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FLORIANÓPOLIS, SC
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FLORIANÓPOLIS, SC
2008
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Trabalho de conclusão de curso aprovado como requisito parcial para a obtenção do grau de
Licenciado em Música, no curso de graduação em Licenciatura em Música, da
Universidade do Estado de Santa Catarina.
Banca Examinadora:
Orientador: _______________________________________________
Prof. Dr. Marcos Tadeu Holler
Universidade do Estado de Santa Catarina
Membro: _______________________________________________
Profª. Dra. Claudia Borges de Faveri
Universidade Federal de Santa Catarina
Membro: _______________________________________________
Prof. Kleber Alexandre
Universidade do Estado de Santa Catarina
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AGRADECIMENTOS
Agradeço ao meu orientador Marcos Höller por acolher o meu tema e por suas
orientações e correções precisas, clareando o meu trajeto.
Agradeço às pessoas que me ajudaram direta e indiretamente nesse trabalho. Ao
Rafa pela parceria nas traduções em inglês e ao Theo pelo olhar distanciado, tão necessário
na construção de um trabalho acadêmico, pela revisão e ajuda na formatação do texto. E a
ambos por transformar uma obrigação em momentos agradáveis.
Agradeço ao Sil B por me acolher no seu lugar e me proporcionar estrutura e
ambiente harmonioso para o processo do TCC.
Finalmente, agradeço ao professor Sérgio Freitas, mentor desse trabalho, pela
sugestão do tema e por todo material que me disponibilizou de forma tão generosa.
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RESUMO
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LISTA DE FIGURAS
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO ....................................................................................... 1
REFERÊNCIAS ........................................................................................ 58
ANEXOS .................................................................................................... 60
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1 INTRODUÇÃO
A música ocidental em sua longa tradição desenvolveu uma extensa teoria, tanto em
relação à quantidade quanto à diversidade de propósitos. A palavra teoria, que em seus
primórdios gregos significava contemplar, observar, especular sobre em oposição ao fazer
algo, é entendida hoje como sendo o estudo da estrutura da música (PALISCA, 2001). As
mudanças nas práticas musicais demonstram a extensão e riqueza do conceito de teoria.
Tratados tão díspares quanto os que foram produzidos ao longo da história são comumente
agrupados sob a categoria de pensamento chamada de teoria musical (PALISCA, 2001).
A concepção da função teórica predominante em uma época específica, a audiência
para a qual um tratado foi escrito e os objetivos filosóficos ou práticos do autor fazem
variar consideravelmente o conteúdo de um tratado, que em termos gerais é definido como
estudo ou obra desenvolvida sobre uma ciência ou arte.
Jean-Philippe Rameau é considerado, pelos seus pares (musicólogos, músicos,
teóricos e filósofos), o mais importante músico francês do século XVIII. Em 1715 escreveu
em Clermont-Ferrand, um tratado de harmonia, publicado em 1722, intitulado Traité de
l’Harmonie: réduite à ses principes naturels. Nos seus escritos, deduziu das leis da acústica
os princípios fundamentais da música, e não somente clarificou a prática musical de seu
tempo, como também exerceu na teoria musical uma influência que se prolongou por mais
de duzentos anos (KREMER, 1986; GROUT, 1996).
Este trabalho, através de pesquisa bibliográfica, sob a luz dos escritos de autores
como Joseph-François Kremer, Enrico Fubini, Joel Lester, assim como da leitura direta da
obra de 1722, mostra o contexto histórico em que viveu Rameau, a repercussão de suas
teorias no meio cultural do século XVIII, que, inusitadamente para a época, uniam ciência e
arte, e descreve o primeiro livro do Tratado de Harmonia, disponibilizando fragmentos de
traduções; de forma que o seu conjunto possa facilitar, aos interessados, o contato direto
com o conteúdo do texto.
A maior parte dos textos utilizados para a construção deste trabalho não estão em
língua portuguesa, sendo que realizei integralmente as traduções diretas dos textos do
francês e espanhol, o texto da língua inglesa foi traduzido em parceria com Rafael Zanim
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Antoine Berman (1942-1991) é tradutor e autor de obras sobre a tradução de prosas e de poemas. Ele foi
diretor de programa do Collège International de Philosophie e diretor do Centre Jacques-Amyot de tradução e
de terminologia.
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1.1 JUSTIFICATIVA
1.2 OBJETIVOS
1.3 METODOLOGIA
Esse trabalho foi elaborado a partir de uma pesquisa bibliográfica e da leitura direta
do tratado de harmonia de Rameau.
Por último, ainda no capítulo 3, é feita uma descrição do conteúdo do primeiro livro
do tratado de Rameau intitulado Du rapport des raisons et proportions harmoniques,
através da leitura direta da obra e também da leitura de outros autores sobre a mesma,
oferecendo fragmentos de tradução da obra original.
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2.1 RAMEAU
Jean-Philippe Rameau teve uma carreira diferente dos músicos bem sucedidos de
sua época, que ainda jovem tinham seus nomes em voga. Foi praticamente desconhecido
até os quarenta anos de idade, tornando-se conhecido primeiro como teórico e só depois
como compositor. Nasceu em Dijon no dia 25 de setembro de 1683, filho de Jean Rameau
organista desta cidade, do qual recebeu sua formação musical, e de Claudine Martincourt.
Foi o sétimo de onze irmãos. Estudou em colégio jesuíta e não era considerado um bom
aluno, pois só se interessava por assuntos musicais, tendo aprendido as notas antes mesmo
de ler e escrever. Deixou o colégio para passar alguns meses na Itália, retornando à França
em 1701. As conseqüências dos estudos deixados de forma precoce apareceram em uma
expressão escrita deficiente. Em 1702 torna-se mestre de capela na Catedral de Avignon,
Notre-Dame de Doms. No mesmo ano ele é convidado para ser mestre de capela da catedral
de Clermont, mas não chega a terminar seu período, indo para Paris em 1706, onde publica
seu primeiro livro de cravo.
Em 1709 assume o posto que era de seu pai em Dijon, muda-se ainda para Lyon e
Montpellier depois de 1713, reaparecendo mais tarde em seu posto de Clermont. Esse
período da vida de Rameau é mal documentado, segundo Chabanon, filósofo e discípulo de
Rameau, a primeira metade da vida do músico é desconhecida, ele nada relatou aos seus
amigos sobre esse período e nem mesmo à sua esposa (CHABANON, 1764. p.7).
Rameau se instala em Paris em 1722, onde escreve seus primeiros artigos e publica
o Traité de l'harmonie, obra que abre sua carreira de teórico musical. Em 1724 publica seu
segundo livro de cravo e no ano seguinte se casa com Marie-Louise Mangot de 19 anos,
musicista e cantora, filha de um sinfonista do rei e de uma bailarina, com quem terá quatro
filhos. Nesse mesmo ano publica o Nouveau système de musique theorique, que completa
seu tratado de harmonia. Seu primeiro filho Claude nasce em 1727, mesmo ano em que é
apresentado ao rico mecenas e arrematador geral de impostos Le Riche de la Pouplinière do
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qual Rameau passa a ser protegido, dirigindo sua orquestra a partir de 1731 e dando aulas
de música a Madame de la Pouplinière, morando de 1746 a 1752 em seu hotel particular.
