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UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ - UFPI


CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS E LETRAS
MESTRADO ACADÊMICO EM LETRAS

FRANCISCA JACQUELINE PENHA SANTOS

TERESINA - PIAUÍ
2014
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FRANCISCA JACQUELINE PENHA SANTOS

Dissertação apresentada ao Programa de


Mestrado em Letras da Universidade Federal
do Piauí na área de Estudos de Linguagem,
como requisito parcial para a obtenção do título
de Mestre em Letras.

Orientador: Prof. Dr. Francisco Alves Filho

TERESINA - PIAUÍ
2014
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FRANCISCA JACQUELINE PENHA SANTOS

AIDS NO CARNAVAL:
Em cartaz, um diálogo bakhtiniano sobre tema e leitor presumido

Dissertação apresentada ao Programa de


Mestrado em Letras da Universidade Federal
do Piauí na área de Estudos de Linguagem,
como requisito parcial para a obtenção do título
de Mestre em Letras.

Aprovada pela Banca Examinadora em______/______/2014.

BANCA EXAMINADORA

_____________________________________________________________
Prof. Dr. Francisco Alves Filho (Presidente)
Universidade Federal do Piauí (UFPI)

_____________________________________________________________
Profa. Dra. Silvana Maria Calixto de Lima (Examinadora Interna)
Universidade Estadual do Piauí (UESPI)

_____________________________________________________________
Prof. Dr. Alisson Dias Gomes (Examinador Externo)
Faculdade Santo Agostinho (FSA)
4

À minha tia-mãe Celimar Penha, responsável


pelos meus primeiros passos na seara do
conhecimento.
5

AGRADECIMENTOS

Em primeiro lugar, agradeço a Deus, fonte de sabedoria, que me iluminou durante toda
essa caminhada pelas trilhas do conhecimento humano rumo à evolução do espírito.
Dedico essa e outras conquistas aos meus avôs maternos, Rosa Vieira da Conceição
Penha (in memoriam) e Basílio Raimundo da Penha (in memoriam), que foram os meus
primeiros educadores nesta escola da vida. Ensinaram-me, pelos próprios exemplos, que
quando colocamos amor em tudo que fazemos o resultado é sempre o sucesso.
Minha eterna gratidão aos meus pais, Maria Rosimar Penha Santos e Manoel Alves
dos Santos, os quais são companheiros fiéis em todos os momentos vivenciados por mim.
Chegar até aqui, dependeu diretamente do apoio e amor incondicional recebidos deles,
cotidianamente.
Meus agradecimentos às minhas tias, Celimar Penha e Cleonice Penha, aos meus
irmãos, Samara Penha Santos e Weider Penha Santos, aos meus sobrinhos, Nayara Mara Santos
Ibiapina e Aman Nayran Santos Ibiapina, e aos demais familiares pela presença constante em
minha vida, pelas orações energizantes, pelo auxílio e presteza nos momentos de turbulência os
quais passamos juntos.
Agradeço ao professor Chico Filho pela orientação que foi luz nos caminhos teóricos
trilhados, pelas manifestações de carinho e amizade em todo o percurso acadêmico. À
professora Silvana Calixto que foi de grande importância na contribuição de meu
amadurecimento intelectual. Ao professor Alisson Gomes pela presteza e acolhimento nessa
etapa de minha vida. E, aos demais educadores os quais tive a oportunidade de ser aluna e que
sempre me ensinaram que todos somos eternos aprendizes.
Rendo as minhas homenagens aos amigos-irmãos pela compreensão das minhas
ausências, pelas palavras de incentivo que sempre me fortaleceram nos momentos difíceis, pela
torcida incessante em minhas batalhas, pelo companheirismo e declarações de afetos.
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RESUMO

O número de pessoas, no Brasil, infectadas pelo vírus HIV é crescente a cada ano, mesmo com
a grande quantidade de informações divulgadas pelos meios de comunicação, entre os quais,
destacamos em nosso estudo os cartazes das campanhas publicitárias de combate à AIDS.
Refletindo acerca dessa problemática é que a presente pesquisa consiste em investigar a maneira
como é abordada a temática da AIDS e de que forma são construídos os leitores presumidos
nos discursos materializados, linguístico e imageticamente, através dos cartazes de luta contra
a AIDS, desenvolvidos no período do carnaval a partir do ano de 1999 até 2013 e distribuídos
pelo Ministério da Saúde. Neste trabalho, baseamo-nos, prioritariamente, nos pressupostos
teóricos do Círculo de Bakhtin (2012[1929]; 2011[1979]; 2010[1975]; 1976[1926])
concernente aos gêneros do discurso, que desenvolve suas bases epistemológicas refletindo
sobre a natureza socioideológica e discursivo-dialógica da linguagem. Subsidiando essa linha
de pensamento, encontramos nas teorias da esfera publicitária autores como HOLLIS (2010) e
MOLES (1974) que tratam da construção histórica e estilística do gênero cartaz, bem como,
SANT’ANNA (2006) que discute quanto à retórica visual envolvendo a articulação dos
elementos verbo-visuais, de modo estratégico, com o intuito de construir uma realidade que
atenda ao projeto discursivo do autor-criador. Seguindo a abordagem sociológica bakhtiniana,
partimos, inicialmente, da contextualização histórico-cultural em que o gênero cartaz encontra-
se inserido, de modo a analisar o enunciado a partir de sua realidade concreta que acontece
através da interação social entre os sujeitos da enunciação, ressaltando, assim, as posições
valorativas e axiológicas que são percebidos na construção dos sentidos do gênero discursivo.
A análise qualitativa sociointeracionista do corpus da pesquisa composto por 21 cartazes, que
fazem parte das peças publicitárias de 15 campanhas de combate à AIDS produzidas pelo
Ministério da Saúde de 1999 a 2013, permitiu-nos constatar que o conteúdo temático do gênero
em estudo é construído, predominantemente, por um discurso orientado para a
responsabilização individual da doença, abstendo-se o Estado da sua responsabilidade social
em relação à prevenção da saúde pública. Percebemos também, em nossas investigações, que o
público-alvo determinado pelo Ministério da Saúde, em sua grande maioria, não corresponde
aos leitores presumidos construídos nos cartazes através da inter-relação de complementaridade
entre os recursos verbais e pictóricos que compõem os textos.

PALAVRAS-CHAVE: Cartaz. AIDS. Conteúdo Temático. Leitor Presumido. Gêneros


Discursivos.
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ABSTRACT

The numbers of people in Brazil, infected with HIV is rising each year, even with the large
amount of information disseminated by the media, among which we point out in our study the
posters of advertising campaigns to fight AIDS. Reflecting on this issue is that the present
research consists in investigating how it is dealt the issue of AIDS and how it is constructed in
the presumed readers in materialized, linguistic and imagetically discourses, through posters in
the fight against AIDS developed during the carnival from 1999 to 2013 and distributed by the
Ministry of Health. In this work, we rely primarily on the theoretical assumptions of Bakhtin
Circle (2012[1929];2011[1979],2010[1975], 1976[1926]) concerning the speech genres, which
develops its epistemological bases reflecting on socioideological discursive and dialogic nature
of language. Subsidizing this line of thought, we find in the theories of advertising sphere
authors as HOLLIS(2010) and MOLES(1974) dealing with the historical and stylistic
construction of gender poster as well, SANT’ANNA(2006) who discusses how the visual
rhetoric involving the articulation of verbal- visual elements, strategically, in order to construct
a reality that meets the discursive project of the author-creator. Following Bakhtin’s
sociological approach, we set out initially, the historical and cultural context in which the genre
poster is inserted, in order to analyze the utterance from its concrete reality that happens through
social interaction between the subject of enunciation, emphasizing thus, the evaluative and
axiological positions that are perceived in the construction of the senses of discourse genre. The
qualitative sociointeractionist analysis of the corpus consists of 21 posters, which are part of
the 15 advertisements campaigns against AIDS produced by the Ministry of Health from 1999
to 2013, enabled us to conclude that the thematic content of the genre under study is built
predominantly by a discourse oriented towards individual accountability of the disease,
eschewing the State of its social responsibility towards public health prevention. We also realize
in our investigations, the audience determined by the Ministry of Health, in its majority, does
not correspond to the presumed readers built on posters across the inter- relationship of
complementarity between verbal and pictorical resourses that compose the texts.

KEYWORDS: Poster. AIDS. Thematic Content. Presumed Reader. Discourse Genres.


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LISTA DE ILUSTRAÇÕES

FIGURA1: Cartaz “As 4 maçãs que mudaram o mundo” ............................................. 37


FIGURA 2: Capa da Revista Veja ................................................................................. 41
FIGURA 3: Charge “A gente tem sede de quê?” .......................................................... 56
FIGURA 4: Homepage do Twitter em 2006 .................................................................. 61
FIGURA 5: Homepage do Twitter em 2012 .................................................................. 62
FIGURA 6: Cartaz AIDS/ Carnaval 2004 ...................................................................... 70
FIGURA 7: As Relações entre os Diversos Contextos .................................................. 73
FIGURA 8: Cartaz Dia Mundial da Aids 2004 .............................................................. 81
FIGURA 9: Primeiro Cartaz .......................................................................................... 85
FIGURA 10: Cartaz Ball au Moulin Rouge, Place Blanche .......................................... 86
FIGURA 11: Cartaz “Moulin Rouge” ............................................................................ 87
FIGURA 12: Cartaz Bicicletas Perfecta ......................................................................... 88
FIGURA 13: Cartaz de El Lissitzky ............................................................................... 89
FIGURA 14: Cartaz Jogos Olímpicos de Inverno .......................................................... 90
FIGURA 15: Cartaz de Recrutamento de Soldados para a 1a e 2a Guerra Mundial ....... 90
FIGURA 16: Concerto Yardbirds&Doors ...................................................................... 92
FIGURA 17: Cartaz Digital da Esprit ............................................................................ 95
FIGURA 18: Pintura rupestre da Serra da Capivara (PI) ............................................... 96
FIGURA 19: Cartaz da WWF ........................................................................................ 99
FIGURA 20: Logotipo da Empresa Multinacional Coca-Cola Company ...................... 100
FIGURA 21: Cartaz Vampire ........................................................................................ 100
FIGURA 22: Cartaz Cerveja Devassa ............................................................................ 105
FIGURA 23: Cartaz da PARADA 2013 ........................................................................ 111
FIGURA 24: Diagonal de Leitura .................................................................................. 117
FIGURA 25: Jornal Notícias Populares, 1983 ............................................................... 123
FIGURA 26: Cartaz AIDS/Carnaval 1999 .................................................................... 125
FIGURA 27: Cartaz AIDS/Carnaval 2004 .................................................................... 127
FIGURA 28: Cartaz AIDS/Carnaval 2001 .................................................................... 128
FIGURA 29: Diagrama da Composição da Base de Dados Nacional de AIDS............. 131
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QUADRO 1: Resumo dos Indicadores Epidemiológicos de HIV e AIDS no Brasil de


1980 a
2012
........................................................................................................................................
132
FIGURA 30: Primeira Campanha do Programa Nacional de AIDS (1988)................... 135
FIGURA 31: Campanha da Benetton, 1993 ................................................................... 136
QUADRO 2: Slogan das Campanhas Publicitárias de 1999 a 2013 ............................. 139
FIGURA 32: Cartaz AIDS /Carnaval 2010 .................................................................... 142
FIGURA 33: Símbolo da AIDS...................................................................................... 146
FIGURA 34: Cartaz AIDS /Carnaval 2002 .................................................................... 147
FIGURA 35: Cartaz AIDS /Carnaval 2001 .................................................................... 148
FIGURA 36: Cartaz AIDS /Carnaval 2008 .................................................................... 149
FIGURA 37: Cartaz AIDS /Carnaval 2005 .................................................................... 150
FIGURA 38: Cartaz 2012-Heterossexual ....................................................................... 151
FIGURA 39: Cartaz 2012-Homossexual ................................................................................ 151
FIGURA 40: Cartaz 2012- Travesti ............................................................................... 151
FIGURA 41: Logotipo do Governo Federal de 1995-2002 .......................................... 153
FIGURA 42: Logotipo do Governo Federal de 2003-2010 ........................................... 154
FIGURA 43: Logotipo do Governo Federal de 2011-atualidade ................................... 154
FIGURA 44: Logotipos do Cartaz AIDS /Carnaval 2013 (parte inferior) ..................... 155
FIGURA 45: Logotipos do Cartaz AIDS /Carnaval 2013 (parte superior) .................... 155
FIGURA 46: Portal da Saúde (SUS) .............................................................................. 156
FIGURA 47: Portal DST/AIDS...................................................................................... 156
QUADRO 3: Público-alvo das Campanhas Publicitárias de 1999 a 2013 .................... 160
FIGURA 48: Cartaz AIDS /Carnaval 2009 .................................................................... 161
FIGURA 49: Cartaz AIDS /Carnaval 2004 .................................................................... 165
FIGURA 50: Cartaz AIDS/Carnaval 2003 .................................................................... 166
FIGURA 51: Cartaz AIDS/Carnaval 1999 .................................................................... 167
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SUMÁRIO

PRIMEIRAS PALAVRAS ............................................................................................... 12

CAPÍTULO I - METODOLOGIA BAKHTINIANA .................................................... 15


1.1 Análise Qualitativa dos Cartazes ...............................................................................15
1.2 Seleção e Organização do Corpus ...............................................................................17
1.3 Categorias de Análise ..................................................................................................20

CAPÍTULO II - (RE)DISCUTINDO OS GÊNEROS DISCURSIVOS NA ABORDAGEM


BAKHTINIANA ...............................................................................................................23
2.1 A Linguagem como Produto Sociointeracional ........................................................ 24
2.1.1 A linguagem como expressão do pensamento ............................................................ 24
2.1.2 A linguagem como instrumento de comunicação ....................................................... 27
2.1.3 A linguagem como forma de interação ...................................................................... 30
2.2 O Discurso Dialógico e Ideológico dos Gêneros ........................................................ 35
2.3 Um Diálogo sobre Gêneros Discursivos ..................................................................... 45
2.4 As Categorias Constitutivas dos Gêneros: conteúdo temático, construção
composicional e estilo ........................................................................................................54
2.4.1 Conteúdo Temático: o herói na vida e na arte ........................................................... 55
2.4.2 Construção Composicional: modelando nosso discurso ........................................... 59
2.4.3 Estilo: o valor estético dos gêneros ............................................................................ 64
2.5 Os Contextos dos Gêneros Discursivos: situacional, cultural e de outros gêneros
.............................................................................................................................................68
2.6 Leitor Presumido: a construção dos sujeitos discursivos em Bakhtin .................... 75
2.6.1 Os vários autores no Círculo de Bakhtin ...................................................................78

CAPÍTULO III – CARTAZ PROPAGANDÍSTICO: UM GÊNERO EM CARTAZ


.............................................................................................................................................84
3.1 A Construção Sócio-histórica e Estilística do Gênero Cartaz ................................ 85
3.2 O Poder da Imagem no Cartaz: um gênero multimodal dialogando com seus
interlocutores ..................................................................................................................... 97
11

3.3 As Funções Sociais do Cartaz na Esfera Publicitária: um discurso sedutor .........108


3.4 O Papel da Retórica Visual na Constituição do Tema do Gênero .......................... 115

CAPÍTULO IV - A AIDS NO PERÍODO DO CARNAVAL: ANÁLISE DOS CARTAZES


DAS CAMPANHAS PUBLICITÁRIAS DO MINISTÉRIO DA SAÚDE .................. 121
4.1 Aids em Foco: a construção contextual do vírus HIV no Brasil ............................. 122
4.1.1 Aids Anunciada: os vários discursos sociais.............................................................. 123
4.1.2 HIV Positivo: campanhas educativas de combate à Aids ..........................................135
4.2 O Tema da Aids: análise temática da doença nos cartazes das campanhas publicitárias
do Ministério da Saúde de 1999 a 2013 ...........................................................................138
4.2.1 Análise dos Slogans das Campanhas do Ministério da Saúde ...................................139
4.2.2 A Inter-relação entre o Verbal e o Visual .................................................................146
4.3 Leitor Presumido: a construção dos sujeitos nos cartazes do Ministério da Saúde
.............................................................................................................................................159

ALGUMAS REFLEXÕES .............................................................................................. 171

REFERÊNCIAS .............................................................................................................. 174

ANEXOS ........................................................................................................................... 179


12

PRIMEIRAS PALAVRAS

Nesse nosso primeiro diálogo, consideramos importante ressaltar que os estudos na


área de gêneros do discurso no Brasil têm despertado grande interesse dos mais diversos campos
do conhecimento, entre eles, o da Comunicação Social. Considerando que a atividade
comunicativa entre os indivíduos estão cada vez mais midiatizada, acreditamos ser de relevante
contribuição à pesquisa científica analisar a construção do tema e do leitor presumido nos
cartazes de prevenção a AIDS divulgados pelo Ministério da Saúde (MS).

Primeiramente, destacamos que a motivação para a escolha do gênero cartaz é


justificada pela nossa fascinação na área da propaganda e/ou publicidade por considerá-la um
campo fértil para as mais diferentes investigações, de modo especial, com um enfoque na
Linguística, uma vez que a esfera propagandística utiliza os mais variados tipos de recursos
linguísticos e imagéticos com o fim principal de persuadir o interlocutor. As investigações desse
trabalho estão fundamentadas, principalmente, nos pressupostos do Círculo de Bakhtin que
desenvolve suas bases epistemológicas na reflexão da natureza socioideológica e dicursivo-
dialógica da linguagem.

Em segundo lugar, a seleção da temática da AIDS em nosso estudo baseia-se nos


alarmantes dados apresentados pelo Ministério da Saúde que registra, anualmente em todo
território brasileiro, em média, 36 mil casos/ano. Diante desse fato, o governo federal investe
aproximadamente 1bilhão e 200 mil reais por ano na distribuição gratuita de camisinhas nos
postos de saúde, na divulgação de três campanhas publicitárias anuais (em dezembro – Dia
Mundial da AIDS; em fevereiro – Festa do Carnaval; em março – Teste Pós-Carnaval), no
acesso gratuito à medicação da AIDS, entre outras ações de combate à epidemia. Isso nos leva
a questionar o porquê dos elevados índices de infecção pelo vírus HIV ainda serem tão presentes
nos dias atuais, contrastando perante um discurso governamental de promoção de tantos
esforços e recursos financeiros para diminuição ou erradicação da doença.

Segundo o Boletim Epidemiológico de DST/AIDS, ano de 2011, o conhecimento da


população jovem sobre as formas de infecção pelo vírus HIV é satisfatório, conforme os estudos
realizados pelo Ministério da Saúde em 2007 e 2008. Os resultados apontam que cerca de 97%
dos jovens sabem que o uso do preservativo é a melhor maneira de se evitar o contágio da
13

doença. Entretanto, apesar do grande conhecimento sobre a importância do preservativo, o uso


regular do insumo tem se reduzido entre a população jovem.

Os dados dos sistemas de informação e as pesquisas realizadas permitem a


compreensão do cenário epidemiológico e dos fatores determinantes dessas infecções na
população brasileira, e a partir da construção desse contexto é que se escolhem as melhores
estratégias de persuasão para atingir, de forma eficiente, a mudança de comportamento e de
hábitos da população.
Tomando por base o desenvolvimento das tecnologias na área da comunicação e o
extraordinário potencial que as mídias detêm para alcançar as pessoas, criam-se inúmeras
possibilidades de interação entre os dois campos da atividade humana – esfera publicitária e a
área da saúde. Dessa forma, o governo federal veicula propagandas para informar aos
indivíduos sobre a doença e persuadi-los a evitar comportamentos de risco. Eles direcionam
não somente as estratégias de comunicação a serem utilizadas, mas todas as iniciativas contra
o HIV/AIDS. Com relação a campanhas de prevenção a AIDS, o Ministério da Saúde dirige os
cartazes à população em geral e/ou a grupos específicos, os chamados grupos de
comportamento de risco.
Em face desse cenário sócio-político, desenvolvemos um trabalho tendo como objeto
de pesquisa os cartazes de prevenção a AIDS distribuídos pelo Ministério da Saúde desde 1999
a 2013, no período do carnaval. A época das festas carnavalescas é considerada um momento
de muita preocupação pelos órgãos de saúde pública, pois essas festividades são identificadas,
culturalmente, por comportamentos de grande euforia, contribuindo para atitudes de risco
quanto às doenças sexualmente transmissíveis.
Partindo dessas considerações, definimos, portanto, como objetivo geral da pesquisa,
analisar a forma como é construída a temática da AIDS e os leitores presumidos nos discursos
materializados nos cartazes de luta contra o vírus HIV divulgados no período do carnaval
correspondente aos anos de 1999 a 2013. No percurso dessas investigações, também
observamos as influências do contexto amplo e imediato na constituição da temática e dos
possíveis leitores dos cartazes; a inter-relação do material verbal e linguístico em relação ao
conteúdo temático e aos leitores imanentes; as posições valorativas e axiológicas percebidas na
produção de sentidos dos gêneros discursivos.
Tendo em vista os objetivos supracitados, organizamos esta pesquisa em quatro partes.
No primeiro capítulo, denominado “Metodologia Bakhtiniana”, apresentamos os passos de
como estruturamos as nossas investigações no campo dos gêneros discursivos, explicando o
14

método de análise, da seleção e da organização do corpus da pesquisa e, também, descrevendo


as categorias analisadas nos cartazes.
No segundo capítulo, discorremos acerca dos gêneros do discurso baseando-se,
predominantemente, nas principais ideias de Bakhtin, referente a dialogismo, signo ideológico,
atores sociais, categorias constitutivas dos gêneros. No entanto, essas temáticas estão
subsidiadas por outros estudiosos da área de gêneros discursivos, tais como, Miller, Devitt,
Dionísio, entre outros.
Em seguida, no capítulo III, buscamos reconstruir sócio-histórica e estilisticamente o
gênero cartaz, bem como identificar as funções sociais e discursivas nas interações com os
interlocutores através das linguagens verbo-visuais. Referente ao campo da publicidade,
destacamos as contribuições teóricas de autores como Hollis, Moles e Sant’Anna. O quarto
capítulo foi destinado às análises do corpus da pesquisa, observando os pressupostos teórico-
metodológicos discutidos em capítulos anteriores de forma a apresentar resultados satisfatórios
aos objetivos propostos inicialmente.
Acreditamos que nossa pesquisa trará contribuições importantes na área de gêneros do
discurso, uma vez que abordamos a linguagem numa perspectiva ideológico-discursiva e sócio-
interacional, ou seja, numa visão em que os enunciados (no nosso caso, multimodais) são
percebidos de forma interligada e complexamente organizada com outros enunciados. Assim,
partimos da concepção de que os gêneros discursivos só podem ser inteiramente
compreendidos, produzidos e reconhecidos quando levamos em consideração os elementos de
sua situação de interação. Em outras palavras, estabelecemos um vínculo indissociável entre a
vida e língua, ressaltando o caráter social da linguagem, o qual teve importância reconhecida
no Círculo Bakhtiniano.
15

CAPÍTULO I

METODOLOGIA BAKHTINIANA

1.1Análise Qualitativa dos Cartazes

Apresentaremos neste capítulo as etapas de como estruturamos o nosso método de


pesquisa no campo dos gêneros discursivos, tendo como perspectiva teórica basilar as
contribuições epistemológicas do Círculo de Bakhtin. Em nosso trabalho, trazemos como
propósito central investigar os mecanismos de construção de sentidos no gênero cartaz,
levando-se em conta os contextos em que são produzidosos enunciados, estes que
sãoconstituídos pela inter-relação dos materiais linguísticos e imagéticos, de modo a se perceber
como a temática da AIDS é apresentada nesses cartazes e como estes se relacionam
dialogicamente com seus leitores presumidos.

Dessa forma, constitui-se de suma importância apresentarmos algumas reflexões


acerca de questões que tratam de dialogismo, signo ideológico, autor-contemplador, entre
outros termos bakhtinianos, a fim de se compreender os mecanismos de interação entre os
sujeitos interactantes e os discursos ideologicamente marcados que estãosendo veiculadosnos
cartazes de prevençãoaAIDS, os quais são divulgados pelo Ministério da Saúde(MS) à época
do carnaval. Esses pressupostos teóricos encontrar-se-ão desenvolvidos e discutidos no
Capítulo II deste trabalho com vistas a melhor compreensão das principais ideias apresentadas
pelo Círculo de Bakhtin, as quais são fonte de conhecimento, bem como, bússola orientadora
das investigações a respeito de gêneros discursivos.

Destacamos, assim, em nossas análises,o método qualitativoseguindo uma abordagem


sociológica, uma vez que se aplica ao estudo a reconstrução histórica do tema, a observação das
relações, das representações, das crenças, das percepções e das opiniões dos atores sociais
envolvidos na enunciação, ou seja, como os indivíduos interpretamas experiências vivenciadas,
constroem artefatos e a si mesmos, sentem e pensam (MINAYO, 2006).

Para Flick (2009), a postura metodológica que consiste no estudo da construção


individual de significado em suas atividades comunicativas e em ambientes de interação é
16

denominada de Interacionismo Simbólico. Nessa vertente de pesquisa qualitativa sociológica,


seu foco está nos processos de interação – ação social caracterizada por uma orientação imediata
recíproca. Flick (2009), baseando-se em Blumer (1969), apresenta três premissas básicas dessa
orientação metodológica: a primeira é a de que os seres humanos agem em relação às coisas
com base nos significados que as coisas têm para eles; a segunda premissa é a de que o
significado dessas coisas origina-se ou resulta da interação social que uma pessoa tem com as
demais; e por último, é a de que esses significados são controlados por um processo
interpretativo e modificados através desse processo, que é utilizado pela pessoa para lidar com
as coisas com as quais se depara.

O termo supracitado “coisas” faz referência aos objetos, eventos, experiências, etc. que
os indivíduos vivenciam, experimentam, conhecem no dia-a-dia, aos quais eles atribuem
significações nas mais diferentes esferas sociais. Essa postura metodológica dialoga com a
concepção teórica bakhtiniana que se apoia no caráter socioideológico da linguagem, o qual
analisa a língua a partir de sua realidade concreta que acontece através da interação dos sujeitos
sociais, levando-se em conta o contexto amplo e o imediato. Além disso, numa enunciação real,
a construção de sentidos do signo linguístico e imagético é inteiramente determinada pelas
relações sócio-históricas.

Segundo Rodrigues (2005), a análise de gêneros discursivos numa perspectiva


dialógica da linguagem, tomando-se por parâmetro a situação social imediata e ampla (ou
dimensão extraverbal), encontra-se embasada na descrição de três elementos principais que são
constituintes dos contextos sociais:

A)Horizonte Espacial e Temporal – está relacionado ao lugar e ao momento da enunciação,


bem como, ao espaço e tempo históricos.
B)Horizonte Temático – refere-se ao conteúdo temático do enunciado, ou seja, como estão
falando de determinando assunto e com que finalidade ideológico-discursiva.
C)Horizonte Sociológico – nessa categoria é observado a atitude valorativa dos participantes
envolvidos na enunciação, considerando-se a proximidade ou distanciamento em relação ao
objeto do enunciado (conteúdo temático), a outros enunciados e aos interlocutores (concepção
de autor e leitor presumido para Bakhtin).

Na concepção bakhtiniana, desvincular o texto de seus contextos significa analisar a


linguagem, estritamente, nos domínios das categorias gramaticais (nível sintático, morfológico,
etc.), perdendo, assim, a oportunidade de observar a riqueza da língua em sua plenitude de
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significação, vista em sua forma viva e dinâmica. Nessa perspectiva teórica, os gêneros se inter-
relacionam às esferas da atividade e comunicação humana, ou seja, estão interligados às
situações interacionais de cada campo social (científica, escolar, religiosa, jornalística,
publicitária, etc.).

Nesse sentido, os gêneros do discurso são constituídos, além de suas propriedades


formais (estilo, conteúdo temático, estrutura composicional), como também, pelas situações
sociais de interação. Para Bakhtin, o estudo da linguagem que segue uma orientação de base
sócio-histórica deve-se, primeiramente, partir de uma análise da dimensão social para só depois
observar os aspectos formais da língua.

1.2 Seleção e Organização do Corpus

Nessa seção, propomos caracterizar nosso objeto de pesquisa com o intuito de


estabelecer uma definição do corpus de análise, situando-o dentro dos campos da atividade
humana e determinando-o em relação a um tempo e a um espaço históricos. No presente
trabalho, o estudo foi orientado para a área da esfera publicitária, campo da atividade humana
que consideramos interessante e, ao mesmo tempo, instigante para a pesquisa no campo das
ciências da linguagem, uma vez que a área publicitária tem como foco central o
desenvolvimento de estratégias comunicativas e discursivas com o intuito de atingir e interagir
com diferentes destinatários através dos mais diversos meios de comunicação e recursos
semióticos (visual, áudio, audiovisual).

A atividade publicitária tem como finalidade primordial influenciar os seus leitores


imanentes (em potencial), motivando-os a tomar determinadas atitudes ou aderir às ideologias
propagadas pelo texto verbo-visual a ser divulgado no meio social. Para alcançar tal fim são
utilizadas técnicas persuasivas as quais orientam a organização e seleção dos elementos
semióticos no texto. A escolha dos recursos linguísticos e imagéticos para a composição dos
enunciados reflete as posturas axiológicas e valorativas que se deseja propagar em determinada
comunidade discursiva ou para um grupo social em específico.

Dentre inúmeros gêneros que circulam na esfera publicitária, tais como, o outdoor,
banner, anúncio, entre outros, o foco do nosso estudo está voltado para os cartazes que fazem
parte das campanhas publicitárias de combate à AIDS e que trazem em seu texto a assinatura
do Governo Federal. Esses cartazes têm como divulgador principal o Ministério da Saúde (MS)
18

representado pelo Departamento de DST/AIDS e Hepatites Virais. Estes, anualmente,


apresentam três campanhas nacionais relacionadas ao combate contra a AIDS: uma no mês de
dezembro referente ao Dia Mundial de Luta contra a AIDS (1º de dezembro), outra em fevereiro
ligada ao período do carnaval e a última em março, logo após as festas carnavalescas, para
incentivar a realização do teste HIV. Além dessas campanhas, o Ministério da Saúde realiza
outras campanhas voltadas para grupos específicos (profissionais do sexo, homossexuais, etc.).

As campanhas publicitárias do MS referentes à temática da AIDS e divulgadas durante


o mês de dezembro, têm como principal objetivo combater o preconceito, trazer informações
sobre a doença; enquanto que, nas peças publicitárias veiculadas durante o período do carnaval
(geralmente no mês de fevereiro), os discursos estão voltados para a prevenção da infecção do
vírus HIV através do uso do preservativo. E, por último, as campanhas de luta contra a AIDS
após o carnaval (mês de março) têm como foco motivar as pessoas que não praticaram o sexo
seguro a procurar um posto de saúde para realizar o teste anti-HIV, de forma a tomar os devidos
cuidados com a saúde em caso positivo para o vírus da AIDS.

Delimitamos analisar os cartazes das campanhas publicitárias do Ministério da Saúde


voltadas ao período carnavalesco, pois é nesse momento que as propagandas ganham maior
visibilidade, uma vez que a festa de carnaval se constitui como um elemento de identidade
cultural do Brasil. Essa época é caracterizada por comportamentos de alegria, empolgação e
descompromisso, que em virtude de tais atitudes, há uma maior preocupação com a
possibilidade de aumento de pessoas infectadas pelo vírus HIV.

Temos como um dos objetivos propostos para esta pesquisa o de analisar os


enunciados verbais, principalmente os slogans, e sua relação com o material visual utilizado
nos cartazes propagandísticos de combate à AIDS divulgados pelo Ministério da Saúde no
período das festas carnavalescas no Brasil. Para tanto, recorreremos ao acervo disponibilizado
no site do Ministério da Saúde (www.aids.gov.br) que consistirá no corpus de análise da
pesquisa - cartazes de combate à AIDS, desde a década de 1999 a 2013. A princípio, para cada
ano de campanha publicitária do carnaval corresponde-se a produção de um cartaz
propagandístico, e a partir de 2008 verifica-se que são produzidos de dois a três cartazes para
cada campanha publicitária de combate à AIDS, perfazendo um total de 21 cartazes a serem
analisados nesse trabalho.

A escolha do recorte temporal estabelecido por nós, justifica-se por acreditar que, ao
estudarmos as modificações sofridas pelo gênero cartaz propagandístico de combate à AIDS,
19

aproximadamente nos últimos quinze anos, a pesquisa possibilitará identificar aspectos


relevantes deste gênero, tais como, abordagem temática construída nos enunciados e formação
dos interlocutores presumidos a partir das informações contidas no texto; a fim de traçar um
perfil dos leitores imanentes e identificar a forma ideológico-discursiva que o tema da AIDS é
construído através desses cartazes.

Outro motivo plausível que justifique a seleção do lapso temporal é que o Ministério
da Saúde, através do Portal DST/AIDS e Hepatites Virais, disponibiliza, através do seu
endereço eletrônico, o material dos cartazes a partir de 1999. Há uma dificuldade de
recuperação dos cartazes antes de 1999, uma vez que os materiais distribuídos durante as
campanhas publicitárias não são arquivadas de forma física, e sim, de modo virtual na página
do Ministério da Saúde.

Se considerarmos que os gêneros contribuem para o desenvolvimento das sociedades


porque legitimam e possibilitam aos sujeitos agirem no seu meio social (MARCUSCHI, 2008),
torna-se importante aprofundarmos estudos desta natureza com o fito de apreender e atender às
necessidades dos diversos atores sociais que se (re)constroem continuamente através das
interações sócio-históricas com o outro e com a realidade o qual está inserido.

