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—19— Por Que Ser Adordvel? Esta éa fibula a respeito de uma Macaca que tinha dois flhotes, dos quais ela detestava um ¢ amava 0 outro, a quem [ela] tomou nos bragose com ele fugiu diante dos ees que seguiam em seu encalzo. E quando 0 outro viu que sua mae 0 deixava para trds, corre e pendurowese das costas dla. E porgue 0 macaguinho que ela segurava nos bragos [a impedia de correr ela soltou-o no chao. E 0 outro a quem a mie detestaua agarrou-se-the com firmeza e salvowse. — Das fibula de Esopo,c 620 .C* sem alguma vez jé se perguntou sobre o significado da expressio mais careca do que um frango-<'gua”, ou se preocupou com receio de que um crinio luzidio qual bola de bilhar 0 torne menos cativan- te, precisa conhecer os pequenos frangos-<’égua que mergulham para angariar seu sustento nos banhados de escassa profundidade perto de minha casa, sub- mergindo misteriosamente quando me aproximo para sé voltarem timidamente A tona sob a protegio dos juncos. O frango-d’égua americano, Fulica america- na, é encontrado desde 0 Canada até o México. Prédigas na produgio de ovos, as fémeas pdém qualquer quantidade entre sete ¢ 13 ovos em ninhos flutuan- tes construidos com vegetacio morta. Irmios Rivais entre as Aves Como tantas outras aves, as fémeas dos frangos-d’égua pBem rorineira- mente mais ovos do que 0 miimero de filhotes que o casal pode, ou quer, riar Os frangos-d’égua estio entre aquelas aves lugubremente apelidadas de “redu- toras de ninhada’ pelos ornitélogos. De um terso a metade dos pintos morre- rio de fome antes de emplumar-se. A dura competigdo familiar explica por que os filhotes do frango-d’dgua nascem nio necessariamente equipados para matar mas certamente trajados para ocupar seus assentos entre os eleitos para um banquete de gala. Os filhores nascem espetacularmente diferentes de seus pardacentos pais, que no ostentam nada mais brilhante do que um bico bran- 460° texto ing cima raduido ¢ de autora de Wiliam Catton, que o tradusiu do prego em 1483. (NT) Fig. 19.1 Desenho de um bestidro inglés do século XL (Ver eplgrate no infcio deste capfeulo.) co. A porgio da frente do corpo de um filhote é coberta de conspicuas cerdas cor de laranja. Os colhos ea ponta do bico vermelho estio cercados de brilhantes papilas, agrupadas como contas de co- ral, €0 cranio quase calvo refulge num tom verme- Iho vivo, Ser suficientemente rutilante para atrair a atengio dos pais é decisive para a sobrevivéncia, ‘mas envolve também a responsabilidade de tornar 08 pintos recém-chocados visiveis demais para os predadores. ‘Conforme David Lack observou anos atrds em relacéo a outras espécies redutoras de ninhadas, uma fémea de frango-d’4gua Oe seus ovos em seqiiéncia durante um perfodo de varios dias, mas comeca logo a chocé-los para que os ovos que foram postos primeiro tenham uma boa vantagem sobre os que virdo depois. A incubacio tardia tem sérios inconveni- entes. Em espécies como a do pequeno gaviéo mosqueado, em que o fratric{dio € obrigatério, o primeito filhote chocado desfere bicadas no irmio mais novo até 0 matar,' Presume-se que 0s pais puseram esse ovo extra como uma forma de garantia, no caso de o primeiro ser defeituoso, sucumbir em conseqiiéncia de uma enfermidade ou ser perdido para os predadores, Os filhotes mais velhos sio os que mais se beneficiam de uma incubagéo escalonada. Ao produzitem uma progénie bem-sucedida, os pais também se beneficiam. Dat ficarem surpreendentemente despreocupados, nao intervindo quando os flores mais velhos desferem bicadas nos mais novos até os mata- rem. Os perdedores sfo os pintos chocados em tilsimo lugar, dificilmente em posigao de fazer qualquer coisa, a nao ser esperar por um milagre. (E remota- mente possivel, mesmo nesta fase, que