Em 1733 foi apresentada pela primeira vez Hipollyte et Aricie, obra que iniciou a
querela entre os lullistas e os ramistas. Os lullistas acharam a música muito moderna e os
ramistas reconheceram a riqueza da harmonia e a potência das orquestrações. Nesse mesmo
ano abre sua escola de composição. Em 1745 foi nomeado compositor da música do
gabinete do rei. Em 1750 publica uma nova obra Démonstration du principe de l’harmonie.
Por volta de 1752 se envolve na Querela dos Bufões.
As obras que o levaram à fama foram produzidas, em sua maioria, entre os seus 50 e
os 56 anos de idade. Entre elas as mais conhecidas são as obras líricas Les Indes Galantes
(1735), Castor et Pollux (1737) e Fêtes d’Hébé et Dardanus (1739). La Princesse de
Navarre, divertissement composto por Rameau para a peça de Voltaire, estreou em 1745.
Sua obra é composta por motetos, peças para cravo, cantatas, pastorais, óperas cômicas,
ballets e tragédias líricas.
Jean-Philippe Rameau exerceu suas atividades de músico e teórico até sua morte em
12 de setembro de 1764. Ao fim da vida morava em um grande apartamento em Paris com
sua esposa e dois filhos. Nessa época encontrava-se com o jovem Chabanon que escreveu
mais tarde um éloge funèbre para o compositor. Chabanon recolheu raras confidências de
uma personalidade considerada difícil, introspectiva, que se interessava somente por
assuntos musicais aos quais se dedicou por toda uma vida. Diderot o descreve de forma
caricatural em sua obra Le neveu de Rameau.
Seu último escrito, L’Origine des sciences, é caracterizado por sua obsessão em
fazer da harmonia a referência de toda ciência. Rameau expõe sua teoria essencialmente em
quatro obras: Traité de l’harmonie réduite à ses principes naturels (1722), Nouveau
système de musique théorique (1726), Génération harmonique (1737) e Démonstration du
principe de l’harmonie (1750). No entanto, ele também redigiu outros escritos em forma de
cartas, panfletos e artigos dos quais podemos citar : Dissertation sur les différentes
méthodes d'accompagnement, Paris (1732), Observations sur notre instinct pour la musique
et sur son principe, Paris (1754), Erreurs sur la musique dans l'Encyclopédie, Paris (1755)
e Code de musique pratique, Paris (1760).
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atravessou a Idade Média, construído a partir da doutrina pitagórica segundo a qual todo o
conhecimento reduzir-se-ia a relações numéricas, considerando tão somente o número
inteiro. Segundo essa tradição os números 1, 2, 3 e 4 geram toda a perfeição, na medida em
que o número quatro é considerado como a origem de todo o universo, todo o mundo
material, representando a matéria em seus quatro elementos: o fogo, o ar, a terra e a água
(BAILHACHE, 2001).
Boécio desenvolveu sobre o experimento de Pitágoras no monocórdio uma relação
para a corda que resultou nas razões 1:2, 2:3 e 3:4 e nos intervalos musicais de oitava,
quinta e quarta respectivamente, generalizando para outras fontes sonoras tais como copos,
sinos e flautas e se encarregou de enfatizar essa visão musical, influenciando músicos e
teóricos numa abordagem de especulação matemática para solucionar problemas teórico-
musicais (BAILHACHE, 2001).
O sistema musical pitagórico possui limitações como: uma rígida distinção entre
consonância e dissonância, utilização somente de razões comensuráveis, a inferência de que
os resultados encontrados para a corda valiam em qualquer outro sistema físico que
emitisse som (copos com água, sinos, flautas). Um importante legado do experimento de
Pitágoras consiste na percepção de que subir ou descer um intervalo musical corresponde
respectivamente a compor ou decompor o comprimento da corda, produtor da nota mais
grave ou mais aguda pelo fator correspondente ao intervalo referido (BAILHACHE, 2001).
A construção de uma escala, segundo os métodos pitagóricos, resulta da obtenção
de quintas compostas reduzidas posteriormente a notas equivalentes na oitava, ou seja,
supondo que uma nota inicial dó é produzida por 1, sua quinta será produzida por 2:3,
equivalente à nota sol. A quinta do sol, por sua vez, por (2:3)(2:3) = (4:9), que reduzido à
oitava original resulta em 8:9, equivalente à nota ré. A quinta de ré será produzida por (8:9)
(2:3) = 16:27, que equivale à nota lá, e assim por diante, resultando na seguinte escala
diatônica: Dó ré mi fá sol lá si dó 1 8:9 64:81 3:4 2:3 16:27 128:243 (BAILHACHE,
2001).
Porém outras correntes vieram contestar esse paradigma. Vincenzo Galilei (1520-
1591) mostrou que as relações intervalares variavam em relação aos parâmetros medidos
na corda, como tensão e densidade linear, e de maneira geral, em relação aos parâmetros
medidos em qualquer fonte sonora. Intensificada no decorrer do século XVII, tal
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freqüência de uma nota dada é a somatória das freqüências de cada um de seus harmônicos
(BAILHACHE, 2001).
A primeira abordagem de Rameau, desenvolvida no tratado de 1722 é puramente
matemática, tendo como princípio a máxima de Descartes que “a corda está para a corda
como o som está para o som”. As conclusões a que chega confirmam o seu caminho,
sobretudo por haver conhecido, antes de 1726, os trabalhos de Joseph Saveur sobre os sons
harmônicos, que vinham a corroborar perfeitamente suas crenças. Este físico demonstrou
que quando uma corda vibra em um tubo sonoro (um corpo sonoro) emite um som, e
também, de uma maneira muito mais débil, seus terceiros e quintos harmônicos, que os
músicos chamavam décimo segundo e décimo sétimo graus diatônicos. Supõe-se que não
se possuía uma acuidade auditiva capaz de identificá-los distintamente, no entanto um
dispositivo físico simples permitiu visualizar o efeito, artifício importante para Saveur que
era surdo. Surge então a física num domínio em que se repartiam, até aquele momento,
matemáticos e músicos (BAILHACHE, 2001).
surgiu como uma modificação de C-E-G, não como uma inversão de A-C-E; o C-E-A passa
a ser um acorde maior com duas grandes consonâncias imperfeitas sobre o baixo e não um
acorde menor rearranjado. Uma “harmonia Perfeita”, termo utilizado por esse autor, era
uma maneira de checar a textura para ter certeza de que as harmonias não eram impróprias.
Só mais tarde é que os teóricos chamaram essa ocorrência de primeira inversão triádica.
“No entanto, a autoritária enunciação de Zarlino de que a natureza essencial de uma
harmonia era definida pela qualidade da terça sobre o baixo provavelmente chamou a
atenção de muitos músicos” (LESTER, 2006. p.754).
A prática diária fez com que os músicos se familiarizassem com a relação entre os
acordes, pouco referida pelos teóricos. O baixo contínuo também foi importante para trazer
à tona outra característica fundamental da música tonal, a de que sobre as notas dadas pelo
baixo ocorriam, regularmente, sonoridades específicas. Na prática da música barroca,
muitas das harmonizações desenvolvidas desde o início do século XVI se tornaram lugar
comum, o que possibilitou oferecer linhas guia para a realização de linhas de baixo
completamente desfiguradas que reclamavam uma melhor formulação das harmonizações.
