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CAPITULO | A NATUREZA MODIFICADA DO AGIR HUMANO Toda ética até hoje — seja como injungdo direta para fazer ou néo fazer certas coisas ou como determinagio dos principios de tais injungdes, ow ainda como demonstragao de uma razio de se dever obedecer a tais prin- jos — compartilhou tacitamente os seguintes pressupostos inter-rela- 8 condi humans, confeide pla naturena do hornem ¢ ve Portas, seus 4,9 Goel i G) 0 alcance da agdo humana ¢, portanto, da responsabilidade humana é definida de forma rigorosa. A argumentacio que se segue pretende de», imonstrar que esses pressupostos perderam a validade ¢ refletir sobre 0 que jy, isso significa para a nossa situago moral. Mais especificamente, crei ‘que certas transformagées em nossas capacidades acarretaram uma mu- +f“) danga na natureza do agic humano. F, jé que a ética tem a ver com o agit, a consegtiéncia l6gica disso é que 2 natureza modificada do também impoe uma modificarso na dca. E isso nlo somente no sentido de que os novos objetos do agir ampliaram materialmente o dominio dos casos aos quais se devem aplicar as regras de conduta em vigor, mes em um sentido muito mais radical, pois a natureza qualitativamente nova de j/ r muitas das nossas ages descortinow uma dimen : de significado ético, nao prevista nas perspectivas e nos canones da ética “7) tradicional. : Durante esses periodos, é claro, o homem nunca esteve desprovido de téc- nica. Minka questdo visa & diferenga humana entre a técnica moderna ¢a dos tempos anteriores. ar Evade vodaee 1. 0 EXEMPLO DA ANTIGUIDADE Comecemos com uma antiga voz discursando sobre 0 poder ¢ o fazer hhumanos, uma voz que, em um sentido arquetipico, ja faz soa yr assim dizer, uma nota tecnol6gica — 0 famoso canto do coral da Amtfgona, de Séfocles. 52s so as mal mas de todas malor £0 ho moet! Singrando os mat iimpelido pelos ventos do sul, le “Gvanga earrosta as vagasimensas que rugem ao redort Gea a suprerna divindade, que todas mais supera, na sua eternidade, | eles corta com suas charrss, que de ano em ano, vio evém fertizando 0 soo, gragas& forga asa ‘Os bandos de pissarosligeios; a hordas de animas slvagens e pexes que habitam as dguas do mara todos ees o homer engenhoso captors © Drende nas malhas de suas zee ou engenno ele amansa, igualmente, 0 animal agreste que corel ‘bem como 0 d6cil cavalo, em exja mca ele assent o 1c, € infatigivel tonro das montana. un, ¢ 0 pensamento alado, eo sentmentos de onde emergem as sido iso ee ensinou asi mesmo! E também a abrigarse das in- ese dos rigores da natureza! Fecundo em recursos, previne pre contra os imprevisos So contra a mote ele ¢ impotent ermbo Tha sido capaz de descobrir ceméio para maitas doengas, contra a quais frios,ora caminha em di- ao qual jurow respeit pode algar-ce be Cdluido de sua cidade serd ele, caso se deixe desencaminhar pelo Mal.* 1. Homem e natureza Essa angustiosa homenagem ao opressivo poder humano narra a sua ireupsao violenta e violentadora na ordem césmica, a invasio atrevida dos diferentes dominios da natureza por meio de sua incansével esperteza; 20 HANS JONAS +0 RINcIPIORESPONSAB Abe ia humana — ou seja, 0 artefuto da cidade, A vi lizagao do homem caminham de mos dadas. Am- bas enfrentam os elementos. Uma, na medida em que ele se aventura na natureza ¢ subjuga as suas criaturas; a outra, na medida em que erige no jy» Fefligio da cidade e de suas leis um enclave contra aguelas. O homem é 0 criador de sua vida como vida humane. Amolda as circunstincias confor- me sua vontade ¢ necessidade, e nunca se encontra desorientado, a néo serdianteda morte. : Pode-se ouvir, contudo, um tom reservado e mesmo amedrontado nes- s¢ canto de louvor a0 milagre do homem, e ninguém pode consideré-lo uma fanfarronice impertinente. O que alii nfo esté dito, mas que estava implicito para aquela época, & a consciéncia de que, a despeito de toda grandeza flimitada de sua engenhosidade, o homem, confrontado com os elementos, continua pequeno: é justamente isso que torna as suas incur- sbes naqueles elementos tio audaciosas ¢ the permite tolerar a sua petu-, Tancia, Todas as liberdades que ele se permite com os habitantes da terra, do mar e do ar deixam inalterada a natureza abrangente desses dominios nao prejudicam suas forgas geradoras. Elas nfo sofrem dano real quan- do, das suas grandes extensbes, ele recorta o seu pequeno reino. Elas per’ duram, enquanto os empreendimentos humanos percorrem efémerostra- ia que ele atormente ano apds ano a terra com 0 arado, ela é ‘Perene e incansével; ele pode e deve fiar-se na paciéncia perseverante da terra e deve ajustar-se a0 seu ciclo. Igualmente perene é 0 mar. Nenhum saque das suas criaturas vivas pode esgotar-lhe a fetiidade, os navios que © cruzam no o danificam, e o langamento de rejeitos nao & capaz de con- taminar suas profundezas. F, no importa para quantas doencas o homer ache cure, a mortalidade ndo se dobra& sua asticia, Tudo isso € vélido, pois antes de nossos tempos as interferéncias do hhomem na natureza, tal como ele proprio as via, eram essencialmente su- s € impotentes para prejudicar um equilbrio firmemente assen~ retrospecto descobre que a verdade nem sempre foi to ino- ‘Também ndo se pode encontrar no coral de Antigona nem em gualquer outra parte uma alusdo a que isso fosse entio apenas um come- 60, de que coisas ainda maiores viessem a ocorrer em matéria de arte € poder — ¢ que se concebesse 0 homem percorrendo uma trajetéria de conquistas infinitas. Aquele era o ponto maximo que ele havia alcangado na domesticaréo da necessidade, isso era tudo que ele havia aprendido @ CAPITULO I-A NATUREZA MOBIFICADADG AGI8 HUNAN extorguir-Ihe com sua asticia para humanizar sua vide; ao refletir sobre isso, assustava-se diante do prdprio atrevimento. 