os mais velhos sofram um revés,) Em algumas espécies fratricidas (como a garca real), um ou mais filhotes s6 so mortos, algumas veces, quando o alimento é escasso. A morte resulta de os filhotes mais velhos maltratarem os mais fracos, os quais sio intimidados a tal ponto que deixam de comer. Em outras espécies fratricidas s40 postos varios ovos, ¢ todos menos um de cada postura serdo énvariavelmente mottos. Essas espécies obrigaroriamente fratticidas tendem a ser as grandes aves carnivoras, como dguias, pelicanos, cegonhas, mergulhées e pingiiins. A fim de se qualifi- car para a definigio cientifica de espécie “obrigatoriamente fratricida”, todas as ninhadas produzidas devem ser reduzidas em 90% ou mais? Normalmente, 0 liltimo filhote incubado s6 sobrevivers se for criado como um substituto para um filhote alfa 43 Quanto maior foro intervalo entre a postura do primeiro ovo ea do tiltimo, mais tempo um ovo de seguranca estard & disposigio para servir de substituto numa emergéncia, se necessitio, e de mais tempo disporé o mais velho para crescer ¢ ficar muito maior do que o mais novo. Com a vantagem inicial, a climinagéo do resto da ninhada pelo irméo tirano pode ocotter rapidamente e, do ponto de vista dos pais e do filhote sobrevivente, com extrema eficiéncia.* ‘Mas em espécies onde a morte dos irméos mais novos nfo esté, em absoluto, predeterminada, se o alimento resultar abundante os pais criam a ninhada toda.5 Exagerar as Desigualdades? Ou Minimizé-las? Presume-se que foram as limitagées energéticas e 0 risco de uma excessiva responsabilidade materna o que favoreceu inicialmente as aves mies a espaca- rem em alguns dias o intervalo entre posturas. Uma vez estabelecida, essa pos- tura escalonada de ovos que seriam chocados assincronicamente preparou o terreno para que o primeiro filhote chocado prevalecesse sobre os mais novos. Nesse ponto, houve uma oportunidade para a selegdo natural favorecer os com- portamentos parentais que, quando nfo exacerbavam, atenuavam as desigual- dades resultantes entre irméos. Por exemplo, comecando a chocar imediata- mente o primeito ovo de uma postura, a mie assegura que o filhote nascera antes da incubagio dos seus outros ovos. Entre algumas aves, as mes foram selecionadas para favorecer ainda mais os tiranicos filhotes mais velhos deposi- tando uma dose extra de andrégenos estimuladores da agressividade mas ge- ‘mas dos primeiros ovos da poscura. A partir dat os filhotes saem distribuindo biicadas para alcancar o resultado previamente, enquanto os pais se mantém indiferentes & refrega.* ‘Outras aves, porém, como os meus amigos frangos-d'égua, preferem optar por igualar em vez de exacerbar as desigualdades, permitindo que os filhotes ‘menores coexistam com os rivais mais velhos. Em ver de consentirem no pre- dom{nio dos mais fortes, os papais frangos-< gua compensam a fraqueza com- petitiva dos mais novos dando-lhes a preferéncia na alimentacéo. Entre os filhotes do frango-dégua, a variada plumagem neonatal passa por uma meta- morfose gradual e, no espago de trés semanas, converte-se no menos visivel e mais seguro uniforme cinzento regulamentar dos adultos, assim fornecendo a0s pais uma indicacio correta sobre a idade do filhote. Ao favorecerem os de plumagem mais vistosa, os pais tém a certeza de alimentar os mais novos. Como todos 0s ilhotes no ninho vio descolorindo gradualmente com a idade, passando a um cinza quacre e depois 20 preto na maturidade, as preferéncias parentais pela coloragio neonatal também vao se dissipando aos poucos. (s pais dos frangos-d’égua néo sfo as Gnicas aves que aderem inadvertida- mente a tais ideais pés-lluminismo, ajudando os mais fracos e desprotegidos. 