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Deuses Iorubás na África e no Novo Mundo


(Tradução de Maria Aparecida da Nóbrega)
OIÁ-AINSÃ ( YA YÁNSÀN)
ya Yánsàn na África
ya (Oiá) é a divindade dos ventos, das tempestades e do rio Níger que, em iorubá, chama -se Odò
ya. Foi a primeira mulher de Xangô e tinha um temperamento ardente e impetuoso. Conta uma
lenda que Xangô enviou-a em missão na terra dos baribas, a fim de buscar um preparado que, umavez ingerido, lhe
permitiria lançar fogo e chamas pela boca e pelo nariz. Oiá, desobedecendo àsinstruções do esposo, experimentou
esse preparado, tornando-se também capaz de cuspir fogo, paragrande desgosto de Xangô, que desejava guardar só
para si esse terrível poder.
Oiá foi, no entanto, a única das mulheres de Xangô que, ao final do seu reinado, segui-o na sua fuga
para Tapa. E, quando Xangô recolheu-se para baixo da terra em Kossô, ela fez o mesmo em Irá.
Antes de se mulher de Xangô, Oiá tinha vivido com Ogum. Vimos, em capítulos precedentes, como aaparência do deus
do ferro e dos ferreiros causou-lhe menos efeito que a elegância, o garbo e o brilhodo deus do travão. Ela fugiu com
Xangô, e Ogum, enfurecido, resolveu enfrentar o seu rival; mas esteúltimo foi à procura de Olodumaré, o deus
supremo, para lhe confessar que perdoasse a afronta. Eexplicou-lhe: ³Você, Ogum, é mais velho do que Xangô! Se,
como mais velho, deseja preservar suadignidade aos olhos de Xangô e aos outros orixás, você não deve se aborrecer
nem brigar; deverenunciar a Oiá sem recriminações´. Mas Ogum não foi sensíve l a esse apelo, dirigido aossentimentos
de indulgência. Não se resignou tão calmamente assim, lançou-se à perseguição dosfugitivos e, como vimos
anteriormente, trocou golpes de varas mágicas com a mulher infiel. Que foientão, dividida em nove partes. Este
números 9, ligado a Oiá, está na origem de seu nome Iansã eencontramos esta referência no ex -Daomé, onde o culto
de Oiá é feito em Porto Novo sob o nome deAv san, no bairro Akron ( Lokoro dos Iorubás) e sob o de Ab san, mais
ao norte em Baningbê. Essesnomes teriam por origem a expressão Aborim san (³com nove cabeça´), alusão aos
supostos novebraços do delta do Níger.
Uma outra indicação da origem desse nome nos é dada pela lenda da criação da roupa de Egúngúnpor Oiá. Roupas
sob as quais, em certas circunstâncias, os mortos de uma família voltam a terra a fimde saudar seus descentes. Oiá é
o único orixá capaz de enfrentar e de dominar os Egúngún.
Oiá lamentava-se de não ter filhos. Esta triste situação era conseqüência da ignorância a respeito das
suas proibições alimentares. Embora a carne de cabra lhe fosse recomenda, ela comia a de carneiro.