Mas ao mesmo tempo elas também ajudavam a codificar normas de coerência harmônica.
As versões do século XVII destas regras oferecem padrões harmônicos além das colocadas
na clave. Heinichen reduziu o número de regras e as diferenciou entre recomendações
baseadas nos padrões e no uso das escalas diatônicas dentro da clave. Uma tradição
pedagógica separada evitou tais regras, apresentando um modelo de escala de baixo e
outros padrões de baixo com harmonias comumente sustentadas por ele (LESTER, 2006).
Em 1716 o violonista francês François Campion canonizou uma normativa
harmonização de ambas as escalas: ascendente e descendente maiores e menores
(melódica) sob o nome de “regra da oitava” (règle de l’octave). Através dessa regra (ou
muitas de suas variantes), incontáveis músicos do século XVIII aprenderam o uso de
harmonias da escala diatônica comum na clave e como elas interagiam entre si. Campion,
implicitamente reconheceu que as normas harmônicas mudavam, dependendo se o baixo se
movia por saltos ou por graus. As linhas guias encontradas na literatura prática e teórica do
século XVII e XVIII ajudaram a codificar e promover normas harmônicas intuitivas que se
tornaram parte da sintaxe tonal (LESTER, 2006).
O reconhecimento do direcionamento de certas normas harmônicas apareceu pela
primeira vez em meados do século XVI em conexão à condução cadencial de vozes. Nicola
Vicentino (1511 – 1576) em 1555 e Zarlino em 1558 reconheceram que certas combinações
de duas ou mais vozes criavam tamanha expectativa da eminente chegada num objetivo
cadencial específico que um senso claro de direcionalidade era percebido mesmo quando o
objetivo em si era ausente – um efeito que eles chamaram de cadência evasiva. Esse
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pensamento postulou que forças subjacentes à continuidade musical podem ser mais
importantes que uma resolução de dissonâncias local (LESTER, 2006).
Demorou para que o sistema de tons maiores e menores – outro ingrediente de
mudança de perspectivas teórica no século XVI e XVII que preparou o fundamento para
futuras teorias da tonalidade harmônica – fosse reconhecido universalmente como pilar da
música contemporânea. Muitas tradições continuavam a insistir, no séc. XVIII, que os
modos tradicionais eram a base de toda a música. Lippius o teórico que imprimiu o termo
triadis é o primeiro a argumentar que a essencial diferença entre os modos está na
qualidade da tríade sobre o final (LESTER, 2006).
Importantes desenvolvimentos no entendimento dos intervalos musicais e acústicos
complementaram os aspectos de mudança da teoria musical e da prática durante o séc
XVII. A hierarquia tradicional da razão dos intervalos canonizada por Zarlino, dentro do
cenário dele, por exemplo, foi inadequada para teóricos (começando por Lippius em 1610)
que colocaram as tríades maiores e menores como fonte de consonância. A maior
problemática foi à quarta justa que se colocava à frente da terça maior ou menor em valor
de consonância quando medida pela razão intervalar, e que ainda era uma dissonância
quando aparecia sobre o baixo (LESTER, 2006).
Não muito tempo depois que Lippius publicou seu tratado, René Decartes (1596 –
1650) escreveu seu Musicae Compendium (1618) no qual ele diferenciou consonâncias
entre si, baseado nas suas relações com o intervalo gerador. A oitava (2:1) foi dividida em
uma quinta justa (3:2) e uma quarta justa (4:3). A quinta era um intervalo direto, por ser
acusticamente construída sobre o tom mais baixo da oitava; a quarta, por contraste, era
meramente a “sombra” da quinta, preenchendo um espaço entre a quinta e a oitava. Este
raciocínio também colocou a terça maior (5:4) como um intervalo primário, desde que
também fosse diretamente gerado pela corda fundamental. Mas isso falhou para explicar
como uma tríade menor poderia formar o intervalo mais baixo, por esse raciocínio a tríade
menor deveria ser a sombra da terça maior preenchendo a distância entre a terça maior e a
quinta justa (LESTER, 2006).
Todas as noções citadas e que emergiram no curso do século XVII em diferentes
tradições da prática, da pedagogia e da teoria especulativa – acordes como unidades
composicionais fundamentais, a identidade inversional de harmonias, o sistema de
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O século XVII vê com Descartes a separação entre alma e corpo, quase um século
após sua morte, sua influência, que foi chamada de cartesianismo, conduzia a França a um
movimento intelectual de revolta e independência, como parte do classicismo. As teorias já
existentes eram freqüentemente questionadas pelos filósofos que produziam suas próprias
teorias, tendo a natureza como base. O século XVIII responde ao século XVII pela dialética
dissociada da alma sensível, imprimindo a todo espírito teórico uma perda de valor de sua
aplicação. Com o final do reinado de Luís XIV o racionalismo ganha força na sociedade e
as pessoas “esclarecidas” acham que tudo pode ser explicado pela razão.
O pensamento iluminista foi construído, principalmente, sobre três pilares: a razão,
a natureza e o progresso. No imaginário do iluminismo o mundo, incluindo o universo das
artes, poderia ser apreendido pela razão, baseando-se em princípios naturais. Era a nova
realidade que o cenário histórico propiciava.
Segundo Lewis Rowell, em seu livro Introdução a Filosofia da Música de 2005, os
escritos de René Descartes (1596-1650) marcam a origem do movimento racionalista na
filosofia, tendo como alguns de seus seguidores Spinoza (1632-1677) e Leibniz (1646-
1716). Para essa corrente de pensamento o conhecimento é obtido a partir das idéias e
princípios inatos que todos possuem e da capacidade de raciocínio; o racionalismo acentua
a importância de conhecimentos que já estão colocados independentes da nossa
experiência, os axiomas. Na arte este movimento tende a generalizar, a idealizar e a
estimular a criação normatizada, o que favoreceu a evolução das teorias acerca da música.
A teoria musical começou lentamente sua transformação de uma disciplina descritiva a uma
preceptiva, a qual os teóricos seguiram, baseando suas especulações na prática musical e
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Um só homem não é capaz de esgotar uma matéria tão profunda como essa, é
quase impossível que ele não esqueça sempre alguma coisa, apesar de todos os seus
cuidados, mas ao menos todas as descobertas, que ele pode unir as que já apareceram
sobre o mesmo assunto, são igualmente estradas abertas para os que podem ir mais
longe (RAMEAU, 1722).
existam aspectos da prática musical do século XVIII que ele não tenha analisado em
profundidade. As especulações harmônicas de Rameau refletem o movimento racionalista
na filosofia, sobretudo porque ele sustentava que as regras da arte se baseavam com firmeza
em princípios da natureza. Descreveu a normatização na harmonia musical e sustentou que
a harmonia tonal se modelava inconscientemente segundo certos conceitos inatos, dados
alguns fatos, restava à mente deduzir o conjunto completo de leis harmônicas e confirmar
sua existência observando a prática musical. (ROWELL,2005).
razão e harmonia, a obra de arte é imitação da natureza e reflete por conseqüência as leis do
universo. (CROCE, Iniciação a Estética).