482. As candrias-maes nivelam o investimento nos filhotes por outros meios. Elas adicionam cestosterona extra as gemas de seus tltimos ovos. Depois que os ‘vos so chocados, as mies fornecem mais alimento aos fillhotes mais famin- tos, em vex de aos mais velhos.” Assim que leu esse trabalho de Hubert Schwabl sobre doses extras de testosterona nos tltimos ovos de cada postura da candtia, o sociobidlogo Doug Mock formulou a hipdtese de que a garcas-boiadeiras-mes por ele estudadas administravam suas ninhadas de um modo muito diferente. Mock vinha estu- dando ha virios anos o fratricidio e nunca tinha visto pais de garcas fazerem fosse 0 que fosse para proteger seus filhotes mais novos. Colaborando com Schwabl, Mock ¢ seus colegas da Universidade do Oklahoma descobriram que entre as gargas-boiadciras fratricidas, o primeivo ovo recebe uma dose extra de andrégenos. Arriscaram a hipétese de que esse reforco de esterdide estimula a agressividade e facilita ainda mais a dominacio dos filhotes mais novos pelos irmios mais velhos. Mas poderia ser a dotagio desigual de esterdide uma coin- cidéncia? A observagéo de Mock de que, numa diferente espécie de garca no caracterizada pelo fratriefdio as mies fornecem a mesma quantidade de con- tetido andrdgeno a cada um de seus ovos produzidos em seqiiéncia torna me- nos provavel essa possibilidade. As implicages sto deveras perturbadoras. Se o incentivo parental agtessividade dos filhotes mais velhos, nas aves fraricidas, nao é coincidéncia, entéo isso sugere que @ intensidade e © desfecho da tivalidade entre irmios esto sendo indiretamente estabelecidos pelos pais. Mesmo dado um intervalo fisiologicamente imposto entre as suas posturas, compete & me decidir se co- mega chocando o primeiro ovo imediatamente ou se aguarda até o final da postura, de modo que os ovos sejam todos chocados ao mesmo tempo. Cabe ainda & mie depositar a mesma ou diferentes quantidades de horménios esti- mulantes da agressividade em cada filhote, que Atrai os Pais? Os “maus habitos” da Mae Natureza incluem no apenas 0 agir de modo implacivel mas também o atacar primeito os mais fracos. Algumas vezes, os préprios pais tornam-se os agentes da selecio, influindo na sobrevivencia de imaturos de acordo com os interesses parentais. Assim, os pais ampliam os efeitos da selegdo natural comum. Entretanto, ao alimentarem preferencial- ‘mente os mais jovens, os pais dos frangos-d’égua (tal como 08 canérios) esto optando pela eqitidade — até a0 ponto de compensarem as fraquezas. Isso cria novas pressGes seletivas sobre os jovens. Com metade ou mais de cada ninhada sucumbindo & fome, seri fortemente selecionado qualquer traco gue tome mais provével um dado filhore recém-chocado receber mais ali- mento, Pode ser sclecionado mesmo se esse trao revelat, porventura, um aspecto mais vulnerdvel. 483 Foi uma equipe de trés ecologistas comportamentais— Bruce Lyon, John Eadie e Linda Hamilton — que descobriu que os pais dos frangos-d’égua for- necem preferencialmente alimento aos filhoces de aspecto mais jovem (mais carentes). Mas como € que os pais “sabem’? Existiam determinados tracos que atraiam os pais mais do que outros? Os ecologistas postularam que o que deve ter comecado como diferengas modestas entre adultos efilhotes recém-choca- dos (talveza tendéncia dos filhotes de todas as espécies de frangos-<’égua para exibirem uma “tonsura” no cranio) combinadas com um confidvel sinal de alarme emitido por um filhote em apuros (a pele de um filhote que esteja passando por necessidades de qualquer natureza fica vermelha), acabaram por se perpetuar e ampliar. Os pais que acudiam a esses sinais de afligéo tinham ‘uma proporgio mais elevada de filhotes sobreviventes. Como os pais forne- ciam mais alimento aos filhotes com as cabecas mais calvas e mais vermelhas, a prdpria vermelhidéo tornou-se um trago atrativo. Assim, os filhotes que safam do choco com as cabecas mais calvas e mais vermelhas tinham maiores proba- bilidades de sobreviver e de transmitir esses tragos. Neste caso, “sobrevivéncia dos mais aptos” significou a sobrevivéncia dos que aparentavam ser mais jo- vens ¢ mais necessitados, embora ainda fossem suficientemente vigorosos para implorar ajuda, Sem divida alguma, os experimentos revelaram que os fran- gos-d’égua pais alimentaram de preferéncia os filhotes mais brilhantemente coloridos.