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1 INTRODUÇÃO
Assim como a Política Nacional de Assistência Social ao ser concebida como política
pública dentro do sistema de Seguridade Social, se contrapõe à lógica capitalista de
políticas neoliberais, situando agora as problemáticas sociais e suas complexidades e
contextos como responsabilidade do Estado – vendo este Estado a partir de uma
dimensão ampla, incluindo a voz dos grupos minoritários. Esse cunho civilizatório traça
um marco para uma perspectiva crítica que denuncia a lógica clientelista e
assistencialista do não político. Logo, a luta pela defesa dos direitos sociais é contínua,
dada as discrepâncias e polos entre interesses mercantilistas e globais e os valores e
bases de um movimento que se coloca a favor de ver o potencial e dar voz para os que
não a possuem (COUTO, 2017). Diante disso que, de acordo com Pereira e Guareschi
(2017), quando citam Teixeira (2010):
1
Supervisora de Estágio Psicossocial II no âmbito da Assistência Social da Faculdade de Saúde Ibituruna
FASI.
2
Acadêmicas de Psicologia da Faculdade de Saúde Ibituruna FASI.
A partir disto pode-se perceber que a maneira como a Assistência Social é concebida
dentro dos cursos de Psicologia não constitui realidade única, também tendo em vista a
história e representação social desta ciência, pois percorre o imaginário social do social
e da política. Além disso, a negação da complexidade dos fenômenos subjetivos (e por
isso também sociais) e sociais isenta a Psicologia da responsabilidade com as
problemáticas da sociedade, e por isto também do sofrimento presente nas
intersubjetividades e seu objeto de estudo. Desta forma, quando a categoria do afeto é
negligenciada pela política e pela ciência - ambos saberes de controle do social ou do
policiamento, inexiste o real contato com o real quando não existe aproximação com um
objeto ou com o outro, não existe relação. (BOCK, 2009); (SAWAIA, 1999).
2 RELATO DA EXPERIÊNCIA
A experiência de estágio mediadora das reflexões deste texto se circunscreve dentro de
um equipamento da alta complexidade de acolhimento a mulheres vítimas de violência
doméstica e/ou familiar, no município de Montes Claros - MG. Esta casa fica localizada
em local sigiloso, tendo o nome e localidade também resguardados até mesmo de alguns
equipamentos da rede de seguridade social. Normalmente é realizado articulação com
equipamentos da média complexidade para dar continuidade ao acompanhamento da
vítima quando não mais está sobre proteção da casa. As mulheres chegam
acompanhadas de algum representante da polícia civil, pois o critério é a realização de
boletim de ocorrência, para abrir processo judicial, estando em situação de risco de vida.
Por ano são recebidas cerca de 30 mulheres, e a grande maioria delas vem acompanhada
dos filhos menores de idade. O andamento do caso varia conforme sua complexidade
situacional e contextos envolvidos, além de articulação com a rede e seus atores. Assim,
a mulher pode ficar dentro do prazo de até 4 meses, podendo sair a qualquer momento
conforme sua decisão, e é acompanhada pela equipe da casa durante o período de 6
meses. Como a medida protetiva judicial leva cerca de 3 dias para sair, grande parte
aguarda a saída da mesma para voltar a seu contexto domiciliar.
Durante o prazo do estágio, tendo a acadêmica indo até 2 vezes na semana, no período
de 4 horas por dia totais, foi possível acompanhar uma mulher que passou pela casa
neste período. Maria (nome fictício) chega ao equipamento com seus 4 filhos, sendo 3
do sexo feminino e o mais novo do sexo masculino, tendo mais 2 filhos maiores de
idade de outro casamento. Relata que apesar de já ter anos de vivência de
relacionamento abusivo, não podendo ter emprego, nem sair de casa sem autorização do
atual esposo, e sofrer constantemente agressões de cunho emocional, se sentindo em
cárcere dentro da própria casa, o que a motivou a realizar denúncia foi descoberta da
violência sexual contra uma das filhas.