2.A obra humana da “cidade” © espago que havia criado para si foi preenchido com a cidade dos ho- mens — destinade a cercar-se ¢ no a expandir-se —, ¢ por meio disso. jo dentro do equilibrio maior do todo. Qual- f quer que seja o bem ou o mal, 20 qual o homem se veja impelido em vir tude de sua arte engenhosa, eles ocorrem no interior do enclave humano, ¢ *' sem tocar a natureza das coisas, A ‘A invulnerabilidade do todo, cujas profundezas permanecem imper- turbadas pela impertinéncia humana, ou seja, 2 imutabilidade essencial da natureza como ordem césmica foi de fato 0 pano de fundo pare todos os ‘empreendimentos do homem mortal, incluindo suas ingeréncias naquela propria ordem. Sua vida desenvolveu-se entre o que permanecia e 0 que / mudava: o que permanecia era a natureza, o que mudava eram suas pr6- prias obras. A maior dessas obras era a cidade, a qual ele podia emprestar ‘um certo grau de permanéncia por meios que inventava e aos quais se dis- punha a obedecer. Mas essa permanéncia, imente produzida, nto oferecia nenhuma garantia de longo prazo. Na condigio de um artefato | a construcio cultural pode esgotar-se ou desencaminhar-se. iberdade concedida & autodeterminago, nem mesmo no interior do ambiente artificial o seu arbitrio poder revoger algum dia as condigdes bésicas da existéncia humana. Sim, a inconstancia do fado Jhumano assegura a constincia da condi¢do humana. O acaso, @ sorte ea cestupidez, os grandes niveladores nos assuntos dos homens, atuam como ume espécie de entropia e permitem que todos os projetos desemboquem por fim na norma eterna, Estados erguem-se ¢ caem, dominagdes vm € vio, famflias prosperam e degeneram— nenhuma mudanga ¢ para durar. na compensagio reciproca de todos os desvios passageiros, a sim, mesmo aqui, em condigio do homem permanece como sempre fo. seu proprio artefato, no mundo social, o controle do homem € pequeno, e sua natureza permanente acaba por se impor. ‘Ainda assim, essa cidadela de sua propria criagio, claramente distinta do resto das coisas e confiada aos seus cuidados, forma o dominio com- pleto e dinico da responsabilidade humana. A natureza ndo era objeto da HAMS JONAS 0 RINCIPIO RESFONSABILIOADE lade humana — ela cuidava de si mesma e, com a persuaso também tomava conta do homem: diante dela cia deve casar-se com a moralidade, pois essa a alma de sua existéncia, # nese quadro intra-humano que habita toda ética tradicional, adeptada fs dimensdes do agir humano assim condicionado. I. CARACTERISTICAS DA ETICA ATE 0 MOMENTO PRESENTE ‘Tomemos do passado aquelas caracteristicas do agir humano significativas 4 para uma comparacio com o estado atual de coisas. to €, todo 0 dominio da 12 (habilidade) era — a excegio da medicina — eticamente neutro, 1 considerando-se tanto 0 objeto quanto o sujeito de tal agir: do ponto dev) ta do objeto, porque a arte s6 afetava superficialmente a natureza das coisas, que se preservava como tal, de modo que nao se colocava em ab- soluto 2 questio de um dano duradouro & integridade do objeto e & or- dem natural em seu conjunto; do ponto sta do sujeito, porque a techne, como atividade, compreendia-se a si mesma como um tributo d fica como fim precipuo da humanidade, em cuja perseguicdo engejam-se ‘0 maximo esforco € a participaygo humanos. A verdadeira vocacto do“ homem encontrava-se alhtures, Em suma, a atuagdo sobre.objetos nao hu- ‘manos nao formava um dominio eticamente significative. 2.A significagdo ética dizia respeito 20 relacionamento direto de homem ‘com homem, inclusive o de cada homem consigo mesmo; toda ética tra- dicional é antropocéntrica, --- 5. Para efeito da acto nessa esfera, a entidade “homem” ¢ sua condicio fundamental era considerada como constante quanto a sua esséncia, no ieee ea rosea ar vereee cece ae gett 4.0 bem ¢ 0 mal, com o qual o agir tinka de se preocupar, evidenciavam-/ se na ago, seja na prépria prixis ou em seu alcance imed gueriam um planejamento de longo prazo. Essa proximidade de obj ‘vos era valida tanto para o tempo quanto para o espago, O alcance efetivo da acio era pequeno, o intervalo de tempo para previsto, definigao de ob- consecugio quase imediata. © longo trajeto das conseqiiéncias ficava 20 do acaso, do destino ou da providéncia, Por conseguinte, a ética SEE eae eee eee 3 ef homem bom era o que se defrontava virtuosa e sabiamente com essas oca- sides, que cultivava em si a capacidade para tal, ¢ que no mais conforma- vvarse com o desconhecido. 5. Todos os mandamentos ¢ méximas da ética tradicional, fossem quais fossem suas diferencas de contetido, demonstram esse confinamento 20 circulo imediato da ago. “Ama o teu préximo como a ti mesmo”; “Fazé] 208 outros 0 que gostaries que eles fizessem a ts “Instrui teu filho no ca- minho da verdade”; “ do desenvolvimento e| da realizagio das melhores possbilidades da tua existéncia como homem’ “Submete o teu bem pessoal ao bem comum”; “Nunca trate os teus seme Ihantes como simples meios, mas sempre como fins em si mesmos";€ as sim por diante. Em todas essas méximas, aquele que age ¢ 0 “outro” de| ‘seu agir sfo participes de um presente comum. Os que vivem agora ¢ 05. {que de alguma forma tém transito comigo séo os que tém alguma reivin- dlicagao sobre minha conduta, na medida em que esta os afete pelo fazer se & extensio previsivel do tempo de suas vidas. Com o horizonte espacial do lugar ocorre algo semelhante, no qual o que ‘age ¢ 0 outro se encontram como vizinhos, a iava-se dentro dessa esfera da aco. Segue-se daf que yo saber exigido ao lado da vontade moral, para affancar a morelidade da ago, corresponde a este delimitagZo: nao é 0 conhecimento do cientista ou do especialista, mas 0 saber de um tipo que se encontra a0 alcance de feicio mesmo entre as mentes mais simples sfria uma ciéncia ou filosofia para se saber o que deve ser ser honesto e bom, e mesmo sibio e virtuoso, CCABITULO +A RATUREZA MODIFICADA BO AGiR HUMAN seja moral, para tanto nao preciso de nenhuma perspicécia de longo al- ance, Inexperiente na compreensio do percurso do mundo, incapaz de “Breparar-me para os incidentes sucessivos do mesmo, ainda assim posso saber como devo agir em conformidade com a lei moral.”* Nenhum outro teérico da ética foi tdo longe na diminuigdo do lado cognitivo do agir moral. Mas, mesmo quando este ganha um significado , para quem o conhecimento da situa- je the convinha estabelece exigencias considerdveis & ex- periéncia ¢ 20 al saber nada tem a ver com a ciéncia tedrica. Ele evidentemente implicava um conceito universal do bem humano como tal, baseado em determinadas constantes da natureza e da situagéo hu- mans, ¢ esse conceito universal do bem poderia ou ndo ser desenvolvi- do numa teoria propria. Mas a sua transposigao pare a pratica exige urn conhecimento do aqui e agora, e este é inteiramente ndo-tedtico. Esse co- nhecimento préprio da virtude (o de saber onde, quando, @ quem e como se deve fazer o qué) prende-se as circunstancias imediatas, em cujo con texto definido a alo segue o seu curso como ago do ator individual, nele encontrando igualmente o seu fim. Se uma acéo é “boa” ou “mé”, inteiramente decidido no interior desse contexto de curto prazo, Sua au- toria nunca é posta em questio, e sua qualidade moral é imediatamente, inerente a ela. Ninguém é julgado responsével pelos efeitos involuntérios »/¢/“'* posteriores de um ato bem-intencionado, bem-refletido e bem-executado.’ ” , ‘Obraco curto do poder humano no exigiu qualquer brago comprido do y-7 saber, passivel de predicZo a pequenez de um foi téo pouco culpada quan-! toa do autro, Precisamente porque o bem humano, concebido em sua ge- neralidade, ¢ © mesmo para todas as épocas, sua realizagéo ou violagéo acorre a qualquer momento, e seu lugar completo é sempre o presente. > Bidem, II] NOVAS DIMENSOES DA RESPONSABILIDADE Tudo isso se modificou decisivamente. A técnica moderna i ages de uma tal ordem inédita de grandeza, com tais novos obj sequéncias que a 1a da ética antiga nao consegue mais enquadré-las. "0 coro da Antigona sobre 0 “Ungeheure”, 0 fantastico poder do homem, soaria bem diferente hoje, assumindo a palavra “fantdstico” um outro sen- sem as leis. Também jé h4 muito néo estéo mais aqui os deuses, cujos di- reitos reconhecidos poderiam contrapor-se as fantésticas ages humanas, Deceto que as anges pescries da ética “do préximo” — as prescrigées idas, em sua via, para a esfera mais proxima, quotidiana, da intere- ‘do humana. Mas essa esfera torna-se ensombrecida pelo crescente domi- nio do fazer coletivo, no qual ator, ago e efeito nao sto mais os mesmos da esfera préxima, Isso impée A ética, pela enormidade de sues forcas, uma nova dimensdo, nunca antes sonhada, de responsabilidade, 1.Avulnerabilidade da natureza * Tome-se, por exemplo, como primeira grande alteragdo a0 quadro her- ! dado, a critica vulnerabilidade da natureza provocada pela intervena0 técnica do homem — uma vulnerabilidade que jamais fora pressentida antes de que cla se desse a conhecer pelos danos jé produzidos. Essa des- coberta, cujo choque levou 20 conceito ¢ 20 surgimento da ciéncia do meio ambiente (ecologia), modifica inteiramente a representasio que te- mos de nés mesmos como fator causal no complexo sistema das coises la que a natureza da ago humana jeto de ordem inteiramente nov foi modificada de facto, e que um nada menos do que a biosfera inteira do planeta, acresceu-se aquilo pel ‘qual temos de ser responséveis, pois sobre ela detemos poder. Umn ol de uma magnitude tio impressionante, diante da qual todas os antigos objetos da ado humana parecem mimisculos! A natureza como umases- ponsabilidade humana é seguramente um novum sobre o qual uma nova teoria ética deve ser pensada. Que tipo de deveres ela exigiré? Haverd algo mais do que interesse utilitario? & simplesmente a prudéncia que reco- -menda que nio se mate a galinha dos ovos de ouro, ou que ndo se serre 0 galho sobre o qual se esti sentado? Mas “este” que aqui se senta ¢ que tal- cio — quem é E qual € 0 meu interesse no seu sentar /Enquanto for o destino do homem, dependente da situagio da nature- incipal razio que torna o interesse na manutengao da natureza w de toda inda se mantém a orientagdo antropocéntri ‘tica cléssica. Mesmo assim, a diferenca é grande. Desaparecem as delimi-/ tacdes de proximidade e simultaneidade, rompidas pelo crescimento ¢s- pacial e o prolongamento temporal das seqiiéncias de causa ¢ efeito, pos- ‘tas em movimento pela préxis técnica mesmo quando empreendidas para fins proximos, Sua irreversibilidade, em conjungao com sua magnitude condensada, introduz outro fator, de novo tipo, na equa¢0 moral, Acres 9 4 a-se a isso o seu caréter cumulativo: seus efeitos vio se somando, de modo que a situago para um agir e um existir posteriores no sera mais 2‘ a mesma da situacdo vivida pelo primeiro ator, mas sim crescentemente distinta ¢ cada vez mais um resultado daquilo que jé foi feito. Toda Hl tradicional contava somente com um comportamento nao cumulativo.4 A situaco bésica entre pessoas, na qual a virtude tem de ser compro- vada e 0 vicio desmascarado, permanece sempre a mesma. Com ela, todo ato recomesa do zero. As ocasides recorrentes, que, conforme a sua classe, dispsem as suas alternativas de cao — coragem ou covardia, ponderacio ou excesso, verdade ou mentira ete. —, restabelecem a cada vez as con- dicbes origindrias, Estas sio insuperiveis. Mas 2 autopropagagio cumula- tiva da mudanca tecnolégica do mundo ultrapassa incessantemente as condigées de cada um de seus atos contribuintes ¢ transcorre em meio a situagdes sem precedentes, diante das quais os ensinamentos da experién- cia sio impotentes. E a acumulagio como tal, niio contente em modificar © seu inicio até a desfiguracdo, pode até mesmo destruir a condicao fun- damental de toda a seqiténcia, 0 pressuposto de si mesma, Tudo isso de- veria estar compreendido na vontade do ato singular, caso este deva ser moralmente responsivel. “Becetuando-se a autoformoio «a educaydo. Praticr a virtude, por exemplo, & também tum exerciio na vireade: fortsloe as foreas morals e transforma a sua prétca em hibit; de forma andloga o Vila. Mas 4 esséneia findsmental, nua e era, pode sempre iromper: © irtaoeo de todes pode ser srrartado na dastrutivetempestade da paixio, eo mais de- ado pode vivencae o inverto. Ainds & posive! im nas mudangas curmulativas nas condizies de existéncia sedimentadas pela tecnologia 20 longo de seu caminho? B 2 de toda ética antiga ndo seria CAPITULO “A NATUREEA HODIFCADA GO AGIR HUMANS 2.0 novo papel do saber na moral Sob tais circunsténcias, o saber torna-se um dever priorisério, mais além de tudo 0 que anteriormente Ihe era exigido, ¢ 0 saber deve ter a mesma magnitude da dimensio causal do nosso agit. Mas 0 fato de que ele real- mente nio possa ter a mesma magnitude, isto & de que 0 saber previder te perinaniesa atrés do saber téenico que confere poder 20 nosso agit, e2- nha, ele proprio, significado ético. O hiato entre a forga de previsio ¢ 0 poder do agit produz um novo problema ético, Reconhecer a ignorancia torna-se, entéo, 0 outro lado da obrigagao do saber, ¢ com isso torne-se ‘uma parte da ética que deve instruir 0 autocontrole, cada vez mais neces- ivo poder. Nenhuma ética anterior vira-se ob: srar a condigao global da vida humana ¢ o futuro distante, cia da espécie. O fato de que hoje eles estejam em jogo /' a palavra, uma nova concepgio de direitos e deveres, para a qual nenhuma ética e metafisica antiga pode sequer oferecer os princi sério, sobre 0 nosso exc gada 2 00 quanto mais uma doutrina acabada. 3.Um direito moral préprio da natureza? E se o novo modo do agir humano significasse que devéssemos levar em consideragio mais do que somente o interesse “do homem’, pois nossa ‘obrigagao se estenderia para mais além, e que a limitagdo antropocéntrica vélida? Ao menos deixou de ser absur- do indagar se a condigdo da natureza extra-humana, a biosfera no todo & em suas partes, hoje subjugadas a0 nosso poder, exatamente por isso no se tornaram urn bem a nés confiados, capaz de nos impor algo como uma exigéncia moral — nao somente por nossa propria causa, mas também em causa propria e por seu proprio direito. Se assim for, isso requereria alteragdes substanciais nos fundamentos da ética. Isso sig rar néo s6 0 bem humano, mas também o bem das coisas isto 6 ampliar 0 reconhecimento de “fins em si” para a hemano ¢ incluir 0 cuidado com estes no conceito de bem humano, Ne~ shurna ética anterior (além da religizo) nos preparou para um tal papel 1 depositario — e a visio cientifica de natureza, menos ainda. Esta ima recusa-nos até mesmo, peremptoriamente, qualquer