* (Ver a Prancha 2.) ‘Visto que os pais exercem preferéncias entre a progénie, os filhotes sao selecionados para exibir aqueles tragos que captam a aren¢io deles, levando sinais to exagerados quanto as enormes bocas escancaradas (por veves claboradamente marcadas) dos filhotes de aves. Geracées apés geragbes, num processo semelhante ao da preferéncia dos fasian{deos pela cauda do pavao real, os neonatos vistosos foram preferidos por seus pais. A compensagio para 60 filhote vistoso nao é o seu maior sucesso quando chegar o momento de acasalar ¢ procriar, como na selegio sexual cléssica, mas a sobrevivéncia do filhote vistoso pelo tempo suficiente para e manera, A ave ¢ feita por algo mais que a plumagem. O sucesso depende de preferéncias parentais por uma determinada aparéncia’ i-se num outro dia dessa outra Selegio Desenfreada para Tracos Infantis Tal como o caso mais famoso de selecao sexual através da escolha feminina de um macho com penas de viscosa fantasia, a “escolha parental” tem todo o potencial para deflagrar uma “selecao desenfreada”."° Se os pais preferem filho- tes vistosos, aqueles pais que os preferiram sio selecionados para al. Sua prole sobrevivente seré desproporcionadamente vistosa ¢, ao crescer ¢ tornar-se adulta, dard também pais que preferem e produzem filhotes apropriadamente visto- 464 sos. A selecio estd favorecendo a0 mesmo tempo filhotes com 0 trago e pais que possuem preferéncia por isso, Voltarei a este tépico da selecio desenfreada quando examinar a possibilidade de que as preferéncias maternas contribuam para a selegéo de bebés mais gordos no decorrer da evolugao humana. ‘Atrages Natais em Primatas William Hamilton prop6s desde cedo que a selegio sexual modelou nossas sensibilidades estéticas. Exibindo seu proprio talento poético (um talento, como cantar, que alguns sugeriram ter se desenvolvido em homens por causa do seu atrativo para membros do sexo oposto), Hamilton escreveu que a selecdo se- xual provavelmente “desempenha um papel ao fazer-nos tio superintelelec- tualizados ao ponto de gostar de nosso brilhante e caprichoso mundo da forma como gostamos, muito além de qualquer utilidade para nés”. Mas se Hamil- ton esté certo, as preferéncias adultas por tragos infantis especificos também dever ter moldado os gostos humanos por cores, formatos ¢ tecidos (cabeca grandee graciosa, pele sedosae mais clara, e aquelas caracteristicas a que geral- ‘mente nos referimos quando dizemos que alguém'tem cara de bebé”)."" Nio deveria ser motivo de surpresa no serem as aves as tinicas a chegar a0 mundo com roupagens vistosas. Alguns de nossos parentes primatas também nascem como se estivessem envoltos em tecido de ouro ou polvilhados de neve. No topo desta lista estdo os bebés cor de laranja-ouro nascidos dos quase negros tirsios (Tiachypithecus obscurus) comedores de folhas. Os bebés de um dourado cintilante véem 0 mundo através de olhos orlados por largos cfrculos de um branco de giz; tio extraordindria é a sua vestimenta que 0 mundo s6 pode deter-se para os admirat, entre curioso e espantado. (Ver a Prancha 3.) Talvez por essa razéo, as pelagens natais tém mais freqiientemente motivo de espanto do que de estudo. Pouca pesquisa vem sido desenvolvida a respeito das pelagens natais primatas.!? Noalto dosse das florestas indonésias, esses