Disciplinar os impulsos subjetivos, dominar os ímpetos da interioridade e de sua
expressão, fazendo com que o autor desapareça por trás da obra é outro aspecto relevante
do classicismo. Apesar do valor às regras ser um fator geral há nesse período uma rígida
separação das artes, cada uma obedece a suas normas específicas; cada gênero possui seus
preceitos e confundir os vários tipos de composição é tido como um grave defeito. Na visão
clássica o poder da obra está em veicular, através da bela e suave revelação da forma,
ensinamentos e verdades que elevem o conhecimento e contribuam para o aperfeiçoamento
do ser humano (GUINSBURG, 1985).
Diante de uma visão normativa, dogmática, moralista e intelectual como a do
classicismo é de se esperar que a música represente uma anomalia no meio das artes por seu
aspecto transitório, por seu caráter não semântico e sua natureza hedonista que se dirige aos
sentidos, além de não imitar a natureza senão de uma forma muito reduzida, num nível
onomatopaico ou de maneira confusa na imitação dos sentimentos. Por esses motivos ela é
tida como imoral, sua existência por si só é um atentado à razão (FUBINI, 2002).
A música que predominava até metade do século XVIII era a ópera e a música
instrumental pura era consumida por uma pequena elite. Na França, sem uma tradição
própria de música pura, sem tradição de escolas instrumentais e por conseqüência sem bons
instrumentistas, a música de Rameau e Couperin era novidade e pouco difundida
popularmente. O que se comentava era o melodrama, a música com palavras e os sons
deveriam restringir-se à ornamentação, a embelezar o texto, a revestir um conteúdo muito
mais significativo, por ser passível de racionalização, que é a palavra.
entre duas linguagens tão diferentes como a música e a poesia, se bem, sempre
próximas em sua história desde a Grécia antiga até os tempos do melodrama. O
conceito de expressão, portanto, se usa com freqüência na primeira metade do século
XVIII, precisamente a propósito da música, para indicar essa vaga propriedade, intuída
mais do que identificada, de atuar de maneira diferente a das artes que imitam a
natureza mais explicitamente (FUBINI, 2002. p.19).
opostas que se escondem por trás de opiniões e defeitos atribuídos a cada uma dessas
músicas, defeitos esses que se convertem em virtudes com o passar dos anos.
Demorou para que a ópera fosse aceita como um novo gênero musical e não como
uma deturpação das tragédias gregas ou uma fraca e débil produção literária. Alguns dos
defensores dos modernos como Perrault (1628-1703) e Dubos (1670-1742) foram uns dos
primeiros a ver a ópera como um gênero em si mesmo, em que a música é parte
imprescindível, e a defender os libretos de Quinault. O canto para eles passa a ser visto
como uma intensificação lírica da palavra. A ópera é vista como pertencente ao reino do
irracional, do irreal e do sobrenatural, não sob uma conotação negativa e sim por uma
reconhecida necessidade humana de um mundo mágico, dos sonhos e das fábulas que
agradam a todos os espíritos. O reconhecimento aberto da positividade do prazer auditivo,
da musicalidade da poesia e da própria música sem conteúdos éticos ou didáticos faz nascer
uma nova arte com características próprias. A música passa a ser uma arte privilegiada pela
capacidade de agradar e comover por apresentar signos naturais enquanto as palavras são
signos arbitrários. (FUBINI, 2002. p. 29-37).
É relevante observar que a ópera francesa é na realidade fruto da ópera italiana, pois
a ópera chegou à França por meio de italianos como Mazzarino, Rossi, Cavalli e Lully, este
último criou um império musical francês na segunda metade do século XVII por entender e
interpretar o gosto francês, muito facilmente controlado pelos críticos, uma vez que o
público de ópera na França era composto de uma elite aristocrática concentrada em Paris,
ao contrário do público italiano, muito mais variado, pertencente a várias classes e
espalhado por várias cidades (FUBINI, 2002. p.35).
Apesar de todas as discussões sobre a música e as diferentes visões estéticas e
filosóficas, ela ainda estava no papel de acompanhamento e servilidade ao texto literário.
Tanto na música francesa, caracterizada pelo amor à verdade, à imitação e que corria o
risco da monotonia, quanto na música italiana, caracterizada pelo amor à variedade, ao
prazer e beirando à aridez e ao hedonismo, havia a busca do caminho do meio, do ponto de
equilíbrio que só poderá ser encontrado em uma outra compreensão sobre a natureza da
música e seu desenrolar histórico (FUBINI, 2002. p.38-55).
Novos caminhos foram abertos no decorrer da segunda metade do século XVIII.
Muitas discussões entre filósofos e críticos buscavam nas polêmicas apaixonadas um meio
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Faz-se necessária uma breve explanação sobre a querela dos bufões. Em agosto de
1752 a apresentação da Ópera Bufa La Serva Padrona de Pergolesi por uma trupe italiana
composta por três cantores inicia a chamada Querela dos Bufões. Essa obra, que anos antes
foi apresentada sem nenhum sucesso, entusiasma alguns parisienses por sua música simples
e cantante, diferente das pompas da tragédia lírica; incita também uma polêmica que
dividiu franceses em duas partes. De um lado estavam os aliados do rei e sua favorita,
Madame de Pompadour, favoráveis à ópera francesa de Lully e Rameau, do outro lado
estavam os aliados da rainha, favoráveis à ópera italiana, defendida veementemente por
Jean-Jacques Rousseau.
Rousseau, compositor amador, tinha razões pessoais para incitar tal polêmica, em
As Confissões ele conta como foi rejeitado por Rameau, de quem se considerava discípulo,
quando intentou mostrar-lhe suas composições na casa de La Pouplinière, famoso mecenas
e protetor do músico e teórico. Rameau, mal humorado, disse que o que ouvia não era obra
do filósofo, que as peças se alternavam em genialidade e mediocridade. De tais
constatações Rousseau se defende, dizendo dever-se ao fato de ele compor apenas por
impulso de seu gênio, sem a sustentação da ciência. Em sua Lettre sur la musique française
de 1753 o filósofo critica fortemente a música francesa, dizendo que jamais tal música
poderia ser boa por conta da falta de musicalidade da língua francesa, já que para ele a
língua era uma imagem viva e fiel do caráter de um lugar. Rousseau considerava a música
instrumental como um arabesco sonoro, puro entretenimento ao ouvido, um discurso frio,
racional, significativo apenas para a razão, sem fazer parte das artes autenticamente
expressivas. A expressividade só poderia existir onde a língua conservasse, ao menos em
parte, o acento musical original e onde a música não tivesse perdido a originalidade
melódica. (FUBINI, 2002. p.106-107)
Para Fubini (2002):
Com esta posição, Rousseau entra diretamente em polêmica com Rameau, dando a volta
aos fundamentos de sua perspectiva teórica. A universalidade da música, que para
Rameau se baseava na racionalidade e naturalidade da harmonia, se converte para
Rousseau em um fator negativo. A música como a linguagem, não é universal senão
nacional em sua essência, e o aspecto universal é postiço, caduco, na origem. A
harmonia precisamente “é igual em todas as nações ou, quando se pode notar nela
alguma diferença, é veiculada pela melodia” (Lettre sur la musique française, en
Oeuvres complètes VI, Paris, 1939, p.147.); o elemento originário na música é a melodia,
e é “por ela somente que se pode identificar o caráter próprio de uma música nacional,
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por que, tendo em conta que este caráter é dado, sobretudo pela língua, deixará seu mais
profundo vestígio no canto propriamente dito” (Ibid. p.147). Tem sentido falar de
melodia só se por ela se entende a melodicidadade de um canto; mas um canto
unicamente pode ser melódico se a língua que o modula é “doce, sonora e harmoniosa e
acentuada”. Só a língua italiana possui essas quatro qualidades, enquanto que o francês
perdeu toda musicalidade, prevalecendo nele a articulação fria e dura.
