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L'Incoronazione di Poppea 13 LIncoronazione di Poppea A Coroagéo de Popéia Opera em um prélogo € trés atos de Claudio Monteverdi; libreco de G. F Busenello. Estréia: Teatro di Giovanni e Paolo, Veneza, 1642. Napoles, 1651. Retomada em concerto, adaptagio de Vincent d’Indy, pela Schola Cantorum, Paris, 1905; Théatre des Arts, 1913, montagem cénica com Claire Croiza, Héléne Demellier, M. A. Coulomb, regéncia d'Indy. Smith College, Northampton, Masia» chusetts, 1926; Oxford, 1927, pelo University Opera Club, em traducio inglesa de R. L, Stuart; Malo Musical Florentino, 1937, nos jardins Boboli, adaptagio de G. Benvenuti, com Gina Cigna, Giusep= pina Cobelli, Giovanni Voyer, Tancredi Pasero, regéncia Gino Marinuzzi; no mesmo ano, Volksoper, Viena, em versio alem® de Krenek, ¢ aa Opéra-Comique, Paris, versio Malipicro, com Renée Gilly, Madeleine Sibille, Georges Jouatte, André Gaudin, Etcheverry, regéncia Gustave Clocz, A edliglo de Malipiero foi montada no Teatro Olimpico, Vicenza, ¢ em Veneza em 1949, com Hilde Gueden, Elsa Cavelti, Giovanni Voyer, Boris Christoff, regéncia Erede; nova adaptacao, de Ghedini, La Scala, Mildo, 1953, com Clara Petrella, Marianna Radev, Renato Gavarini, Mario Petri, regéncia Carlo Ma- tia Giulini; outra ainda, de Walter Gochr, 6pera de Hamburgo, 1959 (gravada alguns anos antes), com Anneliese Rothenberger, Ernst Hifliger, Ernst Wiemann, regéncia Ernest Bour; adapracio de Raymond Leppard em Glyndebourne, 1962, com Magda Laszlo, Frances Bible, Oralia Dominguez, Richard Lewis, Carlo Cava, regéncia John Pritchard, e no Coliseum, Londres, 1971, com Janet Baker, Katherine Pring, Robert Ferguson, Clifford Grant, regéncia Leppard. Roger Norrington realizou ¢ fegeu em 1974 uma adaptacao geralmente considerada a mais fiel 20 original, Kent Opera, com Sandra Browne (Poppea) ¢ Anne Pashley (soprano, Nero). Opéra de Paris, 1977, versio Leppard, com Jon Vickers, Gwyneth Jones, Nicolai Ghiauroy, Richard Stilwell, Valerie Masterson, Jocelyne ‘haillon, cegéncia Rudel; Zurique, 1978, adaptacao ¢ regéncia Harnoncourt. PERSONAGENS: AS DEUSAS DO DESTINO, DA VIRTUDE E DO AMOR (sopranos); O10, ex-amante de Popéia (soprano)!; DOIS SOLDADOS DA GUARDA DO IMPERADOR (tenor); POPEIA (Soprano); NERO, fiperador de Roma (soprano)?; ARNAUTA, ama-de-leite de Popéia (contralto); OTAVIA, imperatriz de Roma (mezzo-soprano); A AMA-DE-LEITE DE OTAVIA (mezzo-soprano); DRUSILA, dama de companhia de Ordvia (soprano); SENECA, filésofo, ex-tutor de Nero (baixo); UM JOVEM SERVIDOR DE OTAVIA (Valletto, te» nor)‘; UMA JOVEM A SERVICO DE OTAViA (Damigella, soprano); LIBERTO, capitao da guarda (batitono); PALAS, dewsa da Sabedoria (soprano), WCANO. amigo de Nero (tenor), UM LICTOR (baixo); MERCURIO. (baixo)’; VENUS (soprano). Soldados, discipulos de Séneca, criados, cénsules, tribunos, senadores etc. Roma, cerca de 55 aC. Derradeira 6pera de Monteverdi, composta quan- do tinha 75 anos, L'Incoronazione di Poppea & para muitos sua obra-prima, As circunstancias de sua criagdo sio muito diferentes das que cer- caram Orfeo: a primeira 6pera do compositor re- fletia inevitavelmente 0 esplendor da corte de ‘Mantua, onde trabalhava, 20 passo que 2 dilti- ma, destinada a um teatro piiblico de Veneza, enfoca