resplandecentes bebés T obscurus dourados sio tudo menos “obscuros”, embora os pardacentos adultos o sejam. Os novos bebés destacam-se brilhantemente contra os corpos de suas mies, visiveis a meia milha de distancia. Mais espetaculares ainda sdo 0s “padres cructferos” que embelezam as pelagens natais de seus patentes sumatras, os tdrsios rados comedores de folhas. Os neonatos vém ao mundo brancos com uma listra escura da cabeca & ponta do rabo, atravessada por outta listra de ombro a ombro, num padrio de cruz que lembra um emblema herdldico ou, como no tirsio de Bornéo, todo branco com uma simples estria preta. Que finalidade poderiam ter tais decoragées? A maioria dos mamifferos, se ndo podem esconder seus bebés em tocas, pelo menos camuflam-nos, dando & luz cerves de pélo mosqueado que desapa- recem na etva alta de seus esconderijos. Outros sio camuflados harmonizan- do-se com o pélo manchado da mie, como no caso dos bebés de coala, sagiiie 465 ‘orangotango. Aproveitando-se um pouco das vantagens oferecidas de um lado edo outro, muitos macacos cercopitecideos — nascem como advogados ou executivos, em discretos ternos pretos,distintos dos adultos apenas o suficiente para dar aos bebés um uniforme discreto sem precisar anunciar “Bebé a Bordo” — discreto mas diferente. Os parentes mais “pés no chio” dos comedores de folhas (os langures hanumanos ¢ os macacos proboscideos) também tendem a vir 20 mundo com indumentéria recatada ou, pelo menos, a limitar a divulgacio de seus sinais mais pomposos, de modo a no atrair atengio indesejével ¢ predadores, mas ainda assim capazes de anunciar seletivamente a neonatividade, Os macacos langures hanumanos gris nascem. todos pretos, com excecio da pele rosa-flamingo das faces, enquanto os bebés dos macacos proboscideos sio coloridos como seus pais, exceto no focinho azul- druida, que eles dirigem na direco daqueles cujas atengées desejam receber. ‘Mas precisamente de quem as atengSes sio desejadas? Que possivel vanta- ‘gem de sobrevivencia poderia superar a desvantagem de ser tio vistvel a fal- cbs, Sguias e outros inimigos? Poderia ser 0 caso de bebés primatas nascidos com enfeites tio pouco priticos terem evolufdo assim para attair maiores cui- dados por parte das mies? Mas, uma vez que nasceram de obstinadamente devotadas maes macacas do Velho Mundo, por que estranha razio necessita- iam de tais ornatos? Na auséncia de competigio de outros irmios similarmen- te dotados, como poderia explicar-se o desenvolvimento de todos esses sos bebés brancos de neve, dourados, de faces azuis ou, como o frango-d’égua, de reluzente crinio vermelho? Dado que suas mées deram & luz um bebé de cada vez, com quem os ancestrais de todos esses bebés estariam competindo como o babuino e mandril isto- para necessitarem de uma indumentaria que desse tanto na vista? Por que Ser um Bebé Vistoso? Lembremos que as mies macacas so modelos de amor incondicional. Ao contritio das garsas fratticidas (e de alguns humanos), mas & semelhanga dos frangos-d'égua e canétios (e de outros humanos), as mies de macacos e gran- des simios, em vez de discriminarem os filhotes mais fracos, tratam de com- pensar suas deficiéncias e incapacidades. Entre os primatas antropéides, so- mente as mies humanas sio as excegGes a esse respeito, uma vex que as maes hhumanas discriminam baseadas nos atributos da prole Dada a tipica incondicionalidade do “amor” das maes de macacos e gran- des simios, que possivel pressio de selecéo para ser “vistoso” poderia superar os custos evidences para os bebés de colobos afticanos e macacos indonésios comedores de folhas por desenvolverem téo chamativas pelagens natais? Para resolver esse mistério, precisamos ampliar nosso campo de visio de modo a abranger outras f@meas, nfo apenas a mae genética. Ao