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Museu de Astronomia e Ciências Afins

Especialização em Preservação de Acervos de Ciência e Tecnologia

Paula Davies Rezende

Exposições em museus de ciência e tecnologia: um paralelo


com a pedagogia construtivista

Professores: Mª Esther A. Valente


Douglas Falcão
Andrea Costa

Rio de Janeiro
2012
Introdução

O presente trabalho apresenta alguns estudos sobre a relação de emissão e recepção de


informações entre o profissional de museu e o público dentro do espaço expositivo, em
um Museu de Ciência e Tecnologia. A ênfase é dada no “regime de
experimento” (PANESE, 2007, p. 36) e no “museu emergente” (CURY, 2007, p. 71). O
trabalho conclui-se com um breve paralelo desses com a linha pedagógica construtivista.

Troca de informações no espaço expositivo

Para analisar os processos de emissão e recepção de informações e conhecimentos


dentro do museu, Francesco Panese (2007, p. 34) desenvolveu o princípio do regime
museológico. Esse princípio analisa a forma que agentes humanos e não humanos
(objetos, autores, lugares, visitantes, mídias) se relacionam no espaço expositivo, e
apresenta o que ele chama de “regimes museológicos”. Esses seriam diferentes modelos
de comunicação que orientam a forma como as exposições são montadas.

No regime do espelho epistêmico, “[...] museus e exposições trabalham como livros de


ciência e se tornam ‘bibliotecas de espécimes naturais’ ou uma sucessão de eventos
científicos muitas vezes organizados para ilustrar e reforçar a ideia do ‘progresso do
conhecimento’” (PANESE, 2007, p. 34).

O segundo modelo apresentado pelo autor é o regime de experimento, que, em diferente


do primeiro regime, “[...] convida a fazer experimentos como se em um laboratório ideal,
considerando-se essa uma boa pedagogia para o entendimento público da
ciência” (PANESE, 2007, p. 36).

Por último ele apresenta o regime do interesse, que

[...] tenta explicitamente levar em consideração um importante, mas por


vezes negligenciado, aspecto nos outros regimes: as relações entre
posição museológica e a opinião pública [...]. Os objetos, os conteúdos e
os recursos museográficos são então usados, por exemplo, para criar
dissonâncias cognitivas ideológicas ou sociais nas mentes dos visitantes
e para acompanhá-los em seu próprio processo de dar significado às
coisas. (PANESE, 2007, p. 36).

Dentro da mesma proposta de analisar a relação de troca entre o profissional de museus


(o emissor) e o público (o receptor), Cury (2007, p. 71) apresenta também três modelos
que seriam representativos de montagens expositivas.

O primeiro é o modelo linear condutivista, no qual “[o emissor] ignora sua [do visitante]
capacidade de mudar [...] e sua consciência quanto ao seu próprio desenvolvimento. [...]
[O processo de comunicação] É uma via de mão única. [...]” (CURY, 2005a, p. 75 apud
CURY, 2007, p. 71).

O segundo é o modelo linear-circular, no qual “[...] o público é escutado muitas vezes. [...]
há muitas pistas de ida e vinda, mas elas não se cruzam e o emissor continua no controle
dos dados sobre o público.” (CURY, 2007, p. 71).

O terceiro modelo seria o museu emergente.

O museu emergente ou museu renascido é dialógico e a recepção revela a


rica diversidade e pluralidade de públicos que o museu recebe e que
desconhecia. Por ser dialógico, o museu promove um debate em torno da
(re)significação do patrimônio cultural e todos - profissionais e público -
são sujeitos ativos do processo comunicacional. (CURY, 2005a, p. 76
apud CURY, 2007, p. 72).

Os terceiros modelos tanto de Panese (2007, p. 36) quando de Cury (2007, p. 72) tem
uma relação intima entre si, e são os que interessam para esse trabalho. Ambos
demonstram a preocupação em conhecer os visitantes do espaço expositivo, promover
um diálogo com o público e estimular sua reflexão e a criação de outros níveis de
significação diante do acervo do museu.

Sugere-se conhecer quem é o público visitante da instituição, qual seu grau de instrução,
sua idade, gênero e outras informações que contribuam para construir uma exposição
que interaja com esse público, que se aproveite de seus conhecimentos prévios para
despertar seu interesse e assim estimular a busca pelo conhecimento.
Decodificar e recodificar

Segundo Cury (2007, p. 73), a expografia como linguagem passou por várias mudanças.
Uma delas foi passar a considerar a bagagem cultural do visitante. Para criar uma
exposição, o profissional do museu tem que decodificar um conhecimento para
recodifica-lo para o público, que por sua vez o decodifica para si. Sendo assim, conhecer
seu público é fundamental, pois para a recodificação ser feita com sucesso, é necessário
que o(s) profissional(ais) tenham conhecimento e compreensão do universo cultural do
visitante.

De acordo com Andrade (2007, p. 80) essa recodificação do conhecimento para uma
linguagem cotidiana do público também atua a favor de despertar o interesse do mesmo.

Essa negociação entre o visitante e o museu

[...] estimula a produção de outros significados e valoriza a subjetividade e


as relações intersubjetivas que se dão em seu espaço. (CURY, 2005, p. 84
apud CURY, 2007, p. 73).

Objetivando não mais a transmissão de conhecimento numa via de mão única, e sim a
mediação entre a ciência e o público.

A inserção do público como sujeito dentro do museu contribui para “abrir possibilidades
de reflexão e debate sobre as múltiplas formas interpretativas dos produtos
expositivos” (CURY, 2007, p. 74), além de “estimular a reflexão e contribuir para o
desenvolvimento dos pensamentos científicos e filosóficos do cidadão” (ANDRADE,
2007, p. 83), tornando o visitante peça central no processo do próprio aprendizado.