direito te6rico 1 2 natureza como algo que devamos respeitar — uma vez que indiferenca da necessidade e do acaso, despindo-a de toda HANS JONAS 0 PAINGIPIO FESPONEABILOADE idade de fins. Entretanto, um apelo mudo pela preservagio de sua integridade parece escapar da plenitude ameagada do mundo vital. Deve- ‘mos ouvi-lo, reconhecer sua exigéncia como obrigatéria — porque san- cionada pela natureza das coisas —, ou entéo devemos ver nel simplesmente, um sentimento nosso, com 0 qual devemos trat do quisermos ou na medida em que pudermos nos dar ao luxo de faz8- Jo? A primeira alternativa, se tomada a sério em suas implicagées te6ri- 25, nos impeliria a estender a reflexio sobre as alteragBes mencionadas ¢ avancar além da doutrina do agir, ou seja, da ética, até a doutrina do exis- ‘ou seja, da metafisica, na qual afinal toda ética deve estar fundada. Mais nao pretendo tratar aqui desse objeto especulativo, a nao ser dizen- do que deverfamos nos manter abertos para a idéia de que as ciéncias na- turais no pronunciam toda a verdade sobre a natureza. IV. TECNOLOGIA COMO “VOCAGAO” DA HUMANIDADE 1. Homo faber acima do homo sapiens j Se retornarmos as ponderagées estritamente inter-humanas, hé ainda um sro aspecto ético no fato de que a wechne, como esforgo humano, ena tiltrapassado os objetivos pragmaticamente delimitados dos tempos anti- gos. Aquela époce, como vimos, a téenica era um tributo cobrado pela \- necessidade, endo o caminho para um fim escolhido pela humanidade— \ophad’? am mei 95, claramente | Gi eeesi th definidos. Hoje, na forma da moderna técnica, a fechne transformou-se em um infinito,impulso da espécie para adiante, seu empreendimento ) mais significative. Somos tentados a crec que a vocagao dos homens se encontra no continua progresso dese empreendimento, superando-se sempre 2 si mesmo, rumo a feitos cada vez maiores, A conquista de um ‘0 total sobre as coisas ¢ sobre o préprio homem surgiria como a realizado do seu destino, Assim, 0 triunfo do homo faber sobre 0 seu ob- jeto externo significa, ao mesmo tempo, o seu triunfo na constituigao in- terna do homo sapiens, do qual ele outrora costumava ser uma parte ser- vil. Em outras palavras, mesmo desconsiderando suas obras objetivas, a tecnologia assume um significado ético por causa do lugar central que agora ocupa subjetivamente nos fins da vida humana. Sua criagao curm lativa, isto 6 0 meio ambiente artificial em expansto, reforga, por um con tinuo efeito retroativo, os poderes especiais por ela produzidos: aquilo que’ mesmos pode: * jf fo feito exige o emprego inventivo incessante daqueles mesmo Fed para Meanter-se e desenvolver-se, recompensando-o com um sucesso ainda maior — o que contribui para 0 aumento de suas ambigdes. Esse { feedback positive de necessidade funcional e recompensa — em cuja | namica 0 orgulho pelo desempenho néo deve ser esquecido — alimenta a superioridade ctescente de um dos lados da natureza humana sobre to- » dos os outros, ¢ inevitavelmente as custas deles. Nao hé nada melhor que 6 sucesso, ¢ nada nos aprisiona mais que o sucesso. © que quer que per ¢ tenga & plenitude do homem fica eclipsado em prestigio pela extensio de seu poder, de modo que essa expansio, na medida em que vincula mais € mais as forgas humanas & sua empresa, € acompanhada de uma contrasdo do conceito do homem sobre si proprio e de seu Ser. Na imagera que ele (CAPITULO “A HATUREZA MODIFICADA OO AGIR HUMAN ans JONAS +0 PAINCIPIORESPONSABRIOADE " conserva de si mesmo — na representagio programética que determina 0 humanidade digna desse nome (idsia t8o convincente e tio incomprovi- seu Ser atual tZo bem quanto o reflete — 0 homem atual & cada vez mais. vel como a assertiva de que a existincia de wm mundo é sempre melhor 9 produtor daquilo que ele produziu e o feitor daquilo que ele pode fazer; 7 do que a existéncia de nenhum); mas, como aa pee mais ainda, € 0 preparador daquilo que ele, em seguida, estar em condi- como uma obris Te fo de fazer. Mas quem é “ele”? Nem voces nem eu: importam aqui o ator te, € como princi 3 ‘i setivo nko o ator individual eo ato inc o hort sina dos impera dade; e ela somente in- relevante da responsabilidade é fornecido muito mais pelo futuro gressou na cena moral com 08 noss0s novos poderes ¢ 0 novo alcance da nossa capacidade de previsio. ‘A presenga do homem no mundo ere um dado primrio e indiscutivel de onde partia toda idéia de dever referente & conduta humana: agora, la prépria tornou-se um objeto de dever — isto &, dever de proteger @ pre- missa bésica de todo o dever, ou seja, precisamente a presenga de meros candidatos a um universo moral no mundo fisico do futuro; isso signifi- « ca entre outeas coisas, conservar este mundo fisico de modo que as con- ges para uma tal presenca permanecam intactas; ¢ isso significa prote- ger a sua vulnerabilidade diante de uma ameaca dessas condigSes. Um exemplo poder ilustrar a diferenga que isso trez para a ética. Andeterminedo do que pelo espaco contemporaneo da acio. Isso exige im- pperativos de outro tipo. Se a esfera do produzir invadiu o espaco do agit to 2 moralidade deve invadir a esfera do produzir, da qual na forma de politi- abrangéncia e que demandassem projegdes temporais tao longas. De , fato, a natureza modificada do agir humano altera a‘natureza fundamen- 2 pedal da politica. 2.A cidade universal como segunda natu! ‘@0 dever sar do homem no mun ve | Pois a fronteira entre “Estado” (polis) e “naturéza” foi suprimida: * de dos homens”, outrora um enclave no mundo néo-humano, esp: da natureza terrestre e lugar. A diferenca formaram no mundo, agindo sobre ele e por meio dele, criaram um novo tipo de “natureza’, isto é, uma necessidade dinamica propria com 2-| qual a liberdade humana defronta-se em um sentido inteiramente novo. — “que se faga jus- tiga, mesmo que o mundo peresa” —, onde “mundo” significava eviden- ‘temente o enclave renovével na totalidade imperecivel; essa frase ndo pode ais ser empregada sequer retoricamente, quando o perecer da totalida- de se tornou uma poss 105. Questiies que nunca foram antes objeto ce legislacio ingres- sem no circuito das leis que a “cidade” global tem de formular, para que i ‘possa existir um mundo para as préximas geracées de homens. Aceita-se facilmente, como axioma universal ou como turn convincen- te desejo da fantasia especulativa, a idéia de que tal mundo adequado & habitagao humana deve continuar a existir no futuro, habitado por uma Kauat ‘V.VELHOS E NOVOS IMPERATIVOS 1.0 imperativo categérico de Kant dizia: “Aja de modo que tu também possas querer que tue méxima se torne Jet geral” Aqui, o “que tu possas” invocado € aquele da razio e de sua concordancia consigo mesma: a par- ‘da suposiggo da existincia de uma sociedade de atores humanos (seres racionais em agdo), a ago deve existir