Muitos escritos foram lançados e muitos panfletos foram escritos por diversos
pensadores anti ou pró-italianos em resposta à Lettre, alargando a discussão e a luta entre o
que aparentemente era o antigo e o novo. Apesar do considerável “barulho” que se fez em
torno da querela, registrado pela abundância de escritos literários, não se pode exagerar a
importância puramente musical.
Alguns filósofos a favor da música francesa responderam mais por se sentirem
feridos em seu patriotismo e por rígidos princípios racionalistas do que por entenderem o
pensamento de Rousseau, que de forma original, buscava explicar a natureza da linguagem
e da música, tema não tão original assim. Outros buscaram essa explicação antes de
Rousseau, como Dubos que falava do gênio da língua encontrado mais claramente nas
línguas originais em que se revelam as características próprias de cada etnia; cada povo
deixa a expressão de sua essência na língua. Tais pensamentos como a revalorização do
primitivo, do selvagem, das expressões fortes, simples e naturais, abriram novas
perspectivas para a estética e uma mudança fundamental na lingüística. Para os
enciclopedistas, influenciados pelo empirismo de Locke em suas investigações, inclusive
nos estudos sobre a linguagem, a superioridade das línguas primitivas se baseia numa
musicalidade latente. A força do caráter emotivo, metafórico e musical da linguagem,
sobretudo da linguagem poética, coincidem com as línguas primitivas, já que poesia não é
imagem, não é imitação e sim uma obra feita de sons (FUBINI, 2002. p 110 e 111).
Rousseau, no entanto, era um dos enciclopedistas com maior conhecimento musical,
apesar de outros terem escrito sobre música, e pôde de maneira mais orgânica, iniciar uma
nova concepção de música e uma visão histórica dos problemas musicais a partir de suas
concepções. Outros filósofos como Diderot (organizador da conhecida Enciclopédia) ou
D’Alembert guardaram certa distância da querela, apesar de se interessarem pela música
em seus escritos. Pode-se dizer que a única alternativa realmente opositora ao pensamento
de Rousseau é a teoria harmônica de Rameau que responde à Lettre em 1755 em seu
40
condenável para os literatos franceses tão amantes da poesia e do canto e como críticos
achavam que ele tinha maior facilidade para a música instrumental do que para a música
vocal. Sua obra se constitui de muita organização e de uma racional simetria, em que a
descrição não é o forte, deixando claro que ele não é um músico a serviço da poesia. Sua
crença na força e na autonomia da harmonia é expressa tanto nos seus tratados quanto na
sua música. Para os apreciadores da época, nostálgicos de Lully, ser italianista é não saber
tocar o coração, é ser mero combinador de sons em busca do prazer do ouvido; mesmo suas
óperas eram consideradas mais como concertos do que imitação de ações (FUBINI, 2002,
p. 71).
Aos poucos os críticos foram percebendo que Rameau, ao menos como músico, não
era revolucionário, não queria exatamente subverter a tradição e sim colocá-la em dia e
logo os conservadores, tranqüilizados com as boas relações de Rameau com a corte,
passaram a considerá-lo o possível e legítimo herdeiro de Lully, ou seja, o perpetuador da
tradição francesa. Os embates ao longo do tempo com os enciclopedistas só vieram a
reforçar seu aparente conservadorismo.
Assim então, até 1750, o início da querelle dos bufões, a bipartição estabelecida
por Rameau entre harmonia e melodia havia tido somente uma importância teórica, e,
todavia não havia começado a formar parte da polêmica entre defensores e opositores da
música francesa, que já contava com pelo menos cinqüenta anos de antiguidade.
Rousseau foi o responsável por introduzir essa espécie de falsa alternativa em forma de
antinomia dramática na velha querela, renovando-a assim em suas conotações, e
inclusive contribuindo indiretamente a dar um novo colorido à teoria harmônica de
Rameau. De fato, desde então, colocar-se de parte dos franceses significará afirmar a
supremacia da harmonia sobre o canto; colocar-se de parte dos italianos significará
afirmar a supremacia da melodia. Rameau e Rousseau se convertem em duas figuras
complementares: suas doutrinas encaixam perfeitamente uma com a outra e se iluminam
respectivamente. Rameau, depois da Letre sur la musique française de Rousseau, já não
poderá ser tachado de italianismo; sua música já não se mostrará como um acúmulo de
ruídos e sons carentes de lógica. Rameau será considerado justamente um racionalista,
como músico e como teórico; poderá ser acusado de intelectualismo, de falta de
abandono emotivo, de não saber tocar o coração. Mas, desta vez, o coração se entenderá
segundo a linguagem da maior parte dos philosophes, como o que se contrapõe à razão, à
abstração intelectual, como o fluir da vida frente ao rigor da doutrina, como a
mobilidade do sentimento em relação à imobilidade do intelecto (Fubini, 2002. p.73).
Essa inversão dos pontos de vista não diz respeito somente às polêmicas musicais
da época, mas também a toda cultura pré-romântica e pré-revolucionária francesa e
42
européia, que tão bem se manifesta na intensa confrontação dialética entre Rameau e
Rousseau (FUBINI, 2002. p.73).
Para Rameau o princípio fundamental da música se situa numa esfera natural que
compreende sentimento e razão, que faz dela uma revelação sensível da unidade do
cosmos. Por conta disso, existe uma autonomia da música que passa a ter na harmonia, na
variedade dos acordes, uma espécie de vocabulário com significados fixos. Estes acordes
refletem uma ordem natural e são a expressão desta ordem independente de gosto, tempo e
espaço. A expressão musical possui seus próprios meios. A música é, portanto, uma arte
privilegiada, abstrata e imaterial, porém realista que encarna em si a harmonia universal e
por isso é também a primeira das ciências. O ouvido é valorizado por ser guiado pelo
instinto natural que percebe as leis universais encarnadas na música. O corpo sonoro é a
manifestação do espírito divino, fonte de consciência e de progresso para o homem, ou seja,
de uma adequação a um princípio eterno e imutável (FUBINI, 2002. p.81-86).
Os enciclopedistas buscavam a separação entre arte e ciência, aspiravam a uma
visão plural do universo e à autonomia dos diferentes campos, valorizavam as diferenças
entre países e épocas e separavam a técnica do resultado, elemento acústico de efeito
emotivo. Rameau defendia a idéia de que em todos os países onde reina a música existem
cabeças dotadas e ouvidos experientes, unia teoria e prática, elemento técnico-acústico com
resultado artístico. Progresso para os enciclopedistas era destacar as características
nacionais dos estilos musicais, captar as peculiaridades de cada povo e afirmar a
pluralidade das tradições, retomando os cantos populares e introduzindo uma perspectiva
histórica no campo musical (FUBINI, 2002. p.87-88).