Oiá consultou um babalaô, que lhe revelou o seu erro, aconselhando-a a fazer oferendas, entre asquais deveria haver
um tecido vermelho. Este pano, mais tarde, haveria de servir para confeccionar asvestimentas dos Egúngún. Tendo
cumprido essa obrigação, Oiá tornou-se mãe de nove crianças, o quese exprime em iorubá pela frase:
³Iyá m mésàn, Origem de seu nome Iansã.
Quanto ao seu outro nome ya, há uma lenda que faz alusão à sua origem explicando-a por um jogode palavras. Nela
se conta ³como uma cidade chamada Ipô esta ameaçada de destruição, invadidapelos guerreiros tapás. Para preserva -
la foi feita uma oferenda das roupas do rei dos ipôs. Esse trajeera de tal beleza que a s galinhas do lugar puseram-se a
cacarejar de surpresa ± razão pela qual, diz-segravemente na lenda, as galinhas cacarejam até hoje, sempre estão em
presença de qualquer coisaestranha. Esse prestigioso traje foi rasgado (ya) em dois para servir para servir de almofada
de apoioàs cabaças de oferendas. Apareceu então, misteriosamente, uma água que se espalhou (ya), inundandoos
arredores da cidade e afogando os agressores tapas. Quando os habitantes de Ipô procuraram umnome para este rio
que surgiu e se espalhou, ya, quando as roupas foram rasgadas, ya, decidiramchamá-lo Odò ya.
Existe uma lenda, conhecida na África e no Brasil, que explica de que maneira os chifres de búfalo
vieram a ser utilizados no ritual do culto de Oiá-Iansã:
³Ogum foi caçar na floresta. Colocando-se à espreita, percebeu um búfalo que vinha em sua direção.Preparava-se para
mata-lo quando o animal, parando subitamente, retirou sua pele. Uma linda mulherapareceu diante de seus olhos. Era
Oiá-Iansã. Ela escondeu a pele formigueiro e dirigiu-se ao mercadoda cidade vizinha. Ogum apossou-se do despojo,
escondendo-o no fundo de uma depósito de milho,ao lado de sua casa, indo, em seguida, ao mercado fazer a corte à
mulher-búfalo. Ele chegou a pedi-laem casamento, mas Oiá recusou inicialmente. Entretanto, ela acabou aceitou,
quando, de volta àfloresta, não mais achou a sua pele. Oiá recomendou ao caçador não contar a ninguém que,
narealidade, ela era um animal. Viveram bem durante alguns anos. Ela teve nove crianças, o queprovocou o ciúme das
outras esposas de Ogum. Estas, porém, conseguiram descobrir o segredo daaparição da nova mulher. Logo que o
marido se ausentou, elas começaram a cantor: ³ Máa je, máaum, àwò r nb nínú àká´, Você Pode beber e comer (e
exibir sua beleza), mas a sua pele está nodeposito (você é um animal).
³Oiá compreendeu a alusão; encontrando a sua pele, vestiu-a e voltando à forma de búfalo, matou asmulheres
ciumentas. Em seguida, deixaram os seus chifres com os filhos, dizendo-lhes: Em caso denecessidade, batam um
contra o outro, e eu virei imediatamente em vosso socorro. É por essa razãoque chifres de búfalos são sempre
colocados nos locais consagrados a Oiá-Iansã´.
Tivemos oportunidade de ouvir essa história na Bahia, narrada por Pai Cosme, um Velho pai-de-

santo, hoje falecido. Ele pronunciava com perfeita correção a frase iorubá citada acima.

Os oríkì dirigidos a Iansã descrevem -na bastante bem:

³Oiá, mulher corajosa que, os acordar, empunhou um sabre´.

Oiá, mulher de Xangô.

Oiá, cujo marido é vermelho.

Oiá, que embeleza seus pés com pó vermelho.

Oiá, que morre corajosamente com seu marido.

Oiá, vento da morte.

Oiá, ventania que balança as folhas das árvores por toda parte.

Oiá, a única que pode segurar os chifres de um búfalo´.


Oiá-Iansã no Novo Mundo
As pessoas dedicadas a Iansã, nome sob o qual ela é mais conhecida no Brasil, usam colares de contasde vidro grená.
A quarta-feira é o dia da semana consagrado a ela, o mesmo dia de Xangô, seumarido. Seus símbolos são como na
África: os chifres de búfalo e um alfanje, colocados sobre seu³pejí´. Ela recebe sacrifícios de cabras e oferendas de
acarajés (àkàrà na África). Ela detesta abóborae a carne de carneiro lhe é proibida.
Quando se manifesta sobre um dos iniciados, ela está adornada com uma coroa semelhante à dos reisafricanos , cujas
franjas de contas escondem o seu rosto. Ela traz um alfanje em uma das mãos e umespanta -moscas feito de cauda de
cavalo na outra. Suas danças são guerreiras e, se Ogum estápresente, ela se engaia num duelo com ele, lembrança,
sem dúvida, de suas antigas divergências. Elaevoca também, através de seus movimentos sinuosos e rápidos, as
tempestades e os ventosenfurecidos. Seus fiéis saúdam -na gritando: ³ Epa Heyi ya!´.
No Brasil, Oia é sincretizada com Santa Bárbara e, em Cuba, com Nuestra Señona de la Candelária.
Certa Iansãs, chamadas Yánsàn de Igbalè, ligadas ao culto dos mortos, os Egúngún, quando dançam
parecem expulsar as almas errantes com seus braços largamente abertos e estendidos para a frente.
Arquétipo
O arquétipo de Oiá-Iansã é o das mulheres audaciosas, poderosas e autoritárias. Mulheres que podemser fiéis e de
lealdade absoluta em certas circunstâncias, mas que, em outros momentos, quandocontrariadas em seus projetos e
empreendimentos, deixam-se levar a manifestações a mais extremacólera. Mulheres, enfim, cujo temperamento
sensual e voluptuoso pode leva-las a aventuras amorosasextraconjugais múltiplas e freqüentes, sem reserva
nem decências, o que não as impede decontinuarem muito ciumentas dos seus maridos, por elas mesmas enganados.
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