de modo que possa ser concebida, sem contradicao, como exercicio geral da comunidade. Chame-se atengio aqui para o fato de que a reflexo bésica da mora] néo é propriamente oder” ou “no poder” querer expressa autocompa- bi ide, @ nao aprovacio moral ou désaprovacio. Mas igo existe nenhuma contradigfo em sina idéia de que a humanida= de cesse de exisis, e dessa forma também nenhuma contradigio em sina | idéia de que a felicidade das geragbes presentes e seguintes possa ser paga | com 2 infelicidade ou mesmo com a nao-existencia de geragGes pOsteras | —tampouco, afinal, como a idéia contriria, de que a existencia ¢ a f dade das geragdes futuras seja paga com a infelicidade e mesmo com a e rminacio parcial da presente. O sacrficio do futuro em prol do presente ‘camente mais refutével do que o sacrificio do presente a favor do futuro, A diferenca esté apenas em que, em um caso, a série segue adiante ¢, no outro, no. Mas que ela deva seguir adiante, independente- mente da distribuicéo de Felicidade e infelicidade, e até com o predomini da infelicidade sobre a felicidade, e mesmo com o da imoralidade sobre a moralidade3 tal ndo se pode dedusie da regra da coeréncia no interior da série, por maior ou menor que seja a sua extensio. Trata-se de um mandamsento de um tp0 intelramente diferente, exteno e prévio iquela série, e cxjo fundamento tiltimo sé pode ser metafisico. 2, Um imperativo adequado ao novo tipo de agir humano e voltado para © novo tipo de sujeito atuante deveria ser mais ou menos assim: “Aja de modo 2 que os efeitos da tua a¢do sejam compativeis com a permanéncia ivamen- “7 possibilidade futura de urna tal vida’; ou, simplesmente: “Nao ponha em erigo as condicdes necessdrias para conservacao indefinida da huma- nidade sobre a Terra”; ou, em um uso novamente positivo: “Inclua na tua «escolha presente a futura integridade do homem como um dos objetos do teu querer.” 3. E facil perceber que a infragio desse tipo de imperative ndo conduz a nenhuma contradigao. Eu posso querer o bem presente ao preco do sacri- ficio do bem futuro, Eu posso querer, assim como o meu proprio fim, também o fim da humanidade. Sem cair em contradigio, posso preferir, no meu caso pessoal, bem como no da humanidade, uma breve queima de fogos de artificio que permi notonia de uma continuasao inte Mas 0 novo imperativo diz que podemos arriscar-a nossa propria vi ‘mas no a da humanidade; que Aquiles tinha, sim, o direito de escolher para si uma vida breve, cheia de atos gloriosos, em vez de uma vida longa em uma seguranca sem glérias (sob 0 pressuposto técito de que haveria urma posteridade que saberia contar os seus feitos)s mas que nés no te- mos o direito de escolher a nao-existéncia de futuras geragdes em fungao da existéncia da atual car teoricamente — e talvez, sem religifo, s que nao temos esse direitos por que, 20 cont daquele que ainda néo é nada e que ‘como for, na condigdo de nio-existente, nfo reivindica existéncia, De in! io, 0 nosso imperativo se apresenta sem justificativa, como um axiom, 0, € evidente que © nosso imperativo volta-se muito mais & ida, nao sendo esta tltima a dimen. © imperativo categérico de Kant era yoltado para o individuo, e seu critério era momenténeo, Ele exortava sa cada um de nés a ponderar sobre o que aconteceria se a méxima de sua agdo atual fosse transformada em um principio da legislago geral: a coe- éncia ou incoeréncia de uma tal generalizacio hipotética transforma-se na prova da minha escolha privada. Mas em nenhuma parte dessa refle- xio racional se admitia qualquer probabilidade de que minha escolha pri- vada fosse de fato lei geral, ou que pudesse de alguma maneira contribuir 140, De fato, nao estamos considerando em absoluto ‘caPITULO 1+ NATUREZA MOD! turo. Ea “universalizacio” que ele visualiza nao ¢ hipotét feréncia meramente légice do “eu” individual para um “todos” imaginé- rio, sem conexo causal com ele (“se cada um fizesse assim”): a0 contrério, as a¢des subordinadas ao novo imperativo, ou seje, as agbes do todo col i proprias na progressio de seu impulso, desem- bocando forcosamente na configuragao universal do estado das coisas, Isso acresce 20 cilculo moral o horizonte temporal que falta na operagao ldgica e instantanea do imperativo kantiano: se este Ailtimo se estende s0- eo ratividie «vt patceat - furene VI. ANTIGAS FORMAS DA“ETICA DO FUTURO” Avesta altura pode-se argumentar que, com Kant, escolhemos um exem- plo extremo da ética da convicrio e de que ¢ possivel refutar nossa afir- magio de que toda a ética anterior se orientava pelo presente, como uma &ica do simultinco, usando diferentes formas éticas no passado. Podemos limind-los como obstaculos aes fim — da qual 9 mardsmo revelucio- nario € o exemplo proemi vivem como simples meio para um fim que se encontra além deles ou da consumaso no mais-além Nesses trés casos, 0 primeiro e o terceiro tém em comum a postulagio do fururo como o lugar do valor absoluto, acima do presente, reduzindo este timo a uma mera preparagao para aquele. Uma importante diference € que, no caso religioso, nZo se poderia atribuir ao agir do presente a cria~ ,, io de um estado futuro; aquele agir s6 seria capaz de qualificar o indivi * duo aos olhos de Deus, a quem a fé deve confiar a consumacio do futuro, A qualificagio consiste em uma vida que agrede a Deus. Pode-se supor ‘que ela seja, por si mesma, a melhor vida, a mais digne de ser vivide; por- tanto, ndo precisa ser escolhida tendo em vista uma eventual felicidade eterna. Fosse essa a motivacio principal da escolha, o estilo de vida per- deria algo de seu valor até mesino de sua qualificagaos ele & tanto me- Ihor quanto menos intencional for. Mas quando se pergunta em que con- * siste tal qualificago, nos deparamos com normas de conduta semelhantes |. 88 prescrig6es de justica, amor ao préximo, sinceridade etc., que seriam ou poderiam ser prescritas por uma ética imanente em estilo cléssico, Por- tanto, na versio “moderada” da crenca na salvagdo da alma — como, por exemplo, a dos judeus —, estamos mais ume vez ds voltas com uma ética da simultancidade e da imediaticidade; ¢ o que pode ser uma ética em um. caso particular nao depende de seu fim transcendente — cujo contetido, WANS JONAS -0 PRINEIPIO RESPONSABILIDADE além do m: , & impossivel de se imaginar — mas de como se determina © conteddo da vida que agrade a Deus, considerada condigao para tal fim. Pode ocorrer, contudo, que 0 contetido daquela condicdo seja determi- nado de tal modo — e isso acontece nas formas “extremas” da crenca na salvacio da alma — que a sua realizagao nao possa ser vista como um va- ior em si mesmo, mas exclusivamente como um lance em uma apost2, cuja perda — ou seja, nao alcangar o ganho eterna — poria mado @ per- der. Pois nesse caso de um: por Pascal, o lance ¢ a vida terrena