mais os personagens que a ambientacio: grandiosa. Foi Cavalli, o discipulo de Montever- di, quem promoveu seu encontro com o poeta Francesco Busenello, advogado veneziano que Possivelmente tenor, na versio original. Originalmente, soprano masculino. Provavelmente contratenor, no original, servira como embaixador junto a corte de Mans tua, Buscnello € unanimemente tido como 0 pile meiro grande libretisca, ¢ 0 resultado desta eo laboragio € uma obra impar por scus préprios méritos ¢ na hist6ria da 6pera. Toda a éfase se concentra na verdade dramética, nas emoges da vida real e em sua expresso; 0 amor ilfeito (mas apaixonado) triunfa sobre o “legicimo"’, ¢ tom maior ou menor clareza a intriga reserva umn dle tino injusto a Otdvia, Séneca ¢ Oto, Raymond Leppard, cuja edicio da partieuta ‘obteve enorme éxito em Glyndebourne, eit Originalmente, soprano masculino, freqiientemente batiton, nas verses modernas, Criginalmente, soprano masculing, em geral tenor, nas montagens modernas. 14 MONTEVERDI 1962, escreve a respeito da pastitura original: “Tudo que temos é um manuscrito a varias maos, uma espécie de cépia de ensaio ou para cont nuo (...), consistindo de uma tinica linha de bai xo, esbogos muito esparsos de partes de ritor- nellos e da linha vocal. Felizmente ele esta au- tenticado por observagies, instrugées ¢ cortes do préprio punho do compositor. Este manuscrito € conservado em Veneza, ¢, a parte uma cépia posterior que se encontra em Napoles, € tudo de que dispomos; todo o resto da épera teve de ser reconstituido.” Todas as representagdes mo- dernas se tém baseado nestes dois elementos: este manuscrito ¢ 0 tratamento dado pelo editor a elementos como a orquestracio ¢ 0s cortes (0 ori- ginal representa cerca de trés horas ¢ meia de miisica), Na época de Monteverdi, a miisica de teatro era acompanhada de cordas ¢ continuo, sendo 05 instrumentos de sopro — mais ou menos re- servados 4 miisica da igreja — trazidos a Spera quase exclusivamente com finalidade figurativa: trompas em cenas de caca, trompetes com tim: panos para uma batalha, e assim por diante. Ace- sos debates em torno desse trabalho de orques- tragio recomegam toda vez que aparece uma nova edigfo ou uma anterior é retomada, De minha parte, inclino-me a pensar que as adaptagies ain- da consideradas validas dez ou vinte anos depois de produzidas so tio raras que podem ser en- caradas como verdadeiras recriagdes de génio. O trabalho de reconstituicio deve conciliar, em qualquer época, as exigéncias da erudicio (des- de questées de linguagem musical a uma me culosa recriagao das condigdes originais de pro- dugio) ¢ a necessidade de comunicagZo com o pablico. O adaptador no pode esquecer que um compositor do século XVIII ignorava as praticas do século XIX; mas sabe também que as pla- téias do século XX esto condicionadas pela gra- dagio e culminancia dramético-musical das 6pe- ras de Verdi e Wagner e desconhecem 0 som pro- duzido pelos castrati, esperando que o heréi te- nha os atributos da virilidade, ¢ nao os de um soprano em papel masculino, Se a erudigao le- yar a melhor sobre a eficdcia, a nova versio sera uma falsificacao estéril dos efeitos pretendidos pelo compositor; se a atualizacio ¢ a verossimi- Ihanga cénica ¢ musical sufocarem a autentici- dade, 0s puristas