Rameau para defender sua visão se preocupa em não parecer um árido
intelectualista, tampouco um mero sentimentalista que procura ressaltar a emoção de um
texto literário, podemos perceber isso na leitura de seu tratado de 1722 desde o seu
prefácio, assim como na carta para pedir um libreto, enviada ao filósofo, literato e libretista
Houdar de La Motte em 1727, carta essa que nunca foi respondida. É uma nova estética que
se apresenta baseada em uma visão organicista do homem e da natureza, que vai de
encontro aos ideais dos enciclopedistas. Alguns deles como D’Alembert chegam a valer-se
de suas teorias sobre a harmonia, mas rechaçam suas implicações no plano estético e
filosófico. D’Alembert aparentemente com intenções de divulgar e tornar mais acessível o
43
A obra é dividida em quatro partes às quais Rameau chamou de livre, ou seja, livro
em francês. Os quatro livros se dividem entre a teoria e a prática. Os dois primeiros livros,
ditos teóricos, tratam dos princípios matemáticos nos quais Rameau baseou suas teorias, é a
parte essencial de seu tratado; os dois últimos livros, ditos práticos, tratam das regras de
composição e da arte do acompanhamento. Cada livro possui um título e são eles: Du
Rapport Des Raisons & Proportions Harmoniques; De La Nature & De La Proprieté Des
Accords : Et De Tout Ce Qui Peut Servir À Rendre Une Musique Parfaite; Principes De
2
Joseph-François Kremer é compositor diplomado pela École des Hautes Études en Sciences Sociales, autor
da ópera La Rencontre au Point du Jour. É diretor artístico do Conservatório de Sevran. Informações retiradas
do encarte da obra do autor.
45
7
É interessante notar o uso dos termos cristãos preparar e salvar (préparer et sauver) no que se refere à
preparação e resolução de uma dissonância numa progressão harmônica.
47
8
Segundo Jean-Jacques Rousseau as licenças são “liberdades que tomam os compositores e que parecem
contrárias às regras... Considerando que a maior parte das regras de harmonia são fundadas de princípios
arbitrários e mudam pelo uso e gosto dos compositores, acontece que essas regras variam, são sujeitas a
moda, e o que é licença em um tempo não o é mais em outro” (ROUSSEAU apud KREMER, 1986. p.41).
48
que explicitou no livro anterior para traçar sua prática. O autor evoca o gosto próprio do
compositor para as escolhas imprevisíveis, pois para isso só o saber não é suficiente e
enfatiza a necessidade de compreender plenamente a natureza da modulação e a harmonia
fundamental para quem deseja compor.
O próprio autor é quem melhor pode descrever sua obra. Através do prefácio de seu
tratado, traduzido por mim, o autor não só apresenta a obra, como também revela suas
expectativas em relação à mesma, além das suas escolhas ao escrevê-la, pelas quais
transmite seus valores pessoais e culturais 9 :
Qualquer progresso que a música tenha feito até nós, parece que o espírito foi
menos curioso em aprofundar os verdadeiros princípios, à medida que o ouvido se tornou
sensível aos maravilhosos efeitos dessa arte, de sorte que podemos dizer que a razão perdeu
seus direitos, enquanto que a experiência adquiriu alguma autoridade.
Os escritos que nos restam dos Antigos nos fazem ver muito sensivelmente que a
razão por si só deu a eles os meios de descobrir a maior parte das propriedades da música,
no entanto, embora a experiência nos faça ainda aprovar a maior parte das regras que eles
9
A nota apresentando Zarlino e o comentário sobre as citações de sua obra também fazem parte do prefácio.
49
nos deram, se negligencia hoje todas as vantagens que poderíamos tirar dessa razão, em
favor de uma experiência de simples prática.
Se a experiência pode nos prevenir sobre as diferentes propriedades da música, ela
não é, no entanto, a única capaz de nos fazer descobrir o princípio dessas propriedades com
toda precisão que convém à razão; as conseqüências que dela se tira são seguidamente
falsas, ou ao menos nos deixam numa certa dúvida, que não cabe senão à razão dissipar.
Por exemplo, como poderíamos provar que nossa música é mais perfeita que aquela dos
antigos, enquanto ela não nos parece mais suscetível aos mesmos efeitos que eles
atribuíram a deles? Equivaleria a dizer que quanto mais as coisas se tornam familiares,
menos elas causam surpresa e que a admiração que elas podem nos causar na sua origem,
degenera insensivelmente à medida que nós a elas nos acostumamos, tornando-se por fim
um simples divertimento? Isso seria, quando muito, supor a igualdade e não a
superioridade. Mas, se pela exposição de um princípio evidente, do qual tiramos em
seguida conseqüências justas e certas, podemos fazer ver que nossa música está no seu
último grau de perfeição, e é preciso que os antigos tenham atingido essa perfeição
(podemos ver sobre esse assunto o capítulo XXI do segundo livro), saberemos então, em
que nos apoiarmos, sentiremos bem melhor a força da reflexão precedente e sabendo, por
esse meio, os limites da arte, a ela nos entregaremos de bom grado.
As pessoas de um gosto e de um gênio superior nesse gênero não temerão mais a
falta de conhecimentos necessários para serem bem sucedidas. Em poucas palavras: as
luzes da razão, dissipando assim as dúvidas em que a experiência pode nos mergulhar a
todo o momento, serão garantias certeiras do sucesso que poderemos nos prometer nessa
arte.
Se os músicos modernos (quer dizer, depois de Zarlino*) tivessem se aplicado,
como fizeram os antigos, em dar razão àquilo que eles praticam, eles teriam feito cessar
muitos preconceitos que não lhes são vantagem e isso os teria mesmo feito voltar do que
ainda estão tomados e do que têm muita dificuldade em se desfazer, pois a experiência é
para eles muito favorável, ela os seduz de alguma maneira, já que ela é a causa do pouco
cuidado que eles tomam em se instruir a fundo sobre as belezas que ela os faz descobrir a
cada dia. Seus conhecimentos são próprios apenas a eles mesmos, eles não têm o dom de
comunicá-los e como eles não se apercebem disso, freqüentemente ficam mais espantados
50
por não serem entendidos do que por não se fazerem entender. Essa censura é um pouco
severa, eu o confesso, mas eu a faço de novo tal qual eu mesmo talvez ainda a mereça,
apesar de tudo que eu pude fazer para dela escapar. De qualquer maneira, eu gostaria que
ela pudesse produzir sobre eles o efeito que produziu sobre mim e é, principalmente
também, para reavivar essa nobre emulação que reinou outrora, que corro o risco de
participar ao público minhas novas pesquisas em uma arte à qual eu tento dar toda a
simplicidade que lhe é natural, afim de que o espírito conceba as propriedades tão
facilmente quanto o ouvido os sinta.
Um só homem não é capaz de esgotar uma matéria tão profunda como essa, é quase
impossível que ele não esqueça sempre alguma coisa, apesar de todos os seus cuidados,
mas ao menos todas as descobertas, que ele pode unir às que já apareceram sobre o mesmo
assunto, são igualmente estradas abertas para os que podem ir mais longe.