contrétio da dos fran- 46 gos-d’égua, a vistosa indumentéria natal em primatas nfo evoluit para suscitar ig Pa as atengées ¢ os desvelos dos pais. Desenvolveu-se como uma atragio natal, gritando “Novo Bebé” para todas as benevolentes alomées das vizinhangas, Recorde-se que a maioria das mées macacas e grandes simias sio possessi- vas em extremo com seus recém-nascidos, mas as excegdes sio numerosas. Destacam-se entre estas as espécies com “filhotes compartilhados”, muitas de- las pertencentes a subfamilia dos Colobinae. Os macacos colobos caracterizam- se por grandes estémagos de miltiplas c&maras — estomagos saculiformes da espécie que as vacas ¢ outros ruminantes tém — onde bactérias anaerdbicas decompéem a celulose. Essa capacidade para digerir grandes quantidades de fibras rijas permice que esses macacos vivam de folhas quando néo existem flores ou frutos. A par do elevado grau de parentesco entre membros do grupo que € tfpico das espécies que vivem em pequenos bandos de um sé macho, hd a tendéncia entre os colobos para que as hierarquias de dominagio feminina sejam menos rigidas do que entre os resos ou babutnos. ‘As mies nessas condescendentes sociedades colobinas sentem-se tranqui- las confiando seus bebls, poucas horas apés o parto, a fémeas suas parentes para que se encarreguem deles — entre os langures, durante cerca de metade das horas com luz diurna. Os primatologistas suspeitavam h4 muito de que as mics assim livres por muitas horas para poder dedicar-se & coleta de alimento estariam melhor nutridas mais aptas a produzirleite. Seus bebés também ‘estariam assim melhor alimentados — uma “racionaliza¢ao” muito conhecida (embora nfo inteiramente convincente) de todas as mies trabalhadoras ambi- ciosas que entregam seus filhos em creches diurnas enquanto elas buscam me- Ihorar as condigées de vida da familia. Foi motivo de grande satisfagso, por- tanto, quando John Mitani (em Yale) e David Watts (da Universidade de Michigan) usaram dados comparativos de uma vasta série de primatas com e sem filhotes compartilhados para mostrar que bebés nascidos de mies que compartilham seus filhotes com fémeas suas parentes erescem mais depressa, ¢ que suas mes voltam a parir com intervalos muito mais curtos sem com isso comprometerem sua prépria satide ou a sobrevivéncia do filhore. Em resumo, as mies que podiam contar com uma boa assisténcia diurna para seus filhotes tinham as mais elevadas taxas de fertilidade. Os Humanos Tém Pelagem Natal? ‘As vistosas pelagens natais em primatas deixaram de parecer um mistério. Bebés que dio na vista por sua indumentéria ndo competem (como 0s fran- gos-d’égua) com irmaos da mesma ninhada pela atencio parental mas, em vez disso, competem com todos os outros recém-nascidos em seus bandos para atrair a atengZo de alomies que se disponham a tomar conta deles. Assim como os pais dos frangos-d’ggua favorecem o filhote mais jovem em sua ni- hada, as alomées primatas preferem em seus bandos o bebé mais jovem, 0 de “7 “aparéncia mais neonatal”. Quanto mais jovem for o bebé, mais vezes por minuto as alomées tentam cuidar dele. Quanto mais tempo ficam com ele, mais alimento a mie pode obter. O resultado é benéfico tanto para a mae quanto para o bebé. Isso soa como um sistema que os humanos poderiam usar. Fizeram-no? Os bebés humanos sio realmente adoréveis, especialmente para aqueles dentre nds que estamos tanto cultural quanto biologicamente preparados para assim os vermos. Quando revejo as forografias dos meus préprios bebés logo apés nascerem, rosto vermelhusco e enrugado, fico aténita a0 constatar como sio mais desprovidos de atrativos quando comparados com a minha recorda- a0 de cada um deles como a mais bela criatura que eu jamais vira. Apesar do olhar de contemplagio materna, nada nos recém-nascidos