Você está na página 1de 5

Resenha Crítica

O presente trabalho tem como objetivo apresentar a obra fílmica “1492: a conquista do
paraíso” dirigido por Ridley Scott e os textos “A conquista espanhola e a colonização da
América” do autor John Elliot, presente no livro “História da América Latina Colonial”
organizado por Leslie Bethel, e “1492” de Carmen Bernand e Serge Gruzinski, presente no
livro “História do Novo Mundo”. Nesse sentido, iremos relacionar estas produções,
observando suas divergências e convergências, a fim de compreender o debate acerca da
colonização da América e como este assunto ainda é visto sob uma perspectiva eurocêntrica,
que trata este momento da História como sendo um grande triunfo da Europa.
O filme “1492: a conquista do paraíso” é um drama histórico de aventura, dirigido por
Ridley Scott e lançado em 1992, ano em que a “descoberta” da América completou 500 anos.
No filme, podemos observar brevemente o contexto anterior à viagem de Cristovão Colombo
para a terra que ele acreditava ser o continente asiático, contexto este que é o da Reconquista,
mostrado detalhadamente no texto de Bernand e Gruzinski. Além disso, “1492: a conquista do
paraíso” trata das questões que envolvem o contato dos espanhóis com os nativos americanos
e o processo de colonização, o que é muito bem desenvolvido por John Elliot em sua obra.
Primeiramente, podemos fazer uma análise acerca do significado que o ano de 1492
teve, pois, segundo Bernan e Gruzinski, antes de 12 de outubro daquele ano, estava
acontecendo na Espanha um evento que era visto com maior relevância pelos próprios
europeus: a Reconquista. Nesse sentido, a “descoberta” da América passou despercebida, pois
não se sabia que o impacto dela seria tão grande. Ainda, John Elliot afirma que quando
Colombo chega definitivamente na América a coroa, que havia prometido diversas coisas para
ele em um acordo, modifica o trato, demonstrando que não acreditava em Colombo e em sua
capacidade de chegar a novas terras. O filme “1492: a conquista do paraíso” ilustra esse
descrédito dado a Colombo na cena em que ele vai à Universidade de Salamanca mostrar seu
projeto de chegar à Ásia pelo Oeste e os intelectuais que lá estavam dão risada de seu
pensamento, porém o abra fílmica, através de sua trilha sonora, constrói partida da Espanha e
a chegada dos barcos em terra firme como sendo algo grandioso, como se aqueles que
estivessem nessa missão receberiam glória e honra, contrariando a ideia de que em 1492 o
grande foco era a Reconquista na Espanha.
John Elliot, em “A conquista espanhola e a colonização da América”, aponta que a
ideia da conquista da América está relacionada com a colonização, que é a conquista da terra
através da força física, pois “SEM COLONIZAÇÃO não há uma boa conquista, e se a terra não é
conquistada, as pessoas não serão convertidas. Portanto, o lema do conquistador deve ser
colonizar.”1. Sendo assim, podemos afirmar que a chegada dos espanhóis nas terras americanas
não foi feita de forma pacífica, pois foi uma guerra por territórios e levou à morte muitos
nativos. Entretanto, o filme “1492: a conquista do paraíso” leva aqueles que o assistem a
terem uma visão completamente diferente do real, tendo em vista que, ao retratar a chegada
dos espanhóis nas terras americanas, mostra o contato entre indígenas e europeus de maneira
romantizada, como se os indígenas tivessem ficado maravilhados com os espanhóis e
tivessem sentido afeto por eles, querendo manter relações amigáveis.
Além disso, o filme constrói o personagem de Cristovão Colombo como sendo alguém
que estaria levando a harmonia, pois, na cena em que os europeus e indígenas se encontram,
Colombo diz que eles não estão nesta missão para causar discórdia, mas sim para trazer paz e
que apesar de quererem converter os índios, fariam isso pela persuasão e não pela força,
combatendo qualquer tipo de violência. Nesse sentido, podemos ver uma divergência entre o
filme e as ideias de Elliot, pois o autor afirma que a campanha da conquista era a de chegar na
América, se apropriar das terras, verificar a existência de metais preciosos, mapear as etnias,
saquear, matar e estuprar.
Outro elemento que pode ser analisado e questionado é a diferença entre o tratamento
dos espanhóis para com os mouros, na Reconquista, e dos espanhóis para com os nativos
ameríndios, na Conquista. Carmen Bernand e Serge Gruzinski, em “1492”, escrevem sobre a
guerra de Reconquista, que foi a tomada do reino de Granada, pertencente aos mouros, pelos
reis da Espanha Isabel e Fernando, afirmando que uma das táticas usadas por estes dois reis
católicos para que a população apoiasse esta guerra foi a criação de uma identidade nacional
baseada no catolicismo, que por sua vez criaria uma unidade entre os espanhóis, acabando
com a diversidade cultural e criando um inimigo comum a todos: os mouros.
Apesar disto, quando Isabel e Fernando conseguem, em 1492, tomar efetivamente o
reino de Granada, eles fazem uma restauração do Alhambra, castelo construído pela dinastia
moura Násrida, o que demonstra, segundo Bernand e Gruzinski, certo tipo de respeito pelos
monumentos construídos pelos povos praticantes do islamismo que ali estavam até então.
Nesse sentido, os autores afirmam que esta conduta em relação ao Alhambra se
diferencia da atitude tomada no que diz respeito ao Novo Mundo, pois “os conquistadores
arrasaram e arrancaram da memória dos homens palácios tão magníficos quanto o Alhambra