No Capítulo III desta pesquisa, procuramos, inicialmente, reconstruir sócio-histórica e


estilisticamente o gênero cartaz como forma de observar as transformações sofridas pelo gênero
em diferentes contextos sociopolíticos e culturais que marcaram cada época. Em seguida,
buscamos identificar as funções sociais e discursivas dos cartazes em relação aos seus
interlocutores através das linguagens verbo-visuais em que são construídos a temática do gênero
em análise.

A partir dessa concepção de que são através dos gêneros que os indivíduos agem na
transformação da sociedade é que selecionamos os cartazes que levam a assinatura do governo
federal do Brasil, pois as campanhas publicitárias de prevenção a AIDS nas outras esferas
governamentais (estadual e municipal) são orientadas e fiscalizadas pelo Ministério da Saúde.
Em outras palavras, as formas e estratégias de divulgação das campanhas são regulamentadas
pelo Ministério da Saúde, através da Coordenadoria Nacional de DST/AIDS, o qual fornece o
material de publicidade para reprodução pelas demais entidades governamentais: Secretarias
Estaduais e Municipais de Saúde.
20

Dessa forma, os cartazes de prevenção a AIDS produzidos no âmbito do governo


federal servem de ponto de dispersão das ideias, ideologias, (pre)conceitos, etc. que formam e
transformam a sociedade brasileira. A escolha por este objeto de pesquisa explica-se pelo fato
de possibilitar além da visualização das mudanças discursivas ocorridas no gênero cartaz de
combate à AIDS desde a introdução da doença pelo vírus HIV no Brasil (década de 1980) até
as novas tendências publicitárias advindas do novo século, como também é uma forma de
identificar as transformações socioculturais ocorridas durante esse tempo.

1.3 Categorias de Análise

Temos como projeto discursivo central dessa dissertação alcançar resultados eficazes
no percurso da investigação do objeto desta pesquisa direcionados a observar a articulação
estratégica entre a linguagem verbal e visual na construção da temática do problema da infecção
do vírus HIV no Brasil e dos leitores imanentes que constituem os enunciados. Para realização
de tal propósito, a princípio, serão analisadas as seguintes categorias: conteúdo temático eleitor
presumido.

Tal análise não será feita apenas por meio do corpus da pesquisa, como também
através da análise documental, em busca de dados, informações, notícias sobre a doença em
questão, divulgadas em revistas, jornais, periódicos, leis, etc. de cada época para que possam
ser mais bem visualizadas as influências socioculturais sofridas pelos cartazes de campanhas
publicitárias da saúde através do tempo, como também as transformações pelas quais passou,
levando-se em conta a diversidade dos interlocutores presumidos e dos projetos discursivos
propostos.

Depois de selecionar o corpus para análise, buscaremos nos apropriar das teorias de
gêneros do discurso, apoiando-se, principalmente, nos estudos do dialogismo bakhtiniano. Em
decorrência da multissemiose do objeto a ser analisado, consideramos indispensável
correlacionar diversos postulados teóricos em busca de uma maior compreensão sobre a
estrutura e funcionamento do gênero em questão, além de contribuir teoricamente para o
desenvolvimento dos estudos na área do gênero discursivo. Para tanto, apoiamo-nos nas
pesquisas nas áreas de gêneros discursivos, da multimodalidade e da publicidade, com o intuito
de estabelecer relações epistemológicas entre as diversas disciplinas e apresentar resultados
mais condizentes com a realidade.
21

Fundamentada na base teórica desenvolvida e discutida em nosso trabalho, o Capítulo


IV tem como finalidade apresentar as análises dos cartazes das campanhas publicitárias
veiculadas pelo Ministério da Saúde à época do carnaval, no período de 1999 a 2013.
Inicialmente, apresentaremos um percurso histórico-social da AIDS no Brasil definindo o
contexto cultural (conhecimentos, valores, ideologias compartilhadas pelos interlocutores), o
contexto situacional (os elementos verbo-visuais que constroem a cena da enunciação) e o
contexto de gêneros (avaliação comum da situação pelos atores sociais).

Ao tempo que reconstruímos a história do vírus HIV no cenário brasileiro, desde o seu
aparecimento na década de 80 até os dias atuais, esperamos perceber os vários discursos
construídos por diversas esferas sociais (jornalística, médico-científica, religiosa, publicitária)
acerca da temática da AIDS, sendo importante na reconstrução social da realidade. Dessa forma,
definiremos a dimensão social do conteúdo temático em diversas esferas da atividade humana,
construindo, assim, o contexto mais amplo em que o gênero cartaz é produzido, posto em
circulação e recepcionado. Como afirma Brait (2013: 95), “para tentar compreender a maneira
como a produção de sentidos aconteceu e acontece, comecemos pela historicidade do texto e
pelo contexto que o abrigou”.

Quanto à categoria de conteúdo temático, passaremos a observar durante as análises


as regularidades linguísticas e imagéticas, relativamente estáveis, que fazem parte dos
enunciados em estudo. Além disso, evidenciaremos a existência ou não de uma relação de
complementaridade entre os recursos verbais e pictóricos constituintes dos cartazes, com o
intuito de perceber se os discursos do governo federal estão em concordância ou discordância
com os recursos linguísticos e imagéticos apresentados na composição dos cartazes.

Nesse aspecto, buscaremos identificar que tipo apreciação valorativa foi utilizado em
determinados contextos para referir-se à temática da AIDS, através das análises dos elementos
verbais (dando uma atenção especial aos slogans), bem como dos elementos que compõem a
retórica visual dos cartazes (cores, layout, cenário, logotipos, imagens).Como os cartazes são
compostos de uma linguagem verbal entrelaçada pelo uso de imagens, ressaltamos a
importância de se fazer uma análise quanto ao aspecto visual dos mesmos, uma vez que a
disposição gráfica das imagens nos cartazes expressa a intencionalidade do enunciador. Ao nos
direcionarmos para uma análise dos elementos imagéticos dos cartazes, não podemos
negligenciar o material verbal, pois a combinação de ambos é fundamental para uma
interpretação mais aprofundada.
22

Num momento posterior, referente à categoria de leitor presumido, traçaremos uma


recorrência do perfil dos leitores imanentes do gênero em pesquisa. Para isso, primeiro
destacaremos o público-alvo informado pelo Ministério da Saúde através do seu portal
DST/AIDS (www.aids.gov.br) para cada campanha publicitária de prevenção a AIDS no
período do carnaval. A determinação do público-alvo pelo MS é orientada pelos dados
divulgados através do Boletim Epidemiológico, documento que constrói o cenário
epidemiológico no Brasil. Analisando o material verbo-visual dos cartazes da pesquisa,
constataremos se o público-alvo dos cartazes divulgado pelo governo federal coincide com os
leitores presumidos marcados ideologicamente nos discursos do governo federal.

Nessa etapa, temos a intenção de ampliar a compreensão de contextos culturais em que


os interagentes encontram-se inseridos, os quais são influenciados pelos valores, objetivos,
ritmos de trabalho, expectativas, repertórios de gêneros, normas que orientam as nossas ações
no mundo. A partir da definição dos contextos em que os cartazes são veiculados, recorreremos
à análise do material multissemiótico (verbal e imagético).

Ao analisar, compreender e interpretar um material qualitativamente penetraremos nos


significados que os atores sociais compartilham na vivência de sua realidade. Articulando os
caminhos teóricos escolhidos para este trabalho com a construção de contextos socioculturais
e as análises linguísticas e visuais dos cartazes obteremos uma consistência mais científica para
a pesquisa como forma de trazer contribuições no desenvolvimento das teorias de gênero, bem
como compreender melhor as funções retóricas que o gênero cartaz realiza no meio social e as
influências que ele exerce no modo de vida e de pensamento dos indivíduos. Dessa forma, os
estudos bakhtinianos, os quais consideram os gêneros como ações sociais desenvolvidas em
práticas de interação, nos oferecem subsídio teórico para uma análise que vise, justamente,
ressaltar o papel dos indivíduos na construção dos gêneros discursivos.
23

CAPÍTULO II

(RE)DISCUTINDO OS GÊNEROS DISCURSIVOS NA ABORDAGEM


BAKHTINIANA

Atualmente, nas academias, congressos, simpósios, produções científicas, livros,


manuais didáticos e até em conversas na sala dos professores, os gêneros textuais ou discursivos
são temas frequentemente discutidos, ganhando, muitas vezes, o centro das atenções,
principalmente nos meios acadêmicos. O fortalecimento nessa área de estudo foi, em grande
parte, devido aos novos paradigmas que vêm norteando a educação brasileira, indicados nos
Parâmetros Curriculares Nacionais (1999) os quais orientam para um ensino de gêneros textuais
na área das linguagens.

A partir desse momento, nota-se uma grande preocupação por parte dos pesquisadores,
de forma particular os linguistas, de entender, explicar, organizar, descrever os diferentes
gêneros textuais que circulam nas mais diversas esferas da sociedade, buscando aprofundar as
questões teórico-metodológicas e didático-pedagógicas. A profusão de perspectivas teóricas e
de métodos de análise é salutar na medida em que traz um maior enriquecimento teórico sobre
o tema de gênero. Essa diversidade de posturas teóricas deve-se à própria natureza dos gêneros
discursivos com suas formas variáveis, intercambiáveis e transmutáveis, o que veremos mais
detalhadamente a seguir.

Nas próximas páginas, discorreremos acerca dos gêneros do discurso tomando por
base a abordagem bakhtiniana com vistas a compreender algumas das principais ideias
desenvolvidas pelo Círculo de Bakhtin1 concernente a dialogismo, às categorias constitutivas
dos gêneros, à relevância do contexto na análise de gêneros discursivos, à construção dos atores
sociais envolvidos na interação sociodiscursiva.

1Inicialmente faço uma observação quanto às citações neste trabalho referente às publicações do Círculo
de Bakhtin, pois como existe um problema de autoria quanto aos textos produzidos não se tendo uma posição
unívoca sobre o real autor, consideraremos o nome de Bakhtin para representar as posições teóricas do grupo de
filósofos que fizeram parte do pequeno círculo de intelectuais e artistas (Mikhail Mikhailovitch Bakhtin,
MatveiIssaévitchKagan, ValetinNikolaévitchVoloshinov, PávelNikolaévitch Medvedev, entre outros).
24

2.1 A Linguagem como Produto Sociointeracional

Ao considerarmos que a linguagem faz parte de nossas vidas (re)construindo-nos como


sujeitos interactantes através da capacidade que o homem tem de representar e interpretar
simbolicamente a realidade na qual está inserido, lembra-nos Bakhtin (2011[1979]: 261) que
“todos os diversos campos da atividade humana estão ligados ao uso da linguagem”. Em outras
palavras, o nosso agir e ser no mundo se realiza na e pela linguagem. Partindo dessa reflexão,
torna-se imprescindível apresentarmos um percurso panorâmico das concepções de linguagem
destacando as principais contribuições desses estudos na área dos gêneros discursivos.
Convém salientar que as diferentes concepções de linguagem foram inicialmente
discutidas pelo Círculo de Bakhtin sendo denominadas como Subjetivismo Idealista,
Objetivismo Abstrato e Língua como Interação. Esses posicionamentos teóricos acerca da
linguagem foram difundidas mais tarde por Geraldi (2011) e Travaglia (1996) utilizando-se de
uma nova nomenclatura considerada clássica em relação aos estudos da linguagem – esta vista
como Expressão do Pensamento, Instrumento de Comunicação e Forma de Interação,
respectivamente. Vejamos mais detalhadamente a seguir:

2.1.1A linguagem como expressão do pensamento

Nessa concepção é acentuado o predomínio da consciência individual no uso da


linguagem, isto é, o reconhecimento de um sujeito cognitivo que expressa o que se forma no
interior da sua mente para alguém. O elemento central da comunicação é a pessoa que fala.
Nessa perspectiva,

a expressão se constrói no interior da mente, sendo sua exteriorização apenas


uma tradução. A enunciação é um ato monológico, individual, que não é
afetado pelo outro nem pelas circunstâncias que constituem a situação social
em que a enunciação acontece (TRAVAGLIA, 1996: 21).

Percebemos que nessa linha de pensamento, a linguagem é vista como uma


representação do psiquismo individual, servindo apenas de meio de decodificação dos signos
mentais do sujeito falante sem interferências de quaisquer fatores externos ao ato de expressão2,

2Bakhtin (2012[1929]), de forma muito simplificada, preceitua a expressão como sendo “tudo aquilo que tendo se
formado e determinado de alguma maneira no psiquismo do indivíduo, exterioriza-se objetivamente para outrem
com a ajuda de algum código de signos exteriores” (p. 115).
25

quer seja o seu interlocutor, o contexto situacional presente no momento da enunciação, entre
outros.
De acordo com essa concepção da linguagem, o processo de construção linguística se
faz no interior da mente do indivíduo de forma monológica e particular. Desse princípio,
depreende-se que a linguagem é inata ao homem, ou seja, a pessoa já nasce com a capacidade
de expressar o seu pensamento a partir de uma organização lógica e mental da língua. Partindo
desse preceito, infere-se que o ato de se expressar bem está estritamente ligado ao ato de pensar
articuladamente e de forma organizada e, para isso, constitui-se necessário o domínio de
modelos formais e estanques da língua (léxico, sintaxe, gramática, fonética).
Bakhtin denominou essa tendência de subjetivismo idealista o qual ele sintetiza em
quatro proposições:

1ª A língua é uma atividade, um processo criativo ininterrupto de construção


(“energia”), que se materializa sob a forma de atos individuais de fala.
2ª As leis da criação linguística são essencialmente as leis da psicologia
individual.
3ª A criação linguística é uma criação significativa, análoga à criação artística.
4ª A língua, enquanto produto acabado (“ergon”), enquanto sistema estável
(léxico, gramática, fonética), apresenta-se como um depósito inerte, tal como
a lava fria da criação linguística, abstratamente construída pelos linguistas
com vistas à sua aquisição prática como instrumento pronto para ser usado
(BAKHTIN, 2012[1929]: 74-75).

A linguagem como expressão do pensamento enfatiza o papel da atividade mental do


indivíduo no ato da criação da mensagem a ser exteriorizada ao outro, utilizando-se de um
sistema de regras estáveis e imutáveis da língua. Isso significa excluir qualquer aspecto social
da linguagem, bem como, desconsiderar o caráter dinâmico da língua no tempo e no espaço,
posição refutada pelo círculo bakhtiniano.
De acordo com Koch e Cunha-Lima (2011), na linha de pensamento cartesiana, mente
e corpo são considerados de natureza absolutamente distintas e radicalmente separadas. O corpo
representa a natureza material das coisas mundanas, incluindo nosso corpo e tudo que os nossos
sentidos podem captar; enquanto que a mente refere-se à substância imaterial, a consciência
humana e ao mundo das ideias. Assim, surge o questionamento de como os fenômenos externos
poderiam ser interiorizados e manipulados na mente do sujeito para, em seguida, serem
exteriorizados por meio de algum código de signos.
Dessa assertiva inferimos que o indivíduo recebe as impressões externas através de
estímulos aos órgãos sensoriais e essas informações são codificadas em signos na mente do
sujeito formando o seu conteúdo interior. O processamento desses símbolos internamente pelo
26

indivíduo é o que define a atividade mental. Disso resulta que o ato de expressão parte do
interior para o exterior.
Contrariando o que postula a teoria da expressão do pensamento, Bakhtin (2012[1929]:
116) afirma que “não é atividade mental que organiza a expressão, mas, ao contrário, é a
expressão que organiza a atividade mental, que modela e determina sua orientação”. Isso quer
dizer que os fatores externos com suas próprias regras são os que determinam de que forma o
conteúdo interior será expresso. O processo de sistematização daquilo que se quer comunicar
inicia-se com a apropriação do material externo e, no momento de exteriorizar um pensamento,
são analisadas as condições de enunciação para a realização do ato de expressar.
Nas palavras de Bakhtin (2012[1929]: 117), “a situação social mais imediata e o meio
social mais amplo determinam completamente e, por assim dizer, a partir do seu próprio
interior, a estrutura da enunciação”. Como bem sabemos, não dizemos tudo que queremos em
toda e qualquer situação e da forma que desejamos. Existem regras sociais estabelecidas na
comunidade em que fazemos parte e cristalizadas em nosso psiquismo que orientam a forma
como dizemos algo a alguém.
Vejamos, como exemplo, esta dissertação que está sendo escrita por mim, que
aparentemente seria uma atividade solitária, mergulhada na intimidade dos meus
pensamentos.No entanto, a substância do meu conteúdo interior é um reflexo dos mais diversos
discursos acumulados através de experiências construídas nas relações com o outro e que
formam todo meu conhecimento de mundo, meus valores culturais, crenças e ideologias.
Quanto à exposição desse material psíquico, faz-se necessário, primeiramente, uma análise das
reais condições de enunciação, principalmente, o papel social dos interlocutores e o grau de
intimidade entre ambos. Nessa atividade comunicativa, o locutor escolherá de que forma
exprimir o conteúdo interior formado dentre os modelos disponíveis no âmbito da esfera de
atividade (nesse exemplo, a acadêmica) conforme as normas sociais estabelecidas e
compartilhadas pela comunidade discursiva, podendo ser através da defesa oral da dissertação,
publicação em revistas, transformação em um livro, comunicação em congressos, etc.
Dessa forma, concluímos que mesmo sendo uma atividade considerada individual, a
atividade mental revela-se como produto da inter-relação social.
2.1.2 A linguagem como instrumento de comunicação

Nessa concepção a linguagem é vista, segundo Geraldi (2011: 41), “como código
(conjunto de signos que se combinam segundo regras) capaz de transmitir ao receptor certa
mensagem”. Isso significa dizer que nessa linha de pensamento a língua tem como função
27

precípua ser uma ferramenta de comunicação entre o locutor e o locutário, em que alguém
utiliza a língua para enviar uma informação ao outro, e este último, decodifica os signos
linguísticos transformando-os em mensagens, sendo necessário que tanto o emissor quanto o
receptor compartilhem dos mesmos signos linguísticos. Ressalta-se, que nessa vertente, assim
como na anterior (linguagem como expressão do pensamento), os atores da interação
comunicativa encontram-se isolados social e historicamente.

A linguagem vista como sistema de signos convencionais forma a base da escola


estruturalista, que tem como seu principal representante Ferdinand de Saussure. No livro
Course de LinguistiqueGénérale3, encontram-se os princípios básicos do pensamento
saussuriano, destacando-se, entre eles, a dicotomia entre língua (langue) e fala (parole), ou seja,
a separação entre a dimensão social e a dimensão individual do funcionamento da linguagem.
Para Sausurre, era necessário fazer essa separação para que se pudesse analisar a língua como
objeto de um estudo realmente científico, possibilitando estudar a língua em si e por si mesma.
Sobre os estudos de tradição saussuriana, Marcuschi destaca que

O Curso sufocou sensivelmente o sujeito, a sociedade, a história, a cognição


e o funcionamento discursivo da língua, a fim de obter um objeto asséptico e
controlado criado pelo “ponto de vista” sincrônico e formal (MARCUSCHI,
2008: 30).

Nas propostas do pensamento estruturalista há a exclusão do sujeito falante na


investigação linguística, esse sendo colocado como um indivíduo inconsciente sem vontades
próprias. Outro fato a considerar é a eliminação, em suas análises, de todo um contexto sócio-
histórico em que está inserido o falante quando faz uso da língua na consecução das mais
diferentes atividades humanas. Essa linha teórica tem como foco central analisar os elementos
mínimos identificáveis na língua (fones, fonemas, morfemas, lexemas, etc.).
Bakhtin (2012[1920]) refere-se a essa concepção de linguagem empregando o termo
“objetivismo abstrato”, resumido em quatro considerações, as quais pontuamos da seguinte
forma:

1. A língua é um sistema estável e imutável.

3
De acordo com Rodolfo Ilari (2011), este livro foi publicado em 1916, como obra póstuma do linguista suíço
Ferdinand de Saussure, pelos alunos da Universidade de Genebra que se valeram para isso das notas de aula. Essa
foi a obra que deu origem à chamada linguística científica.
28

2. As leis da língua são essencialmente leis linguísticas específicas, que estabelecem


ligações entre os signos linguísticos no interior de um sistema fechado.
3. As ligações linguísticas específicas nada têm as ver com valores ideológicos.
4. Os atos individuais de fala constituem, do ponto de vista da língua, simples
refrações ou variações fortuitas ou mesmo deformações das formas normativas.

Conceber a linguagem como sistema pronto e acabado, regido por leis próprias,
limitando-se ao estudo das análises do funcionamento interno da língua, desconsiderando as
variedades linguísticas e desvinculada de qualquer contexto histórico e social, significa
entender a língua como um código preestabelecido que não se pode criar ou modificar, como
um instrumento que deve ser apropriado pelos sujeitos interagentes para que se possa
estabelecer a comunicação. Como esclarece Bakhtin (2012 [1929]: 81), do ponto de vista desta
orientação, “o indivíduo recebe da comunidade linguística um sistema já constituído, e qualquer
mudança no interior deste sistema ultrapassa os limites de sua consciência individual”.

Segundo tal linha de pensamento, a língua é esvaziada de qualquer conteúdo


ideológico, isolada do seu uso, sem considerar os participantes do jogo comunicativo, a situação
imediata e o momento histórico. Enfatiza-se a forma linguística, em que a regra privilegiada
para os estudos linguísticos é a norma culta da língua, e todo e qualquer desvio a esse modelo
é considerado erro, ou seja, o indivíduo por si só não é capaz de provocar mudanças no sistema
linguístico, uma vez que ele deve apenas reproduzir um modelo de linguagem estanque e fixo.

Mas é de nosso conhecimento que a língua sofre modificações em suas formas


fonéticas, gramaticais e lexicais ao longo do tempo (diacronia) e nos mais diferentes espaços
(geográfico, lugar da enunciação, lugar de produção, lugar social, etc.). Para exemplificarmos
tal afirmação,vale lembrar o pronome de tratamento “Vossa Mercê4” que sofreu alterações
fonéticas durante os anos até chegar a forma que frequentemente usamos “Você”. Os estágios
pela qual o termo perpassa são: Vossa Mercê >vossemecê>vosmecê>vosm’cê>voscê> você
>ocê>cê. Isso sem mencionar que atualmente no mundo digital utiliza-se, geralmente, a forma
“vc”.

Percebemos, assim, que a história da língua é também construída a partir dos “erros”
individuais. Se a cada época um desvio da regra encontra situação favorável a sua

4
O trabalho em que nos baseamos para citar um breve percurso histórico do pronome de tratamento “Vossa Mercê”
foi de Clézio Roberto Gonçalves, intitulado DE VOSSA MERCÊ A CÊ:CAMINHOS, PERCURSOS E
TRILHAS, publicado nos Cadernos do CNLF, Vol. XIV, Nº 4, t. 3.
29

generalização, então, este desvio torna-se uma norma linguística quando aceita e compartilhada
pelos demais sujeitos da comunidade linguística. Diante de tal exposição, o processo de
evolução da língua não perpassa apenas por uma ação individual, da atividade dos falantes, mas
são essencialmente regidas por leis sociais. Concernente a isso, não comungamos com a ideia
de imutabilidade da língua e de exclusão dos indivíduos no processo de transformação do
sistema linguístico.

Criticando pontos cruciais observados acerca de tal pensamento, Bakhtin afirma que
somente dentro de uma realidade social em que estejam situados o emissor, o receptor e o
próprio som é que se pode pensar a linguagem,

portanto, a unicidade do meio social e a do contexto social imediato são


condições absolutamente indispensáveis para o complexo físico-psíquico-
fisiológico (...) possa ser vinculado à língua e à fala, possa tornar-se um fato
de linguagem (BAKHTIN, 2012[1929]: 73).

Em Marxismo e Filosofia da Linguagem, Bakhtin/Voloschinov(2012[1929]) contradiz


a teoria saussuriana quando afirma que o signo é um produto ideológico que reflete e refrata
uma realidade que lhe é exterior,enfatizando, assim, o valor semiótico inerente ao signo,
exatamente, em função de sua constituição ideológica. Para ele “tudo que é ideológico possui
um significado e remete a algo situado fora de si mesmo. Em outros termos, tudo que é
ideológico é um signo. Sem signos não existe ideologia” (p.31).
Desse modo, a linguagem só pode ser compreendida através de seus elementos
constitutivos: os participantes, o lugar, o tempo, os propósitos comunicativos e as diversas
semiologias (verbais e não-verbais) que participam da construção do sentido de um discurso
produzido numa situação de enunciação única. A proposta bakhtiniana é ver a língua imersa na
realidade enunciativa concreta, servindo aos propósitos comunicacionais do locutor.

Claro, que não desprezamos o sistema, pois, tacitamente, sabemos que a língua não é
um todo desordenado, mas se realiza também por meio de um sistema de “regras” mais ou
menos variáveis. Assim como explica Irandé Antunes:

As pessoas, quando falam, não têm liberdade total de inventar, cada uma a seu
modo, as palavras que dizem, nem têm liberdade irrestrita de colocá-las de
qualquer lugar nem de compor, de qualquer jeito, seus enunciados. Falam,
isso, sim, toda elas, conforme as regras particulares da gramática de sua
própria língua. Isso porque toda língua tem sua gramática, tem seu conjunto
30

de regras, independentemente do prestígio social ou do nível do


desenvolvimento econômico e cultural da comunidade em que é falada. Quer
dizer, não existe língua sem gramática (ANTUNES, 2003: 85).

No entanto, é imprescindível vislumbrar a linguagem como produto de suas interações


sociais, como código histórico-cultural emergente e como processo dialógico-interativo dentro
de um contexto comunicativo. E, é nesse sentido que o nosso trabalho constrói suas bases
epistemológicas como constataremos, de forma mais detalhada, nas próximas páginas.

2.1.3 A linguagem como forma de interação

Geraldi (2011) observa que nessa concepção a linguagem é percebida como sendo um
lugar de interação humana, isto é, a língua seria um meio pelo qual o indivíduo que fala pratica
ações significantes, um produto da socialização. Como afirma o filósofo russo, “a língua passa
a integrar a vida através de enunciados concretos (que a realizam); é igualmente através de
enunciados concretos que a vida entra na língua” (BAKHTIN, 2011[1979]: 265). Aqui,
percebemos o vínculo existente entre a vida e a língua, sobressaindo-se o caráter social da
linguagem, o qual teve sua importância reconhecida no Círculo Bakhtiniano:

a língua materna, seu vocabulário e sua estrutura gramatical, não os


conhecemos por meio dos dicionários ou manuais de gramática, mas sim
graças aos enunciados concretos que ouvimos e reproduzimos na
comunicação discursiva efetiva com as pessoas que nos rodeiam (BAKHTIN,
2011[1979]: 264).

Em outras palavras, nós, indivíduos inseridos em uma comunidade cultural, utilizamos


a linguagem em nossas práticas sociais e históricas cotidianas de forma a organizar o mundo
que nos envolve e a interagir com ele, construindo significados para esse território semiotizado,
imbricado de valores e ideologias. Dessa forma, a linguagem, instrumento da atividade social
humana, torna as formas de organização e as formas de atividade mais complexas e
diversificadas.

Para Morato (2011), a inclusão das dimensões sociais, culturais, históricas e


contextuais nas análises dos fatos de linguagem fez com que a Linguística compreendesse de
forma mais sistematizada os fenômenos comunicativos e os padrões normativos próprios das
interações. Isso significa dizer que toda ação humana no mundo está contextualizada num
sistema social, submetida a regras histórico-culturais e ideologicamente marcada.
31

Por isso, afirmamos que a linguagem representa uma ação dos sujeitos entre si e entre
eles e o mundo, uma vez que através dela realizamos ações como: informar, interpretar,
influenciar, transformar, significar, ressignificar, construir, desconstruir, etc.; ao mesmo tempo
que, proporcionalmente, atuamos sobre a própria linguagem, principalmente, no que diz
respeito à sua mudança, evolução e diversidade. Ao produzir um enunciado, o indivíduo não
está apenas repassando uma informação ou expressando um pensamento, mais do que isso, ele
está agindo sobre o seu interlocutor, construindo vínculos. Dessas observações, Bakhtin nos
esclarece que a verdadeira natureza da língua

não é constituída por um sistema abstrato de formas linguísticas nem pela


enunciação monológica isolada, nem pelo ato psicofisiológico de sua
produção, mas pelo fenômeno social da interação verbal, realizada através da
enunciação ou das enunciações (BAKHTIN, 2012[1929]: 127).

Ressalta-se, nessa linha de pensamento, o caráter socioideológico da linguagem, o qual


deveria ser estudado observando-se o lugar da interação, os sujeitos interagentes, o contexto da
situação, os propósitos comunicativos formulados, entre outros. Resumindo o pensamento
bakhtiniano, essa concepção de linguagem tem como princípio central analisar a língua a partir
de sua realidade concreta que acontece através da interação social entre os sujeitos da
enunciação, resultando, assim, na evolução ininterrupta da linguagem, agregando ao seu
conteúdo significativo valores ideológicos, constituindo-se como legado histórico-cultural da
humanidade.
De forma alguma podemos pensar que Bakhtin excluiu totalmente as demais
concepções da linguagem de suas considerações sobre a língua. Entendemos que o filósofo
russo, a partir das críticas feitas às duas linhas de pensamento, ressignificou-as, ampliando-as
para uma visão socioideológica e histórico-cultural da linguagem.

Não podemos negar a importância dos processos mentais pelos quais é produzida a
linguagem e muito menos negligenciar a relevância de se compreender o sistema de signos
linguísticos nos estudos da linguagem. A inserção do aspecto social nas duas vertentes objetiva
analisar a língua numa dimensão mais sócio-histórica. O ato de dizer algo a alguém, enquanto
prática social, coloca em cena certos fatores que envolvem as atividades mentais, o código
linguístico e a própria situação de interação.
32

Primeiro, a exteriorização do conteúdo que se forma no interior da nossa mente (aquilo


que será dito) tem seus efeitos no mundo exterior e, este, num sentido reverso, tem o poder de
influenciar a nossa atividade mental, na forma que organizamos e estruturamos nossos
enunciados. Então, como afirma Bakhtin,

quando uma atividade mental se realiza sob a forma de uma enunciação, a


orientação social à qual ela se submete adquire maior complexidade graças à
exigência de adaptação ao contexto social imediato do ato de fala, e, acima de
tudo, aos interlocutores concretos (BAKHTIN, 2012[1929]: 122).

Dessa forma, o nosso mundo psíquico é que se adapta às inúmeras possibilidades de


expressão no mundo social. E, para materialização desse conteúdo mental, é necessário que nós
façamos uso de um código linguístico em que o(s) interlocutor(res) tenha(m) a sua apropriação.
Esse código, formado por um conjunto de signos compartilhados por uma comunidade
discursiva, torna a língua um fato social.

Além disso, numa enunciação real, a construção de sentidos do signo linguístico é


inteiramente determinada pelas relações sociais. Para Bakhtin (2012[1929]: 99) “a palavra está
sempre carregada de um conteúdo ou de um sentido ideológico ou vivencial”. A língua sendo
um código convencionalizado, constitui-se como signo linguístico, e todo signo reflete uma
ideologia. Para o círculo bakhtiniano,

o domínio do ideológico coincide com o domínio dos signos: são mutuamente


correspondentes. Ali onde o signo se encontra, encontra-se também o
ideológico. Tudo que é ideológico possui valor semiótico (BAKHTIN, 2012
[1929]: 32).

Nossa compreensão do mundo em que vivemos perpassa pelos signos constituídos na


cultura em que estamos inseridos, é fruto das relações sócio-históricas de que participamos.
Portanto, a criação ideológica está “corporificada em algum material semiótico definido”
(FARACO, 2009: 48), podendo ser linguístico ou não linguístico.Dessa forma, os signos
tornam-se manifestação de valores, de uma postura avaliativa de determinada comunidade.

Assim, para a construção de significados dos enunciados concretos é necessário


compreendermos como os contextos culturais e sociais encontram-se ancorados numa situação
específica e como certos objetivos estão orientados para realização de uma ação social. É nessas
33

contínuas inter-relações que nos constituímos como sujeito interagente, consciente e


participante de uma comunidade.

Entendemos a ideia de interação não sendo determinada apenas pela relação


interpessoal ou verbal entre os indivíduos, mas, também, “pelas situações sócio-históricas de
produção dos enunciados e pelos gêneros dos discursos em circulação social” (FARACO, 2001:
172). Nesse sentido, a linguagem é visto como um produto da interação sociodiscursiva, em
que através dela perpassam inúmeros discursos construídos historicamente.

As ações mesmo situando-se em um nível mais individual, o seu estatuto é social, uma
vez que faz parte da atividade. A expressão “ações de linguagem” equivale ao que Bakhtin
chamou de formas e tipos de interação de linguagem, as condições concretas de sua realização.
Nessa direção, Bakhtin argumenta que

qualquer locução realmente dita em voz alta ou escrita para uma comunicação
inteligível (isto é, qualquer uma exceto palavras depositadas num dicionário)
é a expressão e produto da interação social de três participantes: o falante
(autor), o interlocutor (leitor) e o tópico (o que ou o quem) da fala (o herói)
(BAKHTIN, 1976[1926]: 8).

A partir desse pensamento, reconhecemos que a língua não se limita a ser identificada
apenas como um signo convencionalizado, nem somente como uma forma de expressar o que
pensamos e desejamos, mas além de tudo isso, ela está intrinsicamente vinculada com a vida,
com o nosso agir no mundo, é o elo que liga o “EU” ao “NÓS”, é trabalho constituído das inter-
relações daqueles que fazem uso da linguagem, quer seja ela verbal ou não. Ressaltamos, aqui,
o termo “NÓS”, porque acreditamos que na interação com o outro, o “EU” se recria
continuamente em referência a um “TU”, e, dessa forma, vislumbramos no “TU” a presença
também do “EU”.