protestario, Maso certo que, sem estas adaptagées, sem as conviccdes préprias ¢ 0 senso do imediato de seus editores, 0 publi- co sequer tomaria conhecimento destas obras “histéricas”, e s6 teria a perder. Apés a abertura, um prologo (omitido em cer- tas vers6es, como as de Goehr ¢ Leppard em Glyndebourne, 1962) mostra as deusas do Des- tino ¢ da Vireude, cada uma exaltando as pro- prias grandezas e zombando das falhas da ou- tra, até que a deusa do Amor vem clamar a sua superioridade: junto a ela, as outras nada signi- ficam, ponto de vista que nenhuma das duas pa- fece capaz ou mesmo inclinada a contestar. Avo I, Pouco antes do alvorecer, dois guardas de Nero dormem junto 3 casa de Popéia. Retornan- doa Roma, Oto, seu amante, canta de forma en- ternecedora as belezas da casa ¢ de Popéia, até que se depara com os soldados ¢ se dé conta de gue foi suplantado por ninguém menos que o imperador, E como se o solo he faltasse aos pés. Os soldados despertam, comentam os amores de Nero ¢ Popéia e se queixam melodiosamente da triste condi¢go de um soldado em Roma, com suas rebelides, seus fil6sofos gananciosos, sta cor- rupcio. Subitamente, percebem que Nero se aproxima e se calam. Somos apresentados a Popéiae Nero numa das| grandes cenas de amor da hist6ria da pera, a primeira de uma série nesta partitura. Depois de assar uma noite nos bracos dela, Neto deve par- tir, mas reluta. io motivada pela ambigio quar to pelo amor que evidentemente sente, Popé recorre a todos os estratagemas conhecidos de uma mulher, arrancando-lhe antes da despedi da uma promessa meio evasiva de que repudia- ta imperatriz Ocavia para se casar com ela. Hi mais ternura que insisténcia no reiterado ““Tor- nerai?"” de Popéia. E esta capacidade de retratar 08 elementos contraditérios de nossas emosoes que distingue 0 compositor ¢ o libretista de tan- tos outros que trataram cenas semelhantes: sem ocultar as motivagées subjacentes, cles capcam todo o frescor a beleza do amor-paixdo, que ignora as convengées, 0 certo ¢ o ertado. Com a promessa de Nero ainda ecoando em seu espirito, Popéia expressa sentimentos de triunfo na dria "Speranza, cu mi vai il core ac- carezzando". Acnalta, sua velha ama-de-leite, tenta pd-la em guarda contra a atmadilha que Ihe pode preparar a ambicio: quem garante que a imperatriz nfo tentard vingar-se, ou que o amor de Nero nao arrefeceré? Mas Popéia esta certa de tero Amor aseu lado; ‘Non temo di noia alcu- na. Per me guerteggia Amor". Em seu palicio, Otavia chora sua infelicidade ¢ humilhacio, denunciando em nobre fraseado 2 infidelidade de Nero e pedindo a Japiter que puna seu marido transviado: ‘‘Disprezzata regi- faa’, Sua velha ama (Drusila, na edigio Leppard) tenta em vio reconforté-la, até que Séneca é in- troduzido pelo pajem da imperatriz. Suavemen- te, mas com firmeza, 0 fil6sofo mostra-lhe que lagrimas ¢ queixas nfo convém a uma soberana, que deve encontrar refiigio no estoicismo, pois 86 assim se mostrard cada vez mais gloriosa sob 0s golpes do destino, Otévia retruca que tal pro- messa € um pifio consolo para os tormentos por que passa, ¢ 0 pajem Ihe toma a defesa de for- ma impetuosa ¢ melodiosa, acusando 0 velho fi- W6sofo de distilar banalidades ¢ acabando por ameagar queimar-lhe no s6 os livros como a ttinica. Sozinho, Séneca tem uma visio de Palas, a deusa da Sabedoria, que 0 adverte: intrometen- do-se na briga imperial, cle esta buscando a pr6- pria morte, Séneca acolhe com alegria a idéia da morte, afitmando estar j4 acima do medo hu- mano, Como para reforgar 0 pressentimento, vern Nero a seu encontro, anunciando que pretende repudiar Otavia para casar com Popéia. Séneca © poe em guarda contra o coragio, mau conse- Iheito que odeia a lei ¢ despreza a justica, ¢ pe- de a0 antigo discipulo que evite despertar o res- sentimento do pow ¢ do Senado ¢ trate pelo me- nos de preservar a prépria reputacio, Os Animes se exaltam, Neto finca pé na decisio de despo- sat Popéia e parte furioso, Novamente juntos, Nero e Popéia cantam um longo dueto de amor, que ela encerra com a de- nfincia de que Séneca vern afirmando publica- mente que s6 seus conselhos capacitam Nero a governar, O imperador, a quem a providéncia ne- gou a moderagio dos sabios, ordena lacénico a um dos guardas que parta imediatamente para comunicar a Séneca que deve morrer nesse dia. Pergunta entdo a Popéia, em frases liticas, se ¢s- ta vendo do que € capaz o verdadeiro amor. Oto faz uma diltima tentativa de reconcilia- so, mas Popéia o rechaca, rejubilando-se por pertencer agora a Nero. Atrasado, com o orgu- Iho fetido, Oto medita assassinar Popéia, embo- ra ndo possa deixar de amé-la. Volta-se entdo para Drusila, que o ama ¢ se apressa a reconforté-lo. Oto tenta por sua vez convenct-la de que tam- bém aama, mas no parece ter éxito: o “Ti bra- mo’ (Te desejo) com que responde 3 insistence pergunta de Drusila (Me amas?) mais uma vez caracteriza a distanciada busca de realismo do libreto de Busenello. Azo I. Comega com uma das grandes cenas da partitura, a morte de Séneca. Anunciada por Lincoronazione di Poppea 15 Merctitio ¢ recebida com tranquiilidade pelo fi« losofo, a sentenca de morte baixada por Nero & formalmente comunicada por Liberto, capitio da guarda pretoriana. Séneca anuncia a seus disci- pulos que chegou o momento de demonstrar na pratica as virtudes estdicas que ha tanto prega, Num arrebatado coro — um madrigal em trés partes de elevada emocao —, eles Ihe imploram que viva, mas Séneca ordena que preparem o ba- ho em que deverd corter seu sangue inocente, A cena seguinte — em que apareciam 2 Virtu- de, Séneca e ‘Un Choro di Virea"” — foi perdi- da, mas Busenello e Monteverdi passam 2 duas outras que nao poderiam oferecet maior contraste com as do epis6dio da morte de Séneca. Na p: meita, temos um precursor quase literal dos in- termezzos com que os compositores do século XVI costumavam adornar os intervalos de suas Operas sérias. O pajem de Oravia, Valletto, diz a bela Damigella que sente no coragio uma dor nunca antes experimentada (‘‘Sento un certo non so che’’), Ser que ela 0 ajudara a curar-se? Com © animado desenrolar da misica, fica perfeita- mente claro que sim. A cena seguinte é igualmente contrastante, Al- worogado com a noticia da morte de Séneca, Nero festeja com seu amigo Lucano: “Hor che Seneca @ mort, cantiam.”! O macabro da situagio € ainda enfatizado quando Nero, sozinho, canta com inflamada convicgao seu amor por Popéia. Uma cena entre Nero e Popéia foi perdida, ¢ vemos agora Oto afirmando num soliléquio que no mais sente 6dio por Popéia e tera de se con sumir em seu amor nio correspondido. Vern no entanto Orévia, mais imperiosa e dominadora que nunca, convencé-lo, inclusive com ameagas de calunié-lo junto 2 Nero, de que é seu dever matar Popéia. Suas evasivas e hesitages so ad= miravelmente caracterizadas pelo libreto. Drusila canta seu amor por Oto, ¢ Valletto Ihe pergunta o que daria por um dia de juventude ¢ felicidade. ‘“Tado”, ela responde. O clima mu- da com a chegada de Oto, mas Drusila mantém- se altiva, € quando ele the sussurra que precisa de suas roupas para cometer, sob disfarce, 0 ter tivel crime que planeja, ela oferece nifo $6 0s tra- jes, mas 0 proprio sangue se precisar. Em seu jardim, Popéia entabula conversa com Arnalta, com as mesmas palavras com que Nero celebrou a noticia da morte do filésofo: “Hor che Seneca é morto”. Ela esta certa de que o Amor a 1.No Festival de Glyndebourne, onde foi apresentada pela primeira vez a adaptacdo de Raymond Leppard, esta ce nna se seguia, ironicamente, ao intervalo para jantar, abrindo a segunda parte da 6pera. A primeita concluica com morte de Séneca, precedida pelo alegre ducto Valletto-Damigelia do intermezzo, que se interpunha assim entre a comunicacdo de que 0 fil6sofo deveria morter ¢ sua despedida dos discipulos. ‘ ( ( ‘ ( ( . ‘ ( ( ‘ , ‘ ‘ é , ‘ ‘ 4 . ¢ 16 CAVALLI protegerd. Amalta canta “Oblivion soave”, um acalento de extraordinitia beleza, Gnica passa- gem da particura que se tornou conhecida inde- pendentemente. Popéia adormece, ¢ a deusa do ‘Amor se manifesta, prometendo numa aria velar- Ihe © sono desprotegido. Entra Oto disfarcado € pronto a mati-la, mas a deusa intervém ¢ Po- péia desperta. Como Arnalta, julga ter reconhe- cido Drusila no vuleo que ameacou atacé-la € agora escapa. Triunfante, a deusa do Amor anun- cia que neste mesmo dia sua protegida se torna- 14 imperatriz, Ato III. Drusita mais uma vez canta, feliz, o sew amor por Oto, mas logo é identificada por At- naltae detida sob a acusagao de ter atentado con- traa vida de Popéia. Ela protesta inocéncia, e nem. todas as ameacas de Nero — que no demora aparecet — bastam para fazé-la confessar algo que ‘no cometeu. Quando jé vai sendo levada para a tortura ¢ a morte, vem Oto confessar — apesar dos protestos da acusada — que € o autorda ten- tativa de assassinato. O breve dueto que cantam ‘no deixa em Nero qualquer ddvida quanto acul- pade Oto, que condena 20 exilio, Drusila anun. cia que o acompanharé, e Oto reconhece que 2 sorte se voltou a seu favor neste que poderia ser o mais negro momento de sua vida. Nero encer- faa cena proclamando a sua decisio de se divor- ciar de Otavia e também mandé-la para o exilio. ino de Oto, resta agora con- ia Otavia aos de Nero ¢ Po- péia, Sentindo-se renascida, Popéia € informa- da de que Oto, ¢ ndo Drusila, tentou maté-la, ¢ Nero acrescenta suspeitar de que Otévia era sua ctimplice. Ela seré exilada, ¢ Popéia hoje mes- mo sera feita imperatriz! Os dois entoam um hi- fo grave ¢ confiante 2o seu amor, ornamentado em seguida de vocalises. ‘Arnalta celebra sua participacao no triunfo de Popéia, evocando numa ria seu passado indig- no de criada e exultando ante a perspectiva dos dias de grandeza que a aguardam. Sozinha, co- mo convém a seu isolamento ainda imperial, Otavia despede-se de Roma, da terra natal, dos amigos — triste mas digna. Sua alegacio de ino- céncia nfo parece muito convincente, mas seu lamento se integra perfeitamente a grande tra- digio iniciada pelo préprio Monteverdi ‘Chega o momento do triunfo de Popéia, ho- menageada por Nero, que the confere a sobera- nia suprema, ¢ pelos cdnsules tribunos de Ro- ma, que celebram sua coroacio exortando os trés continentes conhecidos a se inclinarem diante de- la, Sobrevém uma breve intervencao da deusa do ‘Amor ¢ de Vénus (assinalada no manuscrito co- mo passivel de corte, sugesto em geral adotada pelos adaptadores), ¢ 2 6pera termina com os dois protagonistas celebrando idilicamente o seu amor ¢ triunfo no dueto ‘Pur ti miro” H. FRANCESCO CAVALLI (1602-1676) La Calisto Opera em dois atos de Francesco Cavalli; libreto de Giovanni Faustini, com base nas Metamorfoses de Ovidio. Estréia: Teatto San Apolinario, Veneza, 1651. Principais retomadas: Festival de Glynde- bourne, 1970, em revisio de Raymond Leppard, com Janet Baker, Ileana Cotrubas, Ugo Trama, Ja- mes Bowman, Hugues Cuénod, regéncia Leppard; Universidade de Cincinatti, 1972; Berlim, 1975, com Dooley, MacDaniel, Lucy Peacock, Knutson, Patricia Johnson, regéncia Lopez~ sas remontagens na Alemanha. ‘obos; numero- PERSONAGENS: A NATUREZA (mezzo-soprano), A ETERNIDADE (mezzo), © DESTINO (soprano), DEUSAS DO PROLOGO; JUPITER (baixo); MERCURIO (baritono); CALISTO, ninfa, filbe de Licdon (soprano); ENDI- MION, pastor apaixonado por Diana (contratenor);, DIANA (mezzo-soprano); LINFEA. ninfa do séqut- to de Diana (tenor, papel travesti); SATIRINO, #2 jovem sitiro (soprano); PA (baixo); SILVANO (bai- x0); JUNO (soprano). Farias, coro dos sétiros, coro dos espiritos celestes. Na Arcidia, regito cujo nome deriva de Areas, filho de Calisto e Jipiter Lz Calisto foi composta menos de dez anos apés a morte de Monteverdi, ¢ no entanto nada po- deria ser mais distante do espirito do grande cre- monés que a obra de seu discipulo ¢ sucessor. A escrita de suas Operas € mais répida, apaixo- nada, visando um efeito imediato através de fra- ses com um ritmo bem marcado ¢ melodias can- tantes ¢ féceis. Cavalli é, antes de mais nada, um compositor teatral que no despreza os efeitos de impacto, Qualidades ¢ defeicos esto parti cularmente A mostra nesta Calisto em que os deuses tém comportamento quase bufo, em que as situagbes escabrosas se multiplicam, sem que parecam ferir a delicadeza da musica. E um uni- verso bem mais préximo da farsa que do drama, € 0 grande mético de Cavalli € torné-lo plaust- vel: 0 tiso geralmente no envelhece tio bem quanto a tragédia, ¢ Le Cafisto € uma agradavel excego & regra. No prélogo, trés deusas se encontram, ea do Destino anuncia 4s outras que terdo de acres- centar o nome de Calisto a lista das constela- cdes. Ante o espanto das deusas da Eternida- dee da Natureza, promete-Ihes contar como aninfa conquistou o diteito a tio elevada dis- tingao. Ato 1, Estamos numa floresta devastada. As guerras alijaram da face da Terra todo sinal de vida, Descidos do céu para ver como sera possi- vel remediar a situasio, Jpiter e Merctirio logo tém sua atengio desviada para a ninfa Calisto, que entrou para o serviso de Diana para expiar as atividades guerteiras de seu pai Licdon. Ao véla chorando a morte da floresta, Japiter se oferece para reanimar a vida selvagem, mas deixa claro que quer como recompensa certos favores da jovem. Para mostrar do que € capaz, faz brotar uma fonte de Agua fresca. Mas Calisto Ihe ditige palavras bem duras ¢ se retira, vit- tuosa. JGpiter procura se aconselhar com Mer- cGirio quanto a uma maneita de vencer 2 resis- téncia da jovem pudica. Mercério lembra-lhe a devogio de Calisto a Diana: por que entio nfo assumir a aparéncia da deusa? Calisto nfo poderia negar-lhe nada. O conselho é seguido, € 20 retornar Calisto se depara com Diana (Jé- piter, € claro), que a convida a passcat pelo bosque. Encantada, a ninfa canta com sua deu- sa tutelar um “dueto dos beijos””, ¢ deixam a cena com um destino que podemos adivi- nhar. Sozinho, MercGio profere algumas ob- servagoes cinicas sobre as vantagens da mentira no amor. La Calisto. 17 O pastor Endimion canta seu amor despreza- do por Diana, A deusa talvez até cedesse, mas chega acompanhada de ninfa Linfea, que afasta 0 jovem apaixonado. Reaparece Calisto, maravi- thada com sew passcio pelo bosque. Ao ver Dia- na, fala-lhe de uma tal maneira de sua satisfa- gio que a deusa fica indigaada e ameaca casti- gar seu impudor. Calisto nao entende nada. Lin- fea queixa-se dos ardores amorosos de que é as vezes tomada. Um joven sitiro Ihe oferece seus servigos, 0 que Ihe vale uma chuva de insultos, E agora Pa quem vem propor a Diana dividir com ela sua cama € o reino dos bosques. Ela recusa € sai, Coro de sitiros Ato Il. Endimion canta seu amor pot Diana e adormece. A deusa, que o seguiu, admira sua beleza e 0 beija. Endimion sonha que tem Diana nos bracos ¢ acorda, constatando que é exatamente o que acontece, Diana con- fessa que o ama, mas, lembrando-se a tempo de seu voto de castidade, esquiva-se, prome- tendo voltar. O pequeno sitiro, que a tudo assistiu escondido, faz comentérios agridoces sobre a fragilidade da vireude das deusas, Ju- no, por sua vez, esté inquieta com a prolon- gada auséncia de Jipiter. Descendo & terra, ela encontra Calisto, cuja descricao dos bei- jos da suposta Diana nfo deixa a Juno qual- quer diivida quanto as atividades recentes do marido, Sempre disfarcado, JGpiter reapare- ce, € Calisto marca com ¢le(a) novo encon- tro. Abordado por Juno, Japiter tenta levar adiante a encenago, mas sem éxito: sua mu- Iher retita-se proferindo ameacas. Chega a vez de Endimfon zombar da falsa Diana. JGpiter no se sente nada bem, mas Mercéirio acha divertidissimo 0 imbroglio. A chegada de Pie dos sitiros para seqilestrar Endimion deixa JGpiter aliviado, e ele nada faz para salvar 0 pastor, que se ressente amarga- mente disso, Linfea, tendo decidido ceder a seus instintos, vem se entregar aos sitiros, que a cas- tigam com "a mais doce das vingancas”. Perto da fonte, Calisto espera Diana, Mas quem che- ga é Juno, acompanhada das fiirias. Ela trans- forma a ninfa em ursinha ¢ retomna 20 céu, sa- tisfeica.” Em outra parte da floresta, os sitiros esto torturando Endimfon, que € salvo pela chegada da verdadeira Diana. Os dois trocam juras de amor eterno mas casto. Também JGpi- ter por sua vez retorna 20 céu, Na Terra, esti encerrada a comédia. Calisto petmaneceri ursi- nha, mas tomar seu lugar entre as estrelas: se- th a Ursa Menot. ig

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