Com relação aos aspectos objetivos, a rede foi acionada, tendo acontecido os
atendimentos médicos à vítima que foi abusada, e articulação a fim de procura de um
local seguro para esta família, por meio de busca ativa dentro de contexto familiar e
acesso a direitos para mediar essa mudança de localidade, como compra de passagens,
doação de alimentos e roupas, e comunicação com a rede da outra localidade. Além
disso, também foram percebidos aspectos voltados para relações de poder em contexto
institucional, e aspectos subjetivos voltados para o patriarcado enquanto estrutura no
contexto dos próprios atores que compõem a rede, sendo importante neste caso – que
não é único- ressaltar o despreparo da polícia enquanto instituição.
3 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Conforme o exposto acima, que não faz sentido não elencar e lembrar o movimento
Feminista, para abordar a violência contra a mulher. Justamente por se debruçar em
compreender dos porquês de se ver uma Psicologia - constituída majoritariamente por
mulheres: pouco se aproxima de grupos da sociedade que mais são estigmatizados - as
minorias, diante de realidades absurdas e concretas. Uma vez que foi a partir da
realização deste estágio, percebeu-se o quanto se faz imprescindível o olhar e a técnica
do profissional psicólogo mediante o enfrentamento de questões referentes à violência
contra a mulher. Como também a importância de um trabalho de rede articulado, para
que a mulher, ao procurar auxílio em alguma porta de entrada da rede de apoio, possa
encontrar profissionais comprometidos em auxiliá-la. Sendo assim, a gravidade das
situações de violência doméstica contra a mulher tem exigido cada vez mais estudos e
reflexões teórico-práticas que embasem compreensões deste complexo fenômeno.
(CISNE e SANTOS, 2018); (BOCK, 2009); (SAWAIA, 1999).
Entende-se diante disso que a articulação da dimensão de gênero com uma visão mais
aprofundada do fenômeno da violência nos permite compreender como esta é marcada
na intersubjetividade e no encontro com a distinção, a partir de uma demarcação de
poder, de negação e de opressão às mulheres. Tais compreensões nos possibilitaram
refletir acerca das definições e tipificações da violência contra as mulheres enfatizadas
pela Lei Maria da Penha identificando a relevância dessa conceituação clara para
reafirmar a amplitude e a diversidade pelas quais tal violência pode se expressar. Esta
clareza da Lei, inclusive, facilita o reconhecimento das violências nas relações desiguais
de poder que circunscrevem dinâmicas cruéis em relacionamentos afetivos e conjugais.
O que traz à tona a necessidade de uma reflexão política e ética que abarque uma
compreensão crítica e complexa da sociedade, da história, das leis e costumes, dos
direitos e violações e das próprias noções de humanidade e dignidade. (CISNE e
SANTOS, 2018); (BUTLER, 2012); (CAMPOS, 2009).
Logo, este estágio, a partir do momento que conduz os acadêmicos a pensar o objeto de
estudo da Psicologia dentro da dimensão do social e do político, percorre a dimensão do
afeto diante da responsabilidade com esse sujeito e com esse real, que é complexo, e
perpassado por tantos determinantes. O que em qualquer contexto do fazer da
Psicologia e do fazer do acadêmico nos estágios, não pode deixar de considerar
elementos objetivos fundamentais dentro das dimensões que atuam na subjetividade e
percorrem o sofrimento, como os determinantes históricos, étnico-raciais,
socioambientais, e de gênero.
REFERÊNCIAS
CAMPOS, C. (2009). Lei Maria da Penha: Um novo desafio jurídico. In F. Lima & C.
Santos (Eds.), Violência doméstica: vulnerabilidades e desafios na intervenção
criminal e multidisciplinar (pp. 21-35).
CISNE, Mirla; DOS SANTOS, Silvana Mara Morais. Feminismo, diversidade sexual
e Serviço Social. Cortez Editora, 2018.
COUTO, Berenice Rojas et al. O Sistema Único de Assistência Social no Brasil: uma
realidade em movimento. Cortez Editora, 2017.