Para ilustrar melhor nosso pensamento, vejamos a seguinte situação: duas pessoas
estão na sala da casa de uma delas, e depois de alguns minutos em silêncio, uma delas verbaliza
a palavra “Legal” e a outra continua sem responder. Até aqui, tomando o material linguístico
“Legal” isolado de qualquer contexto, encontraríamos um signo o qual poderia ser atribuído
várias significações, ou seja, para o indivíduo que não participa da cena da enunciação não iria
compreender o real significado dessa palavra. Numa forma dicionarizada, poderá ser atribuído
diferentes significados a esse léxico (em conformidade com a lei, excelente, resposta afirmativa
34

equivalente a um “sim”, etc.), mas não saberíamos, na realidade, qual conteúdo de sentido está
sendo veiculado na conversação.

Entretanto, o que falta para a construção de sentidos na cena descrita é a apresentação


do contexto extraverbal do diálogo, que, segundo Bakhtin (1976 [1926]), compreende três
fatores: o espaço comum dos interlocutores (neste caso, a sala e tudo que há nela),
conhecimento e compreensão comum da situação por parte dos interlocutores e a avaliação
comum da situação por parte do falante.

Prosseguindo na descrição da interação verbal, imaginemos que momentos antes do


locutor dizer “Legal” (entoado com indignação) começava a chover torrencialmente e ambos
estavam arrumados para ir a uma festa há tanto esperada. Mas, era do conhecimento de todos
dois, que quando chovia em sua cidade as ruas ficavam alagadas de forma a ficarem
intrafegáveis e havia uma grande possibilidade de faltar energia elétrica. Depois desse
detalhamento da situação em análise, somos capazes de inferir o verdadeiro sentido da palavra
“Legal” nesse contexto que, com certeza, não terá referências de algo bom, e sim, alguma
correspondência a expressões do tipo “Essa chuva atrapalhou nosso programa”, “Que droga!”,
etc.

Claro que teríamos muito mais elementos que reforçariam a ideia de um sentido
negativo que o falante impõe ao enunciado (avaliação da situação), como por exemplo, os
gestos e expressões faciais realizados ao enunciar tal palavra, que numa situação concreta
poderá ser uma informação a mais a ser observada pelo interlocutor para uma melhor
compreensão daquilo que não está dito explicitamente. Como assevera Bakhtin (1976 [1926]:
5), “a situação se integra ao enunciado como uma parte constitutiva essencial da estrutura de
sua significação”.

Para uma análise mais ampla da atividade comunicativa não podemos pensar apenas
na situação imediata, mas na relação dos interlocutores com um contexto maior, considerando
os atores da interação como participantes de um grupo social, em que permeiam valores,
crenças, discursos, ideologias, etc. Nesse sentido, o enunciador ao emitir verbalmente a palavra
“Legal” analisou não somente o contexto situacional (para quem o enunciado era dirigido, qual
a sua intenção, o que estava acontecendo no momento determinado, etc.), mas também, foi uma
forma de materializar as influências sofridas pelo mundo exterior o qual se encontra conectado.
35

A escolha de uma forma de enunciado, dentre as várias possibilidades, demonstra o


caráter apreciativo construído socialmente. Assim, o “EU”, discurso interior, realiza-se
verbalmente tomando por base o “NÓS”, discurso exterior, uma vez que o individual encontra-
se inserido no meio social e vice-versa. Através dos discursos é que encontro o “OUTRO” em
mim, da mesma forma que me vejo refletida no “TU”, pois a construção dos enunciados está
organizada e orientada em relação ao “OUTRO”. Como argumenta Bakhtin (2011[1979]:
294),“a experiência discursiva individual de qualquer pessoa se forma e se desenvolve em uma
interação constante e contínua com os enunciados individuais dos outros”.

Essas considerações iniciais, discutidas acerca da linguagem sob o ponto de vista


bakhtiniano, tornam-se imprescindíveis na orientação de uma visão sócio-histórico-cultural da
linguagem, tendo a consciência de que nós construímos o mundo e somos (re)construídos
através da língua, ou seja, agimos no mundo por meio da linguagem. Na próxima seção, iremos
desenvolver melhor a temática dos signos ideológicos e do discurso dialógico para uma melhor
compreensão dos caminhos teóricos percorridos pelo nosso trabalho na construção rumo a uma
definição de gêneros discursivos.

2.2 O Discurso Dialógico e Ideológico dos Gêneros

Abordamos, anteriormente, que a linguagem é produto do processo de interação entre


vários fatores inter-relacionados dinamicamente: enunciador (a pessoa que fala
desempenhando um papel social), interlocutor(es) (para quem é orientado a mensagem, tendo
como referência o grau de intimidade com o locutor), o discurso (enunciado marcado
ideologicamente através dos signos linguísticos e não linguísticos – aqui, incluídos outras
semioses), a situação imediata (tudo que se apresenta no momento da enunciação, quer seja
material – lugar do evento, os acontecimentos – quer seja imaterial – tempo, propósitos,
espaços, grupo(s) social(is) envolvido(s), etc.) e o contexto mais amplo (aspectos sociais,
históricos, culturais, ideologias, que se constituem no discurso).

Dessa forma, reconhecemos uma linguagem que vai além das fronteiras da interação
comunicativa do dito, explorando as terras férteis do não-dito da enunciação concreta sócio e
culturalmente configurada. É conferido à língua um caráter não apenas de uma forma
linguística, mas de uma forma enunciativa havendo uma interdependência entre o contexto
interacional e cultural e o código em si. Em outras palavras, a “ação do sujeito no mundo se
36

inscreve num quadro social, submetendo-se às regras de gestão histórico-cultural, mas que
nunca é ideologicamente neutra” (MORATO, 2011: 316).

Ideologia é um termo que aparece em alguns dos trabalhos do Círculo de Bakhtin, e


que tomamos por base, principalmente e não exclusivamente, o livro Marxismo e filosofia da
linguagem. Em nenhum dos escritos dos estudiosos do círculo determinou-se o sentido de que
se faz uso a palavra ideologia, ou seja, não há um conceito pronto sobre o tema na perspectiva
bakhtiniana. No entanto, Bakhtin nos dá pistas que nos orientam para uma construção do seu
significado, e é seguindo essas indicações que buscaremos compreender melhor essa questão
que permeia todo o pensamento do círculo, ao lado de outros termos como signo, discurso e
dialogismo.

A concepção de ideologia5 desenvolvida pelo círculo bakhtiniano está intimamente


relacionada ao universo dos signos, evidenciando, assim, a natureza semiótica de tudo que é
ideológico. Seguindo esse pensamento, Bakhtin enuncia que

“tudo que é ideológico possui significado e remete a algo situado fora de si


mesmo. Em outros termos, tudo que é ideológico é um signo. Sem signos não
existe ideologia”(BAKHTIN, 2012[1929]: 31).

Os signos derivam não de uma consciência individual, mas das relações existentes
entre os indivíduos, ou seja, os signos são essencialmente de natureza social. Nesse sentido
Bakhtin manifesta-se afirmando que “a realidade dos fenômenos ideológicos é a realidade
objetiva dos signos sociais” (BAKHTIN, 2012[1929]: 36). O signo ideológico é compreendido
pela sua parte material (significado linguístico) e por uma parte social (relacionado a usos em
cada domínio da atividade humana ideologicamente marcado). Como explicita Faraco (2009),
para Bakhtin a palavra ideologia faz referência às representações que os diferentes grupos
sociais constroem do mundo.
A ideologia é continuamente construída a partir das interpretações de realidades do
mundo exterior que nos rodeia, agregando significações aos objetos do mundo visível, e dessa
forma, tornando-os formas sígnicas. Essas interpretações da realidade são compartilhadas e
aceitas pelos indivíduos que formam uma comunidade social organizada, fazendo com que haja
certa regularidade dessas representações.

5
Segundo Faraco, “Ideologia é o nome que o Círculo costuma dar, então, para o universo que engloba a arte, a
ciência, a filosofia, o direito, a religião, a ética, a política, ou seja, todas as manifestações superestruturais”
(FARACO, 2009:46).
37

Cada signo ideológico não é apenas um reflexo, uma sombra da realidade, mas
também um fragmento material dessa realidade. Todo fenômeno que funciona
como signo ideológico tem uma encarnação material, seja como som, como
massa física, como cor, como movimento do corpo ou como outra coisa
qualquer. [...] O próprio signo e todos os seus efeitos (todas as ações, reações
e novos signos que ele gera no meio social circundante) aparecem na
experiência exterior (BAKHTIN, 2012[1929]: 33).

Nosso relacionamento com o mundo se dá de forma semiotizada, ou seja, através do


processo de produção do material sígnico. Este último, consiste na operação simultânea de
reflexo e refração da realidade. Refletir significa, aqui, que os signos apontam para uma
materialidade no mundo, mas isso acontece de forma refratária, isto é, representamos o mundo
a partir de várias perspectivas decorrentes das experiências concretas de grupos sociais em um
tempo e lugar determinados e construídos histórico e culturalmente. Partindo da premissa de
que a refração é formada por um conjunto de experiências históricas de diferentes grupos
sociais, gerando diversos pontos de vista da mesma realidade (muitas vezes até mesmo
contraditória), vem fortalecer a ideia de plurissignificação dos signos.
Para exemplificar o que dissemos até aqui, escolhemos a imagem da maçã ilustrada no
cartaz a seguir:

FIGURA 1 - Cartaz “As 4 maçãs que mudaram o mundo”

Fonte: Disponível em: <http://literaturadoguimaraes.blogspot.com.br/2012/06/eva-isaac-newton-beatles-e-


steve-jobs.html>. Acessado em 21 mar. 2014.
38

Esse cartaz foi bastante divulgado na internet através das redes sociais (facebook,
twitter, blogs, etc.) e demonstra claramente o caráter multissêmico do signo, bem como, a
dimensão ideológica do discurso. Neste caso, temos a imagem da maçã que representa um
objeto real, uma fruta que existe no mundo material e, que por si só, tomada isoladamente, não
encarna um material sígnico. Para que essa fruta se torne um signo é necessário atribuí-lo
significações situando-o em contextos determinados e globais. Ressaltamos, outrossim, que as
construções de sentido emergem no interior das relações sociais.

Na figura 1 são apresentadas quatro maçãs em diferentes formatos e cores,


acompanhadas de um material linguístico (texto verbal), que na inter-relação dessas linguagens
e somado ao nosso conhecimento de mundo nos direcionam para uma construção de sentidos
do texto. Na imagem, cada maçã representa personalidades que são conhecidas por um grande
número de pessoas e, através dela, identificamos vários discursos (religioso, científico, estético,
entre outros).

O texto relaciona quatro personagens que fazem parte da história da humanidade, e


que de alguma forma, imprimiram seus nomes na cultura mundial:

 Eva- primeira mulher criada por Deus, conforme escritos bíblicos, que
desobedecendo às leis divinas cometeu o pecado original comendo a maçã do
conhecimento e, em consequência, expulsa do paraíso.
 Isaac Newton- famoso cientista que elaborou as leis da gravidade inspiradas a
partir da queda de uma maçã em sua cabeça, relato contado ao logo dos tempos.
 A banda The Beatles– A famosa banda de rock dos anos 60 considerada a maior
banda de todos os tempos. Paul, um dos integrantes, arrematou a tela de uma
maçã verde do artista belga RenèMagritte, o qual era grande admirador. Essa
maçã tornou-se símbolo da gravadora Apple Records e era impressa em todos
os selos dos seus Lp’s.
 Steve Jobs- co-fundador das empresas Apple Inc. e responsável por várias
invenções na área da informática usadas hoje em dia como o IPhone, Ipad e o
famoso software Itunes. O desenho de uma maçã mordida está impressa em
todos os equipamentos das empresas Apple, tornando-se símbolo da mesma.

Esclarecemos que as formas de significar a imagem da maçã não se limita somente a


essas quatro. Existem outras, como por exemplo, a maçã envenenada referenciada no conto
39

infantil da Branca de Neve, entre outros. Mas nossa intenção não é listar as inúmeras
possibilidades de sentido do signo, e sim, observar como se dá o processo de criação ideológica.

Para isso, partimos do princípio de que é através da linguagem que interagimos uns
com os outros em um tempo específico e em um lugar definido, construindo significações para
nosso agir no mundo. Ao interagirmos com o mundo e com as pessoas arquivamos vários
conhecimentos ao longo do tempo, tais como, conhecimento6 linguístico, enciclopédico e
interacional. Essas experiências são individuais, uma vez que a situação é única e processada
cognitivamente por alguém também único no mundo, mas ao mesmo tempo esse conhecimento
é socializado, pois somos indivíduos que fazem parte de uma sociedade que compartilha
valores, crenças, ideologias, língua, objetivos comuns. Observamos, assim, que o(s)
significado(s) que atribuímos à imagem é fruto de múltiplas experiências históricas e culturais
que fazem parte de um repertório social.

No mundo material, a maçã não deixará de ser uma fruta, mas quando inserida em
vários outros contextos ela adquire outros significados, ou seja, “passa a refletir e a refratar,
numa certa medida, uma outra realidade” (BAKHTIN, 2012[1929]: 31), deixando de ser um
corpo físico no mundo e passando a ser um símbolo, e como tal, revestido de um sentido
ideológico, o que vai além de suas particularidades reais. Corroborando com tal pensamento
Miotello esclarece que

a ideologia é o sistema sempre atual de representação de sociedade e de mundo


construído a partir das referências constituídas nas interações e nas trocas
simbólicas desenvolvidas por determinados grupos sociais organizados. É
então que se poderá falar do modo de pensar e de ser de um determinado
indivíduo, ou de determinado grupo social organizado, de sua linha
ideológica, pois que ele vai apresentar um núcleo central relativamente sólido
e durável de sua orientação social, resultado de interações sociais
ininterruptas, em que a todo momento se destrói e se reconstrói os significados
do mundo e dos sujeitos (MIOTELLO, 2012: 176).

6
Na construção de sentidos faz-se necessário ativarmos alguns conhecimentos básicos que são apresentados por
Cavalcante (2012) como sendo: o conhecimento linguístico - que compreende aquele que o leitor possui sobre o
uso das regras da língua, de seu complexo sistema. O conhecimento de mundo - aquele que se encontra
armazenado na memória permanente de um indivíduo – para percebermos os sentidos do texto. São os
conhecimentos do leitor ativados por experiências vivenciadas ao longo da vida: lugar social, vivências, relações
com o outro, valores da comunidade, conhecimentos textuais, etc. O conhecimento interacional - ocorre sempre
que, ao interagirmos por meio da linguagem, precisamos mobilizar e ativar conhecimentos referentes às formas de
interação. Através dele reconhecemos o gênero discursivo com o qual dialogamos.
40

Nesse sentido, o signo representa a realidade de vários “ponto de vista”, dependendo


do lugar e do tempo da enunciação que são sempre determinados sócio-historicamente e,
portanto, encontram-se estabilizados, aceitos no conjunto social. No exemplo em questão, a
maçã foi significada e ressignificada em momentos históricos diferenciados, como também de
grupos sociais distintos. Reforçando tal ideia, Bakhtin argumenta que

em cada momento da sua existência histórica, a linguagem é grandemente


pluridiscursiva. Deve-se isso à coexistência de contradições sócio-ideológicas
entre presente e passado, entre diferentes épocas do passado, entre diversos
grupos sócio-ideológicos, entre correntes, escolas, círculos, etc.. [...] Todas as
linguagens do plurilinguismo, qualquer que seja o princípio básico de seu
isolamento, são pontos de vista específicos sobre o mundo, formas de sua
interpretação verbal, perspectivas objetais, semânticas e axiológicas
(BAKHTIN, 2010 [1975]: 98).

O enunciador do cartaz ilustrado anteriormente faz uma seleção no percurso histórico


de fatos e personagens que fazem parte do repertório de mundo da maioria das pessoas e, que
tem em comum, uma construção simbólica tematizada na maçã (representando a fruta proibida,
fruta do conhecimento, fruta do sucesso, fruta da inovação tecnológica). E, nessa forma de
representar o mundo, cada grupo social reveste os signos com sentidos próprios de cada campo
da atividade, servindo aos interesses do grupo. Nesse processo de significação estão inseridos
os juízos de valor, em que os sujeitos se posicionam e interagem dentro de um universo
socioaxiológico. Em outras palavras, todo e qualquer objeto do mundo real só se constitui como
signo quando ele adquire uma significação interindividual estabelecida dentro de um grupo
social como forma de representar uma dada realidade, adquirindo, dessa forma, um valor social.
É nesse cenário que Faraco observa que

o sujeito, mergulhado nas múltiplas relações e dimensões da interação


socioideológica, vai-se constituindo discursivamente, assimilando vozes
sociais e, ao mesmo tempo, suas inter-relações dialógicas (FARACO, 2009:
84).

Nesse sentido, a língua é percebida em sua natureza concreta, viva, dinâmica, em seu
uso real na vida humana, ou seja, em sua natureza dialógica. A palavra “dialogismo” nos remete
a pensar em diálogo como uma comunicação face a face, mas veremos que na teoria de Bakhtin
a ideia de dialogismo está ligada à própria concepção de língua como interação verbal entre os
sujeitos do jogo comunicativo. Nessa complexa e organizada teia, em que vários elementos
41

encontram-se interconectados (interlocutores, enunciados, contextos, propósitos, ideologias,


discursos), é que se estabelece a base do dialogismo. Para Bakhtin:

a enunciação, não pode de forma alguma ser considerada como individual no


sentido estrito do termo; não pode ser explicado a partir das condições
psicofisiológicas do sujeito falante. A enunciação é de natureza social
(BAKHTIN, 2012 [1929]: 113).

Observamos, assim, que o dialogismo comporta duas facetas: aquela construída


através de diálogos estabelecidos nas relações diretas entre o falante e o(s) seu(s) leitor(es), uma
vez, que consideramos que todo enunciado se dirige a alguém. E outra em que se destaca que
esses enunciados são produzidos a partir de outros enunciados. São formas distintas de se
perceber o evento dialógico, mas são as faces de uma mesma moeda. Porém, diálogo é uma das
expressões do dialogismo, mas o dialogismo não se restringe ao diálogo.

Isso significa dizer, segundo Fiorin, que “o enunciador, para constituir um discurso,
leva em conta o discurso de outrem, que está presente no seu” (FIORIN, 2006: 19). Se pararmos
um pouco pra refletir, tudo o que falamos numa dada situação, estamos, de certa forma,
reproduzindo o que já foi dito anteriormente por alguém, pois aquilo que enunciamos foi
construído a partir do que foi lido em uma revista, jornal, livro, artigos ou ouvido de uma
conversa entre amigos, numa sala de aula, nos noticiários da televisão, em síntese, das
experiências sociais vivenciadas. Vejamos no texto a seguir:
42

FIGURA 2 – Capa da Revista Veja

Fonte: Revista Veja, edição nº 2319 de 01/05/2013. Disponível em: <http://veja.abril.com.br/010513>.


Acessado em 23 mar. 2014.

A figura 2 refere-se a uma capa da Veja, revista de grande circulação nacional,


publicada em 01 de maio de 2013. Nesse texto colocamos em evidência a importância de
analisarmos os signos linguísticos e não linguísticos numa situação real de interação, articulada
às condições extraverbais inerentes à sua produção, circulação e recepção. Quando Bakhtin
enfatiza a necessidade de estudar a língua em enunciados concretos, significa considerar outros
elementos que não estão materializados no dito, como por exemplo, a posição social, histórica
e ideológica dos interlocutores, as condições em que se deu a interação, os demais discursos
que entram em relação dialógica com o enunciado, etc.

Quantos aos signos ideológicos, a figura 2 nos remete não apenas ao material
linguístico (em que Bakhtin privilegia a palavra como sendo um signo ideológico por natureza,
uma vez que ela funciona em qualquer situação social), como também, ao signo imagético
(cores, disposição das imagens, etc.). Ao interagir com o texto, espera-se que o leitor construa
sentidos de forma a compreender não somente o que está sendo expresso visualmente, como
também, consiga adentrar na esfera dos implícitos, das ideologias e dos discursos.
43

Dentro do contexto sociopolítico, o interlocutor deverá ser capaz de relacionar a estrela


vermelha com o Partido dos Trabalhadores (PT), ressaltando-se que este é o grupo que detém
o poder político atual, o qual, a presidenta do Brasil, Dilma Rousseff, faz parte. A partir do seu
repertório social, supõe-se que o leitor irá estabelecer ligações da imagem da mulher vendada
segurando em uma das mãos uma espada e na outra uma balança (símbolo da justiça) com a
esfera judiciária.

Mas além do aspecto visual, esses sentidos são reforçados pela dimensão linguística
através do enunciado “O ATAQUE À JUSTIÇA – para escaparem da cadeia, os réus e os
radicais do PT desafiam a Constituição e a harmonia entre os poderes”. Ao entrecruzarmos
imagem e conteúdo verbal, é de fundamental importância entender o contexto em que está
sendo produzido o texto em questão.

Primeira informação a ser apresentada é o fato de que o Supremo Tribunal Federal


(STF), instituição maior no sistema judiciário do Brasil, foi o órgão responsável pelo
julgamento do Mensalão - nome dado pela mídia ao escândalo de corrupção política mediante
compra de votos de parlamentares no Congresso Nacional do Brasil, que ocorreu entre 2005 e
2006. O caso teve como protagonistas alguns integrantes do governo do presidente Lula,
membros do Partido dos Trabalhadores e de outros partidos, sendo objeto da ação penal de
número 470, movida pelo Ministério Público.

Outro fato importante a acrescentar é a proposta de emenda à Constituição (PEC - 33),


de autoria do deputado Nazareno Fontelles (PT-PI), que prevê que, quando o STF decidir pela
inconstitucionalidade de uma emenda à Constituição, o Congresso poderá reavaliar o ato do tribunal,
ou seja, autoriza o Congresso a derrubar decisões da Corte. Isso provoca uma briga entre os poderes
(Executivo, Legislativo e Judiciário), que segundo a Constituição Brasileira deveriam conviver
independentemente, mas de forma harmônica entre si.

De posse desses conhecimentos, percebemos que várias vozes se entrecruzam no texto.


Na oração “... desafiam a Constituição e a harmonia entre os poderes”, percebemos claramente
a referência ao artigo 2º da Carta Magna que diz: “São Poderes da União, independentes e
harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário”. Em outras palavras, no discurso
do produtor textual existe um resgate do discurso jurídico com o intuito de pôr em evidência a
briga entre os poderes.
44

Concernente ao tema, observamos que nesse discurso predomina a ideia de vitimização


do Poder Judiciário, pensamento fortalecido pela imagem da mulher, como símbolo da justiça,
que se encontra amarrada, indefesa e sem reação, além disso, tem-se a frase: “O ATAQUE À
JUSTIÇA”, ou seja, perpassa o pensamento de que a justiça está sofrendo ataques ou querem
acabar com a justiça do país. No material linguístico em destaque, tal ideia ganha reforço
através do seu aspecto visual que chama bastante a atenção dos interlocutores (escrita em
maiúsculas, em tamanho maior em relação ao restante do texto e na cor branca contrastando
com o fundo preto).

Ainda em relação à capa da revista Veja, o autor que fala no texto, ele o diz a partir de
uma posição social que exerce no momento da enunciação. Nesse caso, o sujeito falante enuncia
através de uma instituição jornalística, isto é, o discurso do jornalista entra em diálogo com os
discursos da empresa que estão impregnados de valores, julgamentos, posicionamentos e
ideologias que a identifica.

É notório que o discurso construído na revista contrasta com o discurso do grupo


político citado (PT), que durante muitos anos divulgou ideias de honestidade e distribuição
igualitária de renda, e que atualmente se encontra envolvido em atividades de corrupção. Nesse
sentido, queremos esclarecer que mesmo quando achamos que ao contradizer algum discurso
estamos fazendo um novo discurso, estamos apenas dando uma resposta a um já dito, ou seja,
apenas dizemos de outra forma o mesmo discurso. No complexo jogo da comunicação verbal
não temos de um lado um único agente (o enunciador) e do outro lado um ente passivo (o
receptor), o que nos levaria a crer que aquele que recebe a mensagem não tem nenhuma
responsabilidade na construção dos sentidos do enunciado.

Bakhtin, então, fala de uma atitude responsiva ativa, o que coloca o ouvinte/leitor
numa posição de locutor-agente do discurso que pode se manifestar de várias formas:
compreensão responsiva ativa (quando o interlocutor age no momento da enunciação, dando
uma resposta de forma imediata. Por exemplo, alguém fala e o outro responde, ou executa uma
ação); compreensão responsiva muda (quando a resposta permanece ausente por um certo lapso
de tempo). Para ilustrar, podemos observar as cartas do leitor de uma revista que escreve dando
uma resposta a um artigo, mas isso não acontece de forma imediata; compreensão responsiva
retardada (quando o que foi lido ou ouvido terá retorno no discurso ou no comportamento do
interlocutor em algum momento de sua vida).
45

Isso ilustra o fato de que “cada enunciado é um elo na corrente complexamente


organizada de outros enunciados” (BAKHTIN, 2011 [1979]:272). E, como interlocutores
ativos, ora como produtores de texto, ora como receptores ativos; somos atravessados por
múltiplas vozes, antecedentes e contemporâneas, que estão a serviço de um projeto discursivo
que se projeta contaminado por suas subjetividades. Com o necessário esclarecimento sobre as
noções de construção de discursos ideológicos e dialógicos, passemos a abordagem acerca dos
gêneros dos discursos.

2.3 Um Diálogo sobre Gêneros Discursivos

Antes de entrarmos na discussão teórica sobre gênero textual ou discursivo, é


conveniente fazer uma justificativa sobre a opção terminológica que a partir desse momento
iremos utilizar, pois até agora recorremos às duas designações para referir a um mesmo tema –
gênero discursivo ou gênero textual. Segundo Rojo (2005), a escolha por determinada
nomenclatura (se gênero discursivo ou gênero textual) consiste, consequentemente, em uma
escolha teórica e metodológica em que se formarão as bases da pesquisa. Vejamos o que a
autora nos diz:

Ambas as vertentes encontravam-se enraizadas em diferentes releituras da


herança bakhtiniana, sendo que a primeira – teoria dos gêneros do discurso –
centrava-se sobretudo no estudo das situações de produção dos enunciados ou
textos e em seus aspectos sócio-históricos e a segunda – teoria dos gêneros de
texto -, na descrição da materialidade textual (ROJO, 2005: 185).

Como podemos observar, o termo “gênero discursivos ou gêneros do discurso” orienta


para a ideia de que os textos são produzidos numa situação de interação verbal (ou não verbal)
construídos sócio-historicamente num contexto cultural situado, dentro de grupos
ideologicamente constituídos. Diferentemente, quando nos referimos a gêneros textuais, somos
levados ao entendimento de que nessa concepção se ocupa de uma descrição propriamente
textual, ou seja, uma análise da materialidade linguística numa perspectiva estrutural e
funcional do gênero.

Depois de apresentar, de forma parcial, as diferenças entre as duas vertentes,


adotaremos de agora em diante a nomenclatura Gêneros Discursivos ou Gêneros do Discurso,
uma vez que nossa pesquisa tem por base pensamentos bakhtinianos em que “os gêneros e os
46

textos/enunciados a eles pertencentes não podem ser compreendidos, produzidos ou conhecidos


sem referência aos elementos de sua situação de produção” (ROJO, 2005: 196).

É consensual quando se afirma que Mikhail Bakhtin não formulou teorias específicas
para gêneros discursivos, mas suas posturas filosóficas, dentre elas, sobre dialogismo, são
extremamente relevantes para a construção de pressupostos teóricos de gêneros discursivos,
uma vez que seus estudos passam a vislumbrar a linguagem como produto de suas interações
sociais, como códigos histórico-culturais emergentes e como processo dialógico-interativo
dentro de um contexto comunicativo.

Iniciaremos nosso diálogo com Bakhtin a partir de um trecho do seu livro Estética da
Criação Verbal, reproduzido, especificamente, no capítulo intitulado “Os Gêneros do
Discurso”. A partir daí, discutiremos as ideias veiculadas na citação para que possamos
entender como se constrói, no pensamento bakhtiniano, o conceito de gêneros. Assim,
prenuncia Bakhtin:

O emprego da língua efetua-se em forma de enunciados (orais e escritos)


concretos e únicos, proferidos pelos integrantes desse ou daquele campo da
atividade humana. Esses enunciados refletem as condições específicas e as
finalidades de cada referido campo não só por seu conteúdo (temático) e pelo
estilo da linguagem, ou seja, pela seleção dos recursos lexicais, fraseológicos
e gramaticais da língua mas, acima de tudo, por sua construção composicional.
Todos esses três elementos – o conteúdo temático, o estilo, a construção
composicional – estão indissoluvelmente ligados no todo enunciado e são
igualmente determinados pela especificidade de um determinado campo da
comunicação. Evidentemente, cada enunciado particular é individual, mas
cada campo de utilização da língua elabora seus tipos relativamente estáveis
de enunciados, os quais denominamos gêneros do discurso (BAKHTIN,
2011[1979]: 261-262, grifos nossos).

Quando se trata da questão dos gêneros, Bakhtin preocupa-se em examinar a maneira


como ele se constitui e não exatamente em descrever suas características formais. Em primeiro
lugar, vamos entender, por partes, as falas do pensador russo, explanando, inicialmente, acerca
de “enunciados (orais e escritos) concretos e únicos”. Como podemos entender tal afirmação?
Em algumas teorias, o termo “enunciado” remete a frase ou a sequências de frases; em
outras, como uma unidade formada por um conjunto de palavras regidas por normas sintáticas
da língua e, portanto, passível de análise fora de qualquer contexto. Isso nos faz lembrar da
concepção de linguagem como instrumento de comunicação, em que a língua é descrita como
um código encerrado em si mesmo. É bastante comum nos depararmos, ainda hoje,
47

principalmente no cenário de sala de aula, com um ensino baseado na análise de frases isoladas
e descontextualizadas para explicar alguma regra gramatical, o que demonstra ser uma análise
muito superficial e pobre da língua frente à riqueza e à diversidade da linguagem.

Partindo desse pressuposto, é necessário definir com precisão a distinção entre oração,
texto e enunciado e explicar qual a relação existente entre eles. A primeira diferenciação que
Bakhtin (2011[1979]) faz entre oração e enunciado é considerar a primeira como uma unidade
da língua, enquanto que a segunda é definida como uma unidade da comunicação discursiva. A
oração, enquanto unidade significativa da língua, está limitada a sua natureza gramatical,
“desprovida da capacidade de determinar imediata e ativamente a posição responsiva do
falante” (p. 287). Na oração “choveu muito ontem”, conseguimos atribuir sentido à unidade
linguística, ou seja, uma das possibilidades de significação no enunciado. Porém, não
poderíamos ocupar uma posição responsiva se não sabemos, por exemplo, quem é o falante,
com que propósito proferiu este enunciado e em que situação. Mas Bakhtin ainda acrescenta
que uma oração pode tornar-se um enunciado pleno, desde que adquira certas propriedades,
como a alternância dos sujeitos no discurso, contato imediato com a realidade (com a situação
extraverbal) e com outros enunciados e a capacidade de suscitar respostas.

Da mesma forma acontece com o texto, em que o filósofo, numa de suas anotações
traz a seguinte reflexão:

Se entendido o texto no sentido amplo como qualquer conjunto coerente de


signos, a ciência das artes (a musicologia, a teoria e a história das artes
plásticas) opera com textos (obras de arte). São pensamentos sobre
pensamentos, vivências das vivências, palavras sobre palavras, textos sobre
textos (BAKHTIN, 2011[1979]: 307).

Observamos, aqui, que é ressaltada a natureza dialógica do texto, assim também sendo
considerado território comum de ideologias, uma vez que o caracteriza como sendo um
conjunto de signos. Além disso, percebemos que, sob o ponto de vista da produção, o texto tem
a possibilidade não só de uma materialização linguística (através de palavras), mas podendo ser
constituído de outras semioses (verbais, visuais, sonoras, verbo-visuais, etc.), ideia
compartilhada por nós e por outros estudiosos como Cavalcante, quando a referida autora define
textos como sendo

aqueles que constituem uma unidade de linguagem dotada de sentido e


cumprem um propósito comunicativo direcionado a um certo público, numa
48

situação específica de uso, dentro de uma determinada época, em uma dada


cultura em que se situam os participantes da enunciação (CAVALCANTE,
2012: 17)

Essas considerações permitem-nos dizer que um cartaz, uma fotografia, entre outros
meios semióticos, podem ser considerados textos, desde que cumpridos alguns pré-requisitos.
Em outras palavras, a produção do material discursivo deve estar orientada para alguém,
executando ações na interação comunicativa e sendo determinada pelo contexto histórico e
sociocultural. Nesse sentido, buscamos ampliar as formas de enunciados que o círculo
bakhtiniano prioriza nas inter-relações sociais - linguagem verbal (oral e escrita), inserindo
nesse conjunto de enunciados os textos multimodais.
Bakhtin (2011[1979]: 308) elege dois elementos que determinam o texto como
enunciado: “a ideia (intenção) e a realização dessa intenção”, essa última refere-se às
finalidades discursivas (propósitos comunicativos na concepção sociorretórica) a serem
executadas. Cabe explicitar, aqui, que a intenção encontra-se no nível individual, ou seja, no
nível da locução ou ato de fala, enquanto que a realização dessa intenção é vista como “motivo
social”. Verificamos, assim, que há um elo entre o particular e o público, e uma transformação
das finalidades individuais para os fins sociais. Quando o sujeito utiliza um gênero para realizar
objetivos individuais, ele primeiro atende normalmente às exigências sociais do gênero, uma
vez que o indivíduo é marcado pelas ideologias e discursos da comunidade da qual faz parte.