A música é uma ciência que deve ter regras certas, essas regras devem ser tiradas de
um princípio evidente, e esse princípio não nos pode ser conhecido sem o socorro da
Matemática. Também devo confessar que, não obstante toda experiência que me pôde ser
adquirida na música, por tê-la praticado por um longo e suficiente período de tempo, não é
senão pelo socorro da Matemática que minhas idéias se desenvolveram, e que a luz sucedeu
a uma certa obscuridade, da qual eu não me apercebia antes. Se eu não sabia fazer diferença
entre princípio e regra, logo que esse princípio se ofereceu a mim com tanta simplicidade
quanto evidência, as conseqüências que ele me forneceu em seguida fizeram-me conhecer
nelas as regras que devem se relacionar por conseqüência a esse princípio. O verdadeiro
sentido dessas regras, suas justas aplicações, suas relações e a ordem que elas devem ter
entre elas (a mais simples, servindo sempre de introdução à menos simples e assim
gradualmente) enfim, a escolha dos termos, tudo isso, eu digo, que ignorava antes, se
desenvolveu em meu espírito com tanta nitidez e precisão que não pude me impedir de
convir que seria à desejar (como me disseram um dia que eu aplaudiria a perfeição da nossa
Música moderna) que o conhecimento dos músicos desse século respondesse às belezas de
suas composições. Não é suficiente, portanto, sentir os efeitos de uma ciência ou de uma
arte, é preciso mais: concebê-las de modo que se possa torná-las inteligíveis. E é
principalmente a isso que eu me apliquei no corpo dessa obra, que distribuí em quatro
livros.
51
10
Que a prática ensine o restante. Tradução de Marcos Holler.
53
Como não me foi possível, para satisfazer ao meu emprego, ver imprimir essa obra,
eu fui obrigado a relê-la com uma nova aplicação e achei que deveria fazer algumas
mudanças e algumas correções necessárias que se encontrará no final, em um suplemento.
Coloquei no começo dois índices, um das matérias desse tratado, outro contendo uma
explicação dos termos, cujo entendimento é necessário, para servir de introdução a toda
essa obra, que eu dedico ao público.
As citações de Zarlino em suas Institutions Harmoniques são da impressão de
Veneza, ano de 1573.
* Zarlino, célebre autor na música, que escreveu há aproximadamente 150
anos e do qual encontramos apenas cópias muito frágeis, nas obras que
apareceram depois das suas, sobre o mesmo assunto.
No segundo capítulo, Des Differentes manieres dont le rapport des sons peut nous
être connus (Diferentes maneiras pelas quais a relação dos sons nos pode ser conhecida),
Rameau cita as diversas maneiras pelas quais a relação entre os sons pode ser conhecida
até sua época, como por exemplo, através de instrumentos de sopro ou de diferentes
tensões, pelo peso ou ainda pela espessura das cordas e esclarece que considerará as
relações em que os números seguem a progressão natural, por ser mais inteligível:
54
“Para conhecer a relação dos sons escolhe-se uma corda tesa de modo que
ela possa produzir um som; divide-se em seguida essa corda em várias partes com
cavaletes móveis, e encontramos todos os sons ou intervalos que podem se acordar
juntos, estando contidos nas cinco primeiras divisões desta corda, comparando
reciprocamente cada duração que resulta dessa divisão” (RAMEAU, p. 2).
No terceiro capítulo De l’origine des consonances e de leur rapport (Da origem das
consonâncias e de sua relação) um parágrafo inteiro do Abregé de la Musique de Descartes
é citado por Rameau. Neste parágrafo Descartes fala sobre a ressonância monocordista de
um corpo sonoro:
“O som está para o som como a corda está para a corda: ou cada corda
contém em si todas as outras cordas que são menores que ela e não aquelas que são
maiores; por conseqüência também em cada som, todos os agudos estão contidos no
grave, mas não reciprocamente todos os graves neste que é agudo; de onde é evidente
que devemos procurar o término mais agudo pela divisão do mais grave; tal divisão
deve ser aritmética, quer dizer em partes iguais” (DESCARTES, p.60 ou 68 e
RAMEAU, p.3).
Dito de outra maneira, uma corda dada contém duas vezes uma corda que tenha a
metade do seu comprimento, da mesma maneira o som grave produzido pela primeira
“contém” duas vezes o som mais agudo produzido pela segunda.
O artigo primeiro trata das distâncias entre o som fundamental e os sons que se
formam de sua divisão, da conformação de diferentes intervalos, da união desses diferentes
intervalos que formam diferentes consonâncias, cuja harmonia não poderá ser perfeita se o
56
som fundamental não “reinar” - termo utilizado freqüentemente pelo autor numa analogia
ao sistema monárquico, vigente na época - sobre todos eles.
“... em seguida a essa oitava colocada acima dessa terça e dessa quinta, com
a qual ela forma então uma sexta e uma quarta nos faz escutar nada menos que um
acorde sempre bom, embora o som fundamental não tenha mais lugar; logo esse som
fundamental é transposto ou subentendido na sua oitava... de maneira que o som
agudo da oitava não deve ser visto como um princípio diferente desse que é
engendrado imediatamente, mas como o representante e como formando um todo
com ele onde todos os sons, todos os intervalos, e todos os acordes devem começar e
terminar, sem esquecer, no entanto que todas as propriedades dessa oitava, dos sons
em geral, dos intervalos e acordes dependem absolutamente desse princípio único e
fundamental que é representado pela corda inteira ou pela unidade” (RAMEAU,
p.09).
57
“... cada uma das duas proporções, estando aplicada ao seu objeto, nos dá a
quinta em relação ao som grave da oitava e a quarta em relação ao som agudo; e se
aplicamos em seguida uma dessas proporções ao objeto de outra, ela nos dará a
quarta no grave e a quinta no agudo; essa inversão se descobrindo mais a mais a
medida que queremos penetrar nos segredos da harmonia...” (RAMEAU, p.11).
Rameau diz que a divisão da corda dá de início a quinta como primeiro intervalo e
dá em seguida a quarta como “sombra” da quinta, expressão usada por Descartes; “... isso
não provêm senão que da inversão dos dois sons que compuseram essa quinta em primeiro
lugar, pela transposição do som grave da oitava no som agudo; essa última inversão sendo o
principal objeto dessa obra...” (RAMEAU, p.11).
A quinta implica a ambivalência de seu intervalo com sua fundamental e, por outro
lado, com a oitava dessa mesma fundamental: o que nos dá a quarta. Rameau nos faz
entrever aqui o começo da sua teoria das inversões (KREMER, 1986. p.30).
“Zarlino havia salientado que as sextas eram o resultado de inversões de terças, mas
ele concebia a existência nas sextas de uma quarta e de uma terça. Descartes
demonstra que a terça menor é engendrada da terça maior como a quarta é da quinta.
Para refutar estes teóricos empíricos Rameau avança que a mutação de intervalo de
quinta em quarta é devida a uma inversão efetuada pelos limites da oitava, ao passo
que a relação dó-mi-sol é uma composição de intervalo acrescentado. Descartes
enuncia mais a frente, que a sexta maior procede da terça menor e que a sexta menor
deriva da terça menor – o que é da mesma forma empírico. O intervalo de terça
coloca, quando menor, uma problemática acústica quanto a sua origem e também em
relação a sua inserção na fórmula de ressonâncias naturais, já que ele não aparece
naturalmente. A terça será considerada como ressonância analógica, diante da tese
dos monocordistas” (KREMER, p.30 – 31).
O sol também seria uma décima sétima ressonância de mib, além de ser ressonância
de dó, o que compõe com ele um intervalo de terça menor e com o sol uma terça maior.