1
GÓMARA, F. L apud ELLIOT, J. H. A conquista espanhola e a colonização da América. In: BETHELL, L.
(org.). História da América Latina: América Latina Colonial, volume 1. São Paulo: Editora da Universidade de
São Paulo; Imprensa Oficial do Estado; Brasília, DF: Fundação Alexandre de Gusmão, 2012. p. 135.
de Granada”2. Essa ideia pode ser complementada com o texto de John Elliot, que afirma que
os espanhóis destruíram muitos monumentos e elementos das religiões indígenas, pois tinham
a intenção de mostrar que o Deus cristão era maior que os deuses indígenas. Ademais, ao
destruírem os princípios indígenas, os europeus não deixavam a propagação das religiões
indígenas acontecer e mostravam que os deuses indígenas estavam mortos ou eram fracos.
A respeito do processo de colonização, o filme “1492: a conquista do paraíso” mostra
somente alguns aspectos, o que faz com que possa ser melhor entendido através do texto de
John Elliot. Nesse sentido, Elliot afirma que a conquista passou por duas fases, sendo a
primeira de 1492 a 1519, na qual os interesses privados eram maiores que os interesses
públicos e a pilhagem, o mapeamento, os saques e a rapinagem eram mais presentes, e a
segunda de 1519 a 1540, na qual a coroa começou a exercer um maior controle sobre a
América, colocando os interesses públicos acima dos privados e colocando em prática a
colonização. Além disso, Elliot argumenta que a partir do ano de 1540 acontece a Nova
Conquista, que diz respeito ao âmbito administrativo, com a criação de cargos, por exemplo,
formando uma sociedade colonial.
Nesse sentido, o autor afirma que a sociedade colonial era corporativista, pois era
baseada no servicio e na merced, sendo aquele um compromisso da sociedade para com a
coroa e este um compromisso da coroa para com a sociedade. Ou seja, ao ponto que o
indivíduo servia o rei, este tinha uma responsabilidade moral com o indivíduo. Para
exemplificar, podemos usar o caso da conquista das ilhas, pois quando se conquistava uma
ilha, esta não pertencia à pessoa que a conquistou e sim à coroa espanhola, que por sua vez
escolhia se iria ceder ou não a terra para aquele que a havia descoberto. Desta forma,
conceder a terra era considerado uma graça da coroa, a qual o conquistador reivindicava.
Não só, Elliot afirma também que esta sociedade era patrimonial, pois os bens
públicos eram usados em favor dos interesses privados. Como exemplo, podemos citar o fato
de que as pessoas pagavam para a coroa para que pudessem explorar as terras americanas, que
eram públicas, tendo em vista que pertenciam à Espanha. Sendo assim, quando o rei concedia
uma terra para um conquistador, ele estava dando uma terra pertencente à Espanha para um
indivíduo privado, o que fazia com que o público e o privado se confundissem, fazendo desta
uma sociedade patrimonial.