Depois dessas considerações, podemos dizer que tanto a oração quanto o texto podem
se transformar em enunciados concretos, e por conseguinte, únicos. Podemos compreendê-los
da seguinte maneira:

Só o enunciado tem relação imediata com a realidade e com a pessoa viva


falante (o sujeito). Na língua existem apenas as possibilidades potenciais
(esquemas) dessas relações (formas pronominais, temporais, modais, recursos
lexicais, etc.) Contudo, o enunciado não é determinado por sua relação apenas
com o objeto e com o sujeito-autor falante (e por sua relação com a linguagem
enquanto sistema de possibilidades potenciais, enquanto dado), mas
imediatamente – e isso é o que mais importa para nós – com outros enunciados
no âmbito de um dado campo da comunicação. Fora dessa relação ele não
existe em termos reais (apenas como texto). Só o enunciado pode ser
verdadeiro (ou não verdadeiro), correto (falso), belo, justo, etc. (BAKHTIN,
2011[1979]: 328).

A partir do princípio dialógico bakhtiniano, considera-se que não há texto completo


ou fechado em si mesmo, em outras palavras, textos/discursos estabelecem uma relação
49

dialógica constitutiva com outros textos/discursos que os antecedem e deles se derivam. Como
resume Bakhtin (2011[1979]), o texto só ganha vida em contato com outros textos, ou seja, o
texto não existe isoladamente, ele está sempre em diálogo com outros textos. É a língua na vida
e a vida na língua.
Concluímos, dessa forma, que um enunciado concreto está além de sua relação com o
sistema linguístico enquanto código, pois está nas interações com o objeto (tema do discurso),
com o enunciador (aquele que produz o discurso com alguma finalidade), com as situações
envolvidas no processo de construção de sentidos (circunstâncias históricas e sociais de
produção do enunciado), com o interlocutor (para quem é dirigida a mensagem e que tem o
papel de responder ativamente) e com outros enunciados. Nesse sentido, os enunciados são
únicos e irrepetíveis, uma vez que esses elementos mudam na mesma proporção e agilidade que
é a dinâmica da vida.

Outro fator a considerar é que esse enunciado é proferido por alguém que está inserido
em um dos campos da atividade humana, e, por isso, reflete as condições específicas e as
finalidades inerentes a cada campo. Achamos pertinente fazer um esclarecimento sobre em que
sentido o termo “campo” é empregado pelo teórico do círculo. Em um dos seus textos ele
enuncia que

cada campo de criatividade ideológica tem seu próprio modo de orientação


para a realidade e refrata a realidade à sua própria maneira. Cada campo dispõe
de sua própria função no conjunto da vida social. É seu caráter semiótico que
coloca todos os fenômenos ideológicos sob a mesma definição geral
(BAKHTIN, 2012[1929]: 33).

Podemos encontrar a palavra “campo” sendo equivalente a “esfera”, a “domínio


discursivo” e, como observamos nas palavras do filósofo russo, designa instâncias discursivas
(por exemplo, discurso jurídico, publicitário, jornalístico, religioso, político, etc.), ou seja, é um
espaço coletivo definido por suas acepções ideológicas e que determina a forma, estilo e
conteúdo de realização dos enunciados estabilizados sócio-historicamente. As esferas da
atividade humana estão intimamente ligadas aos gêneros do discurso, pois no interior de cada
campo discursivo existe um repertório de textos com inúmeras possibilidades de produção dos
gêneros. Assim, como também são infinitas as formas de agir no mundo, logo, é inesgotável o
número de realizações desses gêneros. Dessa multiplicidade de gêneros decorre o problema de
classificação destes não se chegando a um consenso entre os pesquisadores da área.
50

Em relação à temática de agrupamento dos gêneros segundo algum critério específico,


Bakhtin não elaborou nenhuma tipologia dos gêneros. Ele apenas fez a distinção entre gêneros
primários e gêneros secundários. Para o autor, os gêneros primários (simples) surgem na
comunicação discursiva imediata, são os que têm vínculo direto com a vida cotidiana, são
modalidades menos complexas advindas de interações verbais espontâneas (por exemplo, o
diálogo cotidiano, a carta). Os gêneros secundários (complexos) derivam dos primários, ou seja,
eles incorporam e transmutam os gêneros simples em condições culturais desenvolvidas e
organizadas, ou seja, eles os reelaboram. O filósofo cita como gêneros complexos os romances,
dramas, pesquisas científicas, os gêneros publicísticos, etc. Ou seja, aqueles que trazem em seu
bojo uma escrita mais elaborada.

Os gêneros secundários partilham com os primários não só sua estabilidade, mas além
disso, o dinamismo, o que significa dizer que em cada campo da atividade humana desenvolve
continuamente suas próprias formas de uso da língua, sujeitas a permanentes alterações,
transmutações, etc. Esse fato revela não só o caráter heterogêneo dos gêneros, mas também
evidencia em sua natureza a versatilidade, maleabilidade que os caracterizam. Essa diversidade
de gêneros à nossa disposição não aparece do nada, mas sim a partir de outros gêneros, havendo,
assim, uma ligação entre os gêneros predecessores e os seus sucessores.

Partindo do que foi dito, Bakhtin (2011[1979]: 261) afirma que “esses enunciados
refletem as condições específicas e as finalidades de cada referido campo[...]” (grifos nossos).
Reiteramos, aqui, a noção de gêneros sendo construído sócio-historicamente dentro de uma
situação de interação em determinada esfera da atividade humana e que são reconhecidos pelos
falantes da comunidade. Dessa forma, identificamos o enunciador inserido num grupo social
marcado discursivamente pelas ideologias, juízos de valor, práticas sociais, etc. Baseando-se
em Bakhtin, Rodrigues (2005: 167) afirma que “todo gênero tem um conteúdo temático
determinado: seu objeto discursivo e finalidade discursiva, sua orientação de sentido específica
para com ele e os outros participantes da interação”. Nas palavras de Sobral,

quando se produz um discurso, esse discurso circula em partes de uma


sociedade como um todo, e é objeto de uma dada recepção. Mesmo quando
circula e é objeto de recepção na sociedade como um todo, o discurso
apresenta um dado modo de ver o mundo, a sociedade, etc., que reflete a
posição relativa dos que estão nele envolvidos [...] (SOBRAL, 2009:120).
51

Como já foi dito anteriormente, as crenças, os valores, as formas de interpretar o


mundo circundante estão marcados no discurso produzido podendo serem identificados através
do seu conteúdo temático, estilo e construção composicional os quais constituem os enunciados,
através dos quais identificamos a comunidade discursiva do qual o falante está inserido no
momento da enunciação. Esses três elementos encontram-se intrinsicamente ligados uns aos
outros no próprio enunciado. O conteúdo temático é “o modo como recorrentemente as pessoas
têm falado sobre certos assuntos em gêneros específicos” (ALVES FILHO, 2011: 45). Estilo
refere-se às escolhas lexicais, fraseológicas, gramaticais, materializadas no enunciado. A
construção composicional diz respeito ao modo como moldamos nosso ato de dizer no interior
de uma atividade.
Dessa forma, constatamos que os textos pertencem a um gênero, ou seja, eles
necessariamente são construídos tomando por base um modelo preexistente, relativamente
estável. Nesse quadro, retomamos a definição proposta por Bakhtin (2011[1979]: 262) para os
gêneros do discurso que os considera como “tipos relativamente estáveis de enunciados”
(grifos nossos). O termo “relativamente” significa dizer que os gêneros não são modelos de
textos estanques, engessados. Mas que existe uma estabilidade, uma recorrência dos elementos
que os compõem (conteúdo temático, estilo e estrutura composicional) que faz com que os
membros de uma comunidade discursiva possam identificá-los e utilizá-los adequadamente nas
interações verbais.

Isso significa dizer que quanto mais dominamos os gêneros maiores são as
possibilidades de se fazer uso da linguagem em diferentes situações comunicativas. Como
salienta Machado (2005), é com base nesses conhecimentos que o produtor escolhe um
determinado gênero que mais se adequa a determinada situação e, como o contexto situacional
nunca é o mesmo, por conseguinte, um gênero do discurso nunca será uma mera reprodução de
modelos preexistentes. Existe um processo de adaptação do gênero àquela situação particular,
o que gera novos exemplares de textos, mais ou menos diferentes do modelo predeterminado e
com estilo próprio. O acúmulo de processos de adaptação de um gênero discursivo é o que lhe
atribui um caráter dinâmico e histórico, isto é, os gêneros reconstroem-se historicamente a partir
de novas situações de interação verbal ou não verbal.

Nesses postulados é que se baseia a perspectiva bakhtiniana, uma vez que observamos
os gêneros do discurso nas práticas sociais, nas atividades humanas organizadas, ou seja, como
os textos são criados e recriados nas interações reais dos indivíduos (enunciados concretos).
Estes estão interligados pelo modo como interpretam o mundo a sua volta e pelos propósitos
52

socioculturais da comunidade a que estão inseridos. Como afirma Carvalho (2005:135), “o


gênero tem um potencial estruturador da ação social porque ele é o elo e o mediador entre o
particular e o público, entre o indivíduo e a comunidade”.

Em outras palavras, os sujeitos, que fazem parte do complexo jogo da linguagem,


acabam percebendo que certas situações que são experimentadas, de certa forma, recorrem. Isso
quer dizer que essas situações são semelhantes a outras que foram e que ainda serão
vivenciadas. As situações são únicas, irrepetíveis porque os personagens da interação podem
mudar, como também, o tempo, o lugar (refere-se não tão somente ao físico, mas o lugar do
discurso), o propósito, a forma e o conteúdo. Mas nessas situações particularizadas existem
elementos que os interagentes reconhecem comparando-as às situações a que foram, em outro
momento, experimentadas. Dessa forma, as respostas dadas a essas situações também são
análogas e compartilhadas pelos membros de determinada esfera da atividade humana.

De maneira a exemplificar o que foi exposto, vejamos o uso dos gêneros discursivos
na realização das práticas sociais e suas recorrências dentro da esfera acadêmica a nível de
mestrado. O mestrando, para receber o título de mestre, necessita que sua dissertação seja
avaliada por uma banca formada por três professores doutores. Mesmo que o indivíduo nunca
tenha passado pela experiência de uma defesa de mestrado, haverá outros sujeitos que fazem
parte dessa comunidade acadêmica que se submeteram a uma situação similar e, dessa vivência
compartilhada, percebemos certas regularidades que caracterizam a situação de defesa de
mestrado. Assistindo a um desses eventos ou sendo orientado por seu professor-pesquisador, o
sujeito apropria-se do conhecimento do gênero defesa de dissertação e reproduz as condições
que fazem com que essa atividade social seja possível de ser reconhecida por todos os membros
da comunidade discursiva. Miller, baseando-se nos posicionamentos de Alfred Schutz, lembra
que:

nosso estoque de conhecimentos é útil apenas na medida em que pode ser


relacionado a novas experiências: o novo é tornado familiar através do
conhecimento de similaridades relevantes; aquelas similaridades se
constituem como um tipo. Um novo tipo é formado a partir de tipificações já
existentes quando elas não são adequadas para determinar uma nova situação.
[...] a maior parte de nosso estoque de conhecimentos é bastante estável.
Schutz nota que, uma vez que tipos são criados e compartilhados através da
comunicação, eles chegam a residir na linguagem (MILLER, 2009: 30).
53

No centro da ação humana temos a forma como interpretamos a situação em que nos
encontramos envolvidos. Ressaltamos que quando falamos de “situação” estamos nos
reportando a construtos sociais (normas epistemológicas, ideológicas e sociais) aliados aos
eventos reais, objetivos e históricos. Para Devitt (2004: 15), “o gênero depende muito da
intertextualidade das práticas discursivas”7, o que significa dizer que o gênero orienta as
respostas adequadas a uma situação particular, uma vez que os interlocutores reconhecem
aquela dada situação, pois outros a têm respondido no passado e, portanto, guiam a respostas
ulteriores.
Em uma situação de comunicação, os signos linguísticos têm um papel indispensável
na interação, mas outros elementos, também importantes, fazem parte desse processo
interacional, como os interagentes atuando em diversos papéis sociais, o ambiente em que é
produzido e recebido os gêneros discursivos e as funções do discurso que são socialmente
compartilhados pelos membros de uma comunidade discursiva.

A construção teórica bakhtiniana sobre linguagem, enunciado, texto, discurso e gênero


baseada numa dimensão sócio-histórica, com finalidades ideológico-discursivas de natureza
interacional-dialógica tem seus efeitos refletidos diretamente nos caminhos metodológicos a
serem seguidos. Bakhtin orienta os passos a serem executados nos estudos da língua, mas que,
no entanto, são aplicados aos gêneros do discurso, analisando:

1. As formas e os tipos de interação verbal em ligação com as condições


concretas em que se realiza.
2. As formas das distintas enunciações, dos atos de fala isolado, em
ligação estreita com a interação de que constituem os elementos, isto é, as
categorias de atos de fala na vida e na criação ideológica que se prestam a uma
determinação pela interação verbal.
3. A partir daí, exame das formas da língua na sua interpretação linguística
habitual (BAKHTIN, 2012[1929]: 129).

Como ponto de partida, será necessário identificarmos o papel da esfera de


comunicação no conjunto da vida social para, em seguida, analisarmos a situação de interação
em que o gênero se realiza (autor, possíveis interlocutores, finalidade ideológico-discursiva,
objeto do discurso, etc.). O próximo passo é observarmos o funcionamento do gênero em sua
materialidade discursiva (signos linguísticos e outras semioses) e percebermos que elementos

7Traduçãonossa: “Genre, thus, depends heavily on the intertextuality of discouse”. (DEVITT, 2004: 15)
54

apresentam-se com certa regularidade, ou seja, aqueles que conferem certa estabilidade ao
gênero.
Enfim, a definição de gênero bakhtiniana como “tipos relativamente estáveis de
enunciados”, orienta-nos a perceber o gênero como uma forma de organização das práticas
sociais, uma forma de agir no mundo e interagir com ele. Se através dos gêneros do discurso
realizamos ações comunicativas, atividades socialmente reconhecidas em situações recorrentes,
de forma a concretizar as finalidades discursivas, então, estudar os gêneros significa
compreender como as pessoas usam a linguagem para construir o mundo e a si mesmos.

2.4As Categorias Constitutivas dos Gêneros: conteúdo temático, construção


composicional e estilo

Vimos no item anterior que a teoria bakhtiniana elenca três categorias essenciais como
constituintes dos gêneros do discurso: conteúdo temático, estilo e a construção composicional.
Para Bakhtin, esses elementos estão “indissoluvelmente ligados no todo do enunciado e são
igualmente determinados pela especificidade de um determinado campo da comunicação”
(BAKHTIN, 2011[1979]: 262). Essas categorias que integram os gêneros estão
indissociavelmente inter-relacionados uns aos outros, de forma que a mudança que ocorrer em
um dos elementos resulta na alteração dos demais. Como o próprio autor declara, “o estilo é
indissociável de determinadas unidades temáticas e – o que é de especial importância – de
determinadas unidades composicionais” (p. 266).

Nas palavras de Bakhtin, é evidenciado que essas categorias de análise dos gêneros
são determinadas pela esfera discursiva em que elas se encontram inseridas. Entendemos,
assim, que dependendo do campo comunicativo de que as categorias participam é que são
moldadas, construídas e reconstruídas conforme os projetos de discurso a que se deseja
alcançar. Não podemos entender que dentro de dada esfera da atividade humana existe - em
relação ao tema, estilo e composição – um modelo fixo e imutável. Quando nos referimos aos
gêneros como relativamente estáveis, estamos indicando que seus elementos constitutivos
também o são. Existe, sim, um núcleo comum que os identifica neste ou naquele campo
discursivo, porém, os contextos e as situações de uso os alteram, tornando-os únicos e
irrepetíveis.
55

Depois dessas importantes considerações feitas, passemos para a análise específica de


cada um desses componentes de forma a estabelecer uma ideia precisa de cada conceito.
Enfatizamos, aqui, que Bakhtin não desenvolveu teoricamente acerca das unidades temáticas e
composicionais – priorizando o aspecto estilístico – e, por isso, nos ancoramos em outros
autores buscando um maior aprofundamento do assunto.

2.4.1 Conteúdo Temático: o herói na vida e na arte

O título que nós escolhemos para identificar essa parte do trabalho faz referência,
inicialmente, ao artigo assinado por Bakhtin/Voloshinov intitulado Discurso na vida e discurso
na arte, no qual, segundo Cereja (2012), os filósofos utilizam o termo “herói”, nesse texto, para
designar genericamente o conteúdo do enunciado. São várias as terminologias encontradas para
referir-se ao conteúdo temático, dentre elas, tópico ou objeto do enunciado, unidade temática,
criação ideológica, etc. Porém, não podemos fazer uso do termo “assunto” para significar
“tema”.
Nesse sentido, faz-se necessário fazer a distinção entre tema e assunto, uma vez que
quase sempre encontramos esses termos sendo utilizados de forma equivalentes. Podemos
dizer, de forma geral, que assunto é tudo aquilo sobre o qual estamos comunicando, enquanto
que o tema, segundo Alves Filho, refere-se ao “modo como recorrentemente as pessoas têm
falado sobre certos assuntos em gêneros específicos” (ALVES FILHO, 2011: 45).

Entendemos, assim, que o tema da enunciação é composto por um conteúdo cujo


significado será construído através da interação comunicativa, na prática social, envolvendo
aspectos sociais, históricos e culturais. Para Alves Filho,

cada gênero tem um conjunto de assuntos particulares mais ou menos


previsíveis, sendo comum também que estes assuntos recebam um tratamento
temático de um modo relativamente previsível, de acordo com o gênero de
que participa (ALVES FILHO, 2011: 44).

Os gêneros discursivos possuem um repertório de assuntos específicos que são


relativamente estáveis quanto à forma como esse conteúdo é abordado por determinado gênero.
Em Marxismo e Filosofia da Linguagem, Bakhtin define tema da enunciação como sendo “um
sistema de signos dinâmicos e complexos, que procura adaptar-se adequadamente às condições
de um dado momento da evolução” (BAKHTIN, 2012[1929]: 134).
56

Em primeiro lugar, evidenciamos o caráter semiótico do conteúdo temático, pois todo


signo carrega em si tanto ideologias de uma realidade social quanto significados construídos
dentro de um processo interacional. Nesse sentido, a significação faz parte do tema e são
indissociáveis entre si. Como bem afirma Cereja (2012: 218), “a significação está para o signo
linguístico assim como o tema está para o signo ideológico; ou ainda, que a significação está
para a língua assim como o tema está para o discurso e para a enunciação”.

Segundo essa afirmação, a significação encontra-se na superficialidade do material


linguístico (verbal e outras semioses) como sendo os possíveis sentidos que podem ser
atribuídos ao signo, construídos e estabilizados historicamente, podendo serem utilizados em
diferentes enunciados orientados para um mesmo sentido. Para exemplificar o que foi dito,
vejamos a palavra “sede” (/sêdi/), que ao ser pronunciado em expressões do tipo “Tenho sede”,
esperamos que os interlocutores façam a relação desse léxico com a vontade de beber líquido
(geralmente, água). Isso significa que o signo carrega em si uma potencialidade própria de
construir sentidos.

Diferentemente, o tema só pode ser apreciado dentro de um contexto discursivo numa


situação concreta de interação, em que os sujeitos interagentes produzam determinado sentido
no momento da enunciação. Conforme as ideias bakhtinianas,

o tema da enunciação é determinado não só pelas formas linguísticas que


entram na composição (as palavras, as formas morfológicas ou sintáticas, os
sons, as entonações), mas igualmente pelos elementos não verbais da situação.
[...] O tema da enunciação é concreto, tão concreto como o instante histórico
ao qual ela pertence. Somente a enunciação tomada em toda a sua amplitude
concreta, como fenômeno histórico, possui tema. Isto é o que se entende por
tema da enunciação (BAKHTIN, 2012[1929]: 133-134).

Grillo (2006) considera o tema como um aspecto constitutivo dos gêneros, pois nestes
o tema adquire um caráter estável composto por regularidades produzidas pelo campo da
comunicação discursiva, pelo todo do enunciado, pela seleção e profundidade de abordagem
dos aspectos do real e pela avaliação verbal (e de outras semioses). Vejamos na figura a seguir:
57

FIGURA3 – Charge “A gente tem sede de quê?”

Fonte: Disponível em: <http://www.metro1.com.br/a-gente-tem-sede-de-que--36-4961,blog.html> . Acessado


em 27 mar. 2014.

Na figura 3, temos o gênero charge – pertencente à esfera jornalística - que visa criticar
algum fato específico através do uso do humor, abordando um assunto atual e de interesse
público. Após identificarmos o papel do gênero na prática comunicativa, vamos analisar em
que sentido a palavra “sede” está sendo empregada no texto. Nesse caso, percebemos que, aqui,
“sede” não se refere à vontade de tomar água ou outro líquido. Mas, nesse dado contexto,
possibilita-nos perceber no enunciado - “A gente tem sede de quê? estado laico, segurança,
educação, transporte, saúde” – que a palavra em destaque converge, claramente, para um
sentido de carência de políticas públicas em áreas essenciais do governo. A palavra “sede”, aqui
retratada, exibe ligações semânticas com aquela que lhe é própria, ou seja, numa perspectiva
que indica a falta, ausência de algo.

Assim sendo, podemos dizer que a significação está contida no tema, ou seja, aquela
sendo avaliada num contexto extraverbal produzindo sentidos específicos para determinadas
enunciações concretas. Como destaca o pensamento bakhtiniano,

a significação, elemento abstrato igual a si mesmo, é absorvida pelo tema e


dilacerada por suas contradições vivas, para retornar enfim sob a forma de
uma nova significação com uma estabilidade e uma identidade igualmente
provisórias (BAKHTIN, 2012[1929]: 141).

No exemplo em análise, a palavra “sede” nos aponta para um discurso político-


ideológico que circula frequentemente na sociedade brasileira, de que o povo sofre devido à
falta de investimentos por parte do poder público nas áreas da educação, saúde, segurança, etc.
58

Nesse sentido, é oportuno ainda destacar o papel da entonação (apreciação social) como
elemento importante nas produções de sentido. O Círculo de Bakhtin reconhece a ocorrência
da ideologia ou entoação avaliativa não só no campo da unidade temática, mas também se
apresenta nos domínios da forma composicional e do estilo.

Baseando-se na concepção dialógica, quando o sujeito diz algo ao outro ele “assume
uma posição social ativa com respeito a certos valores específicos e esta posição é condicionada
pelas próprias bases de sua existência social” (BAKHTIN, 1976[1926]:7). Essa apreciação
valorativa é dirigida a dois elementos: ao interlocutor, este que é um parceiro no processo de
produção de sentido e o qual se presume uma resposta na interação (responsividade ativa); e
outro ao próprio conteúdo do enunciado para qual é orientado o seu julgamento.

Vale ressaltarmos, ainda, o aspecto dinâmico da unidade temática, já que, mesmo


havendo uma recorrência de determinado tema dentro de um gênero em particular, podemos
também encontrar em um mesmo gênero diferentes conteúdos temáticos. Essa relativa
recorrência é que faz com que os usuários da língua criem expectativas quanto à maneira como
determinado assunto será abordado num texto que participa de dado gênero.

Podemos falar do tema “políticas públicas” em diferentes domínios discursivos8:


científico, publicitário, jornalístico, religioso, acadêmico, etc.; e para cada uma dessas áreas
devemos considerar: os participantes da interação verbal, o objetivo que se deseja alcançar, os
contextos da atividade comunicativa, conhecimentos sobre os gêneros; de forma que a escolha
destes possa atender às necessidades de determinadas situações. Se a finalidade sobre esse tema
for divulgar informações baseados em pesquisas, estudos, observações, experimentos para uma
comunidade científica, existe um repertório de gêneros que serve para desempenhar ações
sociais efetivas, dentre eles, artigo científico, ensaio, dissertação, tese.

Notamos, assim, que o conteúdo temático influencia na escolha da forma


composicional do gênero (item a ser abordado em seguida). Para Berkenkotter & Huckin
(1995), as questões de conteúdo - epistemologia, conhecimento do contexto, valores -
influenciam na seleção e uso de recursos formais e na escolha de determinados gêneros.

8
Marcuschi (2010) refere-se à expressão domínio discursivo para designar uma esfera ou instância de produção
discursiva ou atividade humana. Esses domínios não são textos nem discursos, mas propiciam o surgimento de
discursos bastante específicos. Do ponto de vista dos domínios, falamos em discurso jurídico, discurso jornalístico,
discurso religioso etc., já que as atividades jurídica, jornalística ou religiosa não abrangem um gênero em
particular, mas dão origem a vários deles. Constituem práticas discursivas dentro das quais podemos identificar
um conjunto de gêneros textuais que, às vezes lhe são próprios (em certos casos exclusivos) como práticas ou
rotinas comunicativas institucionalizadas (p. 24)
59

Considerar os fatores de audiência e situação são fundamentais para essas determinações,


ressaltando a natureza dialógica e ideológica do gênero e de seu uso. Isso é especialmente
evidenciado em casos onde as características do público e da situação estão mais fortemente
delineados.

A partir dessas ideias verificamos a indissociabilidade entre a forma e o conteúdo, uma


vez que ao dizermos algo, o fazemos de um modo determinado. A massa de um bolo necessita
da forma para que ela se concretize num bolo, assim como a forma sem a massa é vazia, inócua,
sem significações. Nas palavras de Alves Filho,

a forma precisa ser vista como funcional, como tendo uma finalidade, uma
razão de ser ou produzindo certo efeito de sentido. E, em contrapartida, o
conteúdo precisa ser visto como algo semiótico, já que as ideias são veiculadas
e mesmo pensadas através de signos (ALVES FILHO, 2011: 29).

Vamos entender um pouco mais sobre essas colocações no próximo tópico.

2.4.2 Construção Composicional: modelando nosso discurso

Nas atividades pedagógicas envolvendo os gêneros discursivos, em geral, é fortemente


evidenciada a estrutura composicional do gênero. Na maioria das vezes, nas aulas de Língua
Portuguesa, o ensino de gênero está intimamente ligado ao ensino das formas dos gêneros,
prática ainda reforçada pelos livros didáticos adotados em nossas escolas. Conhecer o gênero
“artigo científico”, por exemplo, significa, nessa acepção, apreender a sua forma estrutural:
título, resumo, palavras-chave, abstract, introdução, embasamento teórico, análise de dados,
conclusão, referência bibliográfica.
Não podemos conceber os gêneros discursivos como modelos estanques nem como
estruturas rígidas, mas como “formas culturais e cognitivas de ação social corporificadas de
modo particular na linguagem” (MARCUSCHI, 2011: 18). A construção composicional pode
ser entendida como sendo a forma como estruturamos o texto, o modo como dissemos ou
escrevemos alguma coisa. Como assevera Bakhtin:

A forma artística é a forma de um conteúdo, mas inteiramente realizada no


material, como que ligada a ele. Por isso a forma deve ser compreendida e
estudada em duas direções: 1. a partir do interior do objeto estético puro, como
forma arquitetônica, axiologicamente voltada para o conteúdo (um
60

acontecimento possível), relativa a ele; 2. a partir do interior do todo


composicional e material da obra: este é o estudo da técnica da forma
(BAKHTIN, 2010[1975]: 57).

Distinguimos, nas palavras do filósofo, três formas indissociáveis entre si, e ao mesmo
tempo, distintas: forma arquitetônica (forma do conteúdo), a forma material (aparato
linguístico) e a forma composicional (estrutura do gênero). Partimos da ideia de que todo
discurso é composto por um conteúdo, uma forma e um material, ou seja, quando
falamos/escrevemos o fazemos para dizer alguma coisa (conteúdo), utilizando algum signo
(material linguístico ou outros signos) e de certa maneira (forma do gênero).
A forma arquitetônica corresponde ao processo de construção do discurso, ou seja, ‘o
que eu quero expressar na enunciação’. A forma material significa a escolha de um aparato
sígnico para materializar o que se quer dizer (verbal, imagético, sonoro, etc.). E a forma
composicional é “a realização ou atualização de uma forma arquitetônica por meio da
organização de um material” (GRILLO, 2010: 53).

Observamos, assim, que a construção composicional é produto da inter-relação da


forma arquitetônica e da forma material. Disso concluímos que forma e conteúdo são
indissociáveis entre si, e que se analisarmos cada um isoladamente seria reduzido a apenas
técnicas inócuas. Se observarmos apenas a forma, esta esvaziada de seu conteúdo, aquela não
produziria qualquer significado.

Essa organização e articulação das partes ultrapassam os níveis da materialidade


textual, estando condicionadas tanto pelas esferas dos discursos quanto pelas condições em que
a interação acontece. Quando nos referimos aos campos da atividade humana estamos levando
em conta não só os sujeitos interactantes da enunciação, mas também, as finalidades discursivas
do gênero. E, quanto às situações de produção do discurso, referimo-nos aos contextos
imediatos, culturais e de gêneros.

Todos esses fatores são considerados importantes nas escolhas da forma


composicional do gênero, e essas escolhas evidenciam a atitude valorativa do sujeito
enunciador e os aspectos semântico e funcional da forma composicional. Nesse sentido, “a
forma é a expressão da relação axiológica ativa do autor-criador e do indivíduo que percebe
(co-criador da forma) com o conteúdo” (BAKHTIN, 2010[1975]: 59). Em outros termos,
encontramos as formas dos gêneros cristalizadas nas ações das atividades humanas e, quando o
sujeito enunciador escolhe uma ou outra estrutura composicional para modelar o seu discurso,
61

imprime, dessa maneira, uma entoação avaliativa (o sujeito falante diz algo ao outro a partir de
uma posição social numa dada situação concreta de interação) na forma do gênero. Como se
posiciona Sobral,

todo ato (e não só verbal) traz um tom avaliativo pelo qual o sujeito se
responsabiliza, envolve um dado conteúdo e um dado processo, que adquirem
sentido ao ser unidos pela entoação avaliativa em sua relação com a
responsabilidade ativa, ou seja, o fato de o interlocutor não ser um receptáculo
ou decodificador do enunciado do locutor, mas um “parceiro” da produção de
sentido (SOBRAL, 2009: 84).

Ressaltando a ideia de que nos manifestamos por meio dos gêneros discursivos
orientados a atender determinados propósitos comunicativos, nós moldamos nosso discurso
através de formas padronizadas e estereotipadas ou através de formas mais flexíveis e plásticas
dos gêneros do discurso que se encontram relativamente estabilizadas em nossa comunidade e
que a apreendemos por meio de nossas interações comunicativas ao longo de nossas vidas.
Disso decorre que existem gêneros com diferentes graus de mutabilidade quanto suas estruturas
composicionais, sendo uns mais rígidos em suas formas como, por exemplo, documentos
oficiais; enquanto outros apresentam uma maior plasticidade, dos quais podemos citar a carta
pessoal.
Não estamos querendo dizer que a forma composicional dos gêneros é imutável, mas
sim que alguns, por pertencerem a determinadas esferas, com finalidades discursivas
específicas, estão suscetíveis a mudanças mais lentas. Levando-se em conta o contexto
brasileiro, quanto à esfera jurídica, podemos observar que os documentos oficiais (ex. petição
inicial) apresentam uma organização composicional num nível de rigidez elevado, o que não
significa dizer que, em hipótese alguma, tenha certa modificação. No exemplo do gênero
“petição inicial”, sua estrutura formal encontra-se prescrita no Código de Processo Civil, de
1973, em seu artigo 282, da seguinte forma:

A petição inicial indicará:


I. o juiz ou tribunal a que é dirigida;
II. os nomes, prenomes, estado civil, profissão, domicílio e residência do autor
e do réu;
III. o fato e os fundamentos jurídicos do pedido;
IV. o pedido com as suas especificações;
V. o valor da causa;
VI. as provas com que o autor pretende demonstrar a verdade dos fatos
alegados;
VII. o requerimento para a citação do réu
62

(CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL, art. 282).

A inobservância de um dos incisos acima listados no documento, terá como


consequência a não apreciação da ação pelo juiz ou tribunal a quem foi dirigido. Isso nos indica
o grau de rigidez da forma composicional presente nesse gênero discursivo. A petição inicial é
um instrumento pelo qual o interessado invoca a atividade jurisdicional, fazendo surgir o
processo. Um dos objetivos do gênero é provocar a jurisdição exercida pelo Estado-Juiz para
exercer um direito, e para isso, o juiz necessita analisar todos os dados observados acima para
que ele possa julgar o mérito. Observamos, dessa maneira, o aspecto funcional da estrutura
composicional o qual contribui para que a função social do gênero seja realizada efetivamente.
Ainda enfatizando a relação entre as finalidades discursivas e as transformações que
podem ocorrer na forma do gênero, recorremos à dissertação de Bruno Diego de Resende Castro
(2012) sob o título Apropriações Institucionais do Twitter: uma análise sócio-retórica dos
perfis institucionais de IES piauienses. Nele podemos observar com mais clareza que as
mudanças nos propósitos discursivos dos gêneros, como consequência, podemtrazer mudanças
nas suas construções composicionais e, dependendo da esfera comunicativa em que estão
inseridos, eles podem ser considerados mais flexíveis. Para ilustrar tal assertiva, vejamos as
homepages do twitter em dois momentos distintos (2006 e 2012):

FIGURA 4 - Homepage do Twitter em 2006:


63

Fonte:Disponível em: <http://www.webgeekly.com/wp-content/uploads/2011/04/twitter2006.jpg> Acessado em


28 mar. 2014.
FIGURA 5 - Homepage do Twitter em 2012:

Fonte: CASTRO (2012). Retirado em 28 mar. 2014.