humanos emite si- nais tio visiveis & distancia quanto a brilhante pelagem dourada do bebé de um pardacento macaco comer de folhas ou de um recém-nascido colobo bran- co de neve. 3 sinais neonatais humanos parecem mais talhados para consumo local. Nossa desalinhada espécie ingressa no mundo coberta com uma quase imper- ceptivel eamada de pélo fino chamado lanugem. Fora isso, somos tfo pelados quanto nossos pais, a cujos olhos os bebés nus sio, no entanto, deliciosos. Ao nascer, todos os bebés caucasianos tém olhos azuis, 20 passo que os olhos dos bebés afticanos sio quase incolores. Os recém-nascidos !kung, mongis ¢ os descendentes nativos americanos de povos mongdis tém, com freqiiéncia, con- cencragées de pigmento escuro na base da coluna vertebral de seus recém- nascidos, detcctéveis numa inspe¢éo minuciosa. Ao contrétio, 0 esquema de cor do bebé humano é alguma combinagio da de seus pais, se bem que, com freqiigncia, seja um roxo pisado Jogo apés 0 nascimento, ou um tom ictético aveludado. Durante alguns meses, apés safrem para a luz do dia, a maioria dos bcbés sio mais pilidos do que os fenétipos adultos. Mas em sua maior parte, 0s primatas humanos nascem com a mesma cor de seus pais. Nossos recém-nascidos sao visivelmente diferentes dos adultos. Mas nao cemitem sinais especiais a grande distncia (8 parte os vocais, como chorar). Os bbebés humanos nada tém de vistosos — como se tivessem nascido tao confian- tes no amor materno que nao precisam atrair a atengéo de mais ninguém. Entretanto, desde as etnografias, dos relatos cléssicos ¢ dos arquivos de asilos para criangas abandonadas, até os tabléides de hoje, o cadastro da espécie hu- mana est longe de ser reconfortante. Se encararmos a situacio com realismo, os bebés tém poucas garantias de que as mies cuidario deles. E uma triste verdade que milhdes de bebés nascidos em nossa espécie po- deriam muito bem ter usado alguma indumentéria natal magicamente irresistivel para atrair a bondade de alomées. Ha um tisco enorme de que a 468 proverbial atracdo magnética dos bebés primatas nao funcione sempre no Homo sapiens, Entze 0s macacos, quanto mais jovens ou mais “neonatais” parecerem, mais atraentes sio. Entretanto, o caso ¢ exatamente o contrério entre os huma- nos. Os bebés logo apés o nascimento esti correndo 0 maior perigo de aban- dono materno ou infanticidio, Algo tinha que mudar radicalmente para que uma mie primata viesse al- guma vez a achar um bebé, logo apés 0 nascimento, menos attaente do que um mais velho, desmamado, ou prestes a sé-lo. Entretanto, os registros so claros: entre os humanos, bebés muito jovens tém mais probabilidades de ser abandonados, ou até mortos, do que seus irmios mais velhos. que mudou, é claro — embora aio possamos dizer exatamente quando isso comegou — ¢ que os bebés humanos comecaram a vir ao mundo apés intervalos mais curtos. Segundo parece, as mies estavam recebendo uma men- sagem diferente daquela que as mes primacas tinham aprendido a ler. A men- sagem era um declinio em seus niveis de prolactina, 0 que para a mie significa- vva que seu bebé atual deixara de mamar (ou estava mamando menos) tinha amadurecido o suficiente para ser desmamado ou entio morrido, e o sinal significava ser 0 momento para se pensar em substitu(-lo. O problema era que, no novo contexto em que as mies humanas se encontraram, 0 bebé no estava morto nem maduro, O bebé estava, isso sim, mamando menos porque estava parcialmente subsistindo na base de mingau ou leite animal, e pasando muito tempo isolado, talvez enfaixado e preso a uma tébua, ou balangando-se num, berso. Possivelmente eram alomdes quem o tinham nos bragos. Este bebé po- dia ndo estar fazendo mamadas to freqiientes quanto antes, mas continuava, de fato, muito dependente. Assim, muitas mes