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Pantera em Nova York

Na tela dentro da tela “um alguém” se questiona sobre o motivo de se postar frente a uma
projeção. Eu busco lá um duplo? Em vez de tela ambiciono espelho? Um caminho que se bifurca
e cruza de uma direção que questiona o espectador se cinema é realização de desejo e se
cineasta tem que se colocar no filme, ser parte do filme.
Quem filma o "um alguém" dentro da tela na tela que vemos é negro (me questiono porque não
li o “um alguém” já mencionado como branco, a resposta vem fácil). Mas neste jogo que joga o
espectador num abismo de escadas suaves, o cinegrafista (que por sinal é negro) faz parte do
filme do branco? O cinegrafista filma, como um animal exótico, o branco que anseia por se ver
na tela? O branco ensina nos ensina (eu espectador, filmografista negro ou eu espectador negro)
como ver o filme?
Sei, pelos nomes fora de tela, numa conversa que rodeia uma mesa cinza e perfeitamente
circular, que a direção é branca. E na tela o filmografista negro trabalha enquadrando dois
rappers (por sinal negros). Rappers que cantam vidas negras ou rappers que cantam o que se
ouve sobre vidas negras? Existe distinção? A branquitude que segura a câmera de… "verdade"
destitui de vivência quando o objeto (ou será que sujeito?) que se filma não vive a vida no mesmo
fluxo?
Fluxo
Tudo se trata sobre fluxo (em algum momento deste texto um posicionamento cabal, mas não
me tente e já pontuo uma interrogação depois de algum substantivo ou verbo). Estes corpos
migrados (e não arredo pé ao demarcar que migrações são forçadas, pois elas só acontecem
quando nossa casa fala: "Ei, eu sumi, eu não te quero mais aqui. Se for, vá chorando para regar
a futura terra de um alguém que talvez virá."), estes corpos sem chão são emoldurados por uma
estação de metrô: passagem, nunca estadia, não-lugar, nunca lugar. As panteras podem ter seus
corpos docilizados, pacificados para não mutilar o que lhe rodeia, caso este seja gradeado.
Queria falar que suas mentes jamais se deixariam amolecer, mas quem quero enganar quando
a melancolia esfria rebeldia e pantera criada em cativeiro se vê em habitat natural (será mesmo
Vinícius?).
Mas estas mentes estão em tornado, costumeiramente silenciosos (silenciados?) O que se segue
no filme são corpos migrados, panteras em geral, que suas mentes caçam, se caçam, porque
quem rasga a própria carne canibaliza uma força que não encontra sozinho. Mas são panteras
e não lobos. Sua caçada é solitária e no filme pouco se faz menção à criação de "matilhas",
efêmeras talvez. Cinema é para atender desejos individuais? Aquele branco que falou no começo
do filme quer que sejamos não zoon politikon (animais sociais, animais políticos), mas animais e
ponto? Animais solitários e basta? Os pensamentos das várias canções são fluxo de rio, água
que deságua de várias foz, mas somente um rio. Encontros que são no som e só (só?), se na
arte se encontra discursos não brancos ou esbranquiçados em que lugar martela a arte se não
na desrazão?
Sem tempo para ler o livro inteiro? Leia a introdução e a conclusão. No filme se abre com branco
e se fecha com o branco, mas o recheio é negro. Um Negresco, um Oreo invertido. Tão bem
acabado que parece ter sido produzido artesanalmente por uma indústria ou (óbvio que findaria
o texto com interrogação) é esta mania que pra preto perfeição demais é sinônimo de
desencaixe?

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