. Defesa Civil, Companhia
Estadual de Energia Elétrica (CEEE), e as distribuidoras de energia Rio Grande Energia
(RGE) e AES Sul Distribuidora de Energia foram mencionadas de forma indireta.
Os ouvintes, então, tem um papel de destaque nesta narrativa. Diferente das an-
teriores, nesta percebemos que os apresentadores, principalmente o âncora, Daniel Sco-
la, convoca a audiência à interagir com mais frequência, reforçando diversas vezes o
número de telefone para envio de mensagens, via Whatsapp.
Há 33 menções aos ouvintes ao longo da narrativa. Em doze delas, os ouvintes
são identificados pelo nome, nome e sobrenome ou ainda nome e local de origem, como
por exemplo “Dona Irene, da Praça Elias Jorge Moussalle” ou “Augusto, de Porto Ale-
gre”. Nenhum ouvinte foi identificado por sua profissão. Outras 21 menções empregam
expressões genéricas, como “os ouvintes”, “outro ouvinte” ou “vários ouvintes”. Há
ainda o uso de outras seis expressões que, ainda que não mencionem nomes ou a pala-
vra “ouvinte”, referem-se à parcela da audiência que interage com a emissora durante o
programa.
A principal função dos ouvintes é contribuir com a cobertura realizada pela rá-
dio, fornecendo informações sobre outros pontos da cidade, não alcançados pela repor-

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tagem volante. Os ouvintes avisam sobre a situação de determinadas vias, acidentes,


árvores caídas e falta de luz. Muitas das mensagens têm tom testemunhal, enquanto ou-
tras expressam reclamações e reivindicações.
É interessante notarmos como as próprias mensagens enviadas pelos ouvintes
transformam a narrativa. Uma das reivindicações, por exemplo, provocou reações de
outros ouvintes, gerando um debate no ar. Em outra sequência narrativa, a mensagem
enviada por um ouvinte contribui para apuração de outra informação.
Na análise desta narrativa, não percebemos mudanças na função dos ouvintes,
enquanto personagens. O projeto dramático da emissora concentra-se em relatar o dra-
ma que vivem os motoristas que transitam pelas principais vias de Porto Alegre, refor-
çando seu papel de guia junto aos ouvintes, ao sugerir rotas alternativas e opções para
fugir dos pontos mais críticos. Salientamos, contudo, que a participação dos ouvintes –
ou o acionamento destes na narrativa – revelou-se mais intensa e frequente que nos de-
mais casos analisados.

6. Algumas considerações
A partir da análise das três narrativas selecionadas, podemos tecer algumas con-
siderações acerca das condições que habilitam os ouvintes interagentes como persona-
gens das narrativas radiofônicas.
A primeira delas diz respeito ao tipo de acontecimento narrado. Na cobertura de
acontecimentos inesperados, como a queda da marquise, em que a reportagem não se
encontra preparada, as contribuições dos ouvintes se tornam mais relevantes, conquis-
tando mais espaço na narrativa. São eles que alimentam a cobertura, com as primeiras
informações. Já em acontecimentos previstos, como o dia de protestos, as mensagens
enviadas pela audiência são preteridas em relação à atuação da reportagem, nestes casos
previamente posicionada para dar conta do relato dos fatos. Por mais que os apresenta-
dores elogiem a atuação da audiência, chegando a empregar expressões como “nosso
exército de repórteres” ou “rede de repórteres voluntários”, os ouvintes-enunciadores
não substituem os profissionais, que mantêm seu poder de voz na narrativa.
Na cobertura de intempéries climáticas e seus impactos na cidade, por outro la-
do, mesmo com a atuação da reportagem, o acionamento e convocação dos ouvintes à

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participação é intensificado. As contribuições da audiência, nestes casos, ajudam a


emissora a ampliar sua área de cobertura. A quantidade de mensagens e as diferentes
localidades de origem dos ouvintes-enunciadores dão credibilidade à rádio, que dessa
forma demonstra seu alcance e audiência.
A forma como os ouvintes são identificados também é interessante. A identifica-
ção, na maioria dos casos, se mostra irrelevante3 – basta observar o intenso uso de ex-
pressões genéricas, que massificam a audiência. Poucos ouvintes foram apresentados
com nome e sobrenome. O local de origem é mencionado somente nos casos em que há
uma maior amplitude da área de interesse da narrativa, enquanto que a profissão só é
citada em situações em que é preciso qualificar o ouvinte-enunciador, atribuindo-lhe
credibilidade.
Percebemos, também, que as informações enviadas pelos ouvintes gozam de cer-
ta credibilidade, tal qual os testemunhos. Ainda que muitas vezes confusas e imprecisas,
estas mensagens são levadas ao ar, aparentemente, sem checagem – a apuração se dá,
muitas vezes, ao vivo, fazendo parte da narrativa, algo peculiar à linguagem radiofônica.
A análise de distintas narrativas radiofônicas que apresentamos neste artigo, por-
tanto, evidencia a existência de intencionalidades por trás do trabalho simbólico do jor-
nalismo, conforme nos indica Motta (2013). Estas intencionalidade influenciam direta-
mente no acionamento dos ouvintes, enquanto personagens das narrativas. A abertura
do radiojornalismo à participação da audiência, assim, não é inocente. Vimos que, em
cada caso, a emissora adota distintos projetos dramáticos que, por sua vez, alinham-se
ao projeto editorial da emissora. O acionamento dos ouvintes na narrativa, desta forma,
se dá de acordo com a adequação a esses condicionantes.
Da mesma forma, percebemos como as contribuições enviadas pela audiência
são ordenadas na narrativa pelos segundos-narradores – são eles que selecionam e atri-
buem aos ouvintes-enunciadores suas posições discursivas. Mesmo quando conseguem
interferir na narrativa, ao propor questionamentos ou fornecer informações, os ouvintes
desempenham funções que lhes foram atribuídas pelos segundos-narradores. Ou seja,
por mais “interativo” ou plural que o rádio nos pareça hoje, a participação da audiência

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Há que se ponderar aqui que é possível que muitas mensagens cheguem à redação sem identificação, o
que justificaria o uso das expressões genéricas.

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nas narrativas jornalísticas segue condicionada aos interesses do veículo e seus profissi-
onais.

Referências

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104-fm-acirra-disputa-pela-lideranca-no-fm-da-grande-porto-alegre. Acesso em: 15 jul.
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sobre a evolução das tecnologias de participação e o desenvolvimento do meio no Bra-
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disputas pelo poder de voz. Rizoma. v. 4, n. 2, dez. 2016. p. 108-121.

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