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Unidade II

OS VALORES SOCIAIS DA
LITERATURA INFANTIL

Prof. Adilson Oliveira


“– A vida, senhor Visconde, é um pisca-pisca.
A gente nasce, isto é, começa a piscar. Quem
para de piscar chegou ao fim, morreu. Piscar
é abrir e fechar os olhos – viver é isso. É um
dorme e acorda, dorme e acorda, até que
dorme e não acorda mais [...] A vida das
gentes neste mundo, senhor Sabugo, é isso.
Um rosário de piscados. Cada pisco é um dia.
Pisca e mama, pisca e brinca, pisca e estuda,
pisca e ama, pisca e cria filhos, pisca e geme
os reumatismos, e por fim pisca pela última
vez e morre. – E depois que morre?,
perguntou o Visconde. – Depois que morre,
vira hipótese. É ou não é?!”
(Monteiro Lobato)
Valores sociais da literatura infantil

 Os contos de fadas.
 Etimologia do termo “fada”.
 Os significados ocultos dos contos de
fadas.
 Os contos de fadas e as crianças.
 Características dos contos de fadas.
 A literatura infantil brasileira.
 Monteiro Lobato.
 O pedagógico e o literário na literatura
infantil.
Os contos de fadas

 Os contos de fadas são uma variação do


conto popular ou da fábula. Partilham
com eles o fato de serem uma narrativa
curta, transmitida oralmente, na qual o
herói ou heroína tem de enfrentar
grandes obstáculos antes de triunfar
contra o mal. Caracteristicamente
envolvem algum tipo de magia, de
metamorfose ou de encantamento; e,
apesar do nome, animais falantes são
muito mais comuns neles do que
as fadas propriamente ditas.
 Alguns exemplos: Rapunzel, Branca de
Neve e os Sete Anões e
A Bela e a Fera.
Os contos de fadas

 Os contos, muitas vezes, começam pelo


“Era uma vez”, para salientar que os
temas não se referem a um tempo e a um
espaço específicos. O leitor encontra
personagens e situações que fazem
parte do seu cotidiano e do seu universo
individual, com conflitos, medos e
sonhos. A rivalidade de gerações, a
convivência de crianças e adultos, as
etapas da vida, bem como sentimentos
que fazem parte de cada um são
apresentados para oferecer uma
explicação do mundo que nos rodeia e
nos permite criar formas de lidar
com isso.
Etimologia da palavra “fada”

 A palavra portuguesa “fada” vem


do latim fatum (destino, fatalidade, fado
etc.). O termo se reflete nos idiomas das
principais nações
europeias: fée em francês, fairy em
inglês, fata em italiano, fee em
alemão e hada em espanhol.
 No Brasil e em Portugal, os contos de
fadas, na forma como são hoje
conhecidos, surgiram em fins do século
XIX, sob o nome de contos da
carochinha. Essa denominação foi
substituída por “contos de fadas”
no século XX.
Origem das fadas

 Fadas são entidades fantásticas,


características do folclore europeu
ocidental. Apresentam-se como
mulheres de grande beleza, imortais e
dotadas de poderes sobrenaturais,
capazes de interferir na vida dos mortais
em situações-limite.
Origem das fadas

 As fadas também podem ser diabólicas,


sendo corriqueiramente denominadas
“bruxas” em tal condição. Embora as
bruxas “reais” sejam usualmente
retratadas como megeras, nem sempre
os contos descrevem fadas “do mal”
como desprovidas de sua estonteante
beleza.
Origem das fadas

 As primeiras referências às fadas


surgem na literatura cortesã da Idade
Média e nas novelas de
cavalaria do Ciclo Arturiano, tomando
por base textos-fonte de origem
reconhecidamente céltico-bretã. Tal
literatura destaca o amor mágico e
imortal vinculado às figuras de fadas
como Morgana e Viviana, o que
evidencia o status social elevado das
mulheres na cultura celta.
Características dos contos de fadas

 É muito comum a presença de fadas, de


magia e de encantamentos.
 O núcleo problemático do conto
é existencial (o herói ou a heroína
buscam a realização pessoal).
 Os obstáculos ou as provas se
constituem num verdadeiro ritual de
iniciação para o herói ou heroína do
conto.
INTERVALO
Os significados ocultos dos contos
de fadas