Como lembra o autor em sua pesquisa, a homepage do twitter 2006 tinha como
objetivo fazer com que as pessoas interagissem umas com as outras, respondendo a uma simples
pergunta: “O que você está fazendo?”. Assim, sua estrutura não oferecia muitos recursos
midiáticos para realização de outras tarefas (affordances), o que o diferencia da figura 5, página
do twitter do setor de comunicação da Universidade Federal do Piauí (UFPI). Nesse último,
encontramos a possibilidade de personalizar o plano de fundo, interconectar-se com outros sites,
conversas instantâneas (chat), postagens de fotos, vídeos, mensagens, entre outros. Na forma
composicional em que o gênero discursivo se apresenta atualmente, podemos dizer que os
criadores do programa twitter têm como um dos propósitos conseguir aderência de um maior
número de pessoas ao uso do sistema e, para isso, quanto mais serviços forem oferecidos pelo
programa, mais usuários se sentirão atraídos pela utilização do gênero.

Não é nosso interesse esgotar todas as análises linguísticas no comparativo entre os


dois textos apresentados, mas nosso intuito é somente mostrar as transformações da forma
composicional ocorridas em um gênero em relação às mudanças no transcorrer do tempo e às
64

finalidades discursivas, fazendo-nos entender que mesmo havendo mudanças na estrutura


composicional do texto, isso não é suficiente para que tenha havido uma mudança do gênero.

Diante do exposto, acreditamos que os traços formais podem caracterizar um gênero,


mas não defini-lo como tal, já que as marcas recorrentes num gênero necessitam das situações
concretas para que sejam constituídas de significações. Nessa perspectiva, Miller faz a seguinte
reflexão:

Uma vez que ‘as formas retóricas que estabelecem gêneros são respostas
estilísticas e substantivas às demandas situacionais percebidas’, um gênero se
torna um complexo de traços formais e substantivos que criam um efeito
particular numa dada situação (MILLER, 2009: 24).

Os usuários da língua reconhecem os marcadores formais de determinado gênero,


nomeando-o e identificando-o entre a pluralidade de gêneros discursivos, sendo que os traços
formais servem como pistas para poderem interpretá-los. Através das peculiaridades estruturais
comuns de determinados textos é que os sujeitos reconhecem muitos gêneros discursivos, ou
seja, a estrutura composicional do gênero é compartilhada pela comunidade discursiva.
Aderimos à ideia de Marcuschi (2010) quando este afirma que dominar um gênero do
discurso não significa dominar uma forma linguística, mas sim, uma forma de realizar
linguisticamente objetivos específicos em situações sociais particulares.

2.4.3 Estilo: o valor estético dos gêneros

Referindo-se aos elementos que compõem os gêneros discursivos, Bakhtin


(2011[1979]) reacentua que o conteúdo temático, a forma composicional e o estilo estão ligados
indissoluvelmente no todo do enunciado concreto e real. Em outras palavras, esses três
componentes do gênero influenciam e são influenciados uns pelos outros em maior ou menor
grau, dependendo do gênero, situação concreta, papéis sociais desempenhados pelos
interlocutores, entre outros. Mas isso não significa dizer que cada um desses elementos não
possa ser objeto de estudo separadamente, como é o caso da estilística. No entanto, argumenta
Bakhtin, se o conhecimento for construído de forma isolada, não levando em conta qualquer
outro aspecto do gênero, esse estudo será pobre, frágil e vago.
65

O estilo, nas ideias do Círculo de Bakhtin, aparece indissoluvelmente relacionado ao


gênero do discurso, como podemos verificar nas palavras do filósofo russo:

[...] os estilos de linguagem ou funcionais não são outra coisa senão estilos de
gênero de determinadas esferas da atividade humana e da comunicação. Em
cada campo existem e são empregados gêneros que correspondem às
condições especificas de dado campo; é a esses gêneros que correspondem
determinados estilos (BAKHTIN, 2011[1979]: 266).

Nesse sentido, percebe-se que o estilo a que o autor se refere não está associado
aoestilo individual, este que está dissociado do contexto sócio-histórico-cultural e voltado para
um estético absoluto, próprio dos estudos na área da arte (estilística tradicional). Bakhtin, no
entanto, refere-se ao estilo como uma das categorias dos gêneros discursivos e que podem estar
incorporado pelo estilo individual, pois “a própria escolha de uma determinada forma
gramatical pelo falante é um ato estilístico” (BAKHTIN, 2011[1979]: 269). A noção de estilo,
no bojo do pensamento bakhtiniano, refere-se aos meios linguísticos, às escolhas de linguagem
através das quais o discurso é materializado sob as formas típicas de enunciados.
Dessas posturas, implica dizer que a questão de estilo deixa de ser trabalhada apenas
a nível da individualidade e amplia-se incluindo-se, assim, o aspecto interacional, partindo da
concepção dialógica da linguagem proposta por Bakhtin. Para que possamos compreender
melhor, Faraco explicita as ideias bakhtinianas quando reafirma que:

O estético, sem perder suas especificidades formais, está enraizado na história


e na cultura, tira daí seus sentidos e valores e absorve em si a história e a
cultura, transpondo-as para um outro plano axiológico precisamente por meio
da função estético-formal do autor-criador que constitui o princípio regente
para a construção do todo estético. É a partir dele que constituirá o herói e o
seu mundo, isto é, se enformará o conteúdo do objeto estético (FARACO,
2011: 22).

Nessa acepção, o estilo é abordado considerando-se não apenas as escolhas individuais


dos aspectos linguísticos do texto, mas também e, principalmente, aos discursos ligados à vida
social, às relações dialógicas do autor com os sujeitos da interação verbal, ou seja, o estilo é
necessariamente dialogizado. Prosseguindo nessa linha teórica, mais uma vez Bakhtin nos diz
que

todo enunciado – oral ou escrito, primário e secundário e também em qualquer


campo da comunicação discursiva – é individual e por isso pode refletir a
individualidade do falante (ou de quem escreve), isto é, pode ter estilo
66

individual. Entretanto, nem todos os gêneros são igualmente propícios a tal


reflexo da individualidade do falante na linguagem do enunciado, ou seja, ao
estilo individual (BAKHTIN, 2011[1979]: 264).

Não podemos desconsiderar o caráter individual do estilo, este podendo ser em maior
ou menor grau dependendo do gênero do discurso. Nesse sentido, alguns gêneros favorecem
uma maior liberdade da expressão estilística, como são os gêneros literários; outros trazem em
sua composição uma dificuldade para elaboração do estilo individual, como é o caso de gêneros
que requerem uma forma mais padronizada (documentos oficiais, ordens militares, etc.), e
nesses últimos, a criação individual quase inexiste.
Segundo as ideias bakhtinianas, o estilo se origina das esferas coletivas, sociais,
históricas, culturais e dialógicas, o que não contraria o seu aspecto individual, uma vez que o
sujeito é produto das relações sociais. Ou seja, a multiplicidade de gêneros imbricados na
sociedade corrobora para uma infinidade de possibilidades para a expressão da individualidade
da linguagem numa determinada função (científica, técnica, publicitária, oficial, cotidiana) e
determinadas condições de comunicação discursiva, específicas de cada campo.

Analisar o estilo de um texto está muito além de fazer uma análise linguística (dialetos
sociais, aspectos lexicais, gramaticais, escolhas verbo-visuais, etc.), o que mais importa, nesse
contexto, é identificar sob qual ângulo dialógico esses recursos estilísticos se confrontam num
texto/enunciado, de forma a definir o estilo empregado por determinada esfera discursiva –
estilo dos gêneros do discurso.

Vale considerar que as escolhas dos materiais estilísticos para compor os enunciados
dependem do tipo de relação existente entre os sujeitos interactantes da enunciação (quer sejam
reais ou presumidos), o discurso do outro, etc.. De outra forma, o estilo de um enunciado é
determinado em razão do grau de proximidade entre os sujeitos interagentes da enunciação, da
relação entre o autor e o objeto do discurso (conteúdo temático) e dos contextos em que
acontece o jogo comunicativo.

Partindo da concepção dialógica dos enunciados, em que se postula que o nosso


discurso é, em certa medida, também uma resposta àquilo que foi dito ou que poderá ser dito
sobre dado objeto (quer seja de forma imediata ou retardada, como visto alhures), ele estará
saturado de posições axiológicas, valores, ideologias em que se manifestarão materialmente nas
formas do enunciado, na abordagem temática e nas tonalidades do estilo, em situado momento
enunciativo. Assim como os demais elementos constitutivos dos gêneros (conteúdo temático e
67

construção composicional), o estilo também reflete as entoações avaliativas, uma vez que as
palavras estão impregnadas de juízos de valor e emergem da relação entre a imagem social do
falante e do modo de recepção do(s) seu(s) interlocutor(es).

Ao construirmos enunciados levamos em conta a percepção do nosso discurso pelo


destinatário do enunciado, ou seja, que conhecimentos o interlocutor dispõe sobre determinado
tema e sobre determinada esfera da atividade humana, quais as suas crenças, pontos de vista,
concepções, etc. o que será determinante na escolha do gênero do enunciado, da sua estrutura
composicional e, por último, do estilo a ser empregado.

Até em gêneros com mais alto grau de formalidade, como no exemplo já citado, o
gênero “petição inicial”, em que o centro da atenção está para o conteúdo do objeto, exige-se,
ainda, um conhecimento do sujeito enunciatário. Mesmo em gêneros tidos como rígidos, ainda
sim, neles encontramos expressa, mesmo que minimamente, o estilo do sujeito enunciador e do
gênero discursivo, tendendo este último para uma uniformização. O que estamos querendo dizer
é que “a escolha de todos os recursos linguísticos é feita pelo falante sob maior ou menor
influência do destinatário e da sua resposta antecipada” (BAKHTIN, 2011[1979]: 306).

Das teorias desenvolvidas pelo Círculo de Bakhtin referente às categorias constitutivas


dos gêneros, depreende-se que os elementos estilísticos, temáticos e composicionais
encontram-se indissociáveis e relativamente estáveis no gênero do discurso. Qualquer alteração
que ocorrer em um desses elementos, consequentemente, provocará uma alteração nos demais,
isto é, as mudanças históricas dos estilos de linguagem estão indissoluvelmente ligadas às
mudanças dos gêneros do discurso. Vimos também quais fatores verbais e não verbais
influenciam na escolha da forma como essas categorias se organizam no interior do enunciado
para realização de determinadas finalidades discursivas: posição social do autor, o público-alvo
a qual se destina o enunciado, o objeto do discurso, o campo da comunicação discursiva e os
contextos da enunciação. Quanto a esse último, veremos mais detalhadamente na seção
seguinte, em que acepção estamos utilizando o termo “contexto” nesse trabalho.

2.5Os Contextos dos Gêneros Discursivos: situacional, cultural e de outros gêneros


68

Uma das bases epistemológicas da concepção bakhtinianasobre gêneros é a inter-


relação entre situação social e os gêneros do discurso. Baseando-se em Bakhtin, Rodrigues
(2005) afirma que somente numa situação de interação é que se pode apreender a constituição
e o funcionamento dos gêneros, estes sendo constituídos muito mais pela sua ligação com uma
situação social de interação do que pelas suas propriedades formais. Entendemos, assim, que
os contextos que emolduram os enunciados são elementos essenciais para construirmos sentidos
no jogo interacional, bem como para determinar a função sócio-ideológica de cada esfera da
atividade humana. Nas palavras de Bakhtin,

na vida, o discurso verbal é claramente não auto-suficiente. Ele nasce de uma


situação pragmática extraverbal e mantém a conexão mais próxima possível
com esta situação. Além disso, tal discurso é diretamente vinculado à vida em
si e não pode ser divorciado dela sem perder sua significação (BAKHTIN,
1976[1926]: 4).

Para que possamos analisar os gêneros do discurso numa perspectiva bakhtiniana,


torna-se essencial considerarmos o contexto extraverbal que engendra os enunciados e que pode
ser compreendido por três dimensões, segundo Bakhtin (1976[1926]): a) O horizonte espacial
comum dos interlocutores – formado pelo conjunto da matéria visível que constrói a cena da
enunciação (consideraremos, aqui, como o contexto situacional); b) o conhecimento e a
compreensão comum da situação por parte dos interlocutores (designaremos nesse trabalho de
contexto cultural) e c) avaliação comum dessa situação (o qual chamaremos de contexto de
gêneros).
Nossa abordagem sobre os contexto dos gêneros estará ancorada em autores que fazem
parte de outras teorias, dentre elas a sociorretórica, que mantêm pontos em comum com as
ideias de Bakhtin. Começando por Miller (2009), que define situação retórica (situação
concreta) como sendo os constructos sociais resultantes de um processo de interpretação do
ambiente material. As interpretações podem ser compartilhadas entre os membros da
comunidade, uma vez que os nossos conhecimentos são construídos sócio-historicamentes.

Partindo do princípio de que os gêneros respondem a tipos de situações que se repetem,


estamos dizendo que as situações são recorrentes, conforme Miller defende. Percebemos, assim,
que as “situações passíveis de comparação levam a respostas retóricas também comparáveis
entre si”. (CARVALHO, 2005: 133). Quando nos deparamos com uma situação nova,
interpretamos como sendo semelhante a outras situações e, a partir dos conhecimentos de
mundo, damos uma resposta também similar àquela situação.
69

Devitt (2009) considera que as situações constroem gêneros e os gêneros constroem


situações. Há, nesse caso, entre gênero e situação uma relação de reciprocidade e dinamicidade.
Consequentemente, se a situação é modificada, o gênero também sofre alteração, e se muda o
gênero, da mesma forma é alterada a situação. As pessoas que fazem uso dos gêneros para
agirem no mundo através da linguagem, interpretam uma determinada situação como
semelhante a outras situações preexistentes. Assim, quando o gênero responde a situações
recorrentes, constrói-se, dessa forma, o contexto situacional. Alves Filho, apoiando-se em
Devitt, afirma que

o contexto de situação corresponde à situação imediata na qual um texto é


produzido e posto em circulação, o qual pode incluir o tempo, o espaço físico
e o suporte onde o texto é produzido e posto em circulação, os interlocutores
presentes ou presumidos (supostos), além dos outros textos não presentes mas
levados em conta (ALVES FILHO, 2011: 52-53).

Uma dada situação exige a resposta de um ou mais gêneros, e o indivíduo, ao ativar os


conhecimentos de gêneros arquivados em sua memória através de experiências vivenciadas em
outros contextos, escolhe o gênero mais adequado àquela situação específica de acordo com o
objetivo que se deseja alcançar.
Para exemplificar o que foi dito anteriormente, observamos que o texto de ume-mail
quando enviado para o chefe de trabalho sofre alterações em sua composição quando também
o enviamos a um amigo, mesmo o destinatário sendo a mesma pessoa.Em outras palavras, nessa
situação, o meu chefe superior é, também, ao mesmo tempo, o meu amigo. Porém, o indivíduo
desempenha diversos papéis na sociedade, o que modifica o contexto situacional e, portanto, o
gênero é construído diferentemente nas duas situações. Certamente, um e-mail para
interlocutores divergentes implica em estilo, conteúdo temático, estrutura composicional e
propósitos comunicativos parcialmente diferenciados um do outro.

Reconhecemos que o contexto situacional é parte importante no processo de


construção do gênero, mas não podemos nos esquecer de outros componentes também
essenciais para uma análise mais substancial dos gêneros do discurso: o contexto cultural e o
contexto de gêneros.

Mas o que entendemos por contexto e qual a sua relação com os gêneros do discurso?
Muitos autores na área da linguística apontam para uma necessidade de considerar elementos
não linguísticos na análise dos gêneros, principalmente, dando uma especial atenção para o
70

contexto social (contexto da situação e contexto cultural).Motta-Roth citando Halliday (1999)


e Laraia (1986), define cultura como sendo

o conhecimento aprendido no processo histórico e social, uma rede complexa


que liga o conhecimento, a moral, as crenças, artes, leis, comportamentos ou
qualquer outra capacidade ou hábito que adquirimos como membros e um
grupo, com caráter local e dinâmico, construído via interação linguística
(MOTTA-ROTH, 2011: 159).

Quando falamos em cultura brasileira estamos nos referindo à cultura de um lugar do


país, ou de um dado momento histórico, ou de uma classe social específica? O sistema cultural
é complexo, plural e dinâmico e as mudanças ocorrem cada vez mais rapidamente,
principalmente, com a ajuda das multinacionais e da mídia. A internet, a TV, o cinema, entre
outros meios midiáticos, influenciam fortemente na nossa maneira de vestir, comer, comportar-
se, e até mesmo, de pensar. Vejamos que um confronto que está acontecendo do outro lado do
mundo é noticiado pela TV ao mesmo tempo da ação e para diversos lugares do mundo. As
inovações tecnológicas, como a internet, contribuíram para a inserção de novas formas de
interações entre os indivíduos, como por exemplo, conversar com alguém através do vídeo, ou
seja, temos a possibilidade de ver o outro mesmo estando em lugares distintos.
Conscientes da inter-relação entre contexto e gênero, verificamos que ambos estão em
processo contínuo e mútuo de (re)construção. Nos textos (verbais e não verbais) encontramos
expressões dos aspectos culturais, valores e ideologias que constituem a sociedade em que o
gênero está inserido, e, da mesma forma, o gênero é uma refração dos discursos, de visões de
mundo vigentes em determinadas esferas sociais em determinados momentos históricos. Em
outras palavras,

os gêneros são formas típicas de usos discursivos da língua desmembradas de


formas anteriores, pois os gêneros nunca surgem num grau zero, mas num veio
histórico, cultural e interativo dentro de instituições e atividades preexistentes
(MARCUSCHI, 2005: 10).

Para ilustrarmos a influência do contexto no texto e sua importância para a análise dos
gêneros, vejamos o cartaz propagandístico do Ministério da Saúde no ano de 2004:
FIGURA 6 – Cartaz AIDS/ Carnaval 2004
71

Fonte: Disponível em: <http://www.aids.gov.br/campanha/carnaval-2004-pela-camisinha-nao-passa-nada-use-


e-confie>. Acessado em: 25maio 2014.

As ações do governo de combate à AIDS através de políticas públicas que buscam


conscientizar a população, principalmente, para o uso do preservativo como forma de prevenir
a infecção pelo vírus HIV, enfrenta um conflito histórico que envolve o posicionamento da
Igreja Católica contra o uso da camisinha. Em 2003, esse embate entre instituição religiosa e
órgãos do governo, ONG’s e profissionais da saúde, ganha mais notoriedade com as declarações
do cardeal López Trujillo, do Pontifício Conselho da Família, órgão do Vaticano9. O religioso
contestou a segurança do preservativo, dizendo que a membrana da camisinha é permeável ao
vírus da AIDS, sem contar com as falhas de rompimento da mesma.

Na campanha publicitária de combate à AIDS de 2004, divulgada no período do


carnaval, o Ministério da Saúde escolhe como slogan “Pela camisinha não passa nada. Use e
confie”. O enunciado é reforçado pelo conteúdo imagético de uma camisinha substituindo um
aquário, como forma de demonstrar que o material utilizado na fabricação do preservativo
(látex) é resistente e que inexistem poros os quais possam passar o vírus da doença. Além disso,
temos as palavras “use” e “confie” sendo utilizadas duas vezes no mesmo cartaz. Quanto à
forma linguística, há um ponto a ser evidenciado: em cartazes anteriores e posteriores há uma
recorrência da expressão “use camisinha”, e nessa campanha específica, houve o acréscimo do
léxico “confie”.

9
LÓPEZ TRUJILLO, Alfonso, entrevista à Rádio Vaticano, agência Zenit(6/11/2003), www.zenit.org .apud
LIMA, Luís Corrêa. Políticas Públicas e Conflito Moral: a igreja católica e a camisinha. Em Debate 05 (2007).
Rev. do Depto. de Serviço Social PUC-Rio http://www.maxwell.lambda.ele.puc-rio.br.
72

Mesmo o governo federal negando que a campanha propagandística seja uma forma
de rebater as declarações da Igreja Católica, encontramos pistas textuais e contextuais que
confirmam que essa foi uma estratégia utilizada pelo Ministério da Saúde para dar uma resposta
não só para os discursos das instituições religiosas, mas também como forma de fortalecer e
expandir o próprio discurso na sociedade. Ratificamos, assim, o inegável elo existente entre
contexto e discurso.

Mesmo que não soubéssemos do fato ocorrido em 2003 (declaração do cardeal), não
deixaríamos de construir sentido ao texto, mas essa leitura seria restritiva a pensar somente que
o cartaz teve como propósito apenas levar “informação e orientação direta à respeito da
segurança do preservativo, quando usado de maneira correta e consistente, aumentando a
confiança no produto, ampliando o uso e a proteção à população”, segundo declaração do
Ministério da Saúde através do portal do Departamento de DST- AIDS referindo-se à
campanha de 2004. E, dessa forma, não poderíamos enxergar com lucidez as múltiplas facetas
da linguagem, em que significar lhe é próprio.

Porém, somos indivíduos socioculturais interagindo com diversos discursos que


perpassam a sociedade. Tomemos como exemplo o discurso religioso na abordagem do tema
“sexo”:

O discurso da Igreja se fundamenta numa moral que quer santificar a união do


homem e da mulher, repudiar a promiscuidade sexual, construir e valorizar a
família. Rejeita o sexo fora do casamento e, por uma certa concepção de lei
natural, só aceita o controle de natalidade por métodos naturais (LIMA,
2007:02).

Como agentes em contínua interação com o outro e com o mundo, faz parte de nosso
conhecimento cultural a orientação da religião católica de que o sexo deve ser praticado após o
matrimônio, este sendo constituído de um homem e uma mulher. Agindo contrariamente a esses
dogmas, o infiel incorre em pecado, tendo como consequência arcar com os castigos divinos, a
ira de Deus.
Em contraposição a esse pensamento, temos nas campanhas publicitárias de prevenção
a AIDS o forte apelo para o uso constante da camisinha nas relações sexuais, uma vez que se
verifica uma crescente população de jovens que se iniciam na vida sexual cada vez mais cedo
e com frequentes mudanças de parceiros, o que trouxe como resultado um aumento significativo
das doenças sexualmente transmissíveis, entre elas, a AIDS.
73

Percebemos que esses dois discursos fazem parte da construção do gênero Cartaz
Propagandístico apresentado na figura 6, o que nos leva a enfatizar a relevância do contexto
interacional e cultural na análise dos gêneros discursivos. Veremos, mais adiante, que os
cartazes do Ministério da Saúde são produzidos conforme o contexto situacional (os papéis
sociais, a linguagem, fatos reais, históricos e objetivos envolvidos em cada ação, levando-se em
conta as informações do Boletim Epidemiológico10) e contexto cultural (segundo os valores,
crenças, discursos circundantes na sociedade).

Devitt (2004) defende a ideia de cultura como sendo muito mais do que uma
interpretação do contexto pelo gênero, mas como um elemento dinâmico de construção do
próprio gênero. Segundo a pesquisadora, outro elemento que integra a definição de gênero é a
influência de outros gêneros.

Integrado ao contexto de situação e ao contexto de cultura temos o contexto de


gêneros, conceituado por Devitt (2004) como sendo a existência de gêneros particulares, textos
com formas e classificações estabilizadas ou sendo estabilizadas dentro de uma dada cultura,
ações retóricas tipificadas construídas por participantes em uma sociedade. O contexto de
gênero proposto por Amy Devitt inclui todos os gêneros existentes numa dada sociedade, os
que estão em uso ou em desuso. Essa diversidade de gêneros à nossa disposição não aparece do
nada, mas sim a partir de outros gêneros, havendo, assim, uma ligação entre os gêneros
predecessores e os seus sucessores. Alves Filho interpreta esse contexto como sendo “composto
por um conjunto de gêneros que exercem influência uns sobre os outros no momento presente
ou no processo de formação de um novo gênero” (ALVES FILHO, 2011: 56).

Para exemplificar o que foi dito anteriormente, lembremo-nos do gênero “bilhete”


usado para comunicação entre interlocutores através de mensagens escritas de forma curta e
direta. Percebemos que em alguns contextos esse gênero é cada vez menos usado pelas pessoas,
pois com o advento de novas tecnologias, dentre elas o GSM (Global System for Móbile
Communication), tecnologia necessária para o uso do SMS11 (Short Mensage Service), é notório
que atualmente as pessoas estão cada vez mais utilizando esse recurso como forma de se
comunicar umas com as outras através do envio de pequenas mensagens, principalmente,

10
Caderno que o Ministério da Saúde anualmente divulga contendo informações sobre a ocorrência de Doenças
Sexualmente Transmissíveis (DST) e HIV/AIDS no Brasil. Os dados dos sistemas de informação e as pesquisas
realizadas permitem a compreensão do cenário epidemiológico e dos fatores determinantes dessas infecções na
população brasileira.
11
O SMS consiste num simples método de comunicação que envia texto entre telefones celulares, PC ou gadget
para um ou múltiplos aparelhos celulares.
74

utilizando o celular como ferramenta. Não irei fazer uma análise comparativa ou histórica
desses dois gêneros, mas o objetivo é mostrar que quando um gênero surge, ele não é criado do
nada, mas toma por base outros gêneros já existentes. Além disso, há um contexto cultural,
situacional e de gêneros modificando os gêneros e sendo modificado por eles. Nessa ilustração,
as inovações tecnológicas mudaram o contexto cultural (os indivíduos interagem uns com os
outros utilizando cada vez mais os meios tecnológicos), o contexto de situação (criação de
linguagem própria, uso de serviços de voz, imagem, vídeo, etc.) e o contexto de gêneros
(advento do gênero SMS); ao mesmo tempo em que o uso desse gênero modifica os vários
contextos.

Nesse sentido, cada esfera da atividade humana tem um repertório de gêneros


particulares que se diferencia e cresce à medida que a própria esfera se desenvolve, onde um
gênero específico não pode ser substituído como também não substitui outro já existente. Nesse
caso, o SMS não substituiu o bilhete, mas este influenciou no aparecimento daquele novo
gênero, da mesma forma que o uso crescente do gênero emergente fez com que o seu antecessor
sofresse uma significativa diminuição em sua produção.

Devitt representa a ligação entre os contextos através da figura abaixo:

FIGURA 7 – As Relações entre os Diversos Contextos

Fonte: Retirado do livro A TheoryofGenre de Devitt (2004: 30). Tradução nossa.

As pessoas interpretam situações, selecionam os gêneros, e reconhecem o


funcionamento dos mesmos dentro de um contexto cultural. Assim, os interactantes são os
responsáveis pela perpetuação do gênero ao longo do tempo, por suas mudanças ou pelo seu
desaparecimento. O gênero existe através das ações retóricas tipificadas em relação a um
75

contexto situacional, cultural e de gêneros. Esses três contextos estão intimamente inter-
relacionados num processo dinâmico e simultâneo.

Para passarmos para o próximo tópico, não poderia de deixar de citar Bakhtin quando
este, no tocante aos contextos, argumenta que

o sentido da palavra é totalmente determinado por seu contexto. De fato, há


tantas significações possíveis quantos contextos possíveis. No entanto, nem
por isso a palavra deixa de ser una. Ela não se desagrega em tantas palavras
quantos forem os contextos nos quais ela pode se inserir (BAKHTIN,
2012[1929]: 109-110).

Compreendemos que a palavra a que o pensador faz referência não deve ser entendida
apenas em seu sentido restrito como somente um léxico, um elemento gramatical, mas sim,
podendo ser ampliada referindo-se a enunciados/textos/gêneros. Nesse sentido, os discursos
estão intimamente ligados a situações específicas de enunciação, o que lhes confere um caráter
concreto e irrepetível, dialógico e ideológico. Entretanto, Bakhtin, além de evidenciar a
plurissignificação dos textos nos mais diferentes contextos, também ressalta que há neles certa
regularidade, ou seja, os gêneros adquirem certa estabilidade em contextos parecidos.

2.6Leitor Presumido: a construção dos sujeitos discursivos em Bakhtin

O fio condutor da obra bakhtiniana, como vimos, é a concepção dialógica da


linguagem, o qual faz emergir reflexões sobre a natureza interdiscursiva, heterogênea,
interativa, e, sobretudo, social como condição essencial e própria da linguagem. A língua passa
a ser analisada não como código fechado em si mesmo, mas inserida num contexto de interações
concretas, reais, produto das inter-relações sócio-históricas. Nesse sentido, o filósofo russo
reconhece que há toda uma carga ideológica e apreciativa sendo veiculadas através dos
enunciados/textos/gêneros, uma vez que quando dizemos algo em uma situação real de
interação comunicativa estamos materializando em nossos discursos juízos de valor, posições
axiológicas, concepções de vida, posição social, etc. determinados pelas condições
socioeconômicas da época.
Nesses termos, temos a língua tomada como realidade quando ela se integra na
dinamicidade da inter-relação social dos indivíduos numa comunicação discursivo-ideológica
e, dessa forma, não podemos considerar os enunciados como sendo estritamente individuais,
mas reconhecendo, principalmente, a sua natureza social. Na interação entre o enunciador e os
76

interlocutores através de enunciados concretos é que a linguagem se realiza, recria-se e


ressignifica-se, ou seja, “o discurso só pode existir de fato na forma de enunciações concretas
de determinados falantes, sujeitos do discurso” (BAKHTIN, 2011[1979]: 274).

Do conceito de dialogismo, os sujeitos do discurso se constituem ininterruptamente da


interação entre o eu e outros discursos. Em cada época, em cada grupo social, em cada esfera
discursiva que perpassamos, em cada lugar em que nós vivemos e adquirimos experiências,
somos (re)construídos continuamente pelas tradições conservadas, crenças e valores
formalizados, ideologias e juízos de valor disseminados na e pela sociedade. Eis que Bakhtin
(2011[1979]: 294) afirma que “a experiência discursiva individual de qualquer pessoa se forma
e se desenvolve em uma interação constante e contínua com os enunciados dos outros”. Nesse
sentido, podemos afirmar que o nosso discurso está saturado do discurso do “outro”, que traz
consigo o tom valorativo próprio e que nós assimilamos, reelaboramos e reacentuamos.

Isso significa dizer que quando construímos enunciados estamos falando de uma
determina posição social a partir de um dado campo da comunicação discursiva, e, por isso
mesmo, a minha palavra que surge a partir da palavra do outro, expressa uma entoação
avaliativa em relação ao conteúdo semântico-objetal. Em outras palavras, as vozes sociais, os
discursos “outros” constituem o “nosso” discurso.

Observamos, assim, que o sujeito bakhtiniano é construído a partir das inter-relações


com outros sujeitos num evento real e, como são variados os papéis sociais que assumimos em
dado momento histórico (no âmbito familiar: pai, mãe, filho, amigo, sogra, etc.; no domínio
profissional: chefe, subordinado, etc.; entre outros), também são inúmeras as formas de
construirmos enunciados de maneira a agir sobre/no outro (interlocutor(es)). Este último, na
concepção de Bakhtin, não pode ser entendido como um sujeito passivo que apenas recebe
aquilo que o locutor lhe dirige. Pelo contrário, o interlocutor participa ativamente da interação
comunicativa, não somente na participação da construção de sentidos dos enunciados/textos,
mas também, nas atitudes de responsividade ativa (imediata, muda ou retardada) em relação
aos discursos. Ou seja, o sujeito-leitor responde a esses enunciados no mesmo momento da
enunciação (como nos diálogos face a face) ou esta resposta será dada em um outro contexto
(seja ela em um outro tempo ou fazendo parte do próprio discurso).

Dessa forma, os atores sociais que fazem parte da cena da enunciação são constituídos
de sujeitos agentes cujas inter-relações constroem histórica e culturalmente a sociedade. Sobral
(2009), embasando-se em Bakhtin, apresenta três características essenciais do sujeito:
77

1. É dotado de uma constituição psíquica o qual lhe confere relativa identidade. Em


outras palavras, o sujeito ao interagir com os outros não deixa de ser ele mesmo,
mas, naturalmente ele vai se modificando a partir dessas relações e, nesse sentido,
também é uma entidade em mutação.
2. É marcado pelos aspectos sociais e históricos de sua vida em sociedade. Ou seja,
através das relações intersubjetivas que vão se integrando a sua identidade, a partir
do reconhecimento de seu ser pelo outro, a partir dos deslocamentos de suas
posições individuais que as relações com os outros provocam, etc.
3. É um ente ativo, o que significa dizer que o sujeito age sempre segundo uma
avaliação/valoração daquilo que faz ao agir/falar.

Resumidamente, poderemos considerar o sujeito bakhtiniano como um ser inacabado,


encontrando-se em permanente estado de (re)construção, o qual acontece a partir das relações
com os “outros” e com o meio social e histórico do qual faz parte, fatores que lhe dão identidade
e alteridade. O aspecto que mais merece destaque é a concepção de um papel ativo do sujeito,
uma vez que este indivíduo está no mundo do mesmo modo que o mundo está nele. Através do
agir no mundo, o sujeito pode modificar esse mundo, assim como o mundo consegue
transformá-lo. Essa relação entre o individual e o social está imbricada nos próprios discursos
e nos próprios atos.

O ato do sujeito envolve um dado conteúdo e um determinado processo de


valoração/avaliação desse objeto. Como sujeito de discurso ele não age sozinho, mas também
não apaga a sua individualidade, ou seja, os vários “eu” que ele assume em diferentes papéis
sociais que ele representa diante de diferentes interlocutores, também é formado por suas
experiências de vida, existindo, dessa forma, certa subjetividade sendo veiculada em seu
discurso. É na inter-relação desse “eu” com o “outro” que construímos o “nós”, ou seja, este
surge como resultado da integração do “eu-tu”.