inteira, com todas as suas possibilida- des de felicidade ¢ realizagdo, cuja remtincia se torna condigsao para a sal- vacio eterna, A esse caso pertence toda forma de ascetismo radical, que mortifica 0s sentidos e rejeita a vida, cujos praticantes teriam perdido tudo em caso de insiscesso de suas expectativas. Esse céleulo difere do eél- culo habitual, mundano e hedonista, com seus riscos ¢ suas remincias bem. ponderadas, suas procrastinagSes periédicas, somente em virtude da to- talidade de seu quiiproqué e da desproporsao da probabilidade diante da posta. Mas precisamente essa desproporgio desloca todo o empreendi- significativa (ou seja, néo hé sentido qualitative nem quantitativo que tor- ne um dos termos preferivel ao outro); quanto ao valor da finalidade, cujo mente o 9, Falta também 0 elo causal, necessério a0 pensamento éti- io (esperado), a que este nao éentendido como resultado da remincia do mundo do aqui-e-agora, mas apenas prometido como compensagao em outro lugar. Quando se pergunta, portanto, por que @ reniincia radical deste mun- do € to meritéria a ponto de poder pretender aquela compensaséo ou recompensa, uma resposta seria @ de que a carne é pecadora, o prazer & ‘maute 0 mundo, impuro. Neste caso, assim como no caso ligeiramente di- ferente, em que a individuagio como tal seja considerada mé, 0 ascetismo apresenta um ag lizagao interior al pa CAPITULO ANATUREZA MODIFCADA 90 AGiR MUMANO tual resultantes de seus esforcos, € possivel até mesmo gozar da recom- pensa eterna na vivéncia mistica do absoluto. In summa, ne medida em que esse conjunto de orientagdes para um fim transcendente pertence a ética — como é particularmente o caso da forma “moderada” de uma vida voltada para o agrado divino como con- digo para a recompensa eterna, mencionada em primeiro lugar —, po- demos dizer que ele também confirma a nossa tese de que todas as éticas, precedentes se orientavam em fungio do presente. lidade do estadista com o futuro Mas 0 que dizer dos casos de éticas que falam de um futuro imanente, as tinicas que pertencem realmente a uma ética racional? Haviamos men- Gionado, em segundo lugar, a preocupagao previdente do legislador e do sua criago, mas no por planejar previamente algo que s6 deve tornar-se realidade para os pésteros, sendo inalcangével para os contemporéneos. inalterada possivel, do que fo rambém o melhor para o futuro, idade esta na duracio, O melhor Estado, assim se imaginava, pois 0 seu eq interno atual garante 0 futuro; eyidentemente, ele seré também 0 melhor Estado no futuro, pois os s de uma boa cordem (entre os quais 0 da durabilidade) néo se modificam, jé que a na- tureza humana nao se modifica. As imperfeigies dessa natureza devem estar incluidas na concepedo de uma ordem politica vidvel, feita pelo le- gislador sdbio. Por isso, 0 legislador no prope o Estado perfeito em ter- ‘mos ideais, mas 0 melhor em termos reais, isto €, 0 melhor Estado po: vel, to possivel e tdo ameacado hoje quanto o ser4 no futuro. Tel perigo, ‘que ameaga toda ordem com a desordem das paixdes humanas, torna ne- cessirio que o estadista, no exercicio do governo, exercite uma sabedoria estével, para além da sabedoria tinica e fundadora do legislador. Mas a censura de Sécrates & politica de Péricles néo se dé porque scus empreen- dimentos grandiosos falhassem mais tarde, ep6s @ sua morte, mas porque HANS JONAS © PRINCIPO RESPONSABILIDADE por meio de projetos grandiosos (junto com seus sucesso: ‘em sua época havia seduzido 0s atenienses ¢ arruinado as virtudes civis. AA infelicidade de Atenas nfo era atribuids a uma falha quelquer daquela politica, mas 20 cariter nefasto da sua origem. Ela ndo teria se tornado melhor mesmo na hipétese retrospectiva de que tivesse “sucesso”, O bem de entéo ainda hoje seria o bem e, com toda probabilidade, teria durado até hoje. A previsio do estadista consiste na sabedoria e na moderagio que ele devota a0 presente: esse presente no esté ai com vista a um futuro de ‘outra espécie, mas, na hipétese mais favordvel, a um futuro que se man- stém igual a cle e precisa justificar-se a si mesmo hoje, tanto quanto na- quele futuro. A duragio ¢ um efeito secundério do bem atual, vilido para +" ‘sempre. A aio politica possui um intervalo de tempo de agio e de res- cponsabilidade maior do que aquele da a¢ao privada, mas, na concepsao |, 70" ‘pré-moderna, a sua ética nao é nada mais do que uma ética do presente, | embora aplicada a uma forma de vida de duracéo mais longa i 3.Autopia moderna a, Essa situacdo somente se modifica quando consideramos o terceiro exemplo, aquele que chamei de politica da utopia, um fenémeno inteira- mente moderno e que pressupde uma escatologia dinamica da histéria, | desconhecida no passado. As escatologias religiosas do periodo “da nio representam esse caso, embora o preparem. O messi exemplo, nao impée uma politica messi i io de Deus. Considera o comportamento humano somente na me- fem que este possa se tornar digno desse acontecimento por meio da obedigncia as normas que he foram impostas, mesmo sem tal perspecti- va. Aqui € pertinente na escala coletiva 0 que foi dito antes na escala indi- vidual sobre a expectativa do além-mundo: aqui-e-agora € de fato so- brepujado pela expectativa do fim, mas nao é incumbido de sua realizacio Ele se pe tanto melhor @ servigo desta quanto mais fiel permane- cer A sua propria da por Deus, cuja realizacéo depende inteiramen- te dela mesma b. Certamente, também houve aqui uma forma extrema, na qual aqueles {que quetiam “apressar o fim" tomaram sue realizacéo nas préprias mios, | pretendendo iniciar o reino messianico ou milenar — para o qual acha~ ‘CAPITULO - A NATUREZA MODIFICRDA DO AGIR HUMAN fam que 0 tempo havia chegado — com um iltimo golpe de agio terrena. No inicio dos teripos modernos, vérios movimentos milenaristas chegam ‘ferto da politica utépica, especialmente quando nao se contentamem anunciar e preparar 0 caminho, mas comecam a dar positivamente os pri- neiros passos no estabelecimento do reino de Deus, cujo contetido eles j4 podem propor. Na medida em que nessa concepeao sejam importantes as idéias de justiga e de igueldade social, ai jé se encontra também presente a motivagio caracteristica da moderna étice ut6pica. Mas nao ainda o abis- smo escancarado entre o agora e o mais tarde, entre meio e fim, aco e ob- jetivo, estendendo-se sobre geracbes, que é a caract escatologia secular, isto 6 do moderno utopismo. Cont ica do presente, nao do futuro. O homem verdadeiro ali se encontra, € na pequena “comunidade dos santos” jé se encontra também o reino ir do momento em que eles comegam @ realizé-lo em seu seio, 0 enfrentamento das forgas lagre de Jericé, ¢ no como um processo realizado com a mediacao da causalidade hist6rica. Ainda estava por ser dado o tltimo passo em dire- fo