Um pouco sobre a pedagogia construtivista

A linha construtivista da educação parte do princípio que o aprendizado é um processo


de construção, elaborado em diálogo entre a criança e o professor, sendo que o centro
do processo é a própria criança, não mais o professor (ARIAS; YERA, 1996, p. 11).
Entende-se como base do construtivismo na educação três pressupostos

1) o aluno é o construtor do seu próprio conhecimento; 2) o conhecimento


é um contínuo, isto é, todo conhecimento é construído a partir do que já
se conhecimento; 3) o conhecimento a ser ensinado deve partir do
conhecimento que o aluno já traz para a sala de aula. (CARVALHO, 1992,
p. 9).

E que, a par das diferenças teóricas entre estudiosos do tema, é consenso estimular a
“ação do sujeito sobre o objeto de conhecimento e a interação entre os
sujeitos” (CARVALHO, 1992, p. 10).

Segundo a Teoria da Equilibração Cognitiva de Piaget, os conflito cognitivos são o motor


da progressão do conhecimento. Todo indivíduo possui um sistema cognitivo, que é
perturbado por conflitos e/ou lacunas. Este volta a se equilibrar ao passar por um
processo adaptativo de assimilação/acomodação. Por conflito cognitivo entende-se o
embate entre as ideias internas pre-concebidas do sujeito e os resultados observáveis
externos, que contrariam a expectativa. A lacuna cognitiva seria a falta de informação ou
condição para resolver um determinado problema ou realizar determinada ação. O
conflito implica em correção da ideia, a lacuna em reforço da mesma. De qualquer forma
o “conhecimento exógeno é complementado por reconstruções endógenas que são
incorporadas ao sistema do sujeito” (CARVALHO, 1992, p.10).

De acordo com Arias e Yera (1996, p. 13) o construtivismo tem algumas implicações para
o docente também. Pensando o professor como emissor da informação, destaca-se o
papel de instigador e motivador da busca pelo conhecimento e o “enfoque da criança
como sujeito da educação e não mais como objeto passivo dela”.

Um breve paralelo

O regime de experimento e o museu emergente propõem a participação do público como


sujeito ativo na troca de informação dentro do espaço expositivo, não mais como mero
observador (e absorvedor) passivo. Segundo Duconseille (2007, p. 63), no espaço
expositivo quem está em questão é o visitante, e o objeto expositivo é apenas um
pretexto para dar aos visitantes a oportunidade de refletir ou aumentar seu entendimento.

O construtivismo também se baseia no aluno (ou visitante, considerando o paralelo com


a museografia) como sujeito ativo do próprio conhecimento, levando em conta e partindo
de seu repertório cultural adquirido anteriormente.

Em ambos os casos o conflito é usado como motor do conhecimento, e consideram que


o emissor da informação (seja o museólogo, monitor ou professor) tem o papel de mediar
e estimular os processos de resignificações por parte do público e a sua busca por
aumentar/complementar o conhecimento.

Conclusão

Essa reflexão que tem se feito sobre a importância do diálogo entre público e o museu é
interessante, pois demonstra uma preocupação cada vez maior com a difusão do
conhecimento e o esforço de atrair um público não especialista em Ciência e Tecnologia
para dentro do espaço expositivo. Esse viés construtivista encontrado nos modelos de
comunicação museográficos citados nesse trabalho mostra a preocupação do museu
também de estimular a reflexão sobre os assuntos que dizem respeito ao público como
cidadão. Para museus de Ciência e Tecnologia, que trabalham assuntos mais “áridos”,
essa abordagem pode desmistificar a crença que a ciência é desinteressante e de difícil
compreensão, tornando as exposições mais tangíveis para o público não-especialista na
área.
Referências

ANDRADE, Ana Maria Ribeiro de. Controvérsia política e complexidade tecnológica vão
ao museu. In: VALENTE, Maria Esther Alvarez (org.) Museus de Ciência e Tecnologia -
Interpretações e ações dirigidas ao público. Rio de Janeiro: MAST, 2007. 300p.

ARIAS, José O. Cardentey; YERA, Armando Pérez. O que é a Pedagogia Construtivista?


Rev. Educ. Pública, Cuiabá, v. 5, n. 8, jul/dez. 1996. DIsponível em: <http://ie.ufmt.br/
revista/userfiles/file/n08/8_O_fazer_pedagagico.pdf>. Acesso em: 21 jun. 2012.

CARVALHO, Anna Maria Pessoa de. Construção do conhecimento e ensino de ciências.


Em Aberto, Brasília, a. 11, n. 55, jul/set. 1992. Disponível em: <http://
emaberto.inep.gov.br/index.php/emaberto/article/viewFile/812/730>. Acesso em: 21 jun.
2012.

CURY, Marília Xavier. Exposição - uma linguagem densa, uma linguagem engenhosa. In:
VALENTE, Maria Esther Alvarez (org.) Museus de Ciência e Tecnologia - Interpretações
e ações dirigidas ao público. Rio de Janeiro: MAST, 2007. 300p.

DUCONSEILLE, Pierre. A impossibilidade da presença do objeto original e sua necessária


substituição por artefatos. In: VALENTE, Maria Esther Alvarez (org.) Museus de Ciência
e Tecnologia - Interpretações e ações dirigidas ao público. Rio de Janeiro: MAST,
2007. 300p.

PANESE, Francesco. O significado de expor objetos científicos em museus. In: VALENTE,


Maria Esther Alvarez (org.) Museus de Ciência e Tecnologia - Interpretações e ações
dirigidas ao público. Rio de Janeiro: MAST, 2007. 300p.

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