2.6.1 Os vários autores no Círculo de Bakhtin

Nós vimos anteriormente, que o plurilinguismo social, a consciência das relações


intersubjetivas, a grande diversidade de linguagens no mundo e na sociedade, todos organizados
em torno de um determinado tema, ressurgem materializados nos enunciados sob formas dos
estilos dos gêneros, formas verbais e não verbais que caracterizam uma dada esfera social, pela
78

posição avaliativa que se personifica na voz dos autores, quer sejam eles criadores ou
contempladores.
No texto “Discurso na arte, discurso na vida”, Bakhtin/Voloshinov destaca três
elementos essenciais constituintes de uma complexa rede de relações axiológicas: o falante
(autor), o interlocutor (leitor) e o tópico (o que ou quem da fala – o herói). No mesmo artigo o
pensador esclarece que quando fala em autor e leitor não está se referindo às pessoas reais, ou
seja, aos indivíduos que escrevem/falam ou que leem/ouvem, mas em sujeitos vistos a partir de
posições socioavaliativas que assumem dentro dos discursos.

Nas palavras de Faraco (2012), Bakhtin faz a distinção entre autor-pessoa e autor-
criador, sendo que neste último é que se direcionam as análises devido a sua natureza
axiológica. O autor-pessoa é identificado como o próprio escritor/artista (concebida como voz
primeira), o qual consideramos não somente os escritores de obras literárias ou artísticas, mas
também os falantes de enunciados do cotidiano. Quanto ao autor-criador (a voz segunda), assim
caracteriza Faraco:

[...] é o autor-criador – materializado como uma certa posição axiológica


frente a uma certa realidade vivida e valorada – que realiza essa transposição
de um plano de valores para outro plano de valores, organizando um novo
mundo (por assim dizer) e sustentando essa nova unidade (FARACO, 2012:
39).

O sujeito bakhtiniano é uma pessoa do mundo real que influenciado pelo contexto
sócio-histórico e ideológico do seu tempo, ao produzir enunciados/textos/gêneros, age
localizando-se no mundo e interagindo com ele, imprimindo nos discursos suas posturas
axiológicas e sua avaliação entoativa. Dessa forma, o autor-criador apropria-se de vozes sociais
e, a partir daí, apresenta o modo de ver o mundo na construção do conteúdo (herói),
direcionando o olhar do leitor e, sendo determinado pelas possíveis atitudes responsivas ativas
do(s) interlocutor(es).
Pensando nisso, os enunciados são construídos de respostas sobre respostas, ou seja,
de múltiplas inter-relações responsivas. Quando construímos nosso discurso, na verdade,
estamos respondendo a outros discursos já ditos (quer seja de forma imediata, muda ou
retardada, já explorado alhures) ou antecipando uma resposta daqueles que estão porvir, e por
conseguinte, apresentando juízos de valor. Em outras palavras, o enunciado tem relação
imediata com o objeto, com o sujeito-autor e, mais importante, com outros enunciados. Nesse
sentido baseamo-nos em Bakhtin quando este afirma que
79

cada elemento de uma obra nos é dado na resposta que o autor lhe dá, a qual
engloba tanto o objeto quanto a resposta que a personagem lhe dá (uma
resposta à resposta); neste sentido, o autor acentua cada particularidade da sua
personagem, cada traço seu, cada acontecimento e cada ato de sua vida, os
seus pensamentos e sentimentos, da mesma forma como na vida nós
respondemos axiologicamente a cada manifestação daqueles que nos rodeiam
(BAKHTIN, 2011[1979]: 3).

Partindo do conhecimento de que uma grande parte dos textos do Círculo de Bakhtin
eram análises e reflexões, levando-se em conta, privilegiadamente, os gêneros literários, o autor
nos autoriza a ampliarmos suas incursões filosóficas a outros gêneros quando escreve o artigo
dos “Gêneros do Discurso”, o qual faz parte do livro “Estética da Criação Verbal”. Além disso,
outro fator preponderante é a presença constante em seu discurso de referências e comparações
à vida real, cotidiana e às relações sociais. Afirmamos reiteradamente que o discurso quando
analisados em diferentes contextos implica, também, em alterações em seus sentidos. Sendo
assim, procuraremos adequar as ideias de Bakhtin em outras modalidades discursivas,
assumindo o risco de provocar mudanças, mesmo que mínimas, em sua interpretação.
Dito isso, Sobral (2009: 61) afirma que “falar de autor no âmbito das teorias do Círculo
implica pensar no contexto de ação dos sujeitos, e nas complexas tarefas que realizam ao
enunciar”. Quando estamos diante de um enunciado/texto/gênero procuramos, em algum
momento, saber quem é o autor desses discursos, quem escreveu ou disse sobre determinado
tema, ou seja, sentimos a necessidade de identificar o “homem que fala e sua palavra”. Para
isso, Bakhtin (2010[1975]), destaca, precisamente, três momentos:

1. O homem que fala e sua palavra são objetos tanto de representação verbal como
literária.
2. O sujeito que fala é um homem essencialmente social.
3. O sujeito que fala é sempre, em certo grau, um ideólogo e suas palavras são sempre
um ideologema.

Partindo das reflexões bakhtinianas, compreendemos que o sujeito que fala e o seu
discurso estão representados através do material verbal (consideramos também as outras formas
de linguagens, como por exemplo, a imagem, o som, as cores, etc.) dentro de enunciados. O
discurso do sujeito falante não é apenas transmitido ou reproduzido, mas é uma forma de
representar a realidade (refração). Como assevera Faraco,
80

as ideias do escritor (autor-pessoa) quando entram na obra, mudam sua forma


de existência: transformam-se em imagens artísticas das ideias, isto é, não são
as ideias do escritor como tais que entram no objeto estético, mas sua refração
(FARACO, 2012: 40).

Tomando como subsídio o preceito de que o autor-criador é um indivíduo social


constituído historicamente, consequentemente, sua linguagem também é uma representação
sócio-histórica construída pela pluralidade de vozes sociais dos quais interage. O homem
falante não se restringe apenas ao indivíduo real do mundo, mas como um sujeito pensante,
agente e, acima de tudo, sócio-histórico.
O ato de dizer do homem que fala implica em uma ação no mundo, a partir de um lugar
social, representando um ponto de vista, posições axiológicas e valorativas que interpenetram
no material sígnico dando um tom avaliativo aos gêneros do discurso. Mesmo quando pensamos
que estamos apenas reproduzindo os discursos de outrem (como por exemplo, através de
citações) dentro de nossos textos, como objeto de refutação, apreciação, discussão, etc.; na
verdade, estamos englobando o discurso do “outro” em nosso próprio discurso. Ou seja,
qualquer enunciado está repleto de posições ideológicas dos “outros”.

O Círculo vê na cadeia discursiva uma teia de vozes sociais num elo de atos
responsivos. Nas palavras de Faraco (2009), todo dizer é orientado para o já-dito, todo dizer é
orientado para uma resposta, todo dizer é internamente dialogizado. Nessa segunda acepção, de
que os discursos são orientados para uma resposta, de que os enunciados são construídos
esperando uma réplica, de que são influenciados por uma resposta antecipada, inferimos, assim,
que nos enunciados encontra-se intrínseco um destinatário real ou presumido.

Na dinamicidade do fluxo comunicativo não podemos conceber o ouvinte como um


mero espectador passivo da cena enunciativa, aquele como um recipiente em que vai ser
depositado certo conteúdo. O sujeito que ouve, na abordagem sociodiscursiva, aparece como
parceiro do falante. Como enuncia Bakhtin:

o ouvinte, ao perceber e compreender o significado (linguístico) do discurso,


ocupa simultaneamente em relação a ele uma ativa posição responsiva:
concorda ou discorda dele (total ou parcialmente), completa-o, aplica-o,
prepara-se para usá-lo, etc.; essa posição responsiva do ouvinte se forma ao
longo de todo o processo de audição e compreensão desde o seu início, às
vezes literalmente a partir da primeira palavra do falante (BAKHTIN,
2011[1979]: 271).
81

Depreendemos, assim, que o leitor/ouvinte (que Bakhtin também chama de autor-


contemplador) tem uma participação ativa no processo de produção de sentidos dos
enunciados/textos/gêneros. O próprio autor-criador está determinado pela compreensão
ativamente responsiva, uma vez que ele não espera uma compreensão passiva, mas uma
discordância, uma objeção, uma participação, etc.. Assim, os gêneros discursivos, no âmbito de
cada esfera comunicativa, com suas diferentes finalidades discursivas, projetos de discurso, são
orientados pelas possíveis respostas dos autores-contempladores.
O próprio autor-criador é também, em certa medida, um autor-contemplador em
relação aos discursos pelos quais ele foi um leitor/ouvinte. Como já havíamos falado
anteriormente, quando nos referimos à teia de discursos formada por respostas a respostas e, ao
pensamento expresso por Bakhtin (2011[1979]), quando este considera cada enunciado um elo
na corrente complexamente organizada de outros enunciados. A interação verbal só se dá
efetivamente no processo de inter-relação entre autor-conteúdo-leitor, ou seja, usando as
palavras de Bakhtin “o discurso só passa a existir de fato na forma de enunciações concretas de
determinados falantes, sujeitos do discurso” (BAKHTIN, 2011[1979]: 274).

O sujeito ouvinte exerce uma grande influência na construção composicional, de


estilos e temática dos gêneros discursivos, uma vez que nosso discurso sempre será moldado
levando-se em conta, também, o público-alvo a quem é dirigido nossos enunciados. Nesse
sentido, devemos distinguir dois fatores básicos: a proximidade do ouvinte com relação ao autor
e sua relação com o conteúdo temático. Disso decorre que o autor-contemplador ocupa um lugar
próprio na enunciação e, assim, assume uma função importante no jogo comunicativo.

É de grande interesse saber qual a percepção que o autor-criador tem de seu ouvinte,
pois isso nos dará pistas de como foi modelado o discurso do sujeito falante de forma a perceber
os propósitos comunicativos (convencer, persuadir, informar, contrapor, etc.) a que o gênero
deve atender. Saber o grau de intimidade existente entre o sujeito falante e o sujeito ouvinte é
essencial para estruturação dos enunciados de forma a orientar seus discursos para conseguir
obter êxito ao projeto discursivo proposto.

Num segundo momento, o autor-criador deve ter como elemento balizador os


conhecimentos que o ouvinte possa ter sobre determinado conteúdo, ou seja, do lugar em que
o leitor ocupa na esfera social, quais informações, julgamentos de valor, posições axiológicas
o autor-contemplador tem referente ao tema a ser abordado.
82

Desse princípio, Bakhtin diz que “este ouvinte pode ser apenas o portador dos
julgamentos de valor do grupo social ao qual a pessoa ‘consciente’ pertence” (BAKHTIN,
1976[1926]: 13). Assim, podemos dizer que o conteúdo será continuamente construído e
reconstruído por meio da co-criação dos contempladores inseridos nos mais diversos contextos
da vida sociocultural. Para ilustrar o que foi dito, vejamos o cartaz a seguir:

FIGURA 8 – Cartaz Dia Mundial da AIDS2004

Fonte: Disponível em: <http://www.aids.gov.br/campanha/dia-mundial-de-luta-contra-aids-de-2004>.


Acessado em 02 abr. 2014.

A figura 8 representa um cartaz da campanha mundial de luta contra a AIDS no ano


de 2014, assinado pelo Ministério da Saúde. Percebemos no texto uma pluralidade de vozes
sociais permeando por todo o gênero. Nessa campanha específica, percebemos que o discurso
está direcionado para o público feminino, sendo percebido pela imagem da mulher e ainda
complementado pelo material linguístico: “Quase metade das pessoas que têm aids no mundo
são mulheres. Não é esse tipo de igualdade que nós queremos”. O termo “igualdade” está sendo
empregado nesse contexto com duas possibilidades de sentido: uma que nos leva a compreensão
de que semelhante ao sexo masculino o número de mulheres com a doença é crescente (os
números de contágios de mulheres aproximam-se aos dos homens); e num segundo sentido que
faz surgir contextos sócio-históricos, ou seja, a luta secular das mulheres por direitos políticos,
sociais, econômicos, jurídicos, etc. buscando a igualdade com o sexo oposto.

A assinatura do Governo Federal e do Ministério da Saúde inscrito no cartaz faz com


que essa voz institucional apareça no discurso, primeiro apresentando uma informação (“quase
83

metade das pessoas que têm AIDS no mundo são mulheres”), uma vez que os órgãos
governamentais têm acesso às pesquisas sobre a incidência do contágio do vírus HIV na
sociedade. A imagem dos símbolos desses organismos já é uma forma de apresentar o próprio
discurso, quer seja como enunciador ou como co-enunciador.

O termo que merece destaque é o pronome pessoal “NÓS” do enunciado. Quais os


sujeitos sociais estão sendo representados nessa palavra? Quais vozes sociais fazem parte desse
discurso? Será que é a voz do autor-criador (publicitário/agência de publicidade), ou do
Governo Federal juntamente com a do Ministério da Saúde, ou ainda, a de um grupo de
mulheres que lutam por seus direitos, ou de organizações não-governamentais que reivindicam
igualdades para as mulheres? Acreditamos que o “nós” representa todas as mulheres brasileiras
que anseiam por um tratamento mais igualitário dentro da sociedade no âmbito profissional,
doméstico, acadêmico, social, etc.. Entretanto, essas mesmas mulheres não almejam que as
taxas de infecção pelo vírus HIV no sexo feminino sejam equivalentes aos números de
contágios em homens.

Além das múltiplas vozes, nesse contexto reconhecemos que existe uma postura
ideológica sendo perpassada aos interlocutores. Da imagem de uma personagem feminina
segurando uma camisinha podemos inferir que o discurso perpassado é a de que as mulheres
devem tomar certas atitudes, como por exemplo, sempre trazer consigo um preservativo na
bolsa, fazer o exame de AIDS mesmo sendo casada e negociar o uso da camisinha com o
parceiro. Atitudes, estas, que são dificultadas quando inseridas numa sociedade ainda
impregnada de valores machistas.

CAPÍTULO III

CARTAZ PROPAGANDÍSTICO: UM GÊNERO EM CARTAZ

A civilização contemporânea é visivelmente marcada pela formação de um cenário


virtual e visual, o que significa dizer que com os avanços das ciências e da tecnologia no mundo,
ocorridos principalmente a partir do século XX, vivemos em permanente interação com
84

conteúdos imagéticos, os quais adquiriram mais força na era da cibernética. Atualmente,


podemos perceber a influência das imagens em nosso cotidiano, através da utilização da
ferramenta de captura de imagens por grande parte dos recursos tecnológicos que possuímos:
celulares, computadores, câmeras de segurança, automotivos, programas de internet,
eletrodomésticos, entre outros.

Essas transformações podem ser consideradas fatores motivadores para uma


reconfiguração dos gêneros discursivos existentes, como também, para o surgimento de novos
gêneros (por exemplo, os gêneros digitais). Nesse novo contexto, a dimensão comunicativa
assume uma posição central nas várias esferas da atividade humana, uma vez que, quanto maior
a visibilidade e a força de convencimento das ideias veiculadas, maior o poder de
estabelecimento de normas e padrões de comportamento, disputas de poderes, ideologias
políticas, etc. dentro de um grupo social.

No campo da publicidade, assim como em outros campos da comunicação, torna-se


imprescindível perceber e acompanhar interinamente as mudanças sociais, culturais,
tecnológicas, que constituem as sociedades modernas, visto que o poder das mídias está em
construir – via discursos – ideias e referências (ideológicas, posições axiológicas, etc.) que vão
fazendo parte dos nossos discursos e do nosso cotidiano. Dentre essas mídias, evidenciamos o
uso dos cartazes que se destaca no cenário urbano, principalmente, pela sua ação rápida e
constante de atingir um elevado número de pessoas e de diferentes públicos, independente de
classe social, idade, posição ideológica, etc..

Nesse capítulo, buscaremos reconstruir sócio-histórica e estilisticamente o gênero


cartaz, bem como identificar as funções sociais e discursivas nas interações com os seus
interlocutores através das linguagens verbo-visuais que constituem o tema do gênero.

3.1 A Construção Sócio-Histórica e Estilística do Gênero Cartaz

Como abordado anteriormente,a civilização contemporânea é fortemente marcada pelo


universo das imagens: fotografia, cinema, televisão, internet, cartazes, entre outros. É através
dessas lentes que percebemos e construímos o mundo à nossa volta, sendo igualmente
(re)construídos pelas significações que atribuímos aos textos. As mudanças sofridas pelos
cartazes ao longo do tempo refletem a história, a tecnologia, a estética e o pensamento de cada
85

época, como veremos a seguir. Como forma de esclarecimento, os recortes históricos e


estilísticos do cartaz foram organizados baseando-se, principalmente, na obra de Hollis (2010).

Litografia: uma obra de arte em cartaz

Hollis (2010) nos informa que antes do século XX, os “artistas comerciais” eram os
responsáveis pelo projeto de um pôster12 (criavam o layout, ilustravam e reproduziam), ou seja,
até o final do século XIX muitos desses artistas trabalhavam sozinhos na criação dos cartazes.
Nessa época, “as artes gráficas eram essencialmente produzidas em branco e preto e impressas
em papel” (p. 3). Os cartazes eram impressos utilizando-se a tipografia ou recorrendo à técnica
da xilogravura13.

A descoberta da imprensa por Gutenberg e a invenção da técnica da litografia 14 em


1796 pelo húngaro AloysSenefelder marcam a história do cartaz, pois essas tecnologias
permitiram que as produções dos cartazistas da época fossem reproduzidas em grande número
e, além disso, a característica mais marcante foi a utilização de cores. O primeiro cartaz a que
se faz referência é o de Saint-Flour, de 1454, feito totalmente em manuscrito, sem imagens.

FIGURA 9 -Primeiro Cartaz

12O pôster também pode ter um significado diferente de cartaz, no sentido de que a palavra, no Brasil é usada
quando nos referimos a peças mais "artísticas" ou de decoração de ambientes (como pôsteres de bandas, artistas,
carros). O cartaz é mais específico para designar o meio de comunicaçãocriado a partir das folhas colocadas em
espaços públicos, visando a propaganda(como um cartaz de um político), Publicidade (como um cartaz de uma
festa) ou simplesmente a comunicação. Disponível em http://pt.wikipedia.org/wiki/Cartaz. Acessado em 10 abr.
2014.
13Xilogravura é a técnica de gravura na qual se utiliza madeira como matriz e possibilita a reprodução da imagem

gravada sobre papel ou outro suporte adequado. É um processo muito parecido com um carimbo. Disponível em
http://pt.wikipedia.org/wiki/Xilogravura. Acessado em 14 abr. 2014.
14Litogravura (ou litografia)trata-se de um método de impressão a partir de imagem desenhada sobre base, em

geral de calcário especial, conhecida como "pedra litográfica". Após desenho feito com materiais gordurosos
(lápis, bastão, pasta etc.), a pedra é tratada com soluções químicas e água que fixam as áreas oleosas do desenho
sobre a superfície. A impressão da imagem é obtida por meio de uma prensa litográfica que desliza sobre o papel.
Disponível em http://www.itaucultural.org.br/. Acessado em 14/04/2014.
86

Fonte: Cartaz de Saint-Flor, 1454. Disponível em http://historiadocartaz.weebly.com/origens.html.


Acessado em 11 abr. 2014.

A partir do final do século XIX foi que se começou a reunir em somente uma folha
palavras e ilustrações, ganhando um alto grau de sofisticação nas mãos de artistas plásticos da
época. Segundo Richard Hollis, a atenção dos espectadores era atraída pelo colorido dos
cartazes, o que se tornou possível com a impressão litográfica. Além disso, as ilustrações eram
um reflexo do estilo artístico da época e da influência das tecnologias disponíveis para a
produção e reprodução do material.

Foi a partir de Jules Chéret, filho de compositor tipográfico e aprendiz de litógrafo,


que houve a integração da produção artística com a industrial desenvolvendo um sistema de 3
a 4 cores. Chéret

foi precursor, em 1860, na criação de cartazes publicitários artísticos.


Adaptava imagens a um texto curto, permitindo ao leitor percepção rápida da
mensagem. Foi o primeiro a perceber a dimensão psicológica na publicidade.
Além de cativantes, as suas pinturas eram por vezes de grande formato, com
cores vivas, o que mudou a perspectiva parisiense da época, possibilitando o
emergir da arte mural (COMJEITOEARTE, 2014).

Hollis (2010) observa que o apelo estético era a maior preocupação do artista, sendo a
personagem favorita de seus cartazes uma mulher feliz, elegante e que parece estar sempre em
movimento. A figura solitária e o reducionismo de palavras continuaram sendo a fórmula mais
utilizada na combinação palavra e imagem. Era raro o uso de imagens para representar
concretamente um produto ou como representação simbólica de uma ideia (metáfora visual),
pois a criação das peças publicitárias tinha uma orientação voltada mais para o aspecto artístico
do que para o econômico. Aqui, o objetivo do designer15 era prender a atenção dos transeuntes
e tornar sua obra inesquecível.

15Odesigner gráfico é aquele profissional que traz ordem estrutural e forma à informação visual
impressa.Exemplos de produtos do trabalho de um designer gráfico são as páginas diagramadas de um livro ou
uma revista, a configuração visual de uma embalagem, logotipos de empresas e instituições, fontes tipográficas,
entre outros. Portanto, designer de livros, designer de tipos, diagramador, designer de embalagem ou designer de
cartaz, por exemplo, seriam diferentes atuações de designers gráficos. Disponível em:
http://pt.wikipedia.org/wiki/Designer_gr%C3%A1fico. Acessado em 11/04/2014.
87

FIGURA 10 - Cartaz Ball au Moulin Rouge, Place Blanche

Fonte: Cartaz de Jules Chéret, 1889, Disponível em http://www.jules-cheret.org/. Acessado em 11 abr. 2014.

Outros artistas foram influenciados pelas técnicas utilizadas por Jules Chéret, como
Pierre Bonnarde e Toulouse-Lautrec. Foi com este último que os cartazes ganharam
popularidade ao retratar cenas da vida noturna parisiense. Hollis (2010: 6) acrescenta que seus
“contornos firmes e as cores uniformes refletem a paixão do artista pelas xilogravuras
japonesas”, o que contribuiu para as transformações estéticas do cartaz.

O uso do espaço em retângulo vertical, com imagens retratadas de baixo para cima e
figuras cortadas, técnicas que lembram a espontaneidade das fotografias instantâneas, fez com
que fosse considerado um artista de vanguarda do Modernismo e da Art Nouveau (Arte Nova),
além disso, Toulouse-Lautrec revoluciona a publicidade quando utiliza a estética e o design
para transmitir informações. Ou seja, a forma que compõe o cartaz está estritamente relacionada
à sua função: apresentar e promover um produto ou evento. Dentre os seus trabalhos, produziu
inúmeros cartazes de divulgação de espetáculos de cabaré através da litografia, em que cria um
efeito de gradações de tom em cima de pedras litográficas.

FIGURA 11 - Cartaz “Moulin Rouge”


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Fonte: Cartaz de Henri de Toulouse-Lautrec,1891. Disponível em


http://historiadocartaz.weebly.com/origens.html. Acessado em 11 abr. 2014.

Fonseca (1995: 17) relata que “o cartaz elevou-se assim a uma verdadeira arte
expressiva, embora mantivesse seu caráter objetivo e utilitário”. Com a arte publicitária de
Toulouse-Lautrec, todos se interessaram em divulgar seus eventos e produtos fazendo uso dos
elementos imagéticos e das cores.

Chéret e Toulouse-Lautrec, designers-artistas franceses, utilizavam tintas resistentes


ao clima e ao tempo, o que propiciou que os cartazes fossem distribuídos em paredes e muros
da cidade, ou seja, permitiu que as peças publicitárias fizessem parte do ambiente urbano
externo onde pudessem ser visualizadas por um maior número de pessoas.

Art Nouveau (Arte Nova): o cartaz como objeto de decoração

A Arte Nova foi um dos estilos artísticos que iniciou a modernização do Design
Gráfico. Surge no final do século XIX e início do século XX no contexto histórico da Segunda
Revolução Industrial e dos avanços tecnológicos na área gráfica. Na concepção estilística dos
cartazes, esse estilo propunha liberdade estética e ousada criatividade que traziam como
inspiração as figuras femininas de longos cabelos ondulados e enfeitados por flores e traços
orgânicos.

Esse estilo influenciou as artes plásticas, estendeu-se às artes gráficas e artes


decorativas. Caracterizou-se pelas linhas curvas, formas naturais, flores e plantas. No estilo
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decorativo da chamada Arte Nova, destacamos os trabalhos do artista Alphonse Mucha, que
exibe em seus cartazes, além das mulheres de contornos suaves e longas madeixas
encaracoladas, a criação de novos designs para as letras que são desenhadas em formas
geométricas. Como esclarece Hollis,

quando os artistas, em vez de utilizar caracteres tipográficos, desenhavam eles


mesmos as letras dos textos, quando se responsabilizavam por cada elemento
no design que deveria ser reproduzido pela máquina, estavam praticando
aquilo que mais tarde ficou conhecido como design gráfico (HOLLIS, 2010:
11).

Observamos que nesse período a criação dos cartazes ainda está fortemente ligada ao
campo das artes, ou seja, os cartazes obedecem a uma finalidade mais estética do que comercial.

FIGURA 12 - Cartaz Bicicletas Perfecta

Fonte: Litografia de AlfonsMucha, 1902. Disponível em http://comjeitoearte.blogspot.com.br/2012/03/o-cartaz-


art-nouveau.html. Acessado em 11 abr. 2014.

Os cartazes trazem, em suas pinceladas de arte, o retrato da sociedade urbana da época


através da composição de enunciados, imagem e cores. Nesse sentido, mesmo o cartaz sendo
visto como uma verdadeira obra de arte não negligenciou seu caráter objetivo e utilitário.

Décadas de 20 e 30: a propaganda da guerra

No século XX, o design russo influenciou fortemente na evolução dos cartazes


europeus. O cartaz russo caracterizou-se pela propaganda do governo soviético e pela influência
da arte vanguardista, como por exemplo, o construtivismo. As mensagens tinham como
temática a exaltação patriótica e os pensamentos de igualdade e de vitória.
90

Com a chegada da Segunda Guerra Mundial, o cartaz alcançou seu apogeu na história,
até então. Os governos dos países envolvidos no conflito precisavam criar campanhas com o
objetivo de motivar a população e possibilitar o aumento da produção. Em vez dos cartazes
anunciarem produtos,começaram a promover esforços militares através do apelo ao
recrutamento e da veiculação de informações, com mensagens diretas e eficazes. Foi um
momento de grande liberdade criadora de jovens designers. “Os diagramas, as ilustrações e as
legendas ajudavam a informar e a instruir” (HOLLIS, 2010: 28), ou seja, os signos e símbolos
veiculados eram códigos facilmente entendidos pela população, além do uso de imagens e
slogans diretos e fortes reportando para um sentimento de exacerbado nacionalismo.

FIGURA 13 - Cartaz de El Lissitzky

Fonte: Cartaz de 1929. Disponível em: http://www.artecapital.net/opiniao-51-jose-bartolo-100-


posters-para-um-seculo. Acessado em 11 abr. 2014.

Na década de 20 e 30 houve uma profusão de movimentos artísticos que marcaram o


campo da pintura e do design, entre eles: Bauhaus, De Stijl, futurismo, cubismo, entre outros.
Nesse período, grande parte dos cartazes foram criados com a finalidade de promover produtos
comerciais ou eventos culturais – funções primordiais dos cartazes.

FIGURA 14 - Cartaz Jogos Olímpicos de Inverno


91

Fonte: Ludwig Hohlwein, 1936. Disponível em:http://sala17.wordpress.com/2010/02/18/o-cartaz-


historia-resumid/. Acessado em 11 abr. 2014.

Com a Segunda Guerra Mundial declarada em 1939, os cartazes desempenharam um


papel essencial na vida política dos países. Os muros foram encobertos de cartazes com imagens
que proliferavam as ideologias de grupos políticos, principalmente, reforçada através da
fotografia dos grandes líderes.

Figura 15 -Cartaz de Recrutamento de Soldados para a 1a e 2a Guerra Mundial

Fonte:Cartaz de J.M Flagg, 1917, Disponível em: http://historiadocartaz.weebly.com/2ordf-guerra-


mundial.html. Acessado em: 11 abr. 2014.

Com o surgimento da fotografia, os designers enfrentaram um novo veículo de


comunicação bem mais eficiente que as caricaturas. Eles começaram a fazer fotomontagens
(cortar fotos e arranjá-las justapostas nas páginas) com o intuito de manipular símbolos através
da iluminação e do recorte de imagens. Dessa forma, a fotografia passou a ser utilizada como
“ilustração retórica” (HOLLIS, 2010: 110), isto é, a imagem foi utilizada como meio de
produção documental em que através dela foram registrados os serviços sociais empregados e
92

os vários tipos de denúncias e protestos desencadeados durante o bombardeio de cidades e


mortes de civis.

Décadas de 60 e 70: o cartaz como meio de protesto

Já nos anos 60 e 70, os cartazes foram brevemente marcados pela era psicodélica, pelo
movimento punk, pelas agremiações estudantis, ou seja, pelo surgimento de uma série de
movimentos de cunho político e social. Durante esse período os cartazes exerceram um
importante papel nos apelos à paz e ao desarmamento, especialmente no caso da Guerra do
Vietnã.

No contexto das revoluções políticas e sociais, da efervescência da música pop e do


uso das drogas alucinógenas, tudo isso se transformou em conteúdos temáticos nas mãos da
linguagem gráfica. Era comum encontrar um desses cartazes decorando as paredes das casas,
não apenas como objeto decorativo, mas como símbolo de status e compromisso ideológico de
seu proprietário.

Nesse período apareceram as técnicas do “New Advertising” (Nova Publicidade), que


consiste na integração de palavras e imagens para compor uma única ideia. Conforme Hollis
(2010),

a fotografia foi uma inovação fundamental, primeiro como meio de geração


de imagens (no início em preto e branco e agora também em cores); segundo,
como meio de composição, permitindo espacejamento de letras – impossível
quando a impressão era feita diretamente a partir de tipos metálicos (HOLLIS,
2010: 193).

Nesse momento, nas agências de propaganda, as várias etapas de criação, produção e


reprodução dos cartazes eram feitas por um grupo de profissionais da área e não apenas mais
por uma única pessoa. A exemplodo posicionamento de palavras e imagens na página, que era
de responsabilidade dos designers e não dos impressores.
93

FIGURA 16 - Concerto Yardbirds&Doors

Fonte: Cartaz de BonnieMacLean, 1967. Disponível em: http://historiadocartaz.weebly.com/anos-


60.htmlAcessado em: 11 abr. 2014.

O trabalho gráfico de cartazes psicodélicos (repetição de contrastes cromáticos, formas


e espaços entre letras contrabalançando entre si, etc.) refletia as experiências visuais dos
designers com o uso do LSD (poderosa droga alucinógena). Segundo Hollis (2010), a grande
mensagem desses cartazes era pra se autodominarem “underground”, ou seja, para se definirem
opositores aos jovens que adotaram um estilo de vida diferente dos padrões sociais
(identificados como cultura hippie – movimentos pela paz e pela ecologia). O movimento
underground utilizava a tecnologia do “faça-você-mesmo”, ou seja, os próprios estudantes
produziam os cartazes utilizando a técnica da serigrafia, com slogans inspirados em gritos de
guerra, impressos em papéis baratos e sem nenhuma qualificação específica. No entanto, as
mudanças que ocorriam na arte gráfica aconteciam de forma individualizada, a partir de
circunstâncias particulares e locais.

Século XX e a era digital: o cartaz no mundo cibernético

Atualmente, na era digital, o computador tem papel essencial na construção dos


cartazes, dispondo de programas cada vez mais sofisticados que permitem a manipulação das
imagens. As combinações entre fotografia, ilustração e trabalho tipográfico continuam a
emergir no layout dos cartazes modernos, proporcionalmente à velocidade das tecnologias
digitais.

A mais forte influência do uso dessas tecnologias apareceu com Wolfgang Weingart,
de acordo com Hollis (2010: 19), que diz que o designer tipográfico “distorcia e espichava
94

fotocomposições e utilizava o processo de reprodução para fundir imagem e palavra”. Com a


utilização dos microcomputadores, os designers ganharam um maior controle sobre os
processos de construção dos cartazes mesmo antes de chegar à etapa da impressão. O autor
ainda especifica que no início desse período,

as imagens sem movimento dos designers, embora pudessem ser geradas e


controladas eletronicamente, tinham de competir – ou mesclar-se – com as
imagens em movimento das telas de TV. O papel do designer gráfico na
divulgação da cultura e dos serviços públicos também cresceram (HOLLIS,
2010: 201).

No início da década de 80, os publicitários mesmo fazendo uso de meios tecnológicos


mais sofisticados, como os computadores; as imagens dos cartazes ainda permaneciam estáticas
frente a um mundo de intenso movimento visual. Mas isso não impediu que as instituições
privadas e públicas vislumbrassem no cartaz um meio de comunicação propício para difundir
informações acerca da criação de uma identidade para a instituição e/ou do produto a ser
comercializado ou divulgado, devido a sua forma direta e enxuta de abordar o conteúdo.
Segundo Nicolau e Poshar,

com seu forte apelo visual estético, o cartaz sempre foi uma referência no
desenvolvimento da publicidade impressa moderna, tendo se destacado
quanto à sua estrutura, por acompanhar as revoluções técnicas de cada época
na qual esteve inserido, mantendo suas características e, notadamente, seu
apelo visual retórico para com os passantes que cruzam o seu caminho
(NICOLAU; POSHAR, 2013: n. p.)