acabavam por acrescentar um novo bebé aquele que ainda era dependente dela, Quando os organismos tém que enfrentar novas situagées, tudo o que a Mae Natureza tem & mao sao os restos no armério. As mutages raras vezes tém qualquer uso. E por isso que mutagées extremamente répidas tendem a ser mais comportamentais do que fisiolégicas. Os individuos usam 0 compor- tamento para produzir um novo fendtipo e, subseqiientemente, num ritmo mais pausado, a sclego para tragos que complementam e realgam 0 novo fenétipo pode ser usada de acordo com 0 método darwinista convencional. No caso desses humanos recentemente férteis, foram reativadas ou volta- ram a evoluir antigas predisposig6es, residuos de um tempo em que mies ‘mamiferas pariam ninhadas ¢ davam 3 luz filhotes que custavam menos do que 0s bebés primatas. Ao contrério das mées primatas cldssicas que cuidavam de todo e qualquer novo bebé que tivessem & mio, essas mfes recém-hiperférteis, aque se viram cuidando de um bando de bebés de diferentes idades, tornaram- 469 se mais discriminativas. Era mais prético mudar a capacidade deciséria das mies, transformando uma tolerante e, incondicionalmente amorosa macaca mée, do que modernizar o modo como os ovétios de uma mulher registram a informagio que chega a respeito da situacéo das necessidades de seu bebé. (As sensibilidades primatas bésicas ainda persistiram, ¢ claro, e essa € uma razio por que muitas das escolhas cruéis que as mies devem fazer esto to carrega- das de ambivaléncia,) As maes que tendiam a ser mais discriminativas a respeito de quais bebés deveriam cuidar tinham melhor desempenho. Durante os perfodos de fome ¢ outras crises, as mies seletivas seriam as tinicas a deixar filhotes sobreviventes. Ressurgiu a solicitude mais discriminativa, mais dependente da situagio em relagio aos reoém-nascidos — um trago bastante comum entre os mamiferos ‘cujas fémeas geram ninhadas. (Uma questio ainda nio examinada ¢ se mies primatas ndo-humanas numa emergéncia reagiriam & hiperfertlidade da mes- ‘ma maneira. As provas obtidas com gémeos sugerem que uma sobrecarregada ‘mie macaca ou grande sfmia também faz uma escolha entre bebés [ver Capftu- lo 8]. Mas a informagio continua demasiado vaga e superficial para permitir qualquer conclusio.) Se acreditarmos nos registros que a Antigitidade nos legou (e eu acredito), a resposta comportamental a nascimentos inoportuns era o abandono ou 0 té:mino dos cuidados. Daf numerosos bebés humanos serem forcados a confi- ar na “bondade de estranhos,” como se descreveu no Capitulo 12. As probabi- lidades de mies humanas abandonarem seus bebés so muito maiores do que as de outras primaras que dio & luz um bebe de cada ver. A devogao obstinada e incondicional caracteristica das mies de macacos grandes sfmios contrasta com a solicitude mais discriminativa de mées huma nas em sociedades tradicionais e a0 longo da histéria. Em termos de infanticidio € abandono maternos, os humanos assemelham-se mais as aves e aos mamife- ros geradores de ninhadas do que aos demais primatas, Embora seu comporta- mento seja profundamente nao-primata, as maes infanticidas nao so, em ab- soluto, antinaturais, Porque aceitamos o amor materno como algo axiomatico, raramente ocorreut, mesmo a evolucionistas, formular o mesmo género de per- guntas 2 respeito dos humanos que hoje fazemos rotineiramente a respeito de candrios ou frangos-d’4gua. Que efeito tem a solicicude materna discriminativa sobre o equipamento de sobrevivéncia de bebés humanos, sobre os atributos com que cada bebé entra no mundo ¢ os sinais que ele envia? No préximo capitulo, sobre o qual desde jé previno os leitores que é ainda mais especulativo 470 do que o presente, procuro responder a essa pergunta.

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