Essa décima sétima (mib) é tirada analogicamente pela quinta do tom de dó, o que permite,
60
representar a unidade, nem por conseqüência, se encontrar na cabeça dos acordes sem
inverter a ordem natural; o número 3 é um meio harmônico que deve subsistir para tudo
como tal, quando a unidade é representada por um de seus múltiplos, 3 é igualmente
representado por um de seus múltiplos e quando a unidade é representada por um dos
múltiplos de 5, 3, é multiplicado por 5 ou por um dos múltiplos de 5 de modo que nem
o 3 nem seus múltiplos podem ocupar o grave sem destruir de todo modo o
fundamento; pois se o fundamento não pode ser subentendido, é certo que será
inteiramente destruído; assim é dessa conseqüência que podemos tirar a prova da
perfeição dos acordes invertidos, no que eles tem dessa perfeição de um acorde
verdadeiramente perfeito, cujo eles derivam; as regras que estabelecemos acima
acabarão por nos convencer” (RAMEAU, p.21-22).
Kremer (1986) explica que Rameau em sua obra Génération harmonique, posterior
ao tratado, avança em sua proposta sobre a origem do modo menor, dizendo que no
momento em que a ressonância de uma corda produz um som, este faz escutar os sons
provenientes de cordas mais curtas. Esse mesmo som pode fazer vibrar, igualmente, cordas
mais longas com relações idênticas, de um lado por múltiplos 3-4-5 vezes menores e de
outro lado por múltiplo 3-4-5 vezes maiores. Como submúltiplos, temos, depois de reduzir
as oitavas: dó-mi-sol (ressonâncias 4-5-6 da carta sonora de Rameau) e para seus múltiplos,
fá-lab-dó, que resulta no modo menor.
A partir do quinto capítulo, De l’origine des dissonances e de leur rapport (Origem
das dissonâncias e de sua relação), Rameau utiliza cálculos aritméticos para justificar a
origem dos tons e semitons da escala e para explicar a gênese acústica dos acordes.
Distingue o modo perfeito maior e o modo perfeito menor, determinados pelo intervalo de
terça maior ou menor e faz a observação de que não existe acorde perfeito sem a quinta
pela reunião de duas terças (KREMER, 1986. p.34).
Vários quadros e esquemas foram elaborados para demonstrar a organização
diatônica e cromática dos intervalos e suas possíveis inversões dentro dos acordes. Um
primeiro desenho mostra que a mesma divisão da corda que dá a dissonância dá também as
consonâncias e que são os tons e semitons que formam os graus sucessivos da voz natural,
de onde se origina a melodia “de maneira que isso começa a nos fazer perceber que a
melodia é uma conseqüência da harmonia” (RAMEAU, p.23). Uma figura mostra o sistema
diatônico perfeito nas suas divisões de tom e semitom de dó a dó. Um grande quadro
mostra a razão natural e alterada de todos os acordes, é interessante notar que a
nomenclatura da época para os intervalos se alterava em relação à teoria e à prática.
62
Artigo quinto: Acorde de sétima, composto da adição de uma terça maior ao acorde
perfeito maior e seus derivados.
Artigo sexto: Acorde de sétima, composto da adição de uma terça menor abaixo do
acorde perfeito menor, e seus derivados.
Artigo sétimo: Acorde de sétima diminuta, composto da adição de uma terça menor
a quinta diminuta dividida harmonicamente, e seus derivados.
No nono capítulo, Remarques sur tous les accords précédens (Notas sobre todos os
acordes precedentes), Rameau define o papel dos acordes com função de dominante e
64
afirma que a diferença entre os acordes perfeitos e os acordes de sétima é uma questão de
inversão da ordem das terças e que a modulação obriga ao uso de certos sons, do qual
depende a ordem das terças que compõem todos os acordes. Apesar da força do acorde
perfeito na modulação, o acorde de sétima é independente, ele nunca muda (trata-se aqui de
modulação de acorde maior em menor e vice-versa) e a conclusão não pode ser
perfeitamente sentida se não for por meio dele. Ele é a fonte de todas as dissonâncias: “... a
terça maior que ele toma do acorde perfeito do qual ele deriva, forma todas as dissonâncias
maiores e a terça menor que se acrescenta ao acorde perfeito para compor esse de sétima,
forma todas as dissonâncias menores” (RAMEAU, p.45).
No décimo capítulo, Remarques sur les differentes raisons que l’on peut donner à
um même accord (Notas sobre as diferentes razões que se pode dar à um mesmo acorde), o
autor ressalta que se configura as razões dos acordes à dos intervalos contidos entre as
notas que compõem cada acorde, de modo que um mesmo intervalo pode ser dado sob duas
razões diferentes. A diferença dessas razões, que é insensível ao ouvido, provém da
diferente disposição de tons e semitons que os compõe e o nome das notas é indiferente
nessa conjuntura.
O décimo primeiro capítulo e último desse primeiro livro tem como título La
manière de pouvoir rapporter aux vibrations, e aux multiplications des longueurs, les
raisons donnés sur les divisions (A maneira de poder relacionar às vibrações e às
multiplicações dos comprimentos, as razões dadas sobre as divisões). O autor volta aos
cálculos aritméticos sobre as divisões de uma corda para justificar a origem das regras de
harmonia.
65
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Musicalmente, para quem não considere a época, pode parecer que o conteúdo do
tratado seja óbvio ou antigo, no entanto, ao dar-se conta do universo do século XVIII, pode-
se perceber o quanto o autor promove uma revolução conceitual. Para Rameau os acordes
são “entidades” que “imitam afetos” e suas progressões também o podem fazer, o que antes
só poderia ocorrer através do texto cantado linearmente. Sua retórica verticaliza a estratégia
de persuasão, construída até então sobre a horizontalidade da sucessão melódica. Seu
tratado de harmonia desencadeia um debate histórico entre música horizontal, proveniente
da concepção e regras do contraponto, versus música concebida e construída sobre os
alicerces verticais de acordes gerados por baixos (BENEVOLO, 2005).
REFERÊNCIAS
BENOLO, Caio. Tríade e falsa relação como centro e margem da tonalidade. Cadernos do
Colóquio, Publicação do Programa de Pós-Graduação em Música do Centro de
Letras e Artes da UNIRIO. Rio de Janeiro, CLA/UNIRIO, 2005, 120p.
BERMAN, Antoine. Pour une critique des traductions: Jonh Donne. Paris: Gallimard,
1995.
GROUT, Donald Jay; PALISCA, Cluade V. A History of Western Music. New York:
W.W. Norton, 1996.
LÉVI-STRAUSS, Claude. Escutando Rameau. In:______. Olhar Escutar Ler. São Paulo:
Companhia das letras, 1997. p. 33-50.
PALISCA, Claude V. Theory, theorists. In: SADIE, Stanley (org). The New Grove
Dictionary of Music and Musicians. Londres: McMillan, 2001, vol. 20.
RAMEAU, Jean-Philippe. Code de musique pratique ... , avec de nouvelles réflexions sur
le principe sonore, 1760. Disponível em:
< http://gallica2.bnf.fr/ark:/12148/bpt6k1082246>. Acesso em: 12 fev. 2008.
RAMEAU, Jean-Philippe. Suite des Erreurs sur la musique dans l'Encyclopédie, 1756-57.
Disponível em: <http://gallica2.bnf.fr/ark:/12148/bpt6k83800j>. Acesso em: 12 fev. 2008.
ANEXOS
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