No contexto do mundo digital, o conjunto de práticas sócio comunicativas está baseado


na interatividade, ou seja, as mídias permitem que o interlocutor interaja através de reações
diretas e instantâneas com o conteúdo visualizado, tais como as mídias que utilizam ferramentas
de tela sensível ao toque e à presença, ativação por comando de voz, imagens dinâmicas e com
som, etc. Mas tudo isso não se constitui como um processo interativo propriamente dito, pois
essas inter-relações são baseadas em respostas orientadas a partir da manipulação lógica de
informações arquivadas em um banco de dados. Por exemplo, antigamente, para fazer saques
numa conta de um banco, era necessário, para realizar tal ação, dirigir-se a um funcionário da
instituição responsável para essa função. Hoje em dia, existem os caixas eletrônicos com tela
95

sensível ao toque que dispõem dessa e outras opções de serviços bancários, de forma interativa,
mas que, no entanto, estão restritos a escolhas de alternativas preestabelecidas pelo programa
de computador.

O cartaz, nesse cenário multimídia, também vem sofrendo mudanças em seu suporte
e, por conseguinte, nas suas formas composicionais, estilísticas e nas relações de interação com
o seu interlocutor. Surge, assim, o cartaz digital em que há uma combinação de várias
linguagens tecnológicas: dinamicidade entre sons, imagens, cores, gestos e toques. Dessa
forma,

a utilização de um novo suporte com uso de sistemas integrados a


microdispositivos permitiu-lhe outra funcionalidade para além do fino papel
impresso e colado na parede. Desse modo, o cartaz ganhou uma tela sensível
ao toque, passou a emitir sons ou captar áudio do seu entorno, a partir de
sensores embutidos. (NICOLAU; POSHAR, 2013: n. p.)

Cartazes acionados por telas sensíveis ao toque, outros que reagem a movimentos e,
ainda, existem aqueles que capturam e/ou emitem áudio; são uma realidade que vivenciamos
no mundo moderno. No Brasil, o uso dessas tecnologias nos cartazes, atualmente, ainda se
encontra escasso. Nas grandes cidades, esses cartazes multimídias estão disponíveis,
principalmente, nos pontos de transportes públicos (ônibus, metrô, etc.), aeroportos, shoppings,
etc.

Conforme observa Nicolau e Poshar (2013), mesmo com todos esses recursos
tecnológicos digitais, as principais características dos cartazes mantiveram-se inalteradas,
desenvolvendo outras formas comunicativas com o seu público através da inter-relação de
diferentes linguagens midiáticas, em proporções incomparáveis em relação aos cartazes
impressos. Vejamos um exemplo desses cartazes:
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FIGURA 17 -Cartaz Digital da Esprit

Fonte: Cartaz em uso no centro comercial Brent Cross. Disponível em:


http://www.informdevelopment.com/digital-posters. Acessado em 15 abr. 2014.

Observamos, ao longo desse breve percurso histórico, que o cartaz teve grande
importância no registro das grandes transformações sociais, políticas e culturais, pelos quais o
mundo passou. Ele foi um meio de expressão e divulgação das ideologias que marcaram cada
época, além de ser um instrumento de identidade gráfica, ou seja, um gênero discursivo que
revela não apenas os aspectos artístico-estilísticos, mas também as limitações tipográficas de
vários momentos históricos. Dessa forma, o cartaz acompanha e adapta-se aos contextos
socioculturais e tecnológicos de cada tempo.

Utilizando-se dos recursos das artes gráficas ou das tecnologias digitais, o cartaz, além
de se configurar como um instrumento propagandístico voltado para a informação, instrução,
divulgação e promoção, construiu, ao longo do tempo, uma reputação artística de difusão de
ideologias, ao mesmo tempo em que inova em suas formas de interatividade comunicativa.
Além da sua importância como meio de publicidade e de informação visual, o cartaz possui um
valor histórico como meio de divulgação de importantes movimentos de caráter político,
artístico ou social.

A estrutura composicional dos cartazes está baseada na interação dos elementos


linguísticos e imagéticos para a formação de uma ideia, um conceito, ou seja, um texto. Em
nosso trabalho não contemplaremos os cartazes digitais, ou seja, aqueles com interatividade
através do toque, da voz e do movimento. O objeto de nossa pesquisa restringe-se aos cartazes
impressos, com imagens estáticas e que são afixados em paredes, divulgados pelo Ministério
97

da Saúde sobre a temática da AIDS no período do carnaval, pois, assim, teremos uma melhor
visualização das ilustrações que compõem os cartazes de forma a analisá-los mais
minunciosamente.

Como visto anteriormente, os cartazes tendem a privilegiar, essencialmente, a


composição imagética na constituição dos seus discursos. Em outras palavras, utilizam-se da
metáfora visual (representação simbólica de uma ideia) para atingir seus objetivos de forma
rápida e eficiente. Nesses termos, buscaremos, a seguir, visualizar a inter-relação imagens-
palavras não somente por seu aspecto estético ou expressivo, mas também, e de maior
importância, pelo seu aspecto funcional, sendo analisadas tanto como representação das
dimensões sociais, políticas e culturais de uma sociedade quanto pelo ponto de vista da sua ação
comunicativa.

3.2O Poder da Imagem no Cartaz: um gênero multimodal dialogando com seus


interlocutores

O uso das imagens remonta ao homem primitivo quando este utilizava as paredes das
cavernas como suporte dos seus desenhos em que difundia mensagens sobre a caça de alguns
animais, por exemplo. Segundo Lommel (1978), nos tempos primitivos, quando o homem era
mais fraco que a sua presa, era exigido dele uma atitude mental específica que deveria
compensar o seu senso de inferioridade. O caçador mata animais pela necessidade de
sobrevivência e, ao reproduzi-los através de pinturas, esperava obter o controle sobre o
conteúdo espiritual do animal representado. Vejamos a figura a seguir:

FIGURA 18: Pintura rupestre da Serra da Capivara (PI)

Fonte: Sítio Toca da Subida da Serrinha I (Caçada da Onça). Disponível em:


http://www.fumdham.org.br/pinturas.asp. Acessado em 07 abr. 2014.
98

A pintura rupestre apresentada na figura 18 foi retirada do site da Fundação Museu do


Homem Americano (FUMDHAM), instituição localizada na cidade de São Raimundo Nonato
(Piauí). Na gravura, nomeada de “caçada da onça”, subsidia o que diz Lommel:

As próprias pinturas se destinam a captar e conter os poderes imaginários dos


animais em foco, e são concebidas como um processo mágico de garantir o
suprimento de caça. [...] O homem pré-histórico tentou compreender seu meio
analogicamente, em parábolas, e integra-se, na vida que o rodeava, pela
execução de ações simbólicas (LOMMEL, 1978: 17).

Além de representar os animais por meio de gravuras na tentativa de dominar um


mundo cujas forças o amedrontavam, também podemos perceber que o homem primitivo sentiu
a necessidade de se comunicar com esse mundo, desenvolvendo, assim, um sistema gráfico de
comunicação social. Numa sociedade iletrada, percebemos que o homem se utilizou dos
recursos imagéticos para expressar uma ideia, representar o mundo que o cerca e comunicar-
se. Baseando-se em Richard Hollis, podemos dizer que

as representações gráficas podem ser sinais, como as letras do alfabeto, ou


formar parte de outro sistema de signos, como as sinalizações nas estradas.
[...] Um signo não é uma imagem. As imagens gráficas são mais do que
ilustrações descritivas de coisas vistas ou imaginadas. São signos cujo
contexto lhes dá um sentido especial e cuja disposição pode conferir-lhes um
novo significado (HOLLIS, 2010: 1).

Depreendemos dessa afirmação que os sinais gráficos só adquirem o status de natureza


semiótica quando inseridos no processo de interação social, ou seja, as imagens encontram-se
carregadas de conteúdos significativos quando construídos no processo das inter-relações
pessoais, e, posteriormente, essas significações passam a fazer parte do repertório cultural de
determinada comunidade discursiva. Dessa forma, consideramos a imagem (com suas cores,
formas, perspectivas, ângulos, etc.) como um material semiótico fundamental de expressão das
ideologias que marcaram determinada época, lugar e grupos sociais.

Relembrando algumas ideias bakhtinianas, vimos, no capítulo anterior, que os


indivíduos interagem entre si e com o meio através dos signos que, segundo Bakhtin
(2012[1929]), refletem e refratam, em certa medida, a realidade. Por conseguinte, todo signo é
99

ideológico por natureza, ou seja, “possui significado e remete a algo situado fora de si mesmo”
(p. 31). Nessa acepção, o Círculo de Bakhtin privilegia a “palavra” como sendo o signo
ideológico por excelência, pois a considera como um “signo neutro”, uma vez que ela é
utilizada em todas as esferas discursivas, preenchendo qualquer função ideológica específica.
Bakhtin (2011[1979]: 37) ainda nos afirma que “cada domínio possui seu próprio material
ideológico e formula signos e símbolos que lhe são específicos e que não são aplicáveis a outros
domínios”.

Em outras palavras, o filósofo considera como fator primordial que diferencia os


signos verbais dos signos não linguísticos o fato de que estes estão submetidos,
ideologicamente, a uma determina esfera da atividade humana. Não corroboramos com tal
diferenciação, uma vez que acreditamos que a linguagem imagética, sendo também um signo,
imprime as ideologias, posições axiológicas, discursos, apreciações valorativas formados a
partir das relações de grupos sociais e das situações concretas de uso, e não pertencente, de
forma exclusiva, a um domínio discursivo.

Os textos pertencentes à esfera publicitária, predominantemente, utilizam-se de


palavras e imagens na construção de uma peça propagandística. Na inter-relação entre letras e
imagens, acreditamos que há uma relação de complementaridade, e não de uma relação de
superioridade de um dos elementos em referência ao outro. Mesmo em textos cujos elementos
imagéticos se sobressaiam, entendemos que uma palavra possa ser a pista determinante para a
construção de sentidos. Da mesma forma pode acontecer com um enunciado construído
predominantemente por palavras que, no entanto, uma simples imagem possa ser a chave para
a compreensão de todo conteúdo a ser transmitido. Vejamos no cartaz a seguir:
100

FIGURA 19 - Cartaz da WWF

Fonte: Disponível emhttp://www.materiaincognita.com.br/wp-content/uploads/2011/02/a-doenca-do-pulmao-


da-floresta.jpg. Acessado em 10 abr. 2014.

Na campanha publicitária promovida pela WWF (World WideFund for Nature)- uma
organização internacional, não governamental que atua nas áreas da conservação, investigação
e recuperação ambiental – verificamos que o aspecto linguístico se resume a uma única frase:
“Beforeit’s too late” (Depois é tarde demais). Esse enunciado inserido no todo do contexto
imagético torna-se importante para que o interlocutor produza os sentidos desejados pelo autor-
criador (WWF) acerca da temática da devastação florestal. Como afirma Dionísio (2011: 140),
“aspectos verbais e pictorais se complementam de tal forma que a ausência de um deles, mesmo
sendo o de menor incidência, afeta a unidade global do texto”.

A partir desse exemplo, reafirmamos que o material linguístico e o imagético são


complementares entre si e a fusão dessas duas linguagens forma um enunciado completo e
repleto de significados com inúmeras possibilidades de sentidos, assim como são diversos os
contextos em que possa estar inserido. Como argumenta Bakhtin (2011[1979]: 38), “todas as
manifestações da criação ideológica – todos os signos não verbais – banham-se no discurso e
não podem ser nem totalmente isoladas nem totalmente separadas dele”.
101

Observamos, outrossim, que um léxico pode significar não só pelo seu conteúdo
semântico que carrega em si mesmo, mas também, pela sua expressividade visual nos textos,
utilizando-se de diversos artifícios estilísticos, como: tamanho, posição, tipografismos das
letras, etc. Disso, salientamos, conforme Hollis (2010), que as palavras existem não só como
um meio de transmissão de mensagens, mas, além disso, ela própria pode adquirir uma
expressão única. Como forma de exemplificação, a seguir, temos a marca dos produtos da The
Coca-Cola Company e um trabalho do designer gráfico, Ji Lee.

FIGURA 20 - Logotipo da Empresa Multinacional Coca-Cola Company

Fonte: Disponível em: http://comunicarebrasil.com/2000inove/wp-


content/uploads/2009/08/cocacolanormal.png. Acessado em 10 abr. 2014.

FIGURA 21 - Cartaz Vampire

Fonte: Trabalho do designer Ji Lee, um amante das palavras e imagens. Disponível em:
http://www.pcom.com.br/blog/palavras-em-imagens-%E2%80%93-word-as-image/. Acessado em 10abr, 2014.

Na figura 20, apresentamos um caso em que o signo linguístico também é um signo


imagético. Por diversas vezes, presenciamos situações em que a criança não alfabetizada, ou
seja, aquela que não consegue decodificar o material linguístico, no entanto, é capaz de atribuir
significado ao símbolo da “Coca-Cola”, o qual ela facilmente identifica o produto a que se está
fazendo referência, ou seja, constrói sentido ao texto visualizado. Conforme observa
102

Maingueneau (2005: 12), “um texto publicitário, em particular, é fundamentalmente imagem e


palavra; nele, até o verbal se faz imagem”.

Na figura 21, as letras que formam a palavra foram, propositalmente, alteradas para
criar efeitos de sentido ao texto. A palavra “vampire” (vampiro, em português) está disposta de
forma invertida, escrita num fundo preto e as pontas da letra “M” foram pintadas de vermelho,
com o intuito das letras fazerem referência à ideia de vampiro que temos construída em nossas
mentes, através de filmes, estórias, etc. (gostam da escuridão, dormem como morcegos – de
cabeça para baixo, tem duas presas enormes que sevem para se alimentar de sangue humano).
Assim, temos a imagem representando o conteúdo semântico do léxico, ou seja, a tipografia e
a disposição gráfica são semioticamente significativos. Dessa forma, entendemos que as
palavras se tornam signos imagéticos dependendo do gênero em que está sendo veiculada, da
finalidade discursiva pelo qual foi criada, dos contextos de produção, circulação e recepção,
entre outros.

Dessa forma, entendemos que os signos são interdependentes das situações concretas
de produção, circulação e recepção dos textos. Ressaltamos, aqui, que a nossa concepção de
texto está relacionada ao pensamento de Bakhtin (2011[1979]: 307) quando este o define, em
sentido amplo, como um “conjunto coerente de signos”, ao mesmo tempo que determina que
dois elementos são essenciais para identificá-lo como tal: “a sua ideia (intenção) e a realização
dessa intenção” (p. 308). Dessa forma, definimos um cartaz como um texto multimodal em que
utiliza a linguagem de diversas semioses (linguísticos, cores, imagens, sons, movimentos, etc.)
construindo plurissignificações em situações específicas de uso, orientados para a consecução
de finalidades discursivas.

Considerando essa multiplicidade de sentidos construídos através dos mais variados


tipos de signos utilizados nas campanhas publicitárias é que se define a multimodalidade textual
entendida como a integração entre linguagem escrita, imagens, cores, e outros elementos que
constituem a estrutura textual. Dionísio (2011) defende a ideia de que todos os gêneros textuais
são multimodais, pois quando falamos ou escrevemos um texto, estamos usando no mínimo
dois modos de representação: palavras e gestos, palavras e entonações, palavras e imagens,
palavras e marcas tipográficas, etc. Ideia também defendida por Kress e Van Leeuwen (2006)
que consideram toda comunicação social como multimodal: uma combinação de gestos, falas,
cores, cheiros e posturas.
103

Pelo exposto, percebemos que o texto está intrinsicamente ligado ao discurso, ou seja,
a uma situação dialógica em que operam estrategicamente os elementos verbo-visuais e
contextuais para a produção de sentidos. Nesse sentido Bakhtin (2011[1979]) afirma que o
enunciado se torna pleno em sua concretude quando enformado pelos elementos
extralinguísticos (dialógicos) e por estar ligado a outros enunciados, ou seja, os textos estão
sempre em intercomunicação com outros textos e com os diversos contextos nos quais estão
inseridos.

Cada elemento visual que compõe o texto multimodal é dotado de múltiplos sentidos
e que a interação desse conjunto semiótico para construção de um enunciado pleno e concreto
contribui para a orientação do sentido o qual se pretende transmitir em determinada situação
concreta. As cores, texturas, perspectivas, ângulos, entre outras estratégias imagéticas, não são
selecionados aleatoriamente, mas produto de análises dos contextos (de situação, cultural e de
gênero) em que o texto circulará.

Como podemos observar, pelos textos da esfera publicitária apresentados no trabalho,


os cartazes são constituídos de imagens e textos, com o predomínio de elementos não verbais,
sendo o verbal um elemento complementar indissociável com o objetivo de transmitir uma
mensagem específica. Nesse caso, o verbal cumpre a função de ancoragem, direcionando e
restringindo a polissemia necessária da imagem. Assim, o cartaz é constituído por

uma imagem em geral colorida contendo um único tema e acompanhado de


um texto condutor, que raramente ultrapassa dez ou vinte palavras, portador
de um único argumento. É feito para ser colado e exposto à visão do transeunte
(MOLES, 1974: 44, grifo do autor).

No mundo publicitário, de acordo com Hollis (2010), o significado a ser transmitido


pelo material infográfico e pelos sinais alfabéticos não expressa a ideia do designer, mesmo
que as formas estilísticas e estéticas estejam organizadas a partir de suas escolhas. As
mensagens a serem veiculadas são construídas a partir das necessidades dos clientes (empresa,
instituições, etc.), observando os comportamentos, gostos, anseios, etc. dos possíveis
consumidores dos textos.

Ao olhar um cartaz na rua, temos nossa atenção despertada para mensagens que
convidam a participar de um evento, experimentar um determinado produto, utilizar algum
serviço ou estimular a mudanças de comportamento e hábitos. As pessoas que interagem com
104

os textos conseguem facilmente reconhecer que se trata de uma propaganda, isto é, percebem
que aquelas mensagens têm a finalidade de convencer a comprar um produto, criar uma imagem
favorável de uma instituição, promover a prática de atos saudáveis, etc.. Mas, por outro lado,
não é tão fácil identificar as ideias perpassadas por essas mensagens, de forma não tão explícita,
quando o objetivoé convencer os indivíduos a se comportarem e/ou pensarem de determinada
maneira.É nesse último caso que Garcia (1994) denomina de propaganda ideológica,sendo que
esta tem a função de

formar a maior parte das ideias e convicções dos indivíduos e, com isso,
orientar todo o seu comportamento social. As mensagens apresentam uma
versão da realidade a partir da qual se propõe a necessidade de manter a
sociedade nas condições em que se encontra ou de transformá-la em sua
estrutura econômica, regime político ou sistema cultural (GARCIA, 1994, p.
10-11).

De acordo com Sant’Anna (2006), embora os termos Propaganda e Publicidade sejam,


geralmente, usados como sinônimos, eles apresentam algumas diferenças. Publicidade deriva
do latim publicus e designa a qualidade do que é público, ou seja, significa divulgar, tornar
público. Propaganda, no entanto, deriva do latim propagare que significa reproduzir, isto é, faz
alusão a implantar uma ideia, uma crença na mente alheia. Ressaltamos que em nosso trabalho
adotamos as nomenclaturas publicidade e propaganda em sentido similar um ao outro.

Nessa acepção, podemos concluir que toda propaganda é ideológica. O discurso


publicitário se utiliza de diversas estratégias persuasivas com o intuito de promover a adoção
de novos hábitos, ideias e aquisição de bens de consumo pela sociedade.

Em relação ao gênero cartaz, observamos que as estratégias de persuasão mais


utilizadas são o uso de imagens, slogans, recursos linguísticos, o layout, assinatura da
instituição (pública ou privada). Como já abordamos anteriormente, esses elementos que
compõem os cartazes encontram-se articulados entre si buscando uma linguagem simples e
direta de forma a atingir o maior número de pessoas.

O consumidor da comunicação publicitária é um sujeito ativo que interage com o texto,


constrói significados e que orienta a construção das realidades a serem veiculadas pelas peças
publicitárias. Em outras palavras, a publicidade é um reflexo das posições axiológicas e
ideológicas da sociedade inserida em uma dada época. Dessa forma, para que a propaganda
105

atinja seus objetivos com eficiência, ela lida como o que já é aceito socialmente, ou seja, é a
sociedade que orienta a linguagem, a visão de mundo e as atividades na publicidade (CONAR,
BOLETIM 44: 1991). Como argumenta o publicitário Toscani, a propaganda

deveria ser a arte da rua, roupa e o cenário de nossas cidades. A publicidade


poderia tornar-se lúdica, fantasista da ou provocante da imprensa. Poderia
explorar todos os domínios da criatividade e do imaginário, do documentário
e da reportagem, da ironia e da provocação. Poderia oferecer informações
sobre todos os assuntos, servir de causas humanistas, revelar artistas,
popularizar grandes descobertas, educar o público, ser útil, estar na vanguarda
(TOSCANI, 1996: 46).

A publicidade desempenha um papel importante dentro da sociedade, pois além de


informar ela tem a função também de formar opiniões, transformar comportamentos através da
utilização de vários elementos linguísticos e não linguísticos, partindo da análise da conjuntura
histórico-social na orientação da produção do gênero.

Como a interação verbo-visual com os cartazes acontece de forma mediada, ou seja,


não acontece com a presença física dos interlocutores, podemos observar que o processo
comunicativo sofre alterações quanto à forma como um conteúdo será transmitido e na própria
relação entre autor-criador e autor-contemplador (intimidade, distanciamento, formalidade,
autoridade, submissão, empatia, etc). Assim, o enunciador necessitará de ferramentas que
tentem suprir a sua ausência para que a interação se efetive com a máxima eficiência, dentro
dos limites dos suportes tecnológicos utilizados.

Assim sendo, o publicitário é obrigado a prever, no jogo interacional, as possíveis


reações e respostas dos receptores, bem como conhecer o seu estilo de vida, o que pensam,
quais os seus objetivos, desejos, sonhos, como se comportam frente a determinadas situações,
etc.. Segundo Moles (1974), o espectador pode ser caracterizado por duas categorias: fatores
psicológicos e fatores socioeconômicos. Quanto ao primeiro, são observados pelo publicitário
os interesses que despertam a atenção dos consumidores; quanto tempo disponível o indivíduo
pode dispensar ao texto; a capacidade do interlocutor em captar a mensagem, que muitas vezes,
são utilizadas uma linguagem metafórica; o repertório cultural retido na memória do leitor.

Nesse sentido, a publicidade se baseia no conhecimento sobre a natureza humana


(necessidades psicofisiológicas, dentro elas, o sexo). Todos esses dados corroboram para a
106

criação de um vínculo com esse leitor e, assim, tentar convencê-lo a aderir a ideias, hábitos
perpassados pelos discursos que estão estrategicamente organizados, de forma implícita e/ou
explícita, nos textos.

Entretanto, estar de posse dessas informações pelo autor-criador do texto publicitário


não é suficiente para interagir com o seu público. O profissional da área deve ter, além do
domínio técnico dos gêneros discursivos com os quais trabalha, conhecimentos dos elementos
linguístico-textuais, contextuais, auditório social, finalidades discursivas, estilos, etc. que fazem
parte dos gêneros da esfera publicitária,pois interagir pela linguagem significa realizar uma
atividade discursiva que consiste em dizer algo a alguém, de alguma forma, em determinados
contextos e situações de interlocução.

Assim, quando o sujeito-enunciador escolhe as palavras, imagens, o suporte, o gênero


em que estará organizado o seu discurso, ele o faz a partir de suas finalidades e intenções. Em
consequência, existe a veiculação de ideologias, apreciações valorativas e axiológicas presentes
no ato da enunciação. Vejamos o cartaz a seguir:

Figura 22 - Cartaz Cerveja Devassa

Fonte:http://www.correiodeuberlandia.com.br/renataweb/2011/03/02/sandy-a-garota-da-devassa/.
Acessado em 20/04/2014.

Para construir sentido na propaganda da figura 22, o interlocutor necessita ativar


alguns conhecimentos prévios, como: saber que a cantora Sandy sempre teve veiculada uma
imagem de mocinha ingênua, pura, exemplo de boa moça. Dessa forma, temos uma quebra de
expectativa em que ninguém espera que a imagem de Sandy estivesse ligada a um produto de
teor alcoólico, no caso a cerveja, e relacionado a um nome sugestivo como “Devassa”. Nesse
sentido, podemos dizer que a intenção do propagandista foi, dessa forma, causar impacto na
107

recepção da propaganda, pois essa é uma das estratégias da linguagem publicitária para chamar
atenção ao produto a ser divulgado.
Além disso, temos o slogan da cerveja apresentado no cartaz: “Todo mundo tem um
lado Devassa”, em que se faz um jogo linguístico com os sentidos do léxico “Devassa”, que ao
mesmo tempo que faz alusão ao nome da cerveja também refere-se ao sentido de alguém
libertino, vulgar, sensual, etc. É do conhecimento de algumas pessoas, através de declarações
da cantora na mídia, de sua insatisfação da imagem de menina perfeita, boazinha, construída na
sociedade. Na referida propaganda, é construída uma imagem da Sandy totalmente contrária ao
que possuía no imaginário popular. Temos, então, não mais uma menina ingênua, e sim, uma
mulher sensual usando vestido decotado, unhas vermelhas, maquiagem bem marcada, com
expressão sexy e, além de tudo, com um copo de cerveja na mão.
Essa representação de uma nova Sandy dialoga com o slogan do produto, que transmite
a ideia de que todo mundo, até aquelas com imagem de “boa moça”, tem um lado sensual,
libidinoso, devasso. Quando se utiliza a expressão “Todo mundo” esse é mais um dos recursos
dos publicitários para envolver todos os interlocutores e sentirem-se participantes do anúncio.
Espera-se que o leitor, através do conteúdo linguístico e de seus conhecimentos de mundo,
interacionais e linguísticos; consiga inferir os seguintes sentidos para o texto publicitário:
a) Todo mundo toma a cerveja devassa
b) Todos têm um lado libertino, até mesmo as que têm imagens de “santinhas”
c) Ao tomar a cerveja, você libera o seu lado devasso.
O leitor precisa inferir a partir do conhecimento enciclopédico para entender os
implícitos da propaganda, pois nem tudo está dito explicitamente pelo enunciador. Assim,
percebemos que a metáfora visual construída no cartaz é uma das estratégias utilizadas pelo
propagandista com o intuito de divulgar o produto, convencer o público consumidor de forma
criativa e argumentativa.

3.3As Funções Sociais do Cartaz na Esfera Publicitária: um discurso sedutor

Os valores da sociedade atual constituem um reflexo do sistema econômico capitalista,


o que implica defini-la como uma sociedade de consumo. E, os meios de comunicação em
massa (cartaz, TV, internet, rádio, cinema, etc.) têm papel preponderante nas mudanças
culturais ocorridas ao longo do tempo, modelando os discursos ideológicos, comportamentos,
valores de uma comunidade. O cartaz, pela sua repetição em inúmeras cópias, postas em
diferentes ambientes, se decalca num contínuo na mente dos sujeitos, o que o torna um elemento
108

de cultura, ou seja, deparamo-nos com valores sociais consolidados historicamente sendo


refletidos nos cartazes.

Definimos o cartaz como um gênero, partindo da observação de que ele se configura


como “enunciados relativamente estáveis” (BAKHTIN, 2011[1979]: 262), ou seja, circulam na
sociedade fazendo-se perceber pela atuação prática e social dos usos desses textos, estes sendo
ideologicamente marcados representando as experiências dos interagentes, e,por conseguinte,
organizam as formas composicionais, estilísticas e temáticas dentro de determinada esfera da
atividade humana, voltados para a realização de propósitos discursivos elaborados.

Seguindo a concepção bakhtiniana, os gêneros do discurso estão inseridos num campo


da atividade humana refletindo as condições específicas e as finalidades discursivas da esfera a
que pertencem. Ao avistarmos um cartaz, por exemplo, não temos nenhuma dificuldade em
defini-lo como tal, uma vez que temos compartilhado socialmente o conhecimento de que esse
gênero pertence à esfera publicitária, formado por recursos verbo-visuais, impressos num
suporte, geralmente em papel, fixados em paredes, madeiras, chapas, etc., expostos em lugares
públicos de intensa movimentação de pessoas; com o objetivo de gerar uma predisposição para
compra ou utilização de um serviço, criar uma imagem positiva de um produto ou de uma
empresa/instituição, convencer para adesão de uma ideia, ou hábito, etc.

Diante do exposto, percebemos que os cartazes são produtos da congregação de


múltiplos fatores, entre eles os aspectos sociais, culturais, econômicos e psicológicos para os
quais os objetivos estão claramente voltados. Por conseguinte, o gênero em questão pode ser
percebido enquanto entidade sócio-discursiva e forma de ação social.

Sabemos que um dos objetivos dos gêneros pertencentes à atividade publicitária é a


ação de persuadir16 o seu interlocutor. No entanto, essa finalidade comunicativa não é exclusiva
dessa esfera, pois encontramos outros gêneros de outros campos da atividade humana
explorando a persuasão como sendo uma das finalidades do discurso. Por exemplo, observamos
na esfera jornalística, numa análise mais minuciosa, que a divulgação de uma notícia pode estar

16
Perelman e Olbrechts-Tyteca (2005) diferenciam o ato de persuadir e o ato de convencer. Persuasão diz respeito
à intensão de atingir um público determinado através de argumentos plausíveis que envolvam a vontade e os
sentimentos dos interactantes. Nesse sentido, a persuasão tem caráterideológico, subjetivo e temporal.
Diferentemente, o convencimento rege-se de provas objetivas e de um raciocínio lógico na construção dos
argumentos, de forma a atingir um auditório universal.
109

organizada de forma a persuadir o leitor a aderir às ideias ali veiculadas, mesmo o gênero
discursivo tendo como principal objetivo social o de informar.

Nesse sentido, poderíamos dizer que o ato de persuadir constitui-se como propósito
próprio (e não exclusivo) da esfera publicitária reconhecida socialmente, mas não o é de outras
esferas. Dessa forma acreditamos que estamos falando não apenas de um único e pré-
determinado propósito discursivo, mas de um conjunto de propósitos realizados por cada gênero
dentro da esfera social, mesmo que nem todos sejam facilmente identificados numa análise
superficial do gênero.

Se admitimos que num gênero existem vários níveis de propósito, isso nos permite
referir-se a eles na forma plural da palavra – propósitos discursivos. De acordo com Rodrigues
(2005), os “propósitos discursivos” não são indiferentes às características particulares da esfera
a que pertencem, mas por outro lado, as evidenciam. Isso significa dizer que as finalidades
discursivas de uma esfera são consideradas importantes na orientação quanto ao tipo de
abordagem dada ao tema, às escolhas dos recursos pictórico-verbais utilizados e à construção
composicional no gênero.

Bakhtin (2011[1979]), ainda ressalta que o endereçamento, ou seja, o direcionamento


da mensagem a alguém é traço constitutivo do enunciado pleno. E, no caso do cartaz, o autor-
contemplador é elemento de maior importância na constituição desse gênero, uma vez que as
categorias estilísticas, conteúdo temático e forma composicional são orientados para atender a
audiência social dos cartazes. Como enuncia Bakhtin,

Quanto melhor dominamos os gêneros tanto mais livremente os empregamos,


tanto mais plena e nitidamente descobrimos neles a nossa individualidade
(onde isso é possível e necessário), refletimos de modo mais flexível e sutil a
situação singular da comunicação; em suma, realizamos de modo mais
acabado o nosso livre projeto de discurso (BAKHTIN, 2011[1979]: 285).

Dessa forma, o projeto de discurso de um gênero é compartilhado pela comunidade


discursiva17. Na interação com os gêneros, o leitor constrói significações do mundo, levando-
se em consideração os discursos ideológicos presentes nos enunciados, na maioria das vezes

17Entendemos Comunidade Discursiva como sendo um grupo de indivíduos que a sua disponibilidade uma série
de gêneros apropriados ao seu uso típico, de forma que possam servir aos objetivos daquela comunidade. “O uso
recorrente de tais formas discursivas cria solidariedade entre os membros, conferindo-lhes sua arma mais poderosa
para manter os estranhos à comunidade a uma distância segura” (BATHIA, 2009).
110

inseridos implicitamente, e nos discursos sociais construídos sócio-historicamente. O discurso


publicitário, ao mesmo tempo em que tem o poder de influenciar o seu auditório social, também
sofre influências do contexto social do qual faz parte. Em outras palavras, as posições
axiológicas perpassadas pelo objeto do discurso são tanto reflexos dos valores sociais dos
autores-criadores, como também são refrações da apreciação valorativa de determinado
conteúdo pela sociedade.

Os cartazes desempenham um papel significativo de valor social nas mais diversas


situações e contextos sociais. Mais do que vender uma ideia ou produto, eles refletem a
realidade social e cultural de determinado momento histórico. Normalmente, os cartazes são
produzidos com as finalidades de informar, orientar e educar (SEPAC: 2008). Esta última, diz
respeito à promoção de virtudes de solidariedade social ou a adoção de novos hábitos por parte
dos indivíduos (CARVALHO, 2008).