 Cada um dos principais contos de fadas


é único, no sentido em que trata de uma
predisposição falha ou doentia do eu.
Logo que passamos do “era uma vez”,
descobrimos que os contos de fada
falam de vaidade, gula, inveja, luxúria,
hipocrisia, avareza ou preguiça – os
“sete pecados capitais da infância”.
Os significados ocultos dos contos
de fadas

 O conto de fadas oferece às crianças um


palco em que elas podem representar
seus conflitos interiores. As crianças
projetam inconscientemente partes delas
mesmas em vários personagens da
história, usando-os como repositórios
psicológicos para elementos
contraditórios do eu.
Os contos de fadas e as crianças

 Os contos de fadas, de acordo com


Bettelheim, ajudam as crianças a dar um
sentido para a vida por tratarem de
questões humanas universais, como a
solidão e a necessidade de enfrentar a
vida.
 Os contos, ao sugerirem soluções
simples para problemas internos,
colaboram para o desenvolvimento da
personalidade e dos recursos interiores
para que as crianças aprendam a
enfrentar as dificuldades do
crescimento.
Os contos de fadas e as crianças

 As crianças, notadamente, insistem


muito para ler uma determinada história
ou ver um determinado vídeo.
Provavelmente, essa insistência se deve
ao significado que estejam extraindo da
obra.
 Os contos de fadas são repletos de
significados e cada leitor irá extrair o seu
de acordo com o momento em que vive.
Por isso, não devem ser explicados ou
explicitados significados que não sejam
adequados à faixa etária da criança.
A jornada interior

Os contos de fadas podem também ser


encarados como “uma jornada em quatro
etapas, sendo cada etapa da jornada uma
estação no caminho da autodescoberta”:
 Travessia: “leva o herói ou heroína a
uma terra diferente, marcada por
acontecimentos mágicos e criaturas
estranhas.”
 Encontro: “com uma presença diabólica
– uma madrasta malévola, um ogro
assassino, um mago ameaçador ou outra
figura com características de feiticeiro.”
A jornada interior

 Conquista: “o herói ou heroína mergulha


numa luta de vida ou morte com a bruxa,
que leva inevitavelmente à morte dela.”
 Celebração: “um casamento de gala ou
uma reunião de família, em que a vitória
sobre a bruxa é enaltecida e todos vivem
felizes para sempre.”
Travessia

“Chapeuzinho Vermelho saiu em seguida


para ir visitar sua avó que morava em outra
cidadezinha.
Quando atravessava o bosque, ela
encontrou compadre Lobo que logo teve
vontade de comer a menina. Mas não teve
coragem por causa de uns lenhadores que
estavam na floresta.”
Chapeuzinho Vermelho. Perrault. Disponível em:
<http://www.dubitoergosum.xpg.com.br/a7.htm>. Acesso
em: 13 mai. 2012.
Encontro

“Pouco depois, a velha maltrapilha chegou


perto da janela da cozinha. A princesa
ofereceu-lhe um copo d’água e conversou
com ela.
— Muito obrigada! — falou a velhinha —
Coma uma maçã... eu faço questão!
No mesmo instante em que mordeu a maçã,
a princesa caiu desmaiada no chão.”
Branca de Neve. Adaptação do conto dos Irmãos Grimm.
Disponível em: <http://www.educacional.com.br/projetos/
ef1a4/contosdefadas/brancadeneve.html>.
Acesso em: 13 mai. 2012.
Conquista

“A bruxa egoísta ficou com tanta raiva que


se trancou na torre e nunca mais saiu de lá.”
Rapunzel. Adaptação do conto dos Irmãos Grimm.
Disponível em: <http://www.educacional.com.br/projetos/
ef1a4/contosdefadas/rapunzel.html>.
Acesso em: 13 mai. 2012.
Celebração

“Com aquelas palavras, a Fera abriu os


olhos e soltou um sorriso
radioso e, diante de grande espanto de
Bela, começou a transformar-se em um
esplêndido jovem.
(...)
_ Queres casar-te comigo agora?
Bela não fez repetir o pedido e a partir de
então viveram felizes e apaixonados.”
A Bela e a Fera. Adaptação do conto dos Irmãos Grimm.
Disponível em: <http://www.educacional.com.br/projetos/
ef1a4/contosdefadas/belaeafera.html>.
Acesso em: 13 mai. 2012.
INTERVALO
A literatura infantil brasileira

 A literatura infantil brasileira nasce


apenas no final do século XIX. Mesmo
nesse momento, a circulação de livros
infantis no país é precária e irregular,
representada principalmente por edições
portuguesas que só aos poucos passam
a coexistir com as tentativas pioneiras e
esporádicas de traduções nacionais.
Como sistema, a literatura destinada ao
jovem público brasileiro se consolida
somente nos arredores da Proclamação
da República.
A literatura infantil brasileira

 O surgimento da literatura infantil


brasileira não é gratuito: no final do
século XIX, vários elementos convergem
para formar a imagem do Brasil como um
país em processo de modernização,
entre os quais se destacam a extinção do
trabalho escravo, o crescimento e a
diversificação da população urbana e a
incorporação progressiva de levas de
imigrantes à paisagem das cidades.
A literatura infantil brasileira

 O processo de modernização faz surgir


gêneros como os livros infantis e
escolares. Eles saem fortalecidos das
várias campanhas de alfabetização
deflagradas e lideradas, nessa época,
por intelectuais, políticos e educadores,
abrindo espaço, nas letras brasileiras,
para um tipo de produção didática e
literária dirigida especificamente ao
público infantil.
A literatura infantil brasileira

 Desponta-se, na virada do século XIX para


o século XX, a preocupação generalizada
com a carência de material de leitura
adequado às crianças do país as quais
contavam apenas com adaptações e
traduções dos clássicos infantis
europeus, em edições portuguesas cujo
código linguístico se distanciava bastante
da língua materna dos leitores brasileiros.
 Em função da necessidade do
abrasileiramento dos textos, aumentando
sua penetração junto às crianças, o início
da literatura infantil brasileira fica
marcado pelo transplante de temas e
textos europeus adaptados à linguagem
brasileira.
A literatura infantil brasileira

 Carlos Jansen e Alberto Figueiredo


Pimentel foram os primeiros brasileiros a
se preocuparem com a literatura infantil
no país, traduzindo as mais significativas
páginas dos hoje considerados
“clássicos” para a garotada.
 Com Thales de Andrade, em 1917, a
literatura infantil nacional teve início.
A literatura infantil brasileira

 Em 1921, Monteiro Lobato estreou com


Narizinho Arrebitado, apresentando ao
mundo Emília, a mais moderna e
encantadora fada humanizada.
 Só após a década de 1970, houve um
grande desenvolvimento da literatura
para crianças com a entrada de grandes
editoras no mercado.
 A produção brasileira de literatura
infantil, até a década de 1970, foi
esporádica, constituindo-se basicamente
de traduções de clássicos e de algumas
coleções estrangeiras de grande
apelo comercial.
A literatura infantil e Lobato

 Lobato, em 1921, inaugura uma nova


estética da literatura infantil no país,
concebendo-a como arte capaz de
modificar a percepção de mundo e
emancipar seus leitores.
 A renovação por ele proposta pode ser
observada tanto no plano retórico
quanto no ideológico.
Plano retórico

 No plano retórico, observa-se na prosa


lobatiana soluções comunicativas no
nível linguístico que despem a língua de
qualquer rebuscamento, dando
preferência à espontaneidade do estilo
infantil por meio da valorização do
discurso oral, expressões de linguagem
popular, neologismos e onomatopeias.
Plano ideológico

 No plano ideológico, observa-se, em sua


produção infantil, a captação do leitor
pelo mundo ficcional, estimulando esse
leitor a ver a realidade por conceitos
próprios.
 O autor incita-lhe o senso crítico,
apresentando problemas sociais,
políticos, econômicos e culturais que,
por meio de especulações e discussões
das personagens, são vistos
criticamente.
INTERVALO
Anos 1970 e a influência lobatiana

 A década de 1970 ficou conhecida como


a época do boom da literatura infantil.
Com a consolidação do mercado
editorial e a crescente dependência do
livro com a escola, aumentou
expressivamente o número de autores
produzindo para a infância.
Surgiram escritoras marcantes como
Ana Maria Machado, Sylvia Orthof,
Marina Colasanti, Lygia Bojunga Nunes,
Ruth Rocha, Roseana Murray.
 Autores como Ziraldo e Pedro Bloch,
dignos “filhos de Lobato”, trouxeram o
humor de volta ao leitor infantil
e juvenil.
Monteiro Lobato: referência máxima
da literatura infantil brasileira