a uma ética da ria que fosse imanente a0 mundo e ut6pica. c. Somente com o progresso modemo, como fato ¢ idéia, surge a possibi- lidade de se considerar que todo o passado é uma etava preparatéria para o presente e de que todo o presente é uma ctapa preparatéria para o futu- 10. Quando essa representagdo (que, sendo ilimitada, néo pri presente) liga-se a uma escatologia secularizada que atribui ao absoluto, definido em termos seculares, um lugar demarcado no tempo —a isso se acrescentando a concepedo de uma dindmica teleolégica que conduz 20 ado definitive —, entdo esto dados os pressupostos te ica ut6pica, “Edificar jé 0 reino dos céus sobre a Terra” poe uma representagio do que consistiria um tal reino dos céus terreno (0x é isso que se poderia esperar, mas aqui a teoria se apresenta nota- velmente lacunar). Em todo caso, mesmo na auséncia de tal representa- ‘fo, pressupée uma concepeio sobre acontecimento humano que faz a radical mediagdo com tudo o que precede aquele reino dos céus, ou seja, que condena todo o passado como provisério, despido de valor proprio. ‘ou, no melhor dos casos, transforma-o em veiculo para alcancar o fim prometido que se aproxima, em melo para atingiro ‘nico objetivo futuro que realmente vale a pena perseguir. ‘Aqui, de fato, hé uma ruptara com o passado. Aquilo que dissemos — de que a ética passada se orientava para a situaco presente e pressupu- ystha uma estabilidade da natureza humana — nio se aplica mais a dout ra que apresenta da forma mais limpida essa ruptura, a filosofia da hist6- ria marxista e sua respectiva ética da agio. Q agir ocorre em funcio de ‘um futuro que ndo seré usufruido nem por seus atores, nem por sues vi- .as ou contemporaneos. A obrigag&o para com o presente provém de -estar de eeu mundo contemporéneos e as normas do agir sio tio provisorias e mesmo téo “inauténticas” quanto a situagdo que ele pretende superar. A ética da escatologia revolucion: vé a si mesma como uma ética de transigd0, enquanto a ética auténtica, ainda essencialmente desconhecida,s6 poderd vigorar depois que aquela tive criado as condigdes pare tanto e, com iso, abolido a si propria. Portanto, jé existe 0 caso de uma ética do futuro, 0 marxismo, com- portando uma distincia de previsio, uma extensto temporal da respon- sabilidade assumids, uma ampliacéo do objeto (toda a futura hum: uma preocupacio profunda (toda a esséncia futura do hor E, acrescentemos agora, que considera seriamente os poderes da técnica —nada ficando a dever & ética que queremos defender aqui. Por isso, € importante determinar @ relacio entre essas duas éticas, que tém tantas respostas comuns, quando comparadas a ética pré-moderna, e que, no entanto, no que diz respeito & situaco moderna sem precedentes e espe~ almente no que diz respeito a tecnologia, sio tao distintas entre si. Mas essa comparagdo deve esperar até que tenhamos refletido um pouco mais sobre os problemas e as tarefas com os quais tem a vor a ética que aqui ‘eros em vista e que lhe sao impostos pelo colossal progresso da técnica. Pois os poderes da técnica sobre o destino humano ultrapassaram poder ix 0 préprio comunismo, que, como todos, pensava apenas servir-se deles. re enquanto ambas as “éticas” tém a ver com as Por ora basta indicar idades ut6picas dessa tecnologia, a que aqui se busca ndo € escato- logica e & antiutépica, em um sentido que ainda precisa ser determinado. e VII. HOMEM COMO OBJETO DA TECNICA ia delas para as novas dimensbes do agir humano, que Ihes transcendem. Nossa tese & de que 08 novos tipos e limites do agir exigem uma ética de previsio ¢ responsebilidade compativel com esses ue seja tao nova quanto as situagdes com as quais ela tem de lidar. Vi- os que estas sio as situages que emergem das obras do homo faber na era da técnica, Mas ainda nao mencionamos a classe potencialmente mais fanesta dessas obras de nova espécie, Situamos a techne apenas em sua aplicagzo no dominio néo-humano, Mas 0 préprio homem passou a fi- gurar entre os objetos da técnica, O homo faber aplica sua arte sobre si a refabricar inventivamente o inventor e confecciona- odo o resto. Essa culminagdo de seus poderes, que pode muito bem significar a subjugacéo do homem, esse mais recente emprego da arte sobre a natureza desafia o tiltimo esforco do pensamento ético, que antes ‘nunca precisou visualizar alternativas de escolha para o que se considera- va serem as caracteristicas definitivas da constituiggo humana. 1.Prolongamento da vida ‘Tome'se como exemplo 0 mais fundamental desses fatos, a mortalidade do homem. Quem alguma vez precisou se decidir sobre qual seria a sua duracdo desejével ¢ opcional? Com relagdo & sua fronteira mais clevada, dos “setenta anos, ¢, quando muito, oitenta’, ndo havie escolha. Sua irte- versibilidade foi objeto de queixa, de resignacéo ou de ilusdes ociosas, para nao dizer tolas, sobre excegdes possiveis — estranhamente, quase nunca de anuéncia. A fantasia intelectual de um G. B. Shaw e de um Jonathan Swift especulon sobre o privilégio de no ter de morrer ou sobre a mal- digo do nao-poder-morrer (neste tiltimo tema, Swift foi o mais pers- picaz dos dois € lenda brincaram com tais temas sob o inconteste pano de fundo do imutével, fazendo com que o mais sério dos homens repetisse o salmo “ensina-nos a contar os nossos dias para que ganhe- ‘mos um coracéo sébio”. Nada disso estava no dominio do fazer ¢ da deci- sio efetiva. A questio era apenas a de como se comportar diante do que era dado, “Hoje, porém, certos progressos na bi ‘lular nos acenam com a perspectiva de atuar sobre os processos bioguimicos de envelhecimento, ampliando a duragio da vida humana, talvez indefinidamente. A morte nfo parece mais ser uma necessidade pertinente & natureza do vivente, ‘mas uma falha orginica evitével; suscetive, pelo menos, de ser em prin. cpio tratavel e adiével por longo tempo. Um desejo eterno da humani- dade parece aproximar-se de sua realizagdo. Pela primeira vez temos de ‘nos pér seriamente a questo: “Qui desejével ¢ isto? Quo desejével para 0 individuo e para a espécie?” Tais questdes tangenciam nada menos do que todo o sentido de nossa finitude, a postura diante da morte e o sig- nificado biol6gico geral do equilibrio entre morte e procriagio. Antes de tais questoes stimas colocam-se as questBes mais praticas de saber quem deve se beneficiar com a hipotética béncio: pessoas de valor e mérito es- pecialf De eminéncia e importincia social? Aqueles que podem pagar por isso? Todos? A titime opinio pareceria a tnica justa. Mas a conta seria age na extremidade oposta, na fonte. Pois esté claro que, na escala de- mogréfica, o prego por uma idade dilatada é um retardamento propor- cional da reposicio, isto é um ingresso menor de vida nova. O resulte- do seria uma proporgio decreseente de juventude em uma