As finalidades discursivas do gênero cartaz também se alteraram em diferentes


contextos históricos. Inicialmente, com a litografia e, dessa forma, com a inclusão de cores nos
cartazes, estes tinham como fim maior a produção artístico-decorativa, de forma a compartilhar
na mesma folha o texto e a imagem. Com o período das guerras mundiais, e dos movimentos
sociais e políticos, os cartazes tinham como objetivo primordial divulgar, informar, motivar e
denunciar sobre os fatos relacionados aos conflitos internacionais e nacionais, além de propagar
ideologias políticas de partidos governistas. Depois, com as inovações tecnológicas, além dos
propósitos discursivos já citados, os cartazes apresentaram-se como um divulgador de culturas
e de serviços públicos.

A importância do cartaz na divulgação de informações reside por ser umdos meios de


publicidade utilizados ao ar livre, ou seja, afixado em via pública, possibilitando atingir um
grande número de pessoas indistintamente, isto é, independente da classe social, sexo, idade,
etc., pois geralmente ficam visíveis em locais públicos onde existe uma grande movimentação
de indivíduos – rodoviárias, pontos de ônibus, hospitais, universidades, etc.Segundo
Sant’Anna, as principais características da publicidade ao ar livre são as seguintes:

a) Maleabilidade – pode ser usada numa extensa região, numa cidade


ou apenas num bairro.
b) Oportunidade – pode ser usada nos momentos mais precisos e ter a
mensagem substituída logo que necessário.
111

c) Ação rápida e constante – nas ruas está sempre passando gente.


Assim, a ação do cartaz é constante.
d) Impacto – impressiona geralmente pelo tamanho e pela cor viva ou
em contrataste com a do local onde está colocado.
e) Memorização – como, em geral, passamos diariamente diante de
vários exemplares do mesmo cartaz, a coisa anunciada tende a fiar-se
na mente pela repetição.
f) Simplicidade – porque é uma mensagem concisa e breve, é
facilmente compreendida. (SANT’ANNA, 2006: 236).

Essas são algumas características que contribuem para que o cartaz, enquanto gênero
discursivo de uma prática social, esteja permeado de estratégias persuasivas. Mesmo que
caracterizada por uma interação comunicativa mediada, os elementos composicionais do
enunciado estão interligados com o intuito de convencer o leitor-consumidor a adquirir um
produto, uma ideia ou adotar um comportamento. Nesse sentido, imagem e verbo dialogam
entre si, discursam com outros textos e com os interlocutores numa situação concreta de uso do
gênero, suscitando uma atitude responsiva do auditório social.

Disso decorre que a produção de cartazes para determinados fins, envolve diferentes
etapas. Uma instituição que deseja motivar mudanças de comportamento da população, como
por exemplo, informar sobre a importância do uso do capacete no trânsito, o primeiro passo é
entrar em contato com os profissionais da área da publicidade através das agências de
propaganda, setor de comunicação do órgão, etc.. Vejamos o cartaz a seguir:

FIGURA 23 - Cartaz da PARADA 2013

Fonte: Cartaz da Campanha para Motociclistas 2013. Disponível:


<http://www.paradapelavida.com.br/campanhas/campanha-motociclista-2013/>. Acessado em 26 abr. 2014.
112

Essa campanha do Pacto Nacional pela Redução de Acidentes (PARADA) foi


motivada pelo crescente número de acidentes entre os motociclistas, “chegando a representar
nos dias de hoje um terço das mortes no trânsito” (PARADA, 2013). Quanto ao contexto social,
constatamos que, nos últimos anos, houve uma explosão de vendas de motocicletas por todo o
país, sendo um dos fatores favoráveis para isso, o aumento do poder aquisitivo da população,
como também a redução de impostos e facilidade de obtenção de crédito, formas de pagamento,
etc. Diante dessa realidade, cresceu, vertiginosamente, a taxa de mortalidade no trânsito
brasileiro, ocorrida por esse meio de transporte que além de não oferecer nenhuma segurança
ao seu usuário, este último ainda ignora as regras estabelecidas pelo Código de Trânsito
Brasileiro (CTB), de forma a colocar sua vida e a dos outros em risco.

Com base no problema apresentado, inicia-se o processo de pesquisa pela equipe


publicitária e, depois das análises dos dados, apresentam-se propostas para um plano de
campanha, incluindo a construção da peça publicitária e as formas de divulgação do produto
final.

Depois da orientação do cliente sobre os propósitos comunicativos que se deseja


alcançar com as peças publicitárias, os cartazistas passam a estudar, minuciosamente, os
diversos aspectos que lhe permitem obter conhecimentos importantes sobre as características
do público-alvo, ou seja, uma pesquisa para obter dados do perfil dos indivíduos que resistem
ao uso do equipamento de segurança, através de informações de instituições que apresentam
dados sobre número de multas pela falta do capacete, acidentados que não usavam o
equipamento, etc.Como esclarece Moles,

o consumidor-tipo ao qual se referirá o publicitário, será um ser fictício, mas


altamente verossímil, algumas de cujas características, poder aquisitivo,
idade, etc., são determinadas por uma média ponderada das diversas classes
de indivíduos, e as outras, a maior parte das características psicológicas, são
determinadas pelo seu modo ser mais provável (MOLES, 1974: 112).

Logo após identificar a audiência social, conhecendo suas características


psicofisiológicas, a equipe publicitária planejará como será organizada a mensagem de forma
atrativa e convincente para, em seguida, os cartazes serem distribuídos em locais estratégicos
onde há maior fluxo de motoqueiros, no caso exemplificado.
113

Além de caracterizar o grupo de autores-contempladores, também é de suma


importância determinar quem fala no enunciado no processo de interação verbal. Estabelecer
quem será o enunciador, de qual posição social ele se expressará (se exercendo o papel de
governo, de determinados profissionais – médicos, mototaxistas, etc.; ou de diferentes grupos
sociais – crianças, mulheres, jovens, etc.) é o que definirá a forma de relação que será construída
no discurso – nível de intimidade, a escolha lexical, de imagens, que tipo de apreciação
valorativa será usadono tratamento do conteúdo temático, qual estilo a ser utilizado - quais
ilustrações serão visualizados, cores, slogan, layout, material linguístico, suporte, entre outros
- ou seja, quais estratégias persuasivas serão utilizadas para se conseguir atingir o público
destinatário.

Na construção de uma campanha publicitária estão envolvidos diferentes profissionais


tais como: designer visual, redator, fotógrafo, editor de imagens, tipógrafos, etc.. Não são todas
as peças publicitárias que exigem todos esses especialistas e nem todos fazem parte do corpo
funcional de algumas agências de propaganda. Ressaltamos que, muitas vezes, uma só pessoa
desempenha várias atividades na área e que alguns funcionários não têm formação específica
na função que exerce na empresa, mas adquiriram conhecimentos na prática e nos usos dos
gêneros pertencentes ao campo publicitário. Assim, os autores-criadores dos cartazes,
geralmente, são enunciadores coletivos formados pelos artistas de criação e a
empresa/instituição que contrata o serviço.

No cartaz retratado pela figura 23, a voz social que se sobressai no texto é o da
instituição governamental, o qual traz sua assinatura na campanha representada pelos logotipos
do Governo Federal, Ministério das Cidades, DENATRAN, PARADA. Além do material
visual, identificamos, também, pelo material linguístico: “Custo para sua vida: incalculável”. O
pronome “sua” pressupõe que a mensagem está sendo direcionada a alguém de forma a denotar
proximidade, construindo a ideia de que a vida dos usuários de motocicletas é valiosa para os
órgãos públicos. Além disso, observamos que a imagem transmite a informação da importância
do uso do capacete ilustrado pela foto do objeto e pelo conteúdo verbal em que apresenta o
valor do equipamento de segurança. O tom dado ao tema é de clima de medo frente a uma
situação de acidente fatal no trânsito.

Ao final de toda campanha de propaganda, serão avaliados se os propósitos


comunicativos definidos no início da ação publicitária foram alcançados. Uma das formas de
averiguar tal informação é através das análises dos dados sobre o número de mortes ocorridas
por motocicletas durante e após a circulação dos gêneros discursivos veiculados (se aumentou,
114

estabilizou ou diminuiu), como também pode ser feita uma pesquisa de amostragem entre os
autores-contempladores sobre as reações diante do texto divulgado.

O gênero discursivo cartaz desempenha um papel de fundamental importância no meio


da sociedade, uma vez que os objetos do discurso estão endereçados ao público em geral. Além
disso, é um texto que faz parte de nosso cotidiano, impregnado de discursos que refletem o dia-
a-dia das pessoas, seus temores e anseios mais íntimos dos indivíduos.

Numa situação de interação concreta com os autores-contempladores baseada no


dialogismo, ou seja, nos movimentos do ato de dizer e de responder entre os interlocutores
através do gênero e na inter-relação entre o gênero com outros gêneros, é que são construídas
significações acerca das realidades do mundo em que vivemos, confirmamos ou refutamos
valores e estilos de vida, buscamos compreender o nosso lugar na comunidade, etc.

A força de sedução do cartaz se expressa pela sua linguagem multimodal, ou seja, na


metáfora visual constituída a partir do contexto cultural, que dialoga com os valores, ideais,
sonhos dos leitores e, dessa forma, utilizam-se do poder da imagem icônica com o objetivo de
persuadir o seu interlocutor e veicular ideologias. Na próxima seção, abordaremos como se
organiza os elementos verbo-visuais nos cartazes com o fim de provocar uma ação social.

3.4O Papel da Retórica Visual na Constituição do Tema no Gênero

Em princípio, identificamos que uma das finalidades dos cartazes é levar uma
mensagem ao seu leitor através de uma variedade de mecanismos linguísticos e não-linguísticos
com o intuito de persuadi-lo a executar determinada ação no mundo. O cartaz tornou-se um
instrumento social que serve, principalmente, para auxiliar na divulgação de uma ideia/produto
alcançando um grande número de pessoas devido a sua linguagem próxima do cotidiano dos
interlocutores e das estratégias visuais utilizadas a partir das realidades dos autores-
contempladores.

Partindo das ideias acima, veremos, a seguir, como se intercomunicam os elementos


verbais e pictóricos no gênero cartaz, compondo a estratégia argumentativa de persuasão junto
aos interlocutores. Nosso objetivo é analisar os elementos que constituem os cartazes, tais
como: slogan, layout, recursos léxico-gramaticais, imagens, cor, mostrando que a imbricação
115

desses materiais no gênero produzem significações em determinados contextos,


potencializando o poder do discurso ideológico veiculado.

Na tela do computador, o designer tem a possibilidade de manipular, organizar e


reorganizar as imagens inseridas no cartaz, conforme suas intenções e do seu projeto discursivo.
Podemos dizer que

os recursos estilísticos que a mensagem publicitária adota correspondem em


geral à retórica, tipo de discurso voltado para examinar, descrever, perceber e
avaliar atos e eventos que venham a influenciar percepções, sentimentos,
atitudes e ações, com palavras empregadas de forma diferente do uso comum,
literal. Usar os recursos retóricos é usar a comunicação para definir a realidade
do modo como se deseja que ela seja vista (ALVES; FONTOURA;
ANTONIUTTI, 2008: 143-144).

Quando ouvimos a palavra “retórica”, lembra-nos das ideias esboçadas no livro a “Arte
Retórica” de Aristóteles, o qual apresenta três gêneros retóricos: deliberativo – que serve para
aconselhar/desaconselhar, referindo-se a um tempo futuro; o judiciário - que tem a função de
acusar ou defender, refletindo-se sobre o passado; e o epidíctico – que agrega um caráter de
elogio ou censura, situando-se no presente. Nesse livro, o filósofo realizou um estudo dos
processos de eloquência, gênero literário mais florescente em Atenas no séc. IV a. C.,
concernente à arte de bem falar. No entanto, não lhe interessava construir um manual para a
prática da oratória, mas distinguir o que é suscetível de persuasão em cada gênero.

Como observamos, a Retórica Clássica na visão aristotélica faz referências às técnicas


de persuasão pelo discurso. Para que o locutor logre êxito na sua elocução diante de uma plateia
é necessário que ele conheça bem os anseios desses indivíduos, como também deve-se levar em
consideração o contexto sociocultural da comunidade. Dessa forma, o enunciador empregará as
estratégias argumentativas adequadas para que consiga persuadir os seus interlocutores. Assim,
reafirmamos que o enunciado cumpre determinados propósitos em determinada situação social,
não podendo limitar-se tão somente ao seu artefato linguístico.

Atualmente, fazemos parte de uma nova conjuntura em que as atividades


comunicativas são estabelecidas de diferentes formas e meios. Com a variedade de meios de
comunicação disponível e dispostos para nossa visualização, identificamos mudanças refletidas
nas construções dos discursos. Como salienta Moles,
116

a retórica, inicialmente arte depois ciência de convencer, de argumentar, de


seduzir, se impõe no momento em que novos meios de comunicação de massa
atribuem uma importância determinante à rentabilidade da comunicação
(MOLES, 1974: 210).

Em outras palavras, saímos de um cenário aristotélico em que a retórica referia-se a


tão somente a arte do bem falar em que está associado somente ao discurso oral, ou seja,
buscavam convencer o público através de palavras eloquentes, formas de entonações,
rebuscamentos na construção sintática dos enunciados, na elaboração lógica das ideias, etc.; e
chegamos num contexto em que os meios midiáticos exploram demasiadamente o sentido da
visão.

Partindo desse pressuposto, Moles (1974) faz referência a uma “Retórica Visual”, que,
de acordo com os meios de comunicação empregados, pode ser dividida em retórica oral, ligada
ao discurso, tanto na forma oral ou escrito; e retórica visual, referindo-se ao conteúdo
imagético. O autor ainda ressalta que o jogo retórico se estabelece na competitividade
discursivo-ideológica entre o emissor da mensagem, que ao dizer alguma coisa o faz através de
estratégias para convencer o receptor, enquanto este tem a liberdade de não se deixar seduzir
pela mensagem, resistindo às suas influências persuasivas.

A essência da figura retórica está intrinsicamente ligada ao desvio do uso normal do


discurso com vistas a um fim (MOLES, 1974). Isso significa dizer que a originalidade e a
criatividade na expressão da mensagem a ser divulgada configura-se num dos fatores
imprescindíveis para apresentação de argumentos. A intenção inicial do cartaz é chamar a
atenção do sujeito, tornar-se percebido pelas pessoas, depois reter a atenção do leitor pelo tempo
suficiente para que ele consiga interagir com o texto. Nessas condições de interação é que o
cartaz se constitui essencialmente de imagens que evocam significações no mundo real, de
forma atrativa, e que são reforçadas pelo conteúdo linguístico que direcionam para uma
interpretação possível sobre o qual se dá o impacto da mensagem.

É de responsabilidade do designer gráfico a escolha dos argumentos sobre os quais irá


construir o tema de seu cartaz. Conforme Moles (1974: 216), “o cartazista escolhe – muitas
vezes intuitivamente – um ou alguns processos retóricos quaisquer entre os que a linguagem
gráfica lhe fornece em sedutoras ilustrações”. Segundo Sant’Anna (2006: 181), a ilustração é a
117

forma como a mensagem será expressa tendo como fim, dentre outros, “demonstrar ou reforçar
afirmações no texto”.

A disposição dos elementos verbo-visuais que compõem o texto, buscando uma


harmonia discursiva entre eles é o que definimos de layout, ou seja, “o modo pelo qual se arranja
os textos e as ilustrações na página” (SANT’ANNA, 2006: 173). Considera-se um bom layout
aquele que consegue atrair a atenção do leitor, ao mesmo tempo, que transmite a mensagem do
texto. Nos cartazes, observamos, ainda, que não se apresenta explicitamente separadas o
discurso do enunciador e o dos “outros”, ou seja, não está claramente delimitada a voz do autor-
criador e outras vozes sociais veladas nos discursos indiretos, paródia, metáforas, formas
intertextuais, etc.. Para percebermos a existência desses “outros” é necessário analisar as
escolhas verbo-visuais que dialogam com as ideologias da sociedade.

Com relação à visualização do cartaz, Sant’Anna (2006) esclarece que o leitor,


consciente ou inconsciente, inicia a visualização de um cartaz a partir do alto da página à
esquerda e termina do lado direito e no nível inferior.

FIGURA 24: Diagonal de Leitura

Fonte: Ilustração da autora

Na área que está fora do campo de visão do leitor, a solução para o designer gráfico
tornar esse campo mais atrativo é utilizar recursos imagéticos, tais como fotos, desenhos,
quadros, letras grandes, etc.. Atrair e guiar a forma adequada de como deve ser lido um texto é
118

função primordial do layout. Outras finalidades básicas do layout estão entre “tornar mais
compreensivo, mais sugestivo, o teor da mensagem, criando um clima afetivo-estético no
espírito do leitor, capaz de torná-los mais receptivo à mensagem” (SANT’ANNA, 2006: 176).
Para o autor,

o texto de um cartaz deve ser essencialmente afirmação, enunciado por meio


de uma frase exclamativa ou imperativa. Quanto mais o raciocínio imposto
aos transeuntes se revestir de uma forma indiscutível, quanto mais ele for
expresso por palavras que constituam uma imagem ou por palavras ligadas à
imagem, sugerida pela ilustração, tanto melhor será o cartaz (SANT’ANNA,
2006: 239).

Outro elemento que merece destaque na composição do cartaz é a cor. A cor na


publicidade tem “ação estimulante sobre os indivíduos e eficiência em reter a sua atenção”
(SANT’ANNA, 2006: 181). Assim, as cores, usadas de forma harmoniosa na peça publicitária,
tornam-na mais bela e agradável, dando prestígio à coisa anunciada.

Além das cores apresentarem-se como signos ideológicos, elas despertam sentimentos
e sensações. Por exemplo, o vermelho traduz paixão e entusiasmo ou simboliza guerra ou
perigo; o azul é frio e calmante, passa a impressão de céu e espaço aberto. Os cartazes como
publicidade ao ar livre são percebidos nas vias públicas pelo seu tamanho, cores, imagens que
“exercem impacto sobre o público e pela repetida exibição conseguem influir, fixar uma
mensagem breve e veicular uma impressão” (SANT’ANNA, 2006: 235).

Aliando-se ao layout, às cores, às imagens para compor a retórica visual dos cartazes,
temos, ainda o slogan. Este último se apresenta como sendo uma sentença ou máxima que
expressa uma qualidade, uma vantagem do produto, ou uma norma de ação do anunciante ou
do produto para servir de guia ao consumidor (SANT’ANNA, 2006). A frase deve ser curta (de
4 a 6 palavras, mais ou menos), simples, concisa, clara, expressiva, com força sugestiva, além
de sintetizar a ideia do discurso.

Figueiredo (2006) distingue três gerações do slogan: a primeira geração foi


caracterizada pela reprodução do grito de guerra dos líderes políticos e adaptadas para venda
de produtos, utilizando uma linguagem imperativa em que o enunciador adota uma posição
paternalista que ensina como o interlocutor deve se comportar, vestir, que produtos e serviços
usar. Na segunda geração, o slogan teve como função principal criar uma identidade ao
119

produto/marca, ou seja, é a versão textual equivalente à imagem do logotipo. Seria a forma de


apresentar a personalidade da empresa/instituição, sua visão de mundo, seus valores. E,
finalmente, na terceira geração o foco do slogan é integrar-se no cotidiano do público
consumidor, tornando o produto único aos olhos do leitor. Nesse tipo de slogan, evidenciam-se
pontos de vista, maneira de pensar, agir e reagir diante dos estímulos do dia-a-dia do público-
alvo.

Em relação à terceira fase do slogan, Figueiredo (2006) exemplifica através do slogan


da marca OMO: “Porque se sujar faz bem”. Observamos que o lema agora tem uma abordagem
muito mais maternal e humana deixando em segundo plano a eficiência do produto. Aqui, a
mãe demonstra estar muito mais preocupada com o desenvolvimento saudável dos filhos,
compreendendo que a brincadeira faz parte do crescimento sociocognitivo das crianças, em
detrimento de procurar ser a dona de casa preocupada com a eficiência de limpeza do produto.

O slogan sozinho não consegue construir a personalidade do produto/serviço, pois no


seu processo de desenvolvimento ele perde o caráter repetitivo do grito de guerra, necessitando
ser subsidiado pelas imagens que compõem os cartazes.

Na construção de uma mensagem persuasiva, a escolha lexical é de extrema relevância


na identificação da posição ideológica adotada pela peça publicitária. A opção por esta ou
aquela palavra não acontece de forma arbitrária, mas sim consciente dos valores e apreciações
valorativas veiculadas pelas palavras. Percebemos a preferência por léxicos que fazem parte do
repertório cultural da audiência social com o intuito de criar uma relação de intimidade com o
interlocutor.

Outras estratégias textuais utilizadas para seduzir o leitor são o uso de figuras de
linguagem, da função conativa e estética da linguagem, construção de frases afirmativas e
imperativas, ligação das palavras no nível sintático-semântico e inter-relacionadas com o
conteúdo pictórico, entre outros.

O uso retórico da linguagem verbo-visual no âmbito da esfera publicitária tem como


principal objetivo chamar a atenção do interlocutor para a leitura do texto em exposição. A
interação entre o autor-contemplador e o enunciador através dos textos multimodais, é orientada
para a produção de sentidos que são historicamente construídos a partir do contexto
sociocultural em que se encontram imersos e dos seus conhecimentos de mundo, linguísticos e
de gêneros. É na observação desse movimento dialógico que o autor-criador organiza o seu
120

discurso através das mais diversas estratégias persuasivas com a finalidade de influenciar o seu
auditório social.
121

CAPÍTULO IV

A AIDS NO PERÍODO DO CARNAVAL: ANÁLISE DOS CARTAZES DAS


CAMPANHAS PUBLICITÁRIAS DO MINISTÉRIO DA SAÚDE

No Brasil, no início do século XX, os órgãos governamentais em consonância com os


profissionais de saúde procuraram, através de campanhas publicitárias, implementar ações
educativas na expectativa de controlar o aumento de novas infecções do vírus HIV 18 entre a
população brasileira. O desenvolvimento de novas tecnologias na área da comunicação e o
extraordinário poder que as mídias detêm para atingir as pessoas, criaram-se inúmeras
possibilidades de interação entre os atores da enunciação no palco da vida.

Vivemos em uma sociedade dinâmica que diariamente consome milhares de


informações a cada minuto. Grande parte dessa mídia veiculada provém da esfera publicitária
que nos sugere novas ideologias por meio da mídia pictórico-linguística, utilizando-se das mais
diversas estratégias persuasivas na tentativa de seduzir o autor-contemplador. Apesar das
diversas campanhas publicitárias divulgadas pelo Ministério da Saúde (MS), orientadas para
alertar a população sobre a necessidade de prevenir o contágio do vírus HIV/AIDS19, os dados
epidemiológicos, anualmente, apresentam um crescente número de pessoas que adquirem a
doença.

18
HumanImmunodeficiencyVirus (HIV), em inglês, o que significa Vírus da Imunodeficiência Humana. Segundo
o Departamento de DST/AIDS, o “HIV é um retrovírus, classificado na subfamília dos Lentiviridae. Esses vírus
compartilham algumas propriedades comuns: período de incubação prolongado antes do surgimento dos sintomas
da doença, infecção das células do sangue e do sistema nervoso e supressão do sistema imune. Causador da aids,
ataca o sistema imunológico, responsável por defender o organismo de doenças. As células mais atingidas são os
linfócitos T CD4+. E é alterando o DNA dessa célula que o HIV faz cópias de si mesmo. Depois de se multiplicar,
rompe os linfócitos em busca de outros para continuar a infecção”. Disponível em: <http://www.aids.gov.br/>.
Acessado em 21 maio 2014.
19AcquireImmunodeficienceSyndrome (AIDS) que, em português, significa Síndrome de Imunodeficiência

Adquirida (SIDA). O Ministério da Saúde informa que aaids é o estágio mais avançado da doença que ataca o
sistema imunológico.Comoo vírus HIV ataca as células de defesa do nosso corpo, o organismo fica mais vulnerável
a diversas doenças, de um simples resfriado a infecções mais graves como tuberculose ou câncer. Disponível em:
<http://www.aids.gov.br/>. Acessado em 21 maio 2014.
122

A disseminação da AIDS está diretamente ligada aos hábitos e comportamentos de


risco dos indivíduos. Assim, algumas intervenções na área da saúde passam a ser,
essencialmente, ações de comunicação, as quais utilizam, quase sempre, a produção e
veiculação de cartazes, folders, cartilhas, filmes publicitários, entre outros. No presente
trabalho, nosso objeto de pesquisa é constituído pelos cartazes de prevenção à AIDS veiculadas
no período do carnaval pelo Ministério da Saúde (MS), a partir do ano de 1999 até 2013,
perfazendo um total de 15 (quinze) campanhas publicitárias e 21 cartazes que foram coletados
a partir do site do Departamento DST/AIDS do Ministério da Saúde (MS) (www.aids.gov.br).
Este capítulo destina-se a analisar o corpus em estudo, tendo como parâmetro as contribuições
teórico-metodológicas do Círculo de Bakhtin referente às categorias contextuais, temáticas e de
leitor presumido.

4.1 AIDS em Foco: a construção contextual do vírus HIV no Brasil

Discutimos no segundo capítulo deste trabalho que os enunciados plenos são


construídos a partir de uma situação interacional concreta de uso dos discursos (orais ou
visuais), em que o processo de construção de sentidos dos textos baseia-se na inter-relação do
material verbo-visual com a compreensão do material extralinguístico, isto é, os sentidos dos
textos estão diretamente vinculados aos contextos que o emolduram. Segundo Bakhtin
(1976[1926]), para analisarmos com profundidade os gêneros discursivos, devemos considerar
três dimensões contextuais imprescindíveis ao estudo: o contexto cultural (conhecimentos,
valores, ideologias compartilhadas pelos interlocutores); o contexto situacional (os elementos
visíveis que constroem a cena da enunciação) e o contexto de gêneros (avaliação comum da
situação pelos atores sociais).

Diante do exposto, cada um dos supracitados contextos será, por nós, analisado de
maneira a orientar e validar os resultados a serem obtidos nesta pesquisa, que tem como objetivo
principal discutir como o governo, representado pelo órgão federal do Ministério da Saúde, tem
se referido à doença AIDS de forma a constituir determinados sentidos ao tema dentro da
sociedade, bem como, a forma que constrói a imagem dos autores-contempladores nos cartazes
das campanhas publicitárias divulgadas no período do carnaval de 1999 a 2013. Em outras
palavras, propomo-nos a investigar os tipos de discursos ideológicos que estão sendo veiculados
pela peça publicitária em relação ao conteúdo temático e ao leitor presumido das campanhas.
123

Assim sendo, partimos, inicialmente, para uma contextualização da introdução do


vírus HIV no Brasil desde a década de 80, época em que foi registrado o primeiro caso de AIDS
no país, fazendo um rápido percurso histórico da doença através dos discursos da mídia
impressa até os dias atuais. Em seguida, abordaremos as situações que motivaram a definição
de estratégias discursivo-ideológicas adotadas pelos cartazes desde o ano de 1999 a 2013,
orientadas para determinado grupo social, conforme documentos oficiais, dentre eles, o Boletim
Epidemiológico20, informativos da doença no portal da saúde (www.aids.gov.br), portarias, etc.

E, enfim, após o levantamento de dados concernentes à recorrência de símbolos


imagéticos, expressões nominais e verbais, ou seja, a frequência do uso de certos recursos
verbo-visuais presentes na cena da interlocução, relacionada aos contextos de cultura e de
situação levantados, buscaremos identificar se existe ou não proximidade nos discursos
apresentados pelo governo através de documentos oficiais e aqueles perpassados pelos cartazes,
de forma explícita ou implícita.

4.1.1 AIDS Anunciada: os vários discursos sociais

Inicialmente, faremos uma rápida síntese da história da AIDS no Brasil a partir da


década de 80 até os dias atuais. Buscamos com esse percurso histórico apresentar os principais
acontecimentos ocorridos no país em relação à temática da AIDS, de forma a observarmos a
construção dos diferentes discursos das diversas esferas sociais sobre a doença provocada pelo
vírus HIV, com o intuito de montar um panorama discursivo da AIDS no Brasil. Pretendemos,
além disso, identificar o sentido produzido pela imprensa pública, a quem ela dá voz e a quem
ela silencia, como meios estratégicos de comunicação no campo da saúde.

O aparecimento da AIDS no cenário mundial, no período dos anos 80, trouxe uma
nova preocupação para diferentes grupos sociais (médicos, cientistas, jornalistas, governos,
etc.). Os meios de comunicação divulgam sobre a epidemia de uma nova doença causada por
um vírus que ataca o sistema imunológico humano, levando o indivíduo infectado à morte em
pouco tempo. A informação sobre a doença espalhou-se na mídia internacional e os discursos

20Caderno que o Ministério da Saúde anualmente divulga contendo informações sobre a ocorrência de Doenças
Sexualmente Transmissíveis (DST) e HIV/AIDS no Brasil. Os dados dos sistemas de informação e as pesquisas
realizadas permitem a compreensão do cenário epidemiológico e dos fatores determinantes dessas infecções na
população brasileira.
124

veiculados pelos meios de comunicação possuíam um caráter preconceituoso e sem muita


explicação técnica. O jornal TheNew York Times, publica em 3 de julho de 1981 uma
reportagem intitulada “Câncer raro encontrado em 41 homossexuais”21 (tradução nossa) que
divulga o descobrimento, pelos médicos, de uma forma rara e fatal de câncer (chamado de
Sarcoma de Kaposi22) que provoca a morte de homossexuais em menos de 24 meses após o
diagnóstico. A notícia chama a atenção para o fato dos pacientes terem a mesma orientação
sexual. No Brasil, o jornal Notícias Populares, em 1983, denomina a doença como “Peste Gay”.

FIGURA 25 - Jornal Notícias Populares, 1983

Fonte: Site da Fiocruz. Disponível em: <http://www.ioc.fiocruz.br/aids20anos/linhadotempo.html>. Acessado


em 23 maio 2014.

Observamos que em ambos os artigos, existe um discurso carregado de avaliações


discriminatórias, relacionando a doença, até então desconhecida clinicamente, diretamente à
prática homossexual. Nos anos que se seguiram, a imprensa sempre vinculou a doença AIDS à
homossexualidade com textos pouco educativos, do ponto de vista científico. De acordo com
Fausto Neto (1999), edições de jornais brasileiros publicadas entre 1983 a 1995 ilustram a
“invasão” da AIDS no corpo dos jornais através de notícias, editoriais, notas, artigos assinados,

21“RARE CANCER SEEN IN 41 HOMOSEXUALS”, artigo de LAWRENCE K. ALTMAN.Disponível em:


<http://www.nytimes.com/>. Acessado em 23 maio 2014.
22
O Sarcoma de Kaposi, uma malignidade cutânea razoavelmente benigna que se caracteriza por lesões arroxeadas,
também aparece numa forma virulenta em casos de AIDS (Dicionário Médico Enciclopédico. 17. ed. Trad. Dr.
Fernando Gomes Nascimento. São Paulo: Ed. Manole, 2000).
125

reportagens, etc., estabelecendo uma ampla conversação sobre a temática da AIDS entre
diversas esferas da sociedade. Dessa forma, “a AIDS tem seu percurso definido pelo discurso
da atualidade” (FAUSTO NETO, 1999: 26).

Dessa forma, surgiram várias denominações que foram atribuídas à AIDS:


“pneumonia gay”, “câncer gay”, “síndrome gay” ou Gay RelatedImmuneDeficiency (GRID) –
Imunodeficiência ligada à homossexualidade. Assim, os homossexuais foram os primeiros a
serem inseridos no “grupo de risco”23. Percebemos que são várias as construções simbólico-
discursivas desenvolvidas ao longo do tempo pela esfera jornalística, ou seja, o sentido dado à
epidemia vem sendo ressignificado simbolicamente dentro da sociedade, influenciando o
imaginário dos indivíduos em relação às questões morais, culturais, políticas que engendram o
meio social.

O Departamento de DST/AIDS do MS informa que em 1980 ocorre o primeiro caso


de AIDS no Brasil decorrente de uma transfusão sanguínea no estado de São Paulo, mas que só
foi registrado dois anos depois. Nessa época, adota-se, temporariamente, o nome “Doença dos
5 H”24, representando o grupo dos Homossexuais, Hemofílicos, Haitianos, Heroinômanos
(usuários de heroína) e Hookers (nome em inglês dado às profissionais do sexo). Essa
denominação está relacionada à ideia de grupos de riscos, ou seja, pessoas que se encontram
em situação de exposição à infecção do vírus HIV. Em 1982, a doença passou a ser designada
de AcquiredImmunodeficiencySyndrome (AIDS). Os indivíduos homossexuais passaram a
serem estigmatizados pela ligação à epidemia da AIDS, o que levou, por sua vez, a um crescente
aumento nas atitudes preconceituosas por parte da sociedade em relação a tais grupos. Ao longo
dos séculos, muitas doenças foram estigmatizadas socialmente por estarem relacionadas com a
morte ou com a imagem antecipada da morte, dentre elas, podemos citar a loucura, a hanseníase,
a tuberculose, o câncer, entre outros.

Mais tarde, com o avanço nas pesquisas sobre as formas de contágio do vírus HIV e
com a percepção de que outros grupos estavam sendo afetados pela doença, como exemplo

23A primeira modalidade de relação dos indivíduos com a AIDS foi na forma de grupos de risco. A característica
principal desse modelo é que a doença é coisa dos "outros". Os "outros", no caso, são aqueles que manifestam
sexualidade desviante (homossexuais), excessiva e pecaminosa (prostitutas), ou então, que praticam crime (uso de
drogas injetáveis). Ora, a maioria de nós julga-se distante dessas realidades. E, em princípio, talvez estejamesmo,
pelo menos na aparência. A nomeação dos grupos de risco e a identificação da epidemia nos "outros" são manobras
que fazem com que a AIDS seja tratada como algo episódico e distante, associada a promiscuidade, drