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ESCOLA DE MÚSICA
Mayra Pereira
Rio de Janeiro
2005
Mayra Pereira
Rio de Janeiro
2005
Para Augusto, com amor
AGRADECIMENTOS
Agradeço a CAPES pela concessão da bolsa de estudos, a qual foi de suma importância para o
Aos funcionários das instituições visitadas – Biblioteca Nacional, Arquivo Nacional, Instituto
Diplomático – Palácio Itamaraty e a Ana Luíza, museóloga do Museu Imperial, pela gentil
colaboração e amizade.
Ao cravista e fortepianista Pedro Persone pela gentileza, delicadeza e prontidão nas inúmeras
consultas realizadas a respeito da terminologia dos instrumentos de teclado de uma maneira geral.
A cravista Rosana Lanzelotte pelo empréstimo de material bibliográfico, por intermediar a visita à
residência onde está localizado o instrumento português no Rio de Janeiro, e principalmente pelo
carinho, atenção e generosidade com que sempre me recebeu ao longo dos últimos anos.
Ao cravista Edmundo Hora pelo apoio, incentivo, atenção e carinho há anos dispensados, pelo
envio de informações diversas e, sobretudo, por me honrar com sua sincera amizade.
A meus amigos e familiares pelo apoio e compreensão, especialmente a Thaís Borges pela
ajuda nos textos em inglês, a Ana Cecília Tavares pela ajuda nos textos em francês, e a Tia Rita pela
presença, sempre. Em especial à minha mãe, por mais uma vez me segurar no colo nos
momentos em que pedras surgiram no meio do caminho, fazendo com que esta longa
Ao Augusto Carvalho Souza pela paciência, apoio, compreensão, carinho, ajuda e amor. Por
sua constante presença que, mesmo a longa distância, foi o consolo e a grande alegria para
todos os momentos.
RESUMO
cravos e pianofortes no Rio de Janeiro, até precisamente o ano de 1830, voltando-se, também,
possibilitar um melhor entendimento dos registros observados. Finalmente, foi feita uma
nos Anexos. A análise e interpretação das evidências encontradas revelaram fatos inéditos
sobre o cravo e o pianoforte no Rio de Janeiro, até o início do século XIX. Foram
também muitas outras evidências que permitiram, de um modo geral, a reconstrução de uma
This assignment intends to gather information related to the existence and coexistence
of harpsichords and pianofortes in Rio de Janeiro, up to 1830 exactly, and also refers to the
aspects of organology and terminology of these instruments. The ultimate aim of the research
in primary document sources consists of the location of historical data in relation to the
existence, origin and structure characteristics of the same instruments. The process of
transition from harpsichords to pianofortes in Europe and also the given nomenclature issue
concerning the first pianofortes were firstly studied so that the historical process in task could
pianofortes building schools was developed, bared on the ones found in evidences during the
document research, in order to allow a better understanding of the observed registers. Finally,
an extended search of primary document sources was made, some of which are partially
attached to the assignment. The analysis and interpretation of the found evidences showed
facts about the harpsichords and pianofortes in Rio de Janeiro, until the beginning of the 19th
century, never seen before. Not only the first registers on both instruments ever gathered up to
now were discovered but also many other evidences were put together, which permitted the
Fig. 4 – Ação desenvolvida por Bartolomeo Cristofori para o Pianoforte – 1726 – página: 22.
página: 25.
Fig. 10 – Fac-símile da página frontal do método de Antoine Bemetzrieder – 1796 – página: 33.
Fig. 42 – Piano de Cauda Erard – 1803 com quatro pedais – página: 62.
Fig. 43 – Piano de Cauda Erard – 1832 com dois pedais – página: 62.
Fig. 53 – Trecho do Ofício sobre a compra de piano para D. Maria da Glória – página: 91.
Fig. 54 – Trecho do Ofício sobre a compra de piano para família real – página: 92.
Fig. 56 – Pianoforte de mesa Collard & Collard – início séc. XIX – página: 93.
Fig. 59 – Detalhe da parte interna da tampa – Cravo transformado Joze Cambiazo – 1769 –
página: 98.
Fig. 60 – Detalhe da parte externa da tampa – Cravo transformado Joze Cambiazo – 1769 –
página: 98.
Tab. 1 – Alguns dos métodos para teclado do século XVIII – página: 34.
Tab. 2 – Nomenclatura do piano nos formatos ‘asa’ e ‘retangular’ dos séculos XVIII e XIX,
página: 66.
Tab. 4 – Transcrição da listagem de preço de alguns produtos entrados pela Alfândega do Rio
Tab. 5 – Trecho da pauta das avaliações das Fazendas pelas quais se cobram os direitos da
Tab. 6 – Instrumentos e artigos musicais importados pelo Rio de Janeiro em 1799 – página:
81.
Tab. 7 – Registros de importações declarados nos jornais no período de 1808 – 1830 – página:
87.
Tab. 8 – Preços de Cravos e Pianos fixados pelo decreto régio de 1829 – página: 96.
Tab. 10 – Cronologia de Cravos e Pianofortes no Rio de Janeiro até 1830 – página: 115.
SUMÁRIO
Introdução ................................................................................................................ 13
do pianoforte na Itália, concebido ainda em fins do século XVII, e pelo subseqüente processo
de decadência do cravo que este novo invento desencadeou na Europa. As circunstâncias que
redor do mundo, há muitos anos. Embora já se tenham descoberto dados relevantes que
investigação de evidências documentais a respeito dos cravos e dos pianos antigos no país.
Aliás, quase nada foi pesquisado sobre os cravos. O interesse maior esteve sempre
relacionado aos pianos, sobretudo no que se refere à sua inserção no meio social. Parece que o
tais instrumentos. A organologia se fez importante uma vez que não se desenvolveu até então
nenhuma investigação sobre este aspecto no país. Pode-se ainda acrescentar que muito pouco
se escreveu sobre este assunto em língua portuguesa, sendo todas as pesquisas desenvolvidas
13
Entretanto, em virtude da extensão territorial do Brasil, optou-se por se concentrar na
cidade do Rio de Janeiro por dois motivos. O primeiro por ser a cidade mais importante do
Brasil colônia tanto sob a ótica política e social quanto a comercial e, segundo, por ter sido
Foi necessário também limitar o período de estudo da pesquisa. O marco final foi
fixado em 1830 por ser o ano do falecimento de José Maurício. Quanto ao marco inicial, este
não teve uma delimitação a priori. Tomou-se como data inicial, por conseguinte, o
documento mais antigo encontrado que versava sobre a existência de cravos e/ou pianos.
No entanto, logo se esbarrou com uma séria dificuldade condizente com uma pesquisa
periódicos anteriores ao ano de 1808, quando foi criada a Impressão Régia, fez com que se
descobriu material raro e interessante através das Pautas de avaliação da Alfândega (séc.
XVIII), dos volumes da Balança Geral do Commercio de Portugal com seus Domínios (séc.
XVIII e XIX) e de Decretos, leis e alvarás (séc. XIX). Procurou-se também em relações de
de viajantes estrangeiros desta época e do séc. XIX, foram também considerados importantes
14
pelas observações sobre aspectos da vida musical, incluindo informações referentes à
Além disso, foi feita a leitura integral de uma sucessão de jornais impressos no Rio de
Janeiro no início do séc. XIX, abrangendo o período em estudo. A Gazeta do Rio de Janeiro
1824 – dezembro de 1830) foram os periódicos escolhidos por estarem voltados não somente
em estudo, tanto no Rio de Janeiro quanto na Europa. A ambigüidade encontrada nas fontes
15
A presente dissertação de mestrado está organizada em três capítulos, sendo os dois
pianoforte na Itália e sua disseminação para outras regiões européias, além de abordar
referencial teórico que norteou o objeto de estudo propriamente dito, apresentado no Capítulo
documental, sendo muitos deles inéditos, além de trazer uma análise detalhada a respeito da
Dentre os seis anexos inseridos, estão disponibilizadas cópias de parte dos inventários post-
do Commercio do Reyno de Portugal com seus Dominios e nos jornais pesquisados, além de
localizados nos periódicos Gazeta do Rio de Janeiro, Diario Mercantil (Folha Mercantil e
1829, o qual determina os valores de inúmeros instrumentos musicais dentre outros produtos.
16
É necessário esclarecer que, em cada um dos anúncios de jornais transcritos, optou-se
por grifar apenas o nome do instrumento de teclado citado, a fim de possibilitar sua
referência e subsídios para novas pesquisas neste âmbito musical. De maneira alguma existiu
17
CAPÍTULO 1 – DO CRAVO AO PIANOFORTE NA EUROPA
COM O CRAVO
limitações mencionadas. Além disso, não se pode omitir a relação entre as novas
necessidades musicais da época e este grande invento, visto que há evidências documentais
comprovando que alguns músicos responderam com uma linguagem técnica ao novo
sonoros como o vibrato4. Entretanto, sua sonoridade muito suave e discreta restringia-o a um
brilhante para o salão, teatro ou igreja. Todavia, só era capaz de produzir um sutil contraste
1
Baseando-se em C. P. E. Bach, existem muitos instrumentos de teclado no século XVIII, porém os principais
são o cravo e o clavicórdio, por terem recebido maior aprovação (para citação integral ver p. 26). Além disso,
exclui-se o órgão por este ser do grupo dos aerofones – instrumentos nos quais o som é produzido a partir do ar
como principal agente – e não do grupo dos cordofones – instrumentos cujo som é produzido pela vibração de
cordas retesadas e fixas em sua extremidade – do qual fazem parte o cravo, clavicórdio e pianoforte. O órgão,
desde sua criação, nunca deixou de ser tocado e, principalmente, em momento algum rivalizou com o pianoforte.
2
SUTHERLAND, David. A. La evidencia más temprana del lenguaje técnico del piano. Claves y pianos
españoles: interpretación y repertorio hasta 1830. Ed. Luisa Morales. Barcelona: Instituto de Estudos
Almerienses, 2000, p. 135.
3
Ver Glossário.
4
Ver Glossário.
18
substancial gradação de dinâmica apenas pela utilização de recursos mecânicos como os dois
manuais e os registros. 5
Outro notável tecladista, Carl Phillip Emanuel Bach (1714-1788) em seu tratado para
teclado Versuch über die wahre Art das Clavier zu spielen9, também faz algumas ressalvas a
5
EHRLICH, Cyril. The Piano: A History. Clarendon Press, 1990, p. 11.
6
Editado pela primeira vez em 1716 e seguido de novas edições em 1717 e 1745.
7
COUPERIN, François. L’art de toucher le clavecin. Édition de 1717. France: Éditions J. M. Fuzeau S. A.,
1996, p. 15/16 (tradução nossa).
8
Ibid., p. 35 (tradução nossa).
9
Obra editada, apenas a primeira parte, em 1753 e posteriormente em 1759, sendo lançada a edição da segunda
parte em 1762.
19
acordes arpejados; além disso o ouvido suporta mais movimento sobre um
teclado que em outros instrumentos. 10
Além disso, como confesso amante do clavicórdio, Carl Phillip explana sobre as qualidades
de uma interpretação no instrumento, que julga ser o melhor dos teclados, mas admite “sua
Apesar da consciência das intrínsecas limitações do cravo e clavicórdio, fica claro com
interpretativas para suprir tais particularidades, o que certamente configurava uma prática
usual. No entanto, estes relatos de época também sugerem que a compreensão destas
sendo esta realmente materializada, em termos de patente, apenas em 1700. Seu criador,
Medici em Florença desde 1688 e tornou-se conhecido por toda uma posteridade pelo sucesso
instrumentos musicais de sua propriedade, listando uma grande variedade de cravos sendo um
fa il piano e il forte: 11
10
BACH, Carl Philip Emanuel. Ensaio sobre a maneira correta de se tocar teclado. Trad. Fernando Cazarini.
São Paulo: Unesp, 1996, p. 105.
11
COLE, Michael. The Pianoforte in the Classical Era. Oxford: Oxford University Press, 1998, p. 3.
20
todo o mecanismo coberto com um tampo de cipreste com tiras de ébano.
Teclas de buxo e ébano, sem sustenidos divididos, em número de 49 do
começando e terminando no C, com blocos pretos no final com puxadores
redondos pretos em cima (...) 12
italiano14 transformado, isto é, tendo seus saltarelos15 com plectros16 - responsáveis pela ação
que fazia com que os martelos voltassem imediatamente após haverem golpeado a corda,
deixando-a livre para vibrar, e um sistema de abafadores que caíam por sobre as cordas
12
V. Gai, Gli strumenti musicali della corte Medicea e il Museo del Conservatorio ‘Luigi Cherubini’ (Florence,
1969), p. 11 e R. Russel, The Harpsichord and Clavichord (London, 1959), p. 125-30, citados em COLE, 1998,
p. 3. (Tradução nossa).
13
Uma maior discussão sobre a questão desta terminologia será especialmente abordada no item 1.2.
14
O cravo italiano é o mais antigo dentre os demais (flamengo, inglês, francês, alemão, espanhol e português) e
caracteriza-se por possuir apenas um manual com um ou dois jogos de cordas de 8’ e uma extensão de quatro ou
quatro oitavas e meia (SCHOTT, Howard. Playing the Harpsichord, Mineola, N. Y.: Dover, 2002, p. 20 e 25).
Seu timbre é bastante peculiar, pois a distância entre o ponto de tangência do plectro na corda em relação à
cravelha é maior, resultando em um timbre com maior presença de sons fundamentais, ou seja, com menos
harmônicos. Sua caixa é leve, construída com madeira de cipreste e paredes finas, o que possibilita um maior
volume sonoro.
15
Ver Glossário. Adota-se aqui o termo italiano saltarelo, ainda que exista uma palavra em português para a
peça em questão – ‘martinete’- já que a palavra italiana é a mais usual.
16
Ver Glossário.
17
Ver Glossário.
18
Diccionário Oxford de la Musica, p. 959.
21
B
C
A
A- Plectro
E B- Abafador
C- Corda
D- Saltarelo
E- Lingüeta
D
Fig. 3 – Ação do Cravo
(The New Grove Dictionary of Music and Musicians, 1980)
C
B A- Tecla
B- Corda
D C- Abafador
E D- Martelo
A F E- Braço Intermediário
G F- Cápsula Vertical
G- Ajuste da Cápsula Vertical
sua criação. A manufatura dos instrumentos pode ser documentada em Florença, de 1700 a
1746, sendo provavelmente continuada até pelo menos meados do século, antes de ser
interrompida por dificuldades políticas19. Cristofori faleceu em 1731, e mesmo seu trabalho
sendo prosseguido através de seu fiel discípulo Giovanni Ferrini, o qual continuou a produzir
tanto a ação de martelos quanto a de pinçar dos cravos20, sabe-se que o desenvolvimento dos
19
SUTHERLAND, David. The early pianoforte. Early Music, London, vol. xxiv, maio 1996, p. 340.
20
SCHOTT, Howard. From harpsichord to pianoforte – a chronology and commentary. Early Music, London,
vol. xiii, fevereiro 1985, p. 29.
22
Certamente, as fronteiras italianas foram ultrapassadas com a publicação do artigo de
Scipione Maffei, no Giornale de’ letterati d’Italia em 1711, o qual continha toda uma
descrição da nova criação de Bartolomeo Cristofori juntamente com uma ilustração de seu
mecanismo (Fig. 5). Este documento foi reimpresso em 1719, sendo finalmente traduzido e
21
publicado na Alemanha em 1725 por Johann Mattheson (1681-1764) no Critica musica .
discípulos como seu sobrinho Johann Heinrich Silbermann23 e os chamados ‘12 apóstolos’,
J. H. Silbermann manteve fielmente a ação dos pianos de seu tio Gottfried, ou seja, a
de Cristofori, basicamente sem modificação alguma. Além disso, sabe-se que esses
21
PASCUAL, Beryl Kenyon de. Investigating early pianos, Early Music, London, vol. xxviii, p. 503.
22
Ver Cap. 2, item 2. 2, p. 42-44.
23
Ver Cap. 2, item 2. 4, p. 58.
24
SCHOTT, 1985, p. 29.
23
25
instrumentos exerceram grande influência em Paris no último quarto do século XVIII.
Quanto aos ’12 apóstolos’, estes migraram da Alemanha para Londres por volta de 1756,
antes da devastação da Guerra dos Sete Anos (1756-63). Dentre eles estava Johannes Zumpe
(1735-1783), notável construtor que por volta de 1760 abriu seu próprio ateliê e inventou uma
Ainda seguindo a linha inicial de difusão dos primeiros pianofortes, verifica-se por
o qual, após certo período em Londres, passou a fabricar instrumentos à semelhança dos de
A direta herança cristoforiana foi levada não só para as regiões germânicas, inglesas e
francesas, mas também para Portugal e Espanha. Por parte dos portugueses, verifica-se o
hispânicos, importavam os instrumentos italianos, pelo menos para a Rainha Maria Bárbara,
desde o início do século, desenvolvendo uma manufatura local somente a partir dos anos de
1780 30.
25
SUTHERLAND, 1996, p. 340.
26
Ver Cap. 2, item 2. 3, p. 52-53.
27
ADLAM, Derek. The fortepiano from Silbermann to Pleyel. Early Music, Advance Access published on
August 2005, p. 1.
28
Ver Cap. 2, item 2. 4.
29
SUTHERLAND, 1996, loc. cit.
30
SCHOTT, 1985, p. 29.
24
Fig. 6 – Fac-símile da página frontal da edição de 1732
das composições de Lodovico Giustini
(DODERER, 2002)
Assim, pode-se observar que a propagação do pianoforte, seja ela de cópias fiéis do
Europa em um período aproximado de setenta anos (Fig. 7). Fixando a atenção neste aspecto
temporal, percebe-se que o novo instrumento, por significativas razões, não suplantou
Portugal / Espanha
início séc. XVIII
É possível compreender que, assim como nos tempos atuais, ainda que um invento
seja de grande expectativa e utilidade, ele não dominará o mercado comercial e superará seus
antecessores enquanto sua confiabilidade não for comprovada. Trazendo esta analogia até a
25
época em estudo, verifica-se que o pianoforte teve que ultrapassar sérias imperfeições, desde
sua invenção, para finalmente ser aprovado de forma expressiva pelo meio musical.
Cristofori estava atento ao principal problema inerente ao piano: o som da corda golpeada ser
superfície do martelo. Duas soluções foram utilizadas pelo inventor para se tentar resolver a
instrumento, bem como a própria técnica exigida ao toque em seu teclado, ainda era um
produção, mesmo com a possível rivalidade com o pianoforte. Um bom exemplo para esta
31
SUTHERLAND, 1996, p. 341.
32
BACH, 1996, p. 7.
26
grande número de pianofortes de Silbermann, demonstrando sua admiração pelo novo
invento. Todavia, por volta de 1765 foram enviados de Londres pelo menos três grandes
cravos de Bukard Shudi33 para ele, seu irmão e sua irmã. Além disso, em 1775 o rei também
entusiasmo de Frederico pelo pianoforte não contribuiu para que o cravo fosse banido
Além disso, segundo relata Johann Joachin Quantz (1697-1773) 35 em seu tratado para
traverso Versug einer Anweisung die Flöte traversière zu spielen, em 1752 as qualidades do
pianoforte eram evidentes sem inibir, contudo, a importância da execução ao cravo na época:
esta época indica que cravo e pianoforte se complementavam na vida musical ativa dos
33
Ver nota p. 55, Cap. 2, item 2.3.
34
SCHOTT, 1985, p. 29.
35
J. J. Quantz, assim como C. P. E. Bach, era flautista, compositor e fabricante de flautas na corte de Frederico II
da Prússia. Provavelmente seu contato com os instrumentos de teclado do rei e com Bach foi amplo, o que o
permitiu fornecer significativa descrição técnica-interpretativa sobre cravos e pianos.
36
QUANTZ, Johann Joachim. On Playing the Flute: The Classic of Baroque Music Instruction. Translated by
Edward R. Reilly. Second Edition, London: Faber and Faber, 2001, p. 253 (tradução nossa).
37
SCHOTT, 1985, loc. cit.
27
Giuseppe Verdi (1813-1901) – que, no início do século XIX, se utilizou de uma espineta38
como seu primeiro instrumento 39 – e Georges Bizet (1838-1875) – o qual aprendeu a prática
curiosidade pelo instrumento fez emergir das firmas dos construtores muitos modelos e estilos
diferentes. Curioso é perceber que apesar da direta relação entre compositores e fabricantes, o
status social, o pianoforte, que certamente era um objeto caro, passou a ser utilizado na
refletindo mais a riqueza de seu proprietário do que sua própria função musical como
instrumento. 41
Uma grande variedade de termos foi utilizada ao longo dos séculos XVIII e XIX para
se referir ao instrumento criado por Bartolomeo Cristofori. Percebe-se que desde as primeiras
descrições, seu nome esteve mais diretamente associado à capacidade dinâmica que lhe é
pela obtenção de tal efeito – a ação de martelos. Contudo, a nomenclatura usada para
38
Instrumento de teclado e cordas pinçadas, de tamanho menor que o do cravo, cuja forma pode ser poligonal,
triangular ou de ‘asa’. Possui apenas um manual com um jogo de cordas de 8’ (SCHOTT, 2002, p. 15).
39
RUSHTON, Julian. A Música Clássica: uma história concisa e ilustrada de Gluck a Beethoven. Trad.
Clóvis Marques. 2ª edição, Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1991, p. 78.
40
Dictionaire de musique en France au XIXème . J. M. Fauquet. Paris: Fayard, 2003, p. 284.
41
CLINKSCALE, Martha. Makers of the Piano (1700-1820). Oxford: Oxford University Press, 1993, p. ix-x.
28
distinguir o pianoforte dos demais instrumentos de teclado da época em estudo configura-se
ter sido Arpicimbalo ou Arpi cimbalo, uma possível combinação entre cimbalo ou cembalo
(do italiano, cravo) e arpi (do italiano, harpa). Segundo especulações, a expressão
Arpicimbalo seria uma referência ao novo tipo de cravo não usual, diferente do clavicembalo
Já em 1711, quando Scipione Maffei publica seu artigo intitulado Nuova invenzione
d’un gravecembalo col piano e forte sobre o instrumento de Cristofori, verifica-se uma
assim como nas descrições anteriores, parece que o foco principal é a possibilidade de
dinâmica do ‘novo tipo de cravo’, não havendo de maneira evidente uma preocupação com a
classifica-o como Cimbalo di piano, e forte detto volgarmente di martelletti, ou seja, ‘Cravo
forte. Entretanto, observa-se que Giustini acrescentou ainda o termo popular e mais utilizado,
42
De 1700 tem-se o inventário do Príncipe Ferdinando dei Medici, cuja citação já foi transcrita aqui no item 1.1,
p. 20. A ocorrência de 1704 é verificada na cópia do tratado de harmonia de Gioseffo Zarlino (1517-1590) Le
istitutioni harmoniche de 1558 feita por Federigo Meccoli, músico da corte de Florença. Nela fala-se do Arpi
Cimbalo del piano e forte, inventado por Cristofari no ano de 1700 (RIPINS, Edwin M.; POLLENS, Stewart.
Pianoforte – Origins to 1750. In: GROVE Music Online. Edited by L. Macy. Disponível em:
<http://www.grovemusic.com>. Acesso em 20 de abril de 2004).
43
GOOD, Edwin M. What did Cristofori call his invention? Early Music, London, vol. xxxiii, fevereiro 2005, p.
96.
29
pelo qual o instrumento era conhecido em Portugal – ‘cravo de martelos’ –, demonstrando que
neste país a nova ação de martelos exerceu forte influência na questão da nomenclatura.
encontra-se ainda em terras portuguesas o uso das palavras Piano Forte e Forte Piano. Um
que parece, ambos os termos são efetivamente uma simplificação das outras expressões
usadas no início do século XVIII, deixando claro mais uma vez a importância da
com martelo’) e Hammerflügel ([instr.] ‘em forma de “asa” com martelo’) são igualmente
plectro’) e Kielflügel ([instr.] ‘em forma de “asa” com plectro’) que se referem ao cravo 46. É
interessante relembrar que tanto a região germânica quanto a portuguesa foram as que
tiveram, de maneira direta, o primeiro contato com a invenção florentina ainda no início do
47
século XVIII . Coincidência ou não, esta linha de difusão sugere a relevância da ação de
Pianoforte em seu tratado para flauta, enquanto C. P. E. Bach, em seu tratado para teclado de
44
Ver Cap. 2, item 2.1.
45
VIEIRA, Ernesto. Diccionario Biographico de Musicos Portuguezes – Historia e Bibliographia da Musica
em Portugal, 2 volumes. Lisboa: Typographia Mattos Moreira & Pinheiro, 1900, p. 482-483.
46
CLINKSCALE, 1993, p. ix.
47
Ver esquema da difusão dos primeiros pianofortes a partir de Bartolomeu Cristofori no item 1.1, p. 25.
30
48
1753, explana sobre algumas características do Fortepiano . O compositor Johann Adam
Nas outras regiões em que o pianoforte também foi difundido verifica-se a mesma
forte Harpsichord (‘Cravo piano-forte’) vindo de Florença em 1732 51. Em 1772, o construtor
Americus Bakers denomina seu instrumento de Forte Piano, o qual é literalmente copiado por
Robert Stodart em 1777, mas chamado então de Grand Piano forte 52. Na França, o primeiro
registro do instrumento, em 1761, é anunciado como Piano e forte clavecins (‘Cravo piano e
É válido ressaltar também que a conhecida abreviação Piano já era muito utilizada no
século XVIII como nome de instrumento e não somente como um sinal referente à dinâmica.
48
Para mais informações das citações sobre o instrumento nos tratados de Quantz e Bach ver item 1.1, p. 26 e
27.
49
Ver Cap. 2, item 2. 2, p. 44-46.
50
COLE, 1998, p. xi.
51
COLE, In: Grove Music Online.
52
COLE, 1998, loc. cit.
53
COLE, In: Grove Music Online.
54
Encyclopédie Méthodique. Édition de Panckouche de 1788. France: Éditions J. M. Fuzeau S. A., 2001
(tradução e grifo nosso).
31
Um caderno de apontamentos sobre afinação dos anos de 1770 emprega amplamente ao longo
do texto os termos Forte piano, Piano forte, e nas últimas páginas Piano 55.
conotação atual de que o termo Fortepiano seria sinônimo do piano antigo e Pianoforte, o
56
piano mais recente, próximo do tipo de concerto moderno . Talvez o único denominador
comum seja que toda a nomenclatura aqui exposta refere-se ao piano em forma de ‘asa’ ou
totalmente a partir do formato de um cravo italiano (Fig. 8). Quanto a outros modelos de
instrumento, sabe-se que até os anos de 1830 só havia basicamente os de forma retangular
denominados pianos de mesa57 (Fig. 9), cuja nomenclatura é bem específica em todas as
regiões aqui abordadas, não causando confusão alguma em sua distinção (ver Tab. 2, p. 34).
instrumentarium feita por alguns compositores em meados do século XVIII e durante o século
XIX. Mozart utilizou-se indistintamente das palavras Cembalo e Clavier ou Klavier (do
55
COLE, 1998, p. xi.
56
Ibid., p. xi.
57
Ver Cap. 2, item 2.2, p. 52-54.
32
italiano cravo e do alemão teclado, respectivamente) em suas obras para teclado 58, referindo-
são chamadas Divertimenti para Cembalo e as últimas foram compostas para o piano inglês
dos anos de 1790, porém a maioria delas também pode ser interpretada em ambos os
59
instrumentos . Ludwig van Beethoven (1770-1827) escreveu na primeira edição de um trio
para teclado, flauta e fagote a expressão Cembalo, significando provavelmente pianoforte 60.
instrumento mais antigo: não se presumirá, portanto que as partituras com notação de
dinâmica destinam-se exclusivamente ao piano, ou que só convêm ao cravo as que não a têm” 61.
Em métodos para teclado franceses, alemães e ingleses é possível encontrar títulos referentes ao
estudo do cravo ‘ou’ piano, certamente para não excluir sua aplicação a um ou outro instrumento
58
FAGERLANDE, Marcelo. O Método de Pianoforte do Padre José Maurício Nunes Garcia, Rio de
Janeiro: Relume Dumará, 1996, p. 19.
59
RUSHTON, 1991, p. 80.
60
FAGERLANDE, 1996, loc. cit.
61
RUSHTON, op. cit., p. 80.
33
Tab. 1 - Alguns dos métodos para teclado do século XVIII
Deste modo, a partir das informações históricas aqui apresentadas, pode-se ter a
consciência de que há total liberdade para se classificar o piano dos séculos XVIII e XIX na
Europa. Observa-se, portanto, que as evidências documentais não apontam para uma possível
Tab. 2 - Nomenclatura do piano nos formatos ‘asa’ e ‘retangular’ dos séculos XVIII e XIX, na Europa
Nomenclatura
Região
formato de asa formato retangular
Arpicimbalo; Cimbalo di piano e forte;
Itália -
Pianoforte
Cravo de Martelos; Piano forte; Forte
Portugal -
piano
Hammerklavier; Hammerflügel;
Alemanha Tafelklavier
Pianoforte; Fortepiano
Pianoforte; Fortepiano;
Inglaterra Square piano
Grand Pianoforte; Grand Piano
Forte-piano carré;
Pianoforte; Fortepiano;
França Pianoforte carré;
Clavecin à marteau
Piano carré
34
CAPÍTULO 2 – CRONOLOGIA E ASPECTOS ORGANOLÓGICOS
durante a pesquisa documental, ou seja, cravos e pianofortes que, até 1830, foram importados
para o Rio de Janeiro de algumas das principais regiões européias cuja tradição na construção
portugueses, não pela sua importância no panorama da fabricação dos mesmos, mas pela
posição deste país como colonizador do Brasil e certamente, pela influência e permanência de
as escolas alemã, inglesa e francesa de pianofortes visto que, a partir do início do séc. XIX,
de construção especificadas, tendo como base sua inserção cronológica no contexto histórico
musical do período compreendido entre o séc. XVIII e meados do séc. XIX. Ressalta-se,
introdutórias, pois a intenção é enfocar, de forma sucinta, apenas traços básicos para a
qualificação e distinção das escolas construtivas, bem como fornecer informações para se
35
2.1 - CRAVO E PIANOFORTE PORTUGUESES
em relação a outras regiões da Europa graças ao grande apreço por parte da família real pela
musical português por volta dos anos de 1730 e nas oficinas de construção, com intensa
de tecla em Portugal até o séc. XVIII, como Henrique van Casteel, Joaquim José Antunes,
Manuel Antunes, Manuel Ângelo Villa e Mathias Bostem, entre outros, sabe-se que muitos
era a insatisfação dos músicos profissionais frente a pouca variedade de recursos oferecida
baseada na do cravo italiano4; isto é, eram compostos por um teclado e dois registros de 8’,
assim como os pés em forma de coração invertido (Fig. 11). Evidenciavam, nitidamente,
1
MONTEIRO, Antenor de Oliveira. Musica e Musicos de Portugal. Rio Grande do Sul: Typ. Oliveira Junior,
1936, p. 11.
2
DODERER, Gerhard. Clavicórdios portugueses do século dezoito. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian,
1971, p. 22.
3
Ibid., p. 15.
4
Ver nota p. 21, Capítulo 1, item 1.1.
36
o tampo harmônico, [...], bem como o encordoamento em latão, podem ser
apontados como extremamente típicos para a escola nacional de construção
de instrumentos de tecla e corda. 5
aumento de sua extensão em meados do séc. XVIII que, mais rápido do que em outras regiões
Além disso, possuíam também uma pesada construção interna de seu corpo assim como
inglês. 6
preciosas, os cravos portugueses restringiram-se aos salões aristocratas e da corte, pois eram
instrumentos caros. Estes fatores econômicos de um modo geral, aliados ao “gosto e o poder
provável instrumento mais popular para uso doméstico até então. Entretanto, os cravos
mantiveram-se nas oficinas de construção como objeto de comercialização até pelo menos o
5
DODERER, Gerhard. Instrumentos de tecla e corda portugueses dos séculos XVI, XVII e XVIII: clavicórdios,
cravos e pianofortes. FÁBRICA DE SONS - Instrumentos de Música Europeus dos séculos XVI a XX:
catálogo. Lisboa: Lisboa 94 e Electa, 1994. p. 24.
6
DODERER, 1994, loc. cit.
7
Ibid., p. 22.
37
final do séc. XVIII, visto que o último exemplar sobrevivente até os dias de hoje é de 1789,
período eram executáveis tanto no clavicórdio quanto no cravo ou órgão, sem perda alguma
capaz de reerguer a economia do país bem como sua posição frente a toda Europa
9
transformou Portugal em uma metrópole do mercantilismo e da arte. As preocupações
musicais do rei voltaram-se para a reformulação da prática musical da Capela Real, cujo
modelo pretendia seguir ao da Capela do Papa. Para isso, muitos músicos estrangeiros foram
contratados e foi também criada uma estrutura pedagógica voltada para a formação de
de músicos para a Capela Real, sobretudo italianos, atraiu muitos cantores e instrumentistas,
destacando-se entre eles Domenico Scarlatti (1685-1757), cuja relevância para a história dos
professor de cravo e mestre da capela real portuguesa, estabelecendo-se no país até 1729.
Algumas evidências comprovam que as composições para teclado de Scarlatti foram escritas
não só para cravo, mas provavelmente para pianoforte também, visto que seu contato com o
instrumento foi anterior a sua ida para Portugal. Além disso, algumas destas sonatas foram
possivelmente escritas durante sua estada no país, podendo-se acreditar que o músico esteve
8
DODERER, 1971, p. 17.
9
NERY, Rui Vieira; CASTRO, Paulo Ferreira de. História da Música. Lisboa: Imprensa Nacional – Casa da
Moeda, 1991, p. 84-85.
10
FAGERLANDE, Marcelo. O Baixo Contínuo no Brasil: a contribuição dos tratados em língua
portuguesa. Tese (Doutorado em Música) – Universidade do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, 2002, p. 18.
38
em contato com exemplares de pianos no país durante o período de sua permanência e que
dedicatória da edição das primeiras composições para pianoforte Sonate da Cimbalo di Piano
e Forte de Lodovico Giustini ao Infante D. António de Bragança. A oferta não foi feita pelo
próprio compositor, mas sim pelo mecenas D. João de Seixas (1691-1758), bispo brasileiro
que exerceu plena atividade religiosa e musical em Lisboa entre os anos de 1734 e 1740, o
qual deve ser reconhecido como “um dos mais essenciais mediadores no setor da construção
Seixas, tendo sido apresentado a Giustini por provável intermédio de Bartolomeu Cristófori,
Assim, verifica-se que ainda nos anos de 1730 o pianoforte possivelmente já era bem
conhecido na corte lisboeta. Mesmo sendo muito importado de outros países, sua ascensão
como instrumento central da produção musical portuguesa deu-se rapidamente e, por volta de
conservou nenhum piano anterior a esta data, provavelmente devido ao terremoto que
avassalou Lisboa em 1755. Entretanto, esta destruição pode ter sido também um outro fator a
11
SUTHERLAND, David. Domenico Scarlatti and the Florentine piano. Early Music, London, v. xxiii, maio
1995, p. 245-246.
12
Ver Capítulo 1, item 1.2, p. 29-30.
13
DODERER, Gerhard. Apresentação da edição de Sonate da Cimbalo di Piano e Forte Ludovico Giustini di
Pistoia. Rio de Janeiro: Academia Brasileira de Música, 2002, p. 11.
14
KOSTER, John, Three Grand Pianos in the Florentine Tradition. Musique – Imagens – Instruments: revue
française d’organologie et d’iconografhie musicale. Paris: Editions Klincksieck, Nº4, 1999, p. 101.
39
primeiro foi Manuel Antunes que o conseguiu no próprio ano de 1760 e provavelmente por
como na de Henrique van Casteel – cujo instrumento datado de 1763 é o mais antigo
exemplar português que se conservou até a atualidade – e Joaquim Antunes entre outros,
da caixa possuía grande semelhança com o da escola florentina, isto é, bem parecido com os
cravos italianos. No entanto, os instrumentos não eram cópias de pianos florentinos, já que os
17
métodos de construção da caixa e o do tampo de ressonância eram bem peculiares. O
15
VIEIRA, Ernesto. Diccionario Biographico de Musicos Portuguezes – Historia e Bibliographia da Musica
em Portugal. Lisboa: Typographia Mattos Moreira & Pinheiro, 1900, vol. 1, p. 37 e vol. 2, p. 482.
16
Ver Capítulo 1, item 1.1, p. 21-22.
17
SUTHERLAND, 1995, p. 246.
18
DODERER, 1991, p. 45.
40
A ação utilizada nestes instrumentos também se assemelhava fortemente ao modelo
cabeça do martelo que era um pouco mais alongada – mas muitos elementos eram
D C
B A- tecla
B- martelo
F C- abafador
A E D- corda
E- cápsula vertical
F – alavanca intermediária
inalterável de 51 notas (dó1-ré5) e um dispositivo manual para acionar o efeito una corda19,
não havendo pedais. A qualidade sonora e de execução era mais uma aproximação entre estes
característica evidente nos pianos portugueses era o fato de alguns de seus exemplares não
construção dos modelos grand, de acordo com os que foram conservados até os dias de hoje,
19
Ver Glossário.
20
POLLENS, Stewart, The early Portuguese piano. Early Music, London, vol. xiii, fevereiro 1985, p. 24-26.
41
muitos dos instrumentos importados no início do séc. XVIII eram square pianos, e
uma posição de evidência, o cravo ainda continuou a ser manufaturado por muitos anos; ou
seja, ambos os instrumentos coexistiram durante muito tempo na vida musical portuguesa.
Para confirmar esta observação, basta atentar para a data do exemplar de um piano mais
antigo conservado (1763, do construtor Henrique van Casteel) e a data do cravo mais recente
conservado (1789, de Mathias Bostem). Mais interessante ainda é ressaltar que, assim como
este último instrumento, o pianoforte mais recente conservado também é datado de 1789 (de
respeito do invento de Cristofori, certamente antes dos anos de 1730. No entanto, os alemães
sistema mecânico completamente novo, o qual dominou a escola alemã até o século XIX.
21
Existem alguns relatos sobre a manufatura de instrumentos de tecla e corda portugueses ainda no início do séc.
XIX, como o relatado no periódico Gazeta de Lisboa de 1806 sobre a morte do construtor Matias Bostem e os
cravos e pianofortes que se encontravam inacabados em sua oficina à espera de um leilão (DODERER, 1994, p.
25).
22
São chamadas de ‘alemãs’ as escolas construtivas das regiões de língua germânica, como Alemanha e Áustria.
42
de S. Maffei em 172523, iniciou seus trabalhos por volta de 1730. Seus instrumentos possuíam
o mesmo formato de cauda e a mesma ação dos italianos e foram oferecidos por ele próprio a
Johann Sebastian Bach, o qual os desaprovou devido ao toque pesado e à fraca sonoridade dos
agudos. 24
adicionando hand stops ou chaves manuais25 para levantar os abafadores do soprano e baixo e
um dispositivo para fazer deslizar as laterais do teclado, possibilitando que estas golpeassem
somente uma corda das duas estabelecidas para cada nota. Frederico II da Prússia adquiriu
alguns destes instrumentos e os mostrou novamente para J. S. Bach, quando este visitava
Cristofori dando origem à chamada Stossmechanik (a qual posteriormente foi utilizada pelos
ingleses e transformada na ‘mecânica inglesa’27). Ao que parece, esta foi criada com o intuito
troca dos saltarelos pelos martelos –, reduzido ao máximo de simplicidade. Ou seja, este
sistema é composto apenas pela própria tecla do instrumento, um bloco fixado no fim desta e
o braço do martelo, fixado em uma peça de madeira totalmente independente da tecla (Fig.
14). 28
23
Ver Cap. 1, item 1.1, p. 23.
24
Diccionário Oxford de la Musica, p. 960.
25
Ver Glossário.
26
RIPINS, Edwin M.; POLLENS, Stewart. Pianoforte – Origins to 1750. In: GROVE Music Online. Edited by
L. Macy. Disponível em: <http://www.grovemusic.com>. Acesso em 20 de abril de 2004.
27
Ver Cap. 2, item 2. 3 e Fig. 33.
28
HAASE, Gesine e KRICKEBERG, Dieter. Tasteninstrumente des Museums: catálogo. Berlin: Staaliches
Institut für Musikforschung, 1981, p. 80.
43
B
C A- tecla
A B- corda
C- braço do martelo
cravo italiano, devido à espessura mais fina das cordas em contraposição aos martelos rígidos
de madeira, porém menos brilhante e com muito menos intensidade. Também são constituídos
por um manual, não possuem registros para alteração do timbre e sua extensão geralmente é
Após a segunda metade do século XVIII, houve um declínio na produção dos pianos
não mais nos do cravo, visto que esta era uma das únicas regiões que ainda o estimavam (Fig.
16 e 17). Surgia então a Prellmechanik, ação aparentemente atribuída apenas aos modelos de
44
mesa, muito utilizada pelo construtor alemão Johann Andreas Stein (1728-1792) de
Augsburgo. 29
D B
C A A- tecla
B- corda
C- tangente
D- abafador
Esta nova mecânica segue algumas idéias de Cristofori como o ‘sistema de alavanca’,
instrumento base, caracteriza-se pela ação de ‘empurrar’ e não pela de ‘golpear’, assegurada
pela fixação indireta do braço do martelo à tecla (Fig. 18 e 19). Além disso, a sonoridade
29
BELT, Philip R.; MEISEL, Maribel; HUBER, Alfons. Germany and Austria, 1750-1800. In: GROVE Music
Online. Edited by L. Macy. Disponível em: <http://www.grovemusic.com>. Acesso em 20 de abril de 2004.
45
característica de um pianoforte com Prellmechanik é bem suave e seu toque é extremamente
D A- tecla
B B- corda
G C- martelo
C E A
D- abafador
F E- golpeador fixo do
abafador
F- cápsula vertical
G- barreira dentada
Fig. 18 – Prellmechanik – c. 1779
(HAASE; KRICKEBERG, 1981)
respeito ao desenvolvimento de um escapamento individual para tal ação (Fig. 20). Os pianos
desta época caracterizavam-se por conter cinco oitavas na extensão do teclado (fá1-fá6) e pelo
formato da caixa dos modelos de cauda assemelhar-se com o dos cravos austríacos e do sul da
Alemanha (Fig. 21 e 22), os quais possuíam a chamada fascia a doppia curva ou face dupla
curva31. 32
30
BELT; MEISEL; HUBER. In: GROVE Music Online.
31
Ver Capítulo 3, item 3.2, p. 107.
32
BELT; MEISEL; HUBER. In: GROVE Music Online.
46
D
B
A- tecla
B- corda
C C- martelo
A F
E D- abafador
E- cápsula vertical
F- escapamento
pianos foi para o Sul da Alemanha e Bohemia, destacando-se entre eles Anton Walter (1752-
1826). Em meados de 1780, tal construtor desenvolveu ainda mais a Prellmechanik, a qual se
partir do século XIX (Fig. 23) – pode-se observar melhor este desenvolvimento das ações dos
pianos através do esquema representado abaixo na Fig. 24. Ambas as ações eram suscetíveis
47
de grande expressividade e variação dinâmica, mas a de Walter era capaz de produzir maior
volume. 33
D B
A- tecla
B- corda
A E C- martelo
C
F D- abafador
E- check34
F- escapamento
CRAVO ITALIANO
CRISTOFORI
SILBERMANN CLAVICÓRDIO
Fig. 24 – Esquema do desenvolvimento dos mecanismos do pianoforte alemão nos séculos XVIII e XIX
modificar a ‘cor’ do timbre, conhecidos como stops ou registros35. Algumas vezes, nos
instrumentos mais antigos, eles eram divididos entre as áreas do baixo e soprano. Os registros
33
BELT; MEISEL; HUBER. In: GROVE Music Online.
34
Ver Glossário.
35
Ver Glossário.
48
mais comuns eram o forte36, o piano37 e o basson stop38, sendo mais raro o lute ou harp
stop39. Tais mutações podiam ser operadas pelas mãos, assim como no órgão, ou pelos
ser separados em três grupos de tradições distintas. O primeiro era o dos herdeiros da tradição
Andréas Stein (conhecido como André Stein) que mudaram sua oficina de Augsburgo para
Viena em 1794. O segundo grupo era o dos seguidores de Walter, dentre eles Kaspar
destacando-se entre eles Anton Walter, Nannette Streicher e André Stein – que separaram sua
austríacos foi expandida, assim como a estrutura da caixa tornou-se mais pesada para
42
acomodar o crescimento do tamanho do instrumento e a grossura das cordas.
Consequentemente, a cabeça dos martelos, por ser a responsável por golpear o espesso
encordoamento, também teve sua dimensão sensivelmente aumentada e sua forma modificada
(Fig. 25).
36
Ver Glossário.
37
Ver Glossário.
38
Ver Glossário.
39
Ver Glossário.
40
BELT; MEISEL; HUBER. In: GROVE Music Online.
41
BELT; MEISEL; HUBER. In: GROVE Music Online.
42
BELT, Philip R.; MEISEL, HECHER, Gert. The Viennese piano from 1800. In: GROVE Music Online.
Edited by L. Macy. Disponível em: <http://www.grovemusic.com>. Acesso em 20 de abril de 2004.
49
J. A. Stein A. Walter J. Schöfstoss
1783 1790 c. 1800 1820/24
Além disso, as cores das teclas foram alteradas para tons claros nas notas naturais e
escuros nos sustenidos, como é verificado hoje nos pianos modernos (Fig. 26). O número de
Por volta de 1820, os típicos pianos de cauda vienense mediam aproximadamente 2,3
metros de comprimento e 1,25 metros de largura, possuíam extensão de seis ou seis oitavas e
meia e o número de pedais variava de dois a seis. Além disso, novos formatos de instrumento
ganhavam evidência por economizarem espaço e para fins de decoração. Em estilo vertical
50
encontram-se o Giraffe 43 e o Pyramid 44 (Fig. 27 e 28), e em forma retangular destacam-se o
aperfeiçoando ainda mais. A busca pelo aumento do volume fez com que se voltasse atenção
para elementos estruturais como o tampo harmônico, visto que os instrumentos precisavam
43
Ver Glossário.
44
Ver Glossário.
45
Ver Glossário.
46
Ver Glossário.
47
BELT; MEISEL; HECHER. In: GROVE Music Online.
51
2.3 - PIANOFORTE INGLÊS
O interesse dos ingleses pelo pianoforte foi tardio e apenas impulsionado de forma
bastante significativa nos anos de 1760. A chegada de J.C.Bach em Londres, em 1763, para
exercer o cargo de mestre de música da então Rainha da Inglaterra foi certamente o maior
(1726-1814)48, “(...) logo estabelecidos seus concertos com Abel, todos os fabricantes de
Florença em 1732 juntamente com o livro de sonatas composto intencionalmente para o Piano
em 1747, tocou em um piano italiano construído por um inglês chamado Wood. Em 1755 o
Rev. William Mason escreve em carta que comprou um Pianoforte em Hamburgo por um
preço muito baixo. Tais instrumentos encantaram os ouvintes pela sua sonoridade, mas eram
48
Historiador da música e compositor inglês. Viajou pela Europa para coletar material para uma história da
música, conhecendo importantes músicos e ouvindo muitas apresentações. Não se notabilizou como compositor
(Dicionário Grove de Música – edição concisa. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1994, p. 147).
49
Diccionario Oxford de la Música, p. 960.
50
COLE, Michael. Pianoforte – England and France to 1800. Grove Music Online. Edited by L. Macy.
Disponível em: http://www.grovemusic.com. Acesso em 20 de abril de 2004.
51
Ver Cap. 2, item 2. 2, p. 42-44.
52
Inglaterra” 52, abriu sua própria oficina e, como os outros fabricantes de pianos, dedicou-se à
desenho e tamanho similares ao clavicórdio e virginal53, o chamado piano de mesa (Fig. 32),
supremacia dos pianos londrinos que alcançou seu ápice na primeira metade do século XIX.
Por décadas este formato de instrumento foi o mais popular para uso doméstico em toda a
Europa e América do Norte devido ao seu tamanho compacto (reduzidas dimensões do corpo
e extensão do teclado de 58 notas), boa repetição, baixo preço (cerca de um terço do valor de
Até então, os pianos ingleses caracterizavam-se por este som delicado, o que refletia a
suavidade de um instrumento de ainda poucos recursos e com uma extensão que variava de
cinco a cinco oitavas e meia. A caixa do instrumento era totalmente estruturada em madeira,
as cordas eram duplas e mais tensas e espessas que as do cravo ou clavicórdio e os martelos
eram muito pequenos, inteiramente constituídos de madeira e revestidos com leves camadas
52
HAINE, Malou. Musical Instruments in Belgian collections: catálogo. Liège: Pierre Mardaga, 1989, p. 66.
53
Ver Glossário.
54
COLE, In: Grove Music Online.
53
de pele. O acionamento de recursos sonoros extras, como os abafadores, era feito sempre
Além disso, a mecânica empregada nos pianos era de ‘ação inglesa’ elaborada por
algumas alterações como a substituição dos saltarelos e da alavanca intermediária por uma
C
D A- tecla
B B- martelo
A E C- abafador
D- corda
E- guia
Fig. 33 - Ação Inglesa Simples – Estilo Zumpe – 1775
(The New Grove Dictionary of Music and Musicians, 1980)
(1763-1778) apresentou em uma exibição em Londres um novo invento de Forte Piano (Fig.
inglesa foi seguido por Robert Stodart58 e John Broadwood (1732-1812), porém este alcançou
55
Grande firma londrina de construtores de cravos que também se voltou para a fabricação de pianos, sendo
comprada por Collard & Collard em 1896 (SCHOTT, Howard. Victoria and Albert Museum – Catalogue of
Musical Instruments – Keyboard Instruments, v. 1: catálogo. London: Her Majesty’s Stationary Office, 1985,
p. 91).
56
Ver Glossário.
57
COLE, In: Grove Music Online.
58
Fundador da firma de pianos Stodart, em 1775, a qual veio a se chamar William Stodart & Son por volta de
1825. Em 1861 fechou suas portas (CRANMER, Margaret. Stodart. In: The New Grove Dictionary of Music
and Musicians. Edited by Stanley Sadie. London: 1980, vol. 18, p. 163).
54
Fig. 34 – Forte Piano Backers Fig. 35 – Cravo Kirckman
(http://www.iprase.tn.it/pianoforti/biografie/backers.htm) (HAASE; KRICKEBERG, 1981)
Broadwood iniciou seus trabalhos no início dos anos de 1770 construindo pianos de
59
mesa, após período como aprendiz na oficina de Burkat Shudi (1702-1773) . Desenvolveu
construção dos modelos de cauda (Fig. 36), nos quais também implementou modificações,
inclusive no sistema mecânico (Fig. 37). Tais instrumentos foram aclamados como os
59
Imigrante suíço, de nome original Buckhardt Tschudi, que chegou a Londres em 1718. Construtor de cravos e
pianos e sócio de seu genro Broadwood a partir dos anos de 1769 (SCHOTT, 1985, p. 103).
60
ADLAM, Derek; CONNER, William J. Pianoforte – England and France to 1800. In: The New Grove
Dictionary of Music and Musicians, London: 1980, vol. 14, p. 962.
55
D C
A- tecla
B- martelo
B C- abafador
D- corda
E- escapamento
E
A
Os avanços sonoros dos pianos ingleses obtidos por Broadwood foram possibilitados
pela equalização da tensão das cordas em uníssono e as de diferentes metais para sua tensão
ideal. Deste modo, conseguiu-se um som muito mais puro do que anteriormente. Além disso,
sócios, dentre eles John Longman e Frederick William Collard, sendo conhecida não só como
Clementi & Co., mas a partir de 1822 como Clementi, Collard and Collard e finalmente, em
pelos inúmeros construtores desta região, sendo que, ao longo do século XIX, estas mudanças
cinco oitavas e meia do século XVIII deram lugar a uma potente máquina de sete oitavas.
pouco bem mais espessas. Em 1806 encontravam-se cordas medindo 0,5 mm de espessura e
em 1823 esta medida foi elevada para 0,66 mm (Fig. 38). Sua tensão, que progressivamente já
havia aumentado, passava a crescer de forma implacável. Enquanto o dó3 empregava 10kg
61
SCHOTT, 1985, p. 89.
56
em 1801, em 1815 equivalia 15kg e em 1825, 24kg. O peso dos martelos, obviamente
relacionado com a grossura das cordas e que influenciava diretamente no peso do toque,
também elevou: para o mesmo dó3 utilizam-se 34gr em 1800 e 80gr em 1860.
Consequentemente a profundidade do toque foi alterada: de 7.5mm até 1810 para 9mm em
1845.62
1806 1823
força, muitos materiais empregados tanto na parte interna quanto externa dos instrumentos
também se transformaram. Os revestimentos dos martelos foram ficando mais leves e mais
espessos e finalmente substituídos pelos feltros comprimidos. As caixas dos pianos foram
cada vez mais reestruturadas com madeiras espessas até 1817, quando Broadwood utiliza no
piano de Beethoven estrutura de metal. Os bons resultados obtidos com tal estrutura marcou
contribuíram para uma reformulação das dimensões do próprio corpo do instrumento. Dos
segundo, por sua vez, necessitou de um crescimento em seu tamanho para comportar as
modificações realizadas e então, caiu em desuso a partir de 1840, dando lugar um novo
formato, o vertical, que posteriormente assumiu popularidade para uso doméstico (Fig. 39).
62
COLE, In: Grove Music Online.
57
Fig. 39 – Pianoforte Vertical Broadwood – sem data
(http://www.concertpitchpiano.com/VM_Broadwood.html)
cravos existentes e, assim como na Inglaterra, a reação de receptividade também foi lenta e
tardia.
clavecins construídos por Johann Heinrich Silbermann em Strasburgo, após a morte de seu tio
existiram apenas quatro destes instrumentos em Paris – modelos de cauda de 5 oitavas, com
ação inglesa, cordas duplas e chave manual para levantar os abafadores – avaliados a preço
altíssimo.
Johann Gottfried Eckard (1735-1809), muito ativo em Paris, foi o primeiro músico a compor e
58
peças; estas apareciam para tornar a música “igualmente aproveitável na performance ao
Todavia, evidências indicam que alguns instrumentos híbridos foram criados sem
êxito e exibidos na Académie des Sciences. O primeiro foi o clavecin à maillets de Jean
apresentado 43 anos mais tarde foi igualmente interrogado. Tratava-se de um cravo contendo
Uma combinação de piano e órgão, fabricada por Adrien l’Epine66, foi exposta em 1772.
Pascal Taskin67, em 1787, mostrou seu curioso piano no qual os saltarelos responsáveis pelo
golpe dos martelos nas cordas são fixados nos próprios martelos e não nas teclas.68
influência dos modelos ingleses a partir de J.H.Silbermann (Fig. 40) e também de Sebastién
Erard (1752-1831), que inicia seus trabalhos em 1777. Seu primeiro exemplar era um piano
de mesa, cópia de um modelo Zumpe tanto na forma quanto na ação. Este formato tornou-se
63
COLE, In: Grove Music Online.
64
Construtor de cravos e inventor francês. Tornou-se conhecido por seu clavecin brisé – cravo dobrável em três
partes, desenhado para viagens – também apresentado a Académie em 1700 (CRANMER, 1980, vol. 11, p. 690).
65
Possivelmente o construtor germânico Andries Veltman (COLE, In: Grove Music Online).
66
Membro de uma família de construtores de órgãos, o qual, além destes instrumentos, construiu também cravos
(CRANMER, 1980, vol.10, p. 682).
67
Fabricante de cravos francês, formado no ateliê de Blanchet em Paris, do qual assumiu a gerência da firma em
1766. Passou a construir pianos também, os quais tiveram um aumento em sua fabricação a partir de 1770
(Dicionário Grove de música, p. 932).
68
ADLAN; CONNER, 1980, p. 692.
59
Fig. 40 – Pianoforte de J. H. Silbermann – 1776
(EINFÜHRUNG, 1978)
Erard trabalhou algum tempo em Londres, onde estabeleceu uma filial de sua firma em
1792, e abriu sua própria firma em Paris cerca de 1780. Inicialmente, adotou ação e caixa
inglesas para todos os seus pianofortes, inclusive os modelos de cauda, que passaram a ser
fabricados por ele a partir de 1794. Porém, tal construtor começa a dar indícios de novas
Deste modo, em 1808 Erard inventa uma mecânica própria – mecánisme à étrier – a
71
qual possuía uma repetição de notas fácil e rápida graças a um escape duplo. Uma nova
patente foi registrada em 1821 cujo foco principal foi, novamente, a repetição. “Esta, com
69
Ver Glossário.
70
Ver Glossário.
71
Diccionário Oxford de la Música, p. 962.
72
COLE, In: Grove Music Online.
60
D
C
B A- tecla
B- martelo
E C- abafador
J H G D- corda
F E- escapamento
F- duplo escapamento
I
G- botão do escapamento
A H- alavanca de repetição
I- alavanca intermediária
J- check
para o aprimoramento deste sistema de repetição de notas. Tal solução foi, certamente, a mais
bem sucedida para a minimização dos problemas advindos de um toque mais profundo e
No entanto, muitos pianos de mesa franceses ainda apresentavam uma simples ação de
duas alavancas sem escapamento (à maneira da ação inglesa) no início do séc. XIX. Ainda
que fosse possível uma rápida reiteração dos martelos com prática, os ricochetes e batidas
duplas foram tornando-se impossíveis de se conter em virtude dos pesados martelos e então,
uma sucessão de inovações foram adicionadas para a resolução destes problemas nestes
modelos de instrumento.
inovadoras para o piano de mesa, nas quais, juntamente com a ação de escapamento,
encontrava-se um check. Além disso, para aumentar o volume do som destes instrumentos,
empregou-se encordoamento triplo ao invés de cordas duplas mais fortes como preferido na
Inglaterra. 73
73
COLE, In: Grove Music Online.
61
O modo no qual eram construídos os pianofortes também foi modificado a fim de
Foram adicionados, então, sob uma patente de Erard de 1825, aço e metal à estrutura da caixa.
Os típicos pianos de cauda franceses até 1825 possuíam quatro pedais - assim como o
presenteado por Erard a Beethoven em 1803 (Fig. 42) - sendo eles o buff stop, o de
1830, estabeleceram-se para os pianos o uso de somente dois pedais: o de sustentação e o una
Fig. 42 – Piano de Cauda Erard - 1803 Fig. 43 – Piano de Cauda Erard - 1832
com quatro pedais com dois pedais
(http://www.beethoven.li/seiten/bildergalerien/pianos.html) (http://www.iprase.tn.it/pianoforti/strumenti/doppio_s
cappamento_mecc.htm)
modelos de mesa quanto nos de cauda, a própria caixa do instrumento também sofreu
dos anos, mas o de mesa foi radicalmente reformulado a fim de minimizar sua dimensão.
74
COLE, In: Grove Music Online.
62
Em 1828, o construtor Jean Henri Pape (1789-1875)75 idealizou uma nova disposição
para as cordas do pouco difundido piano vertical com o intuito de reduzir sua altura que até
então era muito grande. Provavelmente não alcançou êxito e voltou-se para a reformulação de
um outro desenho de piano também pouco conhecido, o de console76. Neste, compactou sua
forma de maneira a perder sonoridade e confiança na ação. Sendo assim, a forma alternativa
mais popular para uso doméstico foi, dos anos de 1835 a 1860, o pianino77 (Fig. 44).
primeira metade do séc. XIX. Entretanto, outros construtores eminentes também fabricaram
H. Pape.
75
Fabricante de pianos francês, cuja própria firma foi aberta em Paris em 1815, após período em Londres para
ajudar Pleyel na organização de sua fábrica de pianos. Descrito no periódico Musical World (1836) como o
“Broadwood da capital francesa” (CRANMER, 1980, v. 14, p. 170).
76
Ver Glossário.
77
Ver Glossário.
78
Compositor, editor e fabricante de pianos austríaco que fundou sua firma de pianos em 1807 em Paris. Seguiu
a tradição da construção inglesa de pianos e a princípio desenvolveu os modelos cottage para posteriormente
também se dedicar aos grands (Dicionário Grove de música, p. 730).
63
2.5 - COMENTÁRIOS SOBRE AS ESCOLAS TRATADAS
quatro escolas de instrumentos de teclado tratados nos estudos desenvolvidos neste capítulo,
reformular elementos já existentes nos instrumentos ou então conceber outros novos a fim de
das outras escolas tratadas, a escola portuguesa manteve sim uma tradição nacional.
Um outro fato importante também deve ser observado sobre a relação de Portugal com
interesse por parte dos portugueses sobre os pianos antigos – a ligação entre Scarlatti e Lisboa
79
SUTHERLAND, 1995, p. 246.
64
e a oferta das Sonatas de Giustini a um membro da corte – as quais atestam, mais uma vez, a
sólida tradição portuguesa na construção destes instrumentos e ainda uma peculiaridade frente
aos ingleses e franceses, que se deixaram influenciar tardiamente pelo instrumento, como se
65
Tab. 3 – Cronologia do Pianoforte em Portugal, Alemanha, Inglaterra e França até 1830
1725: tradução de
1720
Pianofortes bem
1730
Walter cria a Mecânica Broadwood constrói pianos Erard abre sua própria
Vienense de cauda firma
1790
meia
repetição
Novos formatos, tanto
1825: Erard introduz metal
verticais quanto de mesa
na caixa dos pianos
1830
66
CAPÍTULO 3 – DO CRAVO AO PIANOFORTE NO RIO DE JANEIRO
A música, ao que tudo indica, sempre esteve presente na vida da cidade do Rio de
Janeiro. Desde o século XVI, quando a cidade colonial era apenas uma orla de mar, até o
século XIX, tempo em que já se impunha como capital do Brasil, significativos foram os
relatos acerca das manifestações e práticas musicais ali encontradas. Da mesma forma,
através dos jesuítas em suas missões catequizadoras. Estes, no século XVI, instalaram-se na
cidade propriamente dita, no Morro do Castelo e na Fazenda Santa Cruz, distante cerca de
oitenta quilômetros. 1
Através do inventário dos bens dos jesuítas encontrados na Fazenda Santa Cruz
Treslado do autto de Inventario da Real Fazenda de Santa Crus ebenz que nella seacham que
fes o Desembargador dos Aggravos e Juis do Sequestro geral feito aos denominados Jezuitas
1
REZENDE, Carlos Penteado de. Notas para uma História do Piano no Brasil (século XIX). Revista Brasileira
de Cultura, nº 6, Rio de Janeiro: Cons. Nac. Cultura, 1970, p. 23.
67
Hum manicordio-
Duas flautas doses-
Huma violla quebrada-
Oito xoromellas que constão dos Instrumentos seguintez-
Hum baxo demetal amarelo-
Hum tenor depau amarello epé demetal amarello digo depau vermelho epé
demetal amarello-
Hum contralto damesma forma-
Hum tiple depau amarelo-
Dous Tiples depao vermelho Com sintos demetal-
Dous bues depáo amarello-
Hum dito depáo pintado- 2
Sabe-se também que os padres, em outras regiões do país, ensinavam aos nativos a
ser equiparados aos fabricados na Europa. O relato do padre Antonio Sepp, importante
missionário no Sul do Brasil, atesta a qualidade destes instrumentos e ainda narra sobre a
construção de clavicórdios:
(...) Temos dois órgãos, um dos quais trazido da Europa, ao passo que o
outro foi feito pelos índios, e tão semelhantes, que a princípio eu mesmo me
enganei e levei o órgão indígena por conta do europeu. 3
Uma vez construídos órgãos e clavicórdios em outras regiões do Brasil, nada impede
que cravos fossem da mesma forma manufaturados no Rio, sob os ensinamentos dos padres
missionários. Desta forma, pode-se especular sobre a correta procedência dos instrumentos
2
ARCHIVO DO DISTRICTO FEDERAL: revista de documentos para a história da cidade do Rio de Janeiro.
Rio de Janeiro, vol. 1, n. 1, Typ. Leuzinger, 1894, p. 77, grifo nosso. Ver Anexos 1, item 1.1.
3
Preiss, Jorge Hirt. A música nas Missões Jesuíticas nos séculos XVII e XVIII. Martins Livreiro Editor, Porto
Alegre, 1988, p. 37.
4
Idem, p. 45 (grifo nosso).
68
listados no inventário da Fazenda de Santa Cruz, sobretudo a do cravo e manicórdio, visto
e utilizados. 6
Ao final deste século, as notícias sobre o ouro em Minas Gerais atraíram para o Rio a
atenção de muitos, pois em seu porto escoariam as riquezas descobertas nas terras mineiras 8.
comercial do Brasil. Circulavam por lá muitos comerciantes e artesãos, e seu porto recebia
5
Ver documento completo (o que se refere aos instrumentos musicais) em Anexos 1, item 1.1.
6
REZENDE, Carlos Penteado de. Notas para uma História do Piano no Brasil (século XIX). Revista Brasileira
de Cultura, nº 6, Rio de Janeiro: Cons. Nac. Cultura, 1970, p. 23.
7
Citado em TINHORÃO, José Ramos. As festas no Brasil colonial. São Paulo: Editora 34, 2000, p. 156.
8
REZENDE, op. cit., p. 23 e 24.
9
REIS, Arthur Cezar F. Vida social nos séculos XVI e XVII. Revista do Instituto Histórico e Geográfico
Brasileiro, Rio de Janeiro, vol. 288, julho-setembro 1970, p. 41.
69
A partir do Registro de Carta Régia datado de 172110, o qual trazia a avaliação dos
em meio a outras variadas mercadorias (Tab. 4). Este documento é o registro mais antigo
Novos Generos
Aseites a duzia 1$000
Barretes de Seda detear cada hú $180
Cravos de metal dourado a duzia $120
Canotilho a caixa $750
Caldeirinhas de Estanho Euá $200
Cacáu do Maranhão ma 2$000
Cravos grandes de tocar* 19$000
Culheres de Estanho a duzia $320
Escrivaninhas de Estanho $500
Talher de Estanho 1$000
Fita de prata couro dalarugra de hum dedo $640
Linha tecida com erva [?] ap $550
Ligas de seda a duzia $480
Manoquim a duzia 7$500
Mezas pequenas 2$800
Martelos cada hú $120
Moinhos de Café $480
Paliteiros de toda alasta a duzia $800
Reladores a duzia $800
Relojos de parede grandes a duzia $240
Ceringas de latão cada huá $550
Froguezes de toda acasta o maço $320
Tromentina ama. 2$560
Vistas de osso para Lembranças a cento 1$500
* Grifo nosso
10
Ver manuscrito completo em Anexos 2, item 2.1.
70
Em 1763, o Rio de Janeiro tornou-se capital da Colônia portuguesa, passando a
excelente porto e um ativo centro de comércio, em constante crescimento, beneficiado por ser
mineradoras e também devido à sua influência política” 11 foram características decisivas para
emitida então, uma Pauta das Avaliações das Fazendas, pelas quais se cobram os direitos da
Tab. 5 – Trecho da pauta das avaliações das Fazendas pelas quais se cobram os direitos da
Dízima da Alfândega em 1766
(Citado em Rezende, Carlos Penteado)
Percebe-se a partir deste documento de 1766, assim como no registro de 1721, que o
cravo era identificado, no Rio de Janeiro, como cravo de tocar. Frequentemente eram
interpretações.
11
CARDOSO, Tereza Maria R. F. L. A Gazeta do Rio de Janeiro: subsídios para a história da cidade (1808-
1821). Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, Rio de Janeiro, vol. 152 (371), abril-junho
1991, p. 342.
12
REZENDE, 1970, p. 24.
13
Citado em REZENDE, op. cit., p. 23 e 24.
71
Visto que os instrumentos aqui encontrados eram oriundos de Portugal, pelo menos até
grande poderia ser um instrumento com extensão alargada de 5 oitavas e um cravo pequeno,
com uma extensão menor, por exemplo, de 4 oitavas apenas. Contudo, há também a
forma de ‘asa’, enquanto um cravo pequeno ou um cravo mais pequeno, poderia ser uma
espineta – como está descrito na própria pauta de avaliações de 1766 –, cujas características
até os dias de hoje, porém sem se saber ao certo o período de sua importação, é uma espineta.
Fabricada pelo construtor lisboeta Mathias Bostem16 e datada de 1785 (Fig. 46), tal espineta
pertencia a José da Cunha Porto e foi doada à Escola Nacional de Belas Artes, no Rio de
72
1 Harpa franceza Luiz XVI (da época) obra de talha dourada, guarnecida de
pinturas e verniz martin.
1 Pequeno instrumento japonez de bambú axaroado. 17
Imperial – com a descrição do cravo na lista acima (“tem imbutidos de diversas madeiras e a
caixa é toda dourada, guarnecida de fina pintura grotesca; e um quadro a óleo na parte interna
da tampa”), verifica-se uma total semelhança entre os dois. Isto ilustra como era comum, até o
do século XVIII, indicavam que a contínua expansão do Rio de Janeiro podia também ser
17
Proposta de José da Cunha Porto, 1902; Escola Nacional de Belas Artes; Coleções / Doações (s/d); Armário
06016 - AI/EN64. MNBA, Arquivo Histórico (Documentação Textual), p. 2 (grifo nosso).
73
observada no meio musical. A prática musical estendia-se, então, a um número maior de
Um ilustre viajante alemão que aportou na cidade por volta de 1767, o príncipe
Nassau-Siegen, passager de la Boudeuse duas visitas suas ao teatro. Em uma delas relatou:
[...] existe uma ópera, onde se representam peças italianas, traduzidas para o
português, [...]. Aí se encontrará o necessário a formar um pequeno conjunto
entre os atores, tendo-se cinco padres, sendo quatro músicos e um dançarino,
todos muito aplaudidos por um grande número de carmelitas e outros padres,
que nunca faltam ao espetáculo indecente. 18
presenciou em sua passagem pela cidade. Em sua visita ao convento Justiniano para assistir à
profissão de uma freira, descreveu aparentemente surpreendido: “a música que ouvi neste
convento de religiosas é muito mais agradável do que a que me prometeram nesta zona”19. E
relatou ainda: “assisti ainda a um oratório em homenagem a São João e a uma ópera intitulada
Bona Filia. Os cenários não brilhavam e a ópera não estava de acordo com o gosto mais
É interessante observar através das exposições dos viajantes acima mencionados que,
mesmo estando patentes suas deficiências, a música executada na cidade não podia ser
desprezada. “O ambiente musical do Rio de Janeiro, ao findar o século XVIII, não era
18
Citado em SOUZA, José Antônio S. O Rio de Janeiro nas balanças de comércio de Portugal, de 1796 a 1807.
Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, Rio de Janeiro, vol. 342, janeiro-março 1984, p. 19.
19
OBERACKER Jr., Carlos H. O Rio de Janeiro em 1782 visto pelo Pastor F. L. Langstedt. Revista do
Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, Rio de Janeiro, vol. 299, abril-junho 1973, p. 8.
20
Idem, p. 9.
74
propriamente inexpressivo, na medida cabível a uma cidade colonial distante centenas de
quilômetros dos grandes centros de cultura da Europa, e ainda separados por um oceano” 21.
príncipe D. João com a princesa Carlota Joaquina. Além de quatro orquestras localizadas
festividade contava principalmente com seis carros ‘alegóricos’ que eram verdadeiros
carros e também de descrevê-los, assim como todo o desfile, em um relatório. Tal documento,
intitulado Relação dos Magnificos carros, que se fizerão de arquitetura, prespetiva, e fogos:
Capitão General de Mar, e Terra, e Vice Rei dos Estados do Brasil, nas festividades dos
Despozorio dos Serenissimos Senhores Infantes de Portugal, contém ainda desenhos bem
realistas de todos os carros, feitos à pena, merecendo destaque o quinto e o último carro.
No Carro das Cavalhadas, o quinto a desfilar, “hião sentados pelos degràis 16 Muzicos
com instrumentos todos de sopros; a saber trompas, frautaz, clarins, boezes, fagotes, e
atabales, vestidos estes atrajica, com vestidos de cabaias, e gorguroens de diverças cores, com
21
MATTOS, Cleofe Person de. José Maurício Nunes Garcia – Biografia. Rio de Janeiro: Fundação biblioteca
Nacional, Dep. Nacional do Livro, 1996, p. 29.
22
Relação dos magníficos carros que se fizeram de arquitetura e fogos, os quaes se executaram por ordem de
Ilmo. e Exmo. Senhor Luiz de Vasconcelos e Sousa, Capitão General de Mar e Terra & Vice Rei dos Estados do
Brasil nas Festividades dos despozorios dos Sereníssimos Srs. Infantes de Portugal Nesta Cidade do RJ...
(Antônio Francisco Soares). IHGB, Lata 51; Doc. 20, Ano de 1786.
75
Fig. 48 – Carro das Cavalhadas
(Relação dos magníficos carros... IHGB, Ano de 1786)
23
Relação dos magníficos carros que se fizeram de arquitetura e fogos, os quaes se executaram por ordem de
Ilmo. e Exmo. Senhor Luiz de Vasconcelos e Sousa, Capitão General de Mar e Terra & Vice Rei dos Estados do
Brasil nas Festividades dos despozorios dos Sereníssimos Srs. Infantes de Portugal Nesta Cidade do RJ...
(Antônio Francisco Soares). IHGB, Lata 51; Doc. 20, Ano de 1786.
76
Estas raras iconografias, salvo erro as primeiras imagens conhecidas de um
fluminense do séc. XVIII e atestam ainda, o destaque atribuído aos instrumentos de teclado. O
órgão foi o instrumento escolhido para este desfile, certamente, por produzir um maior
clavicórdio) encontrava-se em ambientes mais privados. O viajante inglês Sir George Stauton,
em seu passeio pelo Rio de Janeiro, em 1792, constatou que em algumas casas as mulheres
Por esta mesma época, famílias importantes dedicavam-se à prática musical, chegando
foi a dos Correa Leal, cujo talento para música era hereditário, há quatro gerações. Francisco,
o pai, considerado um dos melhores médicos do Rio de Janeiro, tocava violino com perfeição
e possuía raros conhecimentos musicais, assim como seus dez filhos, todos instrumentistas ou
cantores da família, provavelmente deveria ser utilizado um cravo, visto que esta situava-se
em um privilegiado extrato social capaz de adquirir tal instrumento não muito barato. 26
aliado aos relatos expostos até aqui, comprova que não era muito raro encontrar cravos nas
residências mais abastadas do Rio nesta época. O precioso documento lista os bens do
24
Citado em REZENDE, 1970, p. 25 (tradução e grifo nosso).
25
ANDRADE, Ayres. Francisco Manuel da Silva e seu tempo, volume 1, Rio de Janeiro : Tempo brasileiro,
1967, p. 50.
26
O inventário post-mortem do matriarca da família Francisco Correa Leal foi localizado no AN, sob o registro
Caixa 3606; N. 220; Ano de 1786, porém não se encontrou disponível em nenhuma das inúmeras incursões feitas
ao Arquivo. Infelizmente não se puderam comprovar os possíveis instrumentos musicais pertencentes à família,
ficando em aberto a especulação sobre a existência de um cravo ou outro instrumento de teclado.
27
Ver cópia do documento em Anexo 1, item 1.2.
77
falecido, onde constam dois instrumentos de teclado: um cravo pequeno e um valiosíssimo
De acordo com o manuscrito, o “Piano forte feito no Rio de Janeiro” estava “avaliado
na quantia de noventa e cinco mil réis”, enquanto o “Cravo Pequeno de Penas avaliado na
quantia de vinte e dous mil réis”. Ao que parece, o piano deveria ser um novo gênero
comercial, uma modernidade, um novo invento, o que justificaria seu valor tão alto em
78
Deve-se atentar, além do preço dos instrumentos, para dois aspectos importantíssimos.
Não foi encontrado, ao longo de toda pesquisa, nenhum documento com data anterior a 1798
que mencionasse o piano, fato este que torna o inventário de Antonio Pereira Ferreira a
evidência documental mais antiga acerca dos pianos no Rio de Janeiro. Surpreende não só a
precoce existência do pianoforte nesta cidade, como também a afirmação de que, em fins do
tamanho razoável para sua construção. Seriam necessários também diversos tipos de
utensílios para moldar, cerrar, furar e trabalhar a madeira e outros materiais. Toda esta prática
configurava uma produção considerável, por mais simples que fosse, e conforme a legislação
Sabe-se, porém, que ainda que se proibissem muitas atividades, era possível burlar as
leis e manter vivos diversos negócios. Talvez um dos mais censurados e contraditoriamente o
menos respeitado era o contrabando. Muitas mercadorias eram introduzidas nos portos
brasileiros pela Inglaterra, Suécia, Dinamarca e Estados Unidos, pois estes países,
28
SOUZA, 1984, p. 8 e 9.
79
na segunda metade do século XVIII e nos primeiros anos do século XIX,
desrespeitavam [...] as normas tacanhas, por que se regia o pacto colonial,
infringindo-as com freqüência, senão com uma certa continuidade. Na
verdade se tornava cada vez mais difícil a observância de semelhantes
normas, quando os interesses, tanto dos brasileiros quanto das nações
industrializadas, com a Inglaterra à frente, se enleavam a fim de burlá-las. 29
musicais, além de brasileiros natos, poderiam ser portugueses migrados da metrópole, o que
construtiva portuguesa.
avaliação da alfândega de 1766, parece que os examinadores das mercadorias tinham dúvidas
questionar se o avaliador dos bens do inventário de 1798 em questão não teria se confundido
Entretanto, tudo leva a crer que, se este instrumento especificamente não era um
de Janeiro. Como pode ser visto no item 3.2 deste capítulo, ao que parece, não houve
ambigüidade entre a terminologia de cravos e pianos nesta cidade ao longo de todo o período
em estudo. Assim, acredita-se que, na capital da colônia portuguesa, a entrada e/ou fabricação
Janeiro, mas certamente o instrumento mais antigo era o mais encontrado e utilizado. Segundo
29
SOUZA, José Antônio S. Aspectos do comércio do Brasil e de Portugal no fim do século XVIII e começo do
século XIX. Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, Rio de Janeiro, vol. 289, outubro-
dezembro 1970, p. 93.
80
registrou o volume da Balança Geral do Commercio do Reyno de Portugal com os seus
dominios (BGC) – província do Rio de Janeiro – no ano de 1799, foram importados de Lisboa
artigos e instrumentos musicais, dentre eles cravos. Não foi indicado o valor unitário do
instrumento, mas o preço total dos instrumentos musicais (exceto as trompas e os clarins) era
Valor Valor
Ano Origem Classificação Quant. Gênero
unit. total
Metaes - Cordas de cytra e manicórdio* - 1968$040
(outras ferragens miudas) 80 Trompas e Clarins - 640$000
1799 Lisboa
Varios Gêneros Instrumentos de muzica,
- - 755$000
(diversos generos) como cravos* Salter [?]
*
Grifo nosso
Este ano de 1799 é o único em que os cravos são citados na Balança. Outros
instrumentos e artigos de música, por sua vez, foram encontrados entre os anos de 1796 a
1819, período de existência da BGC, como violas, rabecas, trompas, trombetas, fagotes,
30
clarins, flautas e cordas de manicórdio, viola e rabeca . Entretanto, é possível que mais
cravos ou outros instrumentos musicais tenham chegado ao porto do Rio sem serem
discriminados neste registro oficial português, pois “passaram as balanças a serem muito
resumidas e, assim, não se ter especificado artigo por artigo e, sim, englobados numa única
gêneros’” 31.
Além disso, a partir de 1808, quando foi decretada a abertura dos portos brasileiros, a
capitanias do Brasil com outras nações estrangeiras. Figuravam nas Balanças nesta época,
30
Ver listagem completa dos instrumentos e acessórios musicais na BGC em Anexo 3.
31
SOUZA, 1984, p. 56.
81
basicamente as mercadorias trocadas entre Brasil e Portugal, diminuindo, portanto, a
comercializados pelo Brasil devido a abertura dos portos, a criação da Impressão Régia
permitiu, em contrapartida, que fosse descrita não só a vida comercial e política da colônia
portuguesa, mas também o cotidiano da cidade. Esta mudança significativa – que possibilitou
Assim, o primeiro jornal a ser publicado no Brasil foi a Gazeta do Rio de Janeiro
(GRJ), que passou a circular nesta cidade no mesmo ano de 1808. Já em 1809, apareceu o
primeiro anúncio de venda de pianoforte no Rio de Janeiro, o único deste ano. Não fornecia
Vende-se um Piano forte muito bom, quem o quizer comprar, falle na rua
Direita nas loges das casas No. 15. 34
32
Idem, p. 8.
33
CARDOSO, 1991, p. 343 (grifo nosso).
34
Gazeta do Rio de Janeiro, 26/04/1809, N. 65, Avisos p. 4 (grifo nosso).
82
pianofortes existentes na cidade eram portugueses, ingleses e franceses, estes últimos
Quem quizer comprar hum Piano-forte Inglez de muitas boas vozes, e com
seus registros, pode fallar com Agostinho da Silva Hofman em a rua da
Candelaria, n. 5, que o tem para vender. 36
Antonio José de Araujo, morador da rua do Alecrim, n. 135, tem para vender
hum Forte-Piano Francez de Eraud [sic]. 37
Ainda neste ano de 1810, o primeiro anúncio de cravo apareceu no jornal. Não
informava seu construtor, mas apontava características intrínsecas ao instrumento como sua
Quem quizer comprar hum cravo de pennas [sic] de cinco oitavas, e muito
boas vozes; pode-o ir ver á rua das Mangueiras No. 8. 38
ultrapassando, porém, o total de oito por ano –, os quais se referiam tanto à venda quanto aos
leilões de pianos, estes de vários tipos, englobando inclusive os pianos mecânicos, e das
Broadwood na cidade e, com o passar dos anos, uma razoável variedade do instrumento era
oferecida.
35
Gazeta do Rio de Janeiro, 13/01/1810, N. 4, Avisos p. 4 (grifo nosso).
36
Idem, 09/02/1810, N. 10, Avisos p. 4 (grifo nosso).
37
Idem, 25/07/1810, N. 57, Avisos p. 3 (grifo nosso).
38
Idem, 14/02/1810, N. 3, Avisos p. 4 (grifo nosso). Para maior esclarecimento a respeito do termo cravo de
penas, ver item 3.2.1.
83
No dia 15 do corrente, às 10 horas da manhã, se venderá na residencia do
Ex. Marquez de Casa Trujo, á Gloria, quantidade de varios Móveis, entre
elles, os seguintes: Hum Magnifico Piano forte de Broadwood (...). 39
Gadet e Fallason, morador na rua Direita No. 55, fazem saber aos curiosos
das artes, que receberão modernamente de Paris hum sortimento de violas
de differentes preços, com cordas para viola, rebeca, e forte piano, assim
como todas as peças de musica nova dos melhores Mestres Italianos,
Allemães e Francezes; e igualmente papel pautado para escrever musica,
tudo vindo das fabricas mais famosas daquella Capital. 43
valor comercial, servindo, até, como forma de pagamento de dívidas. Ainda em 1816, um
pianoforte de oitava larga, avaliado na quantia de 64 mil réis, foi entregue à família do finado
39
Idem, 08/01/1812, N. 3, Aviso de Leilão p. 4 (grifo nosso).
40
Gazeta do Rio de Janeiro, 09/02/1813, N. 11, Avisos p. 4 (grifo nosso).
41
Idem, 19/11/1814, N. 93, Avisos p. 4 (grifo nosso).
42
Idem, 19/04/1817, N. 32, Avisos p. 4 (grifo nosso).
43
Idem, 21/10/1818, N. 84, Avisos p. 4 (grifo nosso).
44
FARIA, Paulo Rogério Campos de. Pianismo de Concerto no Rio de Janeiro do século XIX, Dissertação
(Mestrado em Música) – Escola de Música – Universidade Federal do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, 1996, p. 31
e FONSECA, Anna Cristina Cardozo. História Social do Piano – Nacionalismo/Modernismo – Rio de
Janeiro – 1808/1922, Dissertação (Mestrado em Música) - Escola de Música - Universidade Federal do Rio de
Janeiro. Rio de Janeiro, 1996, p. 72.
45
Ver cópia do documento em Anexo 1, item 1.3.
84
Fig. 52 – Trecho do Inventário de Antonio Ribeiro de Avellar
(Inventário post-mortem Antonio Ribeiro de Avellar. AN, Ano de 1794)
pianoforte. Como visto no capítulo 2, a tradição construtiva das escolas portuguesa, inglesa e
francesa (as que se encontravam na cidade até então), variavam a extensão de seus pianofortes
de quatro a até sete oitavas. O piano mencionado no inventário, desta forma, poderia ter no
máximo sete oitavas, mas, como é percebido através da leitura dos jornais da época, a oitava
Europa: “O violão, tanto como no Sul da Europa, é o instrumento favorito; o piano é um dos
móveis mais raros e só se encontra nas casas dos abastados” 48. Entende-se a razão de somente
os aristocratas, naquela época, possuírem pianos, pois os altos preços pedidos nestas
Entretanto, não se acredita na raridade de tais instrumentos na cidade49, visto que nos
anúncios de jornal deste mesmo ano de 1817 verificam-se muitos pianos, tanto para serem
85
Joao Ferguson, Inglez de nação, vindo de Londres, participa ao publico que
tem para vender huma porção de pianos fortes, e também uma porção de
rabecas, e com as suas competentes encordoações, e um bom orgão para
qualquer Igreja e he mestre de afinar pianos e orgãos pelo preço mais
moderado; e qualquer pessoa que o precize pode procurar na rua de S. José,
No. 9 ou 10. 50
comércio e do meio musical o antigo cravo no início do século XIX. No ano de 1819, a
Gazeta do Rio de Janeiro exibia dois anúncios de venda que refletiam, claramente, a
coexistência dos cravos e pianos na cidade. Enquanto era oferecido no mês de abril um
derivado do piano de mesa, criado na Alemanha e chamado orphica53, era vendido em julho,
Acha-se para vender na rua das Violas No. 19, hum piano forte novo e
moderno, tambem huma orphica, instrumento de nova invenção. 54
50
Gazeta do Rio de Janeiro, 01/02/1817, N. 10, Avisos p. 6 (grifo nosso).
51
Idem, 22/03/1817, N. 24, Avisos p. 4 (grifo nosso).
52
Idem, 27/08/1817, N. 69, Avisos p. 4 (grifo nosso).
53
Ver Capítulo 2, item 2.2, p. 51.
54
Gazeta do Rio de Janeiro, 28/04/1819, N. 34, Avisos p. 4 (grifo nosso).
55
Idem, 28/07/1819, N. 60, Avisos p. 4 (grifo nosso).
86
Já na década de 20, um número maior de pianofortes foi importado, vindos agora de
mais uma outra região da Europa. Além da Inglaterra, França e Portugal, a Alemanha passou
a exportar pianos para o Rio de Janeiro, ao que tudo indica a partir de 1824. Curiosamente,
foram contabilizados mais pianofortes alemães do que os vindos das outras regiões européias
na seção intitulada Importações dos jornais pesquisados Folha Mercantil (FM), Diario
Mercantil (DM) e Jornal do Commercio (JM), a qual registrava a carga existente nos navios
aportados na cidade (Tab. 7). No entanto, parece que esta documentação não corresponde à
evidenciada através dos anúncios de vendas. No ano de 1827, por exemplo, pode-se encontrar
pianos recém-chegados de Londres que sequer são citados pelas Importações 56:
56
Ver também Anexo 4 e Anexo 5.
57
Diario Mercantil, 21/05/1827, Vol. 8o, N. 114, Vendas p. 2 (grifo nosso).
87
Imagina-se que esta disparidade se deu pela razão de que nem todo navio que chegava
ao porto tinha sua carga descrita por este meio de comunicação. Assim, sendo coincidência ou
Não só uma nova região exportadora passou a ser mencionada nos jornais da época,
mas também novos nomes de importantes construtores europeus foram sendo citados. Em
1820, na Gazeta do Rio de Janeiro, anunciava-se pela primeira vez um piano de Stodart,
John Ferguson na rua da Quitanda No. 93, anuncia huma nova partida de
piannos chegados de proximo do melhor author, que se intitula G.me Stodart,
approvado por todos os melhores mestres em musica; e o mesmo promete ter
sempre bom surtimento de piannos, e mais instrumentos. 58
Leilão que se faz hoje Sexta feira na rua do Ouvidor n. 63 de pianos fortes,
e fortes pianos de vários auctores assim como de Broadwood, Clementi, e
outros nomes conhecidos; também hão de vender vários trastes, a saber:
cadeiras, mezas, escrevaninhas &c. o leilão terá principio as 11 horas meia.59
Além disso, o Jornal do Commercio e ainda o Diario Mercantil exibiam anúncios que
retratavam a extensão crescente do teclado dos pianofortes, que aumentavam de seis para seis
oitavas e meia. Mostravam também, a introdução de um novo formato de piano para a época
58
Gazeta do Rio de Janeiro, 08/01/1820, N. 3, Avisos p. 4 (grifo nosso).
59
Jornal do Commercio, 29/02/1828, N. 124, Vol. II, Leilões p. 4 (grifo nosso).
60
Não se conseguiu determinar ao certo o que seria um piano de harmônica. Há possibilidades de ser um
harmônio, mas por falta de maiores informações, não se chegou a nenhuma conclusão plausível.
61
Diario Mercantil, 17/08/1825, Vol. 4°, N. 14, Vendas p. 1 (grifo nosso).
88
Quem quizer comprar hum bom forte-pianno com seis oitavas e meia de
teclado, e seis differentes registros, queira ter a bondade dirigir-se à rua do
Lavradio n. 92, seu preço será por metade do que se estão vendendo
presentemente. 62
Na rua do Ouvidor n. 19, vende-se hum riquissimo pianno forte, novo,
muito bem construido, acrescentado para cima conforme os modernos, e
de muito boas vozes. 63
Assim, com o visível crescimento da oferta de pianos que apesar de caros, iam sendo
aos poucos vendidos a pessoas de todas as classes sociais65, surgia também um mercado
instrumentos. Eram criadas, então, lojas de música – nas quais se encontravam desde pianos e
mostram bem este novo mercado que se delineava no Rio de Janeiro a partir de então:
62
Jornal do Commercio, 10/12/1827, N. 58 - Vol. 1, Vendas p. 3 (grifo nosso).
63
Diario Mercantil, 19/08/1825, Vol. 4°, N.16, Vendas p. 2 (grifo nosso). A expressão acrescentado para cima
conforme os modernos, certamente indica o formato vertical.
64
Jornal do Commercio, 11/04/1829, Vol. VII, N. 448, Vendas p. 2 (grifo nosso).
65
REZENDE, 1970, p. 26.
66
Jornal do Commercio, 13/12/1827, Vol. 1, N. 61, Vendas p. 3 (grifo nosso).
89
Divino de qualquer capella, ou igreja. Também há para vender huma harpa,
e differentes Pianos; quem os pertender dirija-se à mesma casa. 67
Chegou proximamente á esta Corte hum Artista de muzica, que faz,
conserta, e afina orgão, e pianos com toda a perfeição; as pessoas que se
quiserem utilisardo seu prestimo; podem dirigir-se a rua do Senhor dos
Passos casa n. 104, afiançando, que serão bem servidos, e por preço
commodo. 68
Não se pode deixar de mencionar, que a família real era, provavelmente, a mais
importante compradora de pianofortes, os quais eram utilizados não só para o deleite da corte,
mas, sobretudo, em aulas de música para as altezas reais. Em 1826, foi adquirido por 400 mil
réis, adicionado de mais 2 mil 560 réis para o transporte, um pianoforte para uso pessoal de
D. Maria da Glória, sendo este conferido pelo compositor e tecladista português Marcos
Antonio Portugal (1762-1830)70. O pagamento de tal compra foi todo documentado, como
pode ser visto no ofício redigido pelo tesoureiro da Casa Imperial, Plácido Pereira de Abreu71:
67
Jornal do Commercio, 19/12/1827, Vol. 1, N. 66, Vendas p. 4 (grifo nosso).
68
Idem, 22/05/1828, Vol. III, N. 190, Noticias Particulares p. 3 (grifo nosso).
69
Idem, 18/11/1828, Vol. V, N. 336, Noticias Particulares p. 3 (grifo nosso).
70
Chegou ao Rio de Janeiro em 1811 passando a dividir com o padre José Maurício as atribuições de mestre de
capela da Capela Real. Também lecionou piano para as altezas reais.
71
Ofício do Plácido Antonio Pereira de Abreu, Tesoureiro da Casa Imperial, a José Feliciano Fernandes
Pinheiro, Ministro dos Negócios do Império sobre compra de piano para D. Maria da Glória. AN, Fundo /
Coleção: Casa Real e Imperial – Mordomia Mor; Cód. Fundo: Ø0; Seção de Guarda: SDE; Caixa 4; Pacote 5,
Doc. 35, Ano de 1826, p. 1. Ver o documento completo em Anexo 2, item 2.2.
90
Fig. 53 – Trecho do Ofício sobre a compra de piano para D. Maria da Glória
(Ofício de Plácido Antonio Pereira de Abreu..., AN, Ano de 1826)
Já no ano seguinte, um novo pianoforte foi comprado por 586 mil réis – sendo 6 mil
foi feito um ofício, pelo Bispo de Anemuria, para que o tesouro público se encarregasse,
72
Ofício do Bispo de Anemuria Coadjuntos do Capelão-Mor encaminhando Relação de objetos comprados para
posterior pagamento pelo Tesouro Público, e utilizados na educação de S. A. Imperiais. AN, Fundo / Coleção:
Casa Real e Imperial – Mordomia Mor; Cód. Fundo: Ø0; Seção de Guarda: SDE; Caixa 4; Pacote 6, Doc. 60,
Ano de 1827, p. 2. Ver o documentação completa em Anexo 2, item 2.3.
91
Fig. 54 – Trecho do Ofício sobre a compra de piano para família real
(Ofício do Bispo de Anemuria..., AN, Ano de 1827)
da procedência ou escola construtiva dos instrumentos comprados para a família real. Sabe-se,
no entanto, através dos anúncios de jornais já expostos e dos registros de importações também
encontrados nos jornais, que eles poderiam ser de origem portuguesa, inglesa, francesa ou
alemã. É bem provável, entretanto, que tais instrumentos tenham sido importados da
Inglaterra, França ou Alemanha e não de Portugal, pois estas regiões desenvolveram muito
os produtos que fossem adquiridos para o uso na corte deveriam ser dos mais modernos e
Além disso, um pianoforte que parece ter pertencido à D. Leopoldina, construído por
volta dos anos de 1820, e sobrevivente até os dias de hoje é um piano de mesa de origem
transferido diretamente do Paço Imperial do Rio de Janeiro, o instrumento está em bom estado
e contém ainda todas as partes originais como teclado de marfim e ébano, martelos e cordas.
73
Como pode ser visto detalhadamente ao longo do Capítulo 2.
92
Sua caixa possui decoração com a coroa imperial e a extensão do teclado é de 6 oitavas (Fá-1-
pertencente à família real, merece ser citado ainda que provavelmente não incluído no período
Collard & Collard, que como visto no Capítulo 2, item 2.3 recebeu este nome após a morte de
seu fundador, Muzio Clementi, a partir de 1832. Encontrado na reserva técnica do Museu da
Cidade, o instrumento não está bem conservado tendo muitos problemas em seu teclado, um
dos pés quebrados e não apresentando nenhum pedal. Todos os seus elementos são
aparentemente originais e a extensão de seu teclado é de 6 oitavas (Fá-1- Fá6) (Fig. 56).
93
Um evento relevante a ser destacado é quanto à exportação74 de pianos do Rio de
Janeiro para a região sul do Brasil. Nos anos de 1828 e 1829 o Jornal do Commercio registrou
a saída de dois navios do porto da cidade para o Rio Grande e para Porto Alegre, contendo
incomum. Visto que a cidade era um centro comercial por excelência, era usual importar
Desta maneira, os pianos enviados para o Rio Grande do Sul poderiam ter sido
importados das principais regiões de fabricação dos instrumentos na Europa desta época –
possibilidade de os pianos ter sido feitos na própria cidade do Rio de Janeiro, já que nesta
74
O sentido do termo exportação na época em estudo é o de venda ou saída de gêneros exportados tanto para
outra cidade ou estado, quanto para outro país.
75
Jornal do Commercio, 21/08/1828, Vol. IV, N. 262, Exportações p. 2 (grifo nosso).
76
Idem, 16/01/1829, Vol. VI, N. 380, Exportações p. 2 (grifo nosso).
77
SOUZA, p. 88.
94
A consolidação do pianoforte na cidade do Rio de Janeiro como principal instrumento
de teclado, sobretudo a partir dos anos de 1820, trouxe, obviamente, reflexos para a vida do
mais importante compositor e tecladista da cidade, o padre José Maurício Nunes Garcia. Em
primeira obra brasileira escrita para teclado de que se tem notícia78. Apesar da indicação no
uma possível utilização do cravo para a execução de algumas peças 79. Sendo claramente um
músico da transição do cravo para o pianoforte no Rio de Janeiro, é razoável, deste modo,
acreditar que José Maurício não apenas tinha em mente o antigo cravo, mas ainda continuava
Além disso, constata-se que, entre os anos de 1827 e 1830, o cravo ainda era vendido
e leiloado. Sua utilização, contudo, foi adquirindo nova função dentro das residências. O
antigo instrumento passava a servir apenas como meio de iniciação à prática do piano.
Na rua dos Barbonios n. 61, a chegar aos Arcos, vende-se hum cravo
proprio para qualquer Sra. que queira aprender a tocar; assim como
tambem humas pessas de chitas de 37 covados, que se dão a 3$200 e huma
porção de fitas de relogios a 1$920 e 1$440 a duzia, huma porção de bordões
de guitarra, que se vendem por 240 a duzia, e tambem ha pano de linho em
pessa, ou em varas. 80
Quem quizer comprar hum cravo em muito bom estado, e se dá por preço
commodo; póde procurar na rua dos Barbonios n. 61 ao pé dos Arcos. 81
Quem quizer comprar hum cravo pequeno, de muito boas vozes, e bom
para aprender a tocar piano; póde hir vêlo na casa n. 47, na rua dos
Quarteis de Bragança, que se dará em conta. 82
78
FAGERLANDE, Marcelo. O Método de Pianoforte do Padre José Maurício Nunes Garcia, Rio de
Janeiro: Relume Dumará, 1996, p. 87.
79
Idem, p. 87.
80
Diario Mercantil do Rio de Janeiro, 27/03/1827, Vol. 8°, N. 69, Vendas p. 4 (grifo nosso).
81
Idem, 23/07/1827, Vol. 9°, N. 19, Vendas p. 2 (grifo nosso).
82
Idem, 11/08/1827, Vol. 9°, N. 35, Vendas p. 3 (grifo nosso).
95
Braga Rivarola e Comp. fazem leilão hoje 8 do corrente, em sua casa na rua
d’Ouvidor, n. 188, de huma porção de fazenda avariada, chita, panos, gangas
amarellas, e hum grande sortimento de flores de penas de muito bom gosto.
Também se venderão dois cavallos, que servem para cavallaria muito bons,
pianos, cravos, e outros muitos artigos. Principiará as 10 horas e meia. 83
Um decreto régio de 1829, o qual mandava “cumprir a nova pauta geral das avaliações
84
para o despacho dos generos e mercadorias pela Alfandega desta Côrte” , também
pianoforte e fortepiano, eram fixados preços para cravos grandes e cravos pequenos ou
espinetas, o que indica que estes instrumentos ainda eram produtos importados (Tab. 8).
merecedora de destaque, ainda que não seja referente a um cravo, é a espineta do construtor
português Mathias Bostem, datada de 1785. Seu valor histórico deve-se mormente ao fato de
ser o único instrumento de teclado e corda pinçada (mecanismo idêntico ao do cravo) deste
construtor preservado até a atualidade, sem ter sofrido qualquer tipo de transformação em sua
sobrevivente desta época em estudo, mas foi localizado um instrumento que apesar de não se
83
Jornal do Commercio, 08/10/1830, Vol. 1, N. 47, Leilões p. 2 (grifo nosso).
84
COLEÇÃO DAS LEIS DO BRASIL DE 1829. Rio de Janeiro: Typografia Nacional, 1877, p. 58. Ver
documento integral em Anexo 6.
96
saber ao certo a data de sua chegada ao Rio de Janeiro, merece ser registrado. Tal instrumento
substituída por martelos85, cuja construção é datada do ano de 1769, por Joze Cambiazo86
(Fig. 57).
O proprietário do instrumento pode ter sido o Sr. Paulo Perestrelo da Câmara, cidadão
português, que deixou Portugal no início do séc. XIX para se instalar no Rio de Janeiro,
porém não se sabe nada acerca do percurso do instrumento, nem sobre o local onde se fez a
estado de conservação está muito ruim. Foram retiradas todas as suas cordas (que ainda eram
originais), seu teclado e toda a parte mecânica. Apenas as cordas foram disponibilizadas para
uma breve observação, pois parece que o teclado e os martelos estão guardados em um outro
local.
escuro, com detalhes em verde escuro no interior da tampa, e os pés são em forma de coração
85
Como visto no Capítulo 2, item 2.1, os cravos transformados eram muito comuns na metrópole portuguesa.
86
Também não foi encontrada nenhuma informação a respeito deste construtor.
87
Informações gentilmente cedidas pelo musicólogo Gerhard Doderer em maio de 2005.
97
Fig. 58 – Cravo transformado Joze Cambiazo – 1769
(Coleção particular no Rio de Janeiro)
constata-se que sua presença estendeu-se até pelo menos o ano de 1830, data do último
consequentemente, o processo de decadência do instrumento, não fez com que o cravo fosse
de todo esquecido.
Em 1830, faleceu José Maurício Nunes Garcia, o típico músico carioca desta
transição. Tanto a lembrança de sua figura como padre compositor quanto a sua imagem de
exímio improvisador ao cravo e ao pianoforte perdurou ao longo dos anos. Este retrato,
síntese da coexistência entre o cravo e o pianoforte, ainda pôde ser desenhado, já no início do
século XX, pelo artista Henrique Bernardelli (1858-1936). Em sua obra intitulada D. João VI
98
ouvindo o padre José Maurício88, o pintor esboçou o padre músico tocando para a corte em
um instrumento de teclado que pode ser identificado como um cravo, um cravo transformado
Fig. 61 – Esboço em aquarela de Henrique Bernardelli – s/d Fig. 62 – Tela a óleo de Henrique Bernardelli – s/d
(Museu Histórico e Democrático - MHD) (Museu Histórico e Nacional - MHN)
88
Na verdade, existem dois trabalhos de Bernardelli com este tema. Tudo indica que a aquarela localizada no
MHD seja um estudo para o quadro a óleo pertencente ao MHN.
99
3.2 – A PROBLEMÁTICA DA TERMINOLOGIA
pode constatar em relação à terminologia específica para a qualificação do piano. Assim como
ocorreu na Europa durante os séculos XVIII e XIX, foi utilizada nesta cidade uma grande
variedade de nomes para se referir ao piano, porém de uma maneira ainda mais confusa.
3.2.1 – CRAVO
As expressões utilizadas para mencionar o cravo nos registros dos séculos XVIII e
XIX no Rio de Janeiro eram cravo de tocar e cravo de penas. Em documentos de cunho
comercial, o instrumento musical de teclado precisava ser diferenciado dos outros gêneros
86
BGC – 1796. Biblioteca Nacional: Seção de Manuscritos, 18, 4, 3, fl. 1, 14 e 18.
100
(a) outras ferragens miudas
[...]
621 – Quintais – Cravo de furar
1.628 – – Espingardas e pistolas – 8:126$400 [...]87
também usado, sobretudo nos anúncios em jornais demonstrados no item 3.1, mas em um
(sinônimo de pena) na corda. Muito conhecida tanto no Rio de Janeiro quanto em Portugal, tal
Ainda que não encontrado nenhum registro nos documentos pesquisados, a nomenclatura
portuguesa. Assim, devido à significativa presença do piano na cidade carioca durante o início
do século XIX, talvez tenha sido necessária a diferenciação entre os dois ‘tipos’ existentes de
Eventualmente, o uso dos adjetivos grande, pequeno ou mais pequeno junto ao termo
87
BGC – 1801. Biblioteca Nacional: Seção de Manuscritos, 11, 4, 022, fls. 10 e 12.
88
BGC – 1807, fls. 9 e 12, citado em SOUZA, José Antônio Soares de. O Rio de Janeiro nas balanças de
comércio de Portugal, de 1796 a 1807. Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, Rio de Janeiro,
vol. 342, janeiro-março 1984, p. 223.
101
tamanho e tipo do instrumento. Como explanado anteriormente no item 3.1, os cravos
3.2.2 – PIANOFORTE
e o forte. Todavia, a falta de uma terminologia precisa torna complexa a definição dos tipos
possibilidades de interpretações.
Desde 1798, data da primeira ocorrência do nome pianoforte, até 1830, último ano
pesquisado, foram quantificadas três possibilidades gerais de nomes distintos – piano forte,
Quem quizer comprar hum excellente Piano forte, de muito bom Author;
falle con Caetano Pirro na rua de S. Pedro, n. 39. 90
Quem quizer comprar hum forte piano e hum reallejo dos melhores
authores, procure José Antonio Costa, com loja de varejo na rua do Ouvidor,
N. 20. 91
89
Ver Cap. 1, item 1. 2, p. 32 e 33.
90
Gazeta do Rio de Janeiro, 01/01/1812, N. 1, Avisos p. 4 (grifo nosso).
91
Idem, 13/11/1816, N. 91, Avisos p. 4 (grifo nosso).
102
Mr. Imbert faz saber ao Publico, que elle acaba de receber hum grande
sortimento de todas as qualidades de moveis, cristaes, porcelanas, serviços
de meza; e hum piano, que vende por preço commodo. 92
provavelmente estes três termos utilizados indicavam alguma diferenciação específica para o
instrumento:
J. Ferguson na rua da Quitanda No. 93, tem para vender huma porção de
pianos fortes, e fortes pianos, chegados recentemente, de diversos
authores.93
Carlos Cannell faz leilão hoje Sabbado 21 do corrente em sua casa na rua
detraz do Hospicio n. 3, de huma porção de lampiões, louça e vidros, e huma
caixa de vinho tudo pertencente a carga do Bergantim Tennis, que tudo será
vendido infallivelmente junto com algumas fazendas com varia por conta do
Seguro; e hum grande surtimento de ferragens, diversos moveis, 2 pianos
(hum piano forte, e hum forte piano) e 50 seiras de figos, 120 caixas de
massas, e 100 caixas de vinho da Madeira, que tudo será vendido
infallivelmente. Principiará as 10 horas e meia. 95
nota-se que a primeira suposição deve ser desconsiderada analisando os trechos abaixo:
92
Gazeta do Rio de Janeiro, 27/05/1820, N. 43, Avisos p. 4 (grifo nosso).
93
Idem, 17/11/1819, N. 92, Avisos p. 4 (grifo nosso).
94
Jornal do Commercio, 19/01/1828, N. 90, Vol. II, Vendas p. 3 (grifo nosso).
95
Idem, 21/06/1828, N. 213, Vol. III, Leilões p. 2 (grifo nosso).
96
Idem, 23/08/1828, N. 264, Vol. IV, Vendas p. 2 (grifo nosso).
103
Quem quizer comprar alguns Pianos Fortes, e grandes Pianos, chegados
proximamente de Londres, e do melhor author daquela Capital, pode
procurar na rua dos Pescadores No. 4. 97
Na rua Direita No. 28, defronte do Banco vende-se hum grande sortimento
de fazendas Francezas, como pianos, violas, musica, moveis, quadros,
espelhos, vidros, porcelana, louça, perfumerias, relogios, fazendas de seda e
de linho, panos, cambraia, chales, franjas, chapeos de palha, flores, plumas,
vestidos e outros varios objectos para senhoras. 101
Gadet e Fallason, morador na rua Direita No. 55, fazem saber aos curiosos
das artes, que receberão modernamente de Paris hum sortimento de violas
de differentes preços, com cordas para viola, rebeca, e forte piano, assim
como todas as peças de musica nova dos melhores Mestres Italianos,
Allemães e Francezes; e igualmente papel pautado para escrever musica,
tudo vindo das fabricas mais famosas daquella Capital. 102
Assim, nota-se que os mesmos termos são aplicados para instrumentos vindos de
regiões diferentes, o que realmente torna equivocada a relação da origem com o nome. Resta,
97
Gazeta do Rio de Janeiro, 09/02/1813, N. 11 Avisos p. 4 (grifo nosso).
98
Idem, 20/09/1820, N. 11, Avisos p. 4 (grifo nosso).
99
Diario Mercantil, 01/10/1827, N. 76, Vol. 9, Vendas p. 2/3 (grifo nosso).
100
Jornal do Commercio, 09/06/1829, N. ?, Vol. 8, Vendas p. 2 (grifo nosso).
101
Gazeta do Rio de Janeiro, 25/01/1817, N. 8, Avisos p. 4 (grifo nosso).
102
Idem, 21/10/1818, N. 84, Avisos p. 4 (grifo nosso).
104
portanto, a sugestão de que as várias nomenclaturas digam respeito ao formato da caixa do
forte piano, por sua vez, também sugerem determinar entre si formatos diferentes, enquanto
que o abreviado termo piano pode englobar qualquer um dos tipos de instrumento. No
entanto, os dados extraídos dos documentos estudados são insuficientes para se determinar
uma precisa classificação dos termos piano forte, forte piano e piano.
A comparação dos preços dos instrumentos seria uma boa referência para se tentar
determinar o significado dos termos em questão. Entretanto, como estes preços observados
estão muito distantes no tempo, é razoável considerar que eles estejam sujeitos a variações
(inflação ou deflação), as quais não são possíveis de serem ponderadas na avaliação104, mas
unitário dos instrumentos – o decreto régio de 1829 –, no qual um forte piano é avaliado em
600$000 e um piano forte, em 400$000, ainda assim não é possível tirar qualquer conclusão
segura, uma vez que esta diferença de preços não é capaz de indicar a diferença estrutural ou
mecânica do instrumento.
século XIX, localizados no Rio de Janeiro ainda hoje, o conceito de alguns destes termos
destacados não era nada esclarecedor. A mais antiga das obras, um dicionário musical datado
103
Sinônimo de Grand piano, isto é, piano de cauda. Ver Capítulo 1, item 1. 2, p. 32.
104
Não existia índices de inflação para aquela época (http://www.ipeadata.gov.br).
105
[...] nome dado antigamente ao instrumento que pela sua propriedade de
modificar a intensidade dos sons do forte ao fraco, e ao contrario, tomava
este nome; hoje denomina-se simplesmente Piano. 105
de Piano:
Piano, s.m. instrumento musical formado por uma grande caixa sonora, com
um systema especial de cordas e teclado, e que dá as notas por percussão:
Piano de concerto. Piano de estudo. [Tambem se chama piano forte e forte
piano.]|| Piano vertical, piano cujas cordas estão collocadas
verticalmente.||108
105
MACHADO, Rafael Coelho. Diccionario Musical. Rio de Janeiro: Typographia Franceza, 1842, p. 80 (grifo
nosso).
106
Ibid., p. 170 (grifo nosso).
107
Grande Diccionario Portuguez ou Thesouro da lingua portugueza pelo Dr. Fr. Domingos Vieira dos eremitas
calçados de Santo Agostinho. Ed. Porto, 1873, vol. 4, p. 530 (grifo nosso).
108
Diccionario Contemporaneo da Lingua Portugueza feito sobre um plano inteiramente novo. Lisboa: Imprensa
Nacional, 1881, p. 373 (grifo nosso).
106
Percebe-se, desta maneira, que ambos os termos piano, piano forte e forte piano
referem-se, provavelmente, tanto aos formatos de asa quanto aos retangulares, e inclusive aos
tipos verticais, sem uma exata convenção. Convém lembrar que estas obras de referência são
conhecidos. Assim, poderia se esperar uma definição mais clara quanto à terminologia, mas
pesquisados, como piano de uma frente, piano de duas frentes e piano de duas faces:
frente. Nomeando ainda as partes do formato das caixas dos instrumentos em questão – de asa
112
e retangular – de acordo com as Figuras 63 e 64, observa-se que as expressões utilizadas
109
Jornal do Commercio, 11/06/1828, N. 205, Vol. III, Vendas p. 4 (grifo nosso).
110
Idem, 23/04/1828, N. 166, Vol. III, Noticias Particulares p. 4 (grifo nosso).
111
Keyboard Instruments – flexibility of sound and Expression, Lousanne, 2002. Anais… Ed. Thomas Steiner.
German: Peter Lang, 2004, p. 313.
112
Exclui-se o formato vertical, pois se acredita que a dimensão da ‘altura’ não possa ser desconsiderada. Desta
forma, se no anúncio não se menciona esta importante característica – e o que para época era uma novidade,
sendo, portanto ressaltada – provavelmente não se trata deste tipo de instrumento e sim dos outros dois formatos
mais conhecidos – de cauda e de mesa.
107
nos trechos acima destacados podem dizer respeito exatamente aos lados retos da caixa dos
instrumentos:
Face Face
Face curta
(fascia) (fascia)
(fascia corta)
cauda, e um piano de duas frentes, um piano de mesa. Seguindo a mesma linha de raciocínio,
um piano de duas faces também deve significar um piano retangular, provavelmente por
conter duas faces iguais e ao contrário do piano em forma de asa, o qual possui lados
diferentes.
Algumas outras nomenclaturas foram também utilizadas para se referir aos dois tipos
Podem ser identificados como referência ao primeiro tipo (de cauda) os termos grande piano
ou grande piano forte (como visto anteriormente, grand piano em forma de ‘asa’), piano
comprido (formato da caixa do instrumento), piano forte horizontal (a relação das cordas com
o teclado):
108
Leilão que faz Marcos Archer no dia Quinta feira 25 do corrente as 10 horas
da manhã na rua do Ouvidor No. 64, por conta de Alexandre Mo.Groutber,
de hum orgão grande de Igreja, com elegante frontespício, hum grande
piano forte, e hum piano forte e varios instrumentos de musica, que
infallivelmente se hão de vender pelo maior preço, a que chegarem. O dito
Alexandre Mo. Groutber avisa ao publico, que elle se mudou para a rua da
Alfandega No. 4. 113
Diogo Wood faz saber, que se mudou da rua dos Barbonios para a rua
Direita N. 12, onde se achão para vender pianos fortes, de varias
qualidades perpendiculares e horizontais, arpas elegantes, e outros
instrumentos musicos, que chegarão de Inglaterra, pelo ultimo comboi. 116
Analogamente, o segundo tipo (de mesa) também pode ser denominado como piano
perpendicular (a relação das cordas com o teclado), piano de mesa, piano portatil e pequeno
piano ou manicorne117:
Na rua das Viollas n. 41, ha pianos de mesa de muito bom gosto e vozes;
quem os quizer comprar pode dirigir-se ao n. acima. 119
Na rua d'Alfandega n. 81 tem para vender tres pianos portatis muito lindos,
chegados ultimamente de Hamburgo; quem quizer compra-los pode
examinalas a qualquer hora do dia. 120
113
Gazeta do Rio de Janeiro, 24/09/1817, N. 77, Avisos p. 4 (grifo nosso).
114
Diário Mercantil, 03/08/1825, N. 3, Vol. 4, Vendas p. 2 (grifo nosso).
115
Jornal do Commercio, 21/01/1830, N. 15, Vol. I, Vendas p. 2 (grifo nosso).
116
Gazeta do Rio de Janeiro, 19/11/1814, N. 93, Avisos p. 4 (grifo nosso).
117
Termo provavelmente originado das palavras portuguesas manicórdio ou monocórdio. Estas são sinônimas de
clavicórdio ou cravo, mas neste caso, a palavra manicorne deve estar se referindo ao formato do clavicórdio em
virtude de seu formato retangular, semelhante ao do piano de mesa, que é um instrumento portátil.
118
Jornal do Commercio, 14/08/1830, N. 3, Vol. I, Vendas p. 3 (grifo nosso).
119
Idem, 16/10/1828, N. 309, Vol. V, Vendas p. 3 (grifo nosso).
120
Idem, 21/10/1828, N. 313, Vol. V, Vendas p. 3 (grifo nosso).
109
Vende-se hum pequeno piano, ou manicorne, muito próprio para apprender
a tocar; quem o pertender procure na rua dos Ciganos n. 45 do meio dia por
diante. 121
Quem quizer comprar hum forte piano de parede, muito rico, e muito
elegante, de muito boas vozes; dirija-se á rua da Quitanda n. 240, loja de
fazendas entre a rua das Viollas e a dos Pescadores, advertindo que não se dá
por menos de 700$000 réis. 122
Vende-se na rua d'Alfandega n. 38, hum rico forte pianno de muito boas
vozes, do feitio d'almario, o qual occupa pouco lugar em huma salla,
tambem espingardas de dois canos, pistolas fulminantes, e bolças de couro
para viagem. 124
e, devido à falta de uma maior especificação nos termos utilizados, configura-se também
imprecisa. Encontra-se esta ambigüidade ao longo das três décadas iniciais do século XIX e
ao que parece, como visto nos dicionários de meados e fins do mesmo século, ainda nas
121
Jornal do Commercio, 23/11/1830, N. 85, Vol. I, Vendas p. 2 (grifo nosso).
122
Idem, 12/06/1828, N. 206, Vol. III, Vendas p. 3 (grifo nosso).
123
Idem, 12/01/1829, N. 377, Vol. VI, Vendas p. 2 (grifo nosso).
124
Idem, 15/12/1828, N. 357, Vol. V, Vendas p. 2 (grifo nosso).
125
Idem, 01/09/1828, N. 309, Vol. V, Leilões p. 2 (grifo nosso).
110
Fica claro que a nomenclatura empregada para se referir ao piano indica
fundamentalmente sua capacidade dinâmica, mas se percebe também que em alguns casos ela
pode esclarecer sobre aspectos formais do instrumento. Deste modo, os formatos aqui
do nome quando explicitada sua característica formal; do contrário, os termos mais comuns –
piano forte, forte piano e piano – poderiam ser empregados para qualquer tipo de
Terminologia geral
Piano forte; Forte piano; Piano
111
CONSIDERAÇÕES FINAIS
documentos estudados constatou-se mais uma vez a existência de uma vida musical
extremamente ativa. Mesmo contendo limitações pela pouca interação com os importantes
centros culturais europeus, esta contínua prática musical não pode ser considerada
evidências inéditas sobre o cravo e o pianoforte no Rio de Janeiro, até o início do século XIX.
partir do séc. XVI ou XVII, em função das missões catequizadoras instauradas pelos jesuítas.
Entretanto, o primeiro registro encontrado a mencionar tais instrumentos data de 1721, uma
los de outros gêneros comerciais de mesmo nome como os cravos da índia ou de ferragem –
instrumento – com mais ou menos notas – quanto ao tamanho de sua caixa – com um formato
112
maior ou menor –, de acordo com as características construtivas herdadas diretamente
daquelas ditadas por Portugal. Assim, é razoável acreditar que os cravos existentes no Rio de
Janeiro possuíam apenas um teclado, tanto por influência da escola portuguesa quanto pela
não localização de registros que mencionasse instrumentos de dois teclados. Foi verificada
termos pequeno e mais pequeno muitas vezes confundiam-se com a espineta, por esta ser um
fabricante real de cravos e pianofortes da corte portuguesa, Mathias Bostem, cuja espineta
Quanto aos pianofortes, sua introdução no Rio de Janeiro foi, sem dúvida alguma,
conhecidos ainda no final do séc. XVIII. De acordo com o mais antigo documento descoberto,
um inventário post-mortem, no ano de 1798 um piano já havia sido fabricado na cidade, fato
realmente surpreendente, mas que pode ser compreendido como reflexo da metrópole
portuguesa, onde da mesma forma, existiu conhecimento e interesse precoces sobre o invento
de Cristofori. Ainda que a fabricação de um pianoforte na cidade em fins do séc. XVIII possa
ser questionável, a citação do instrumento em tal registro, é pelo menos a comprovação de que
Foi, contudo, a partir do séc. XIX, especialmente na década de 20, que se verificou,
importação significou uma maior diversificação quanto aos tipos e origens dos instrumentos.
113
Foram importados pianos de mesa, de cauda e verticais das principais regiões européias
precisa tornou complexa a definição, sobretudo, dos formatos de asa e retangulares dentre os
Acredita-se ter encontrado uma interpretação plausível para os termos dúbios utilizados no
Rio de Janeiro: as expressões piano de duas frentes e piano de duas faces provavelmente
significam piano de mesa, já a expressão piano de uma frente, por sua vez, indica piano de
cauda.
Além disso, os termos pianoforte e fortepiano, sugerem ora uma aplicação geral para
se referir ao piano, ora uma qualificação relacionada ao formato do instrumento. Todavia, não
foi possível definir claramente os significados desta nomenclatura para esta última
interpretação.
construtores alemães. Curioso também é o fato de existir mais registros específicos sobre
A proeminência dos pianofortes nesta época, contudo, não fez com que os cravos
114
decrescente, os cravos não só continuaram presentes em anúncios de vendas de jornais, mas
também em documentos oficiais listando produtos a serem importados até pelo menos o ano
de 1830 (data limite fixada para esta pesquisa), como se observa na ordenação cronológica da
tabela 10 abaixo.
115
A utilização tardia do cravo no século XIX no Rio de Janeiro, tanto como instrumento
de iniciação musical quanto como produto comercial, não gerou ambigüidade com o
palavra cembalo foi aplicada para a designação tanto de cravo como de piano, na cidade
foram empregados termos distintos para a qualificação dos instrumentos que em momento
Rio de Janeiro configurou-se longo, assim como na Europa, porém com uma característica
peculiar. Na região européia, o cravo conviveu durante todo o séc. XVIII com um instrumento
ainda em fase de desenvolvimento, cuja plena aceitação no meio musical foi demorada devido
momento da introdução dos primeiros exemplares de pianos por volta de 1798, estes já
cravo. Desta forma, o cravo no Rio de Janeiro coexistiu com um instrumento já aprimorado,
fruto de tudo o que foi desenvolvido ao longo do séc. XVIII, e que se encontrava em um
estágio de franca aceitação no ambiente musical europeu, o que certamente foi decisivo para
metade, com o pianoforte e também com o cravo (1798-1830). José Maurício literalmente
transitou do cravo ao pianoforte em vida, sendo que a maior parte de seu período de efetiva
produtividade musical foi emoldurada pela coexistência dos dois instrumentos, como se
116
ilustra na figura 65 da página seguinte. O método de Pianoforte é um testemunho musical
desta afirmativa.
1767: 1830:
Nascimento de José Morte de José
Maurício Maurício
1798
Pianofortes
Cravos
1721 1730 1740 1750 1760 1770 1780 1790 1800 1810 1820 1830
Fig. 65 – Presença dos Cravos e Pianofortes na vida de José Maurício Nunes Garcia
pianofortes de mesa de Broadwood e Collard & Collard – que se fazem muito importantes no
contexto de um país novo como o Brasil. Apesar de não se saber precisamente a data da
chegada destes exemplares ao Rio de Janeiro, eles constituem os registros de uma época,
raríssimos.
localizados, bem como muitos outros documentos referentes aos cravos e pianofortes que
desta época são, sem dúvida alguma, os maiores limitadores das pesquisas e, em
contrapartida, são também o maior incentivo para novas buscas. Acredita-se que todo o
material levantado possa ser pouco em relação à realidade da época. O que se encontrou
foram traços que delineiam uma presença destes instrumentos muito mais marcante do que
sempre se imaginou.
teclado no Rio de Janeiro apresentada neste presente trabalho permite que se parafraseie uma
117
das declarações mais conhecidas e citadas a respeito dos pianos na cidade durante o século
XIX. Em 1856, Manuel de Araújo Porto Alegre chamava o Rio de Janeiro de “a cidade dos
pianos”. Hoje, já no séc. XXI e à luz de novas informações, é possível dizer que pelo menos
até 1830 a antiga capital do Brasil ainda era “a cidade dos cravos e dos pianos”.
118
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133
GLOSSÁRIO DE TERMOS MUSICAIS
Ação – a ação inclui todas as partes mecânicas envolvidas na projeção dos martelos às cordas.
Basson stop – pedal que produz um som murmurado devido ao contato de uma barra coberta
Buff stop – também chamado de Harpa, é um efeito pizzicato produzido pelo contato de
pequenas peças de couro ou feltro com as cordas do piano. Ironicamente, a sonoridade não se
assemelha à da harpa.
Chave manual (Hand stop) – alavanca manual que quando movida adiciona ou retira
Check (Backcheck) – é um artifício para segurar o martelo do piano após este ter golpeado a
tecla, uma tangente metálica presa à extremidade posterior de cada tecla vai de encontro à
corda, percutindo-a. A tangente permanece em contato com a corda enquanto a tecla estiver
Escapamento – dispositivo que permite o martelo voltar a sua posição inicial depois de
Espineta – Instrumento de teclado e cordas pinçadas, de tamanho menor que o do cravo, cuja
forma pode ser poligonal, triangular ou de ‘asa’. Possui apenas um manual com um jogo de
cordas de 8’.
Forte (Sustentação) – pedal, chave manual ou joelheira dos pianofortes que quando acionada
134
Fraco – (Mute; surdina) – pedal, chave manual ou joelheira dos pianofortes que quando
acionada insere uma tira de pano entre as cordas e os martelos, fazendo com que o som
produzido pelo instrumento tenha uma ‘cor’ levemente fraca, de volume baixo.
Giraffe Piano – upright piano de formato semelhante ao do pyramid piano, porém com um
detalhe arredondado de ornamentação na parte mais alta da caixa que faz lembrar a cabeça de
Lute (Harp stop) – registro mais raro encontrado nos pianofortes o qual ao ser acionado
pressionava um couro ou tira coberta de pano contra o fim das cordas produzindo um som
anasalado.
cordas.
Moderador (Moderator) – dispositivo pedal ou manual que faz com que uma tira de pano
seja introduzida entre os martelos e as cordas do piano para produzir um efeito abafado.
Nähtisch (Sewing table) – versão ainda menor que o square piano, com o mesmo formato
Orphica – pequeno piano portátil, derivado do square piano, porém em forma de ‘asa’.
Pianino – nomenclatura mais usual na França para denominar uma forma menor do piano
vertical. Também conhecido pelos franceses como Console piano e em outros países como
Piano Vertical (Upright piano) – piano cujas cordas são dispostas verticalmente
proporcionando uma maior ocupação do espaço vertical e não do horizontal como nos pianos
135
de cauda. Os primeiros exemplares eram muito altos e eram conhecidos também como
Upright-grand piano.
Plectro – pequena peça de pena, de couro ou de plástico responsável por pinçar as cordas para
Pyramid Piano – upright piano, cuja parte vertical da caixa do instrumento possui a forma de
Saltarelo (Martinete; Jack) – nos cravos é a peça vertical que leva o plectro a pinçar a corda;
já nos pianofortes corresponde à peça vertical que leva o martelo a golpear a corda.
Square piano (Piano de Mesa; Tafelklavier; Pianoforte carré) – piano cujo formato da caixa
Una corda (Uma corda) – dispositivo pedal ou manual que permite aos martelos percutirem
apenas uma corda de cada nota (no caso de haver duas) ou então duas cordas (se houver três).
Virginal – instrumento de teclado em forma de caixa retangular, cujas cordas são dispostas
136