2
BERNAND, C.; GRUZINSKI, S. 1492. In: BERNAND, C.; GRUZINSKI, S. História do Novo Mundo: da
descoberta à conquista, uma experiência europeia (1492-1550). São Paulo: Editora da Universidade de São
Paulo, 2001. p. 86.
Outro aspecto relevante citado por Elliot são as formas de trabalho desenvolvidas na
América espanhola. A colonização tinha um ideal civilizatório e por isso a Espanha acreditava
que estava fazendo um favor aos índios, que por sua vez, como forma de agradecimento,
deveriam compensar o Estado espanhol com seu trabalho compulsório. Nesse sentido, duas
formas de trabalho eram possíveis: a Mita e a Encomienda. A respeito da Mita, o autor afirma
que estava relacionada com o trabalho com minerais, era um trabalho remunerado, com alto
índice de mortalidade, o que implicava no fato de que só aqueles que sobreviviam a este
trabalho recebiam o salário. Já a Encomienda acontecia quando a coroa cedia uma terra para
um vassalo, que em troca deveria ter um líder religioso para ensinar o cristianismo aos que
trabalhavam naquela terra, ou seja, os indígenas. Sendo assim, a Encomienda atendia não só a
demanda do trabalho, mas também a missão divina de expandir a fé cristã.
Sendo assim, podemos afirmar que o fator cultural foi de grande influência para o
êxito da conquista da América, pois a forma europeia de organizar o trabalho, a religião e até
mesmo a guerra foram elementos que mexeram com os costumes indígenas. Elliot afirma isto
quando se refere, por exemplo, ao fato de que o cavalo era visto como um deus pelos
indígenas e isso os impedia de atirar flechas contra eles e, consequentemente, contra aqueles
que estavam montados neles, o que era de grande vantagem aos espanhóis, que podiam atacar
com suas espadas sem o ataque dos indígenas.
Para concluir, é possível dizer que a questão da colonização da América é muito ampla
e que as três obras que neste trabalho foram relacionadas tem uma capacidade enorme de nos
fazer refletir sobre este assunto. Nesse sentido, pensando nas ideias de Bernand e Gruzinski
acerca da diferença de tratamento em relação aos monumentos indígenas e aos monumentos
mouros, podemos nos questionar acerca dos fatores que levaram a essa divergência de
conduta. Tanto na Reconquista quanto na Conquista o cristianismo era visto como uma
religião superior que deveria ser disseminada de forma hegemônica, porém é necessário
pensar o que leva os espanhóis a restaurarem o Alhambra e a destruírem monumentos,
castelos e elementos indígenas, tendo em vista que ambos se diferem da religião cristã. Seria a
fé moura mais tolerável do que a fé indígena? Teriam Isabel e Fernando considerado o
Alhambra por simplesmente ter sido construído no território espanhol? Seriam os indígenas
seres inferiores que não mereciam ter sua cultura propagada?
Ademais, é extremamente perceptível a construção que o filme “1492: a conquista do
paraíso” faz em relação à “descoberta” da América como sendo um evento de honra e glória
para a Espanha, que levaria paz, civilização e cultura para povos nativos, que já possuíam sua
forma de se organizar. Nesse sentido, é necessário, e possível através de Bernand, Gruzinski e
Elliot, fazer uma reflexão crítica acerca dessa construção, afastando o olhar eurocêntrico que
se tem sobre a colonização da América e, por outro lado, se aproximando de um olhar mais
diverso, que entende a cultura do outro não como inferior ou superior, mas sim como uma
mais uma forma de verdade e realidade.
Portanto, antes dos europeus chegarem ao continente americano existiam vidas,
culturas, costumes, pensamentos e organizações próprias daqueles que viviam aqui e não se
pode pensar que quando a Espanha entra na América se trata de apenas de uma descoberta ou
de um processo amigável, pois, diferentemente do que a memória eurocêntrica construiu, o
que houve na realidade foi uma invasão, a tomada de um lugar que já tinha donos, um
genocídio e a morte de uma cultura.

Referências
1492: A conquista do paraíso. Direção de Ridley Scott. Estados Unidos da América:
SPECTRA NOVA, 1992. 1 DVD (150min.).

BERNAND, C.; GRUZINSKI, S. 1492. In: BERNAND, C.; GRUZINSKI, S. História do


Novo Mundo: da descoberta à conquista, uma experiência europeia (1492-1550). São Paulo:
Editora da Universidade de São Paulo, 2001. p. 65-100.

ELLIOT, J. H. A conquista espanhola e a colonização da América. In: BETHELL, L. (org.).


História da América Latina: América Latina Colonial, volume 1. São Paulo: Editora da
Universidade de São Paulo; Imprensa Oficial do Estado; Brasília, DF: Fundação Alexandre de
Gusmão, 2012. p. 135-239.

Você também pode gostar