populagao crescentemente idosa. Isso seré bom ou ruim para a condigZo geral do ho- mem? Com isso ganharia ou perderia a espécie? Em que medida seria jus- to bacrar o lugar da juventude, ocupando-o? Ter de morrer li nascido: moi dade (Gebirtichkeit, para utilizar uma expressio cunheda por Hannah Arends). As coisas sempre foram assim; mas agora o seu sentido deve ser repensado no dominio da decisto, Para se tomar o extremo: se abolirmos a mo bém a procriacio, pois a resposta da vida & pi terfamos um mundo de velhice sem juventude e de individuos dios, sem a surpresa daqueles que nunca existiram. Mas ‘mente esta a sabedoria na severa disposicio de nosse mor gue ela nos oferece a promessa, continuamente renovade, da novidade, da imediaticidade e do ardor da juventude, e ao mesmo tempo uma perma- oferta de alteridade como tal. Nao hé substituto para tanto numa scumulacéo maior de experiéncia prolongada: ela nunca poderd recon quistar @ prerrogativa Gnica de se ver o mundo pela primeira vez e com [CAPITULO L-&NATUREZA MODIFICADA 90 AIR HUNAN. ‘olhos novos, nem reviver o espanto (para Platio, 0 principio da filosofia) ou a cutiosidade da crianca, que raramente se transmuda em ansia de sa- ber no adulto, até que ela ali se paralise. Esse eterno recomegar, que s6 se pode obter ao prego do eterno terminar, pode muito bem ser a esperanca da humanidade, que a protege de mergulhar no tédio e na rotina, sendo a sua chance de preservar a espontaneidade da vida. ‘Também se deveria considerar o papel do memento mori na vida de cada individuo. Como ele seria afetado pelo fato de que o momento dessa ‘morte possa se prolongar indefinidamente? Talvez todos nés necessitemos de um limite inelutavel de nossa expectativa de vida para nos incitar a contar 0s nossos dias ¢ fazer com que eles conte para n6s. Desse modo, seria possivel que aquilo que pretendia ser um presente filantrépico da ciéncia ao homem, 2 realizagao de um sonho acalentado desde tempos imemoriais — escapar a maldicao da mortalidade—, trans- forme-se em um maleficio para ele. Aqui nao pretendo especular sobre 0 faturo ou emitir juizos de valor, embora a minha opinilio a respeito seja Minha tese é simplesmente, de que a mera perspectiva desse presente jé levanta quest6es que nunca foram postas antes no imbito da escolha pritica, e de que nenhum principio ético passado, que tomava as constantes humanas como dadas, est4 a altura de respondé-las, Contudo, essas questées devem ser encaradas, eticamente e conforme principios, ¢ no sob a pressio de interesses. 2. Controle de comportamento (O mesmo ocorre com todas as outras possibilidades quase utdpicas que 0 rogresso das ciéncias biomédicas em parte jd disponibiliza — traduzido em poderio técnico — e em parte acena como possibilidade. Entre elas, @ controle de comportamento encontra-se consideravelmente mais eas questoe menos profundas, mas tém uma relacio direta com a concepcéo moral do homem. Tembém aqui a nova espécie de intervenga i gue, suponhamos, sejam empreendidas com fins defensaveis ¢ até mesmo louvaveis, A mistura de possibilidades benfazejas e perigosas é clara, mas WANS JONAS -0 PRINEIPIO RESPONSABILIOADE no é facil tracar os limites. Libertar doentes mentais de sintomes doloro- sos e perturbadores parece ser algo claramente benfazejo. Mas uma dis- creta transi¢io leva do alivio do paciente — um objetivo em total conso- nancia com a tradigao médica — a aliviar a sociedade da inconveniéncia de comportamentos individuais dificeis entre seus membros. Isso signifi- caa transi¢io da aplicasio médica para a social e abre um campo indefi- nivel, que contém potencialidades inguietantes. Os renitentes problemas da ordem e da anomia na moderna sociedade de massas tornam extrema- mente sedutora, para os fins de manipulagZo social, a aplicagao desses métodos de controle de forma nao-medicinal. Aqui se levantam intmeras questdes de direitos do homem ¢ dignidade humana; o dificil problema erdade de disposigoes dé! 0 entre assisténcia com interdicio tutelar ou com to urge por respostas concretas, Devemos indu gern em criangas na escola por mei € assim contornar o apelo & mot erat a agressdo por meio da pacificacfo eletronica de regiBes cerebrais? Devemios produzir sensagdes de felicidade ou ao menos de prazer pela es- ‘timulagdo independente dos centros de prazer, quer dizer, independentes dos objetos da felicidade e do prazer e da sua obtencéo na vida e no de- sempenho pessoal? As opgdes poderiam se mull rinm se interessar por varias dessas técnicas, visando a melhorar o desem- penho dos seus empregados. Independentemente da questdo de coago ou adesdo, e também independentemente da questéo de existirem et lterais indesejados, sempre que contornamos dessa maneira 0 caminho humano para enfrentar os problemas humanos, sul to-cireuito de um mecanismo impessoal, subtraimo: dos individuos ¢ damos mais um passo & frente no caminho que nos con- duz de sujeitos responséveis a sistemas programados de conduta. A fun- cionalidade social, seja qual for a sua importancia, é apenas um lado da fa questo sobre que tipo de individuos tornam valiosa a mncia de uma sociedade como um todo. Ao longo do caminho da »*"" crescente capacidade de manipulecio social em detrimento da autonomia lual, em algum lugar se deverd colocar a questo do valor, do vale: a-pena de todo empreendimento humano. Sua resposta deve buscar a 1agem do homem, da qual nos sentimos devedores. Devemos repensé- la luz do que hoje podemos fazer com ela ou fazemos a ela e que nunca pudemos fazer anteriormente. [CAPITULO A RETUREZA MODIFICAOR OO AR HUMAND. 3.Manipulagao genética ‘A mesma exigincia se impde em grau ainda mais alto com respeito ao il- imo objeto de uma tecnologia aplicada 20 homem — o controle gené- ons fiuturos. Esse é um assunto grande demais para ser trata contentaremos simplesmente em indicar esse sonho ambicioso do Homo faber, condensado na frase de que o homem quer tomar ern suas méos.a ‘sua propria evolucao, a fim néo meramente de conservar a espécie em sua integridade, mas de melhori-la e modifici-la segundo seu proprio proje- to, Saber se temos o direito de fazé-lo, se somos qualificados para esse pa~ pel criador, tal é a pergunta mais séria que se pode fazer ao homem que se encontra subitamente de posse de um poder téo grande diante do des- tino. Quem serdo os criadores de “imagens”, conforme quais modelos, com base em qual saber? Também cabe a pergunta sobre o direito moral de fazer experimentos com seres humanos futuros. Essas perguntas ¢ ou~ tras semelhantes, que exigem uma resposta antes que nos deixemos lever em uma viagem ao desconhecido, mostram de forma contundente até que onto 0 nosso poder de agir nos remete para além dos conceitos de toda ética anterior.

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