 Lobato (1882/1948) encontra o novo


caminho criador de que a Literatura
Infantil brasileira estava necessitando.
Seu sucesso imediato entre os pequenos
leitores ocorre graças ao fato de ele
escrever a realidade comum e familiar à
criança em seu cotidiano com
naturalidade.
 Com o crescimento e o enriquecimento
do fabuloso mundo de seus
personagens, o maravilhoso passa a ser
o elemento integrante do real.
Emília

 Emília é a personagem mais importante


para se compreender o universo lobatiano.
Ela se revela como o protótipo-mirim do
“super-homem”, com sua vontade e
domínio sobre os outros.
“Emília começou uma feia boneca de pano,
dessas que nas quitandas do interior
custavam 200 réis. Mas rapidamente evoluiu,
e evoluiu cabritamente – cabritinho novo –
aos pinotes. E foi adquirindo tanta
independência que, não sei em que livro,
quando lhe perguntam: 'Mas que você é,
afinal de contas, Emília: 'ela respondeu de
queixinho empinado: 'Sou a Independência
ou Morte.' E é. Tão independente que nem eu,
seu pai, consigo dominá-la”
(Monteiro Lobato)
Caráter pedagógico

 Para as autoras Palo e Oliveira, a função


pedagógica implica a ação educativa do
livro sobre a criança. De um lado, relação
comunicativa leitor-obra, tendo por
intermediário o pedagógico, que dirige e
orienta o uso da informação; de outro, a
cadeia de mediadores que interceptam a
relação livro-criança: família, escola,
biblioteca e o próprio mercado editorial,
agentes controladores de usos que
dificultam à criança a decisão e escolha
do que e como ler.
Caráter pedagógico

 Extremamente pragmática, a função


pedagógica tem em vista uma
interferência sobre o universo do usuário
por meio do livro infantil, da ação de sua
linguagem, servindo-se da força material
que palavras e imagens possuem, como
signos que são, de atuar sobre a mente
daquele que as usa; no caso, a criança.
O pedagógico e o literário na
literatura infantil

 O literário e o pedagógico
estão imbricados
na literatura infantil desde seus
primórdios. A escola, ao
priorizar o didático em detrimento do
lúdico em textos para crianças,
transforma a leitura em
função pedagógica. Entretanto,
arte e educação podem ser parceiras na
fruição literária, se a escola fornecer às
crianças os estímulos adequados à
leitura.
O pedagógico e o literário na
literatura infantil

É polêmica a discussão:
 a literatura infantil pertence à arte
literária ou à área pedagógica? Após
percorrer a fortuna crítica dessa
problemática, pode-se pensar que os
textos para crianças pertencem tanto à
literatura quanto à pedagogia, pois eles
provocam emoções e servem de
instrumento educativo.
O pedagógico e o literário na
literatura infantil

 Acima dessa polêmica, é incontestável


que os elementos que estabelecem a arte
– a invenção, a interpretação e a
liberdade – são os mesmos que
permeiam a infância, e, por esse motivo,
a criança está muito perto da arte.
 A arte literária é um dos caminhos para
aprender a aprender, para descobrir os
mistérios e os encantos da vida.
O pedagógico e o literário na
literatura infantil

 Ao afirmar que a leitura é uma


questão pedagógica, Orlandi mostra
também que a escola encara a leitura
como um instrumento útil ao aprendizado,
desprezando sua função lúdica. Ao propor
uma forma de leitura homogênea,
privilegia a classe média em detrimento
dos alunos de baixa renda. Acrescenta
que a ideologia escolar enfatiza a leitura
parafrásica e ignora a leitura polissêmica,
recusando ao leitor a participação no
texto.
 A leitura pedagógica está presa às
amarras do sistema e deixa o aspecto
lúdico obliterado pelo caráter didático.
O pedagógico e o literário na
literatura infantil

Muito embora a literatura infantil tenha


nascido comprometida com a educação,
não se afastou da arte. E o fato de ter uma
função pedagógica não a desmerece, pois,
como diz Aguiar, “a função da arte é
amplamente educativa, porque o texto literário
abre sempre novas possibilidades de sentido
ao leitor”.
Assim, a criança terá maiores chances de ser
boa leitora se receber os estímulos adequados
na escola para a fruição literária pela leitura;
se os bibliotecários montarem um acervo
diversificado e atraente de livros infantis; se
os professores não transformarem em
obrigação o que deveria ser prazer e se a
preocupação dos mestres for a aprendizagem
cultural e não apenas informativa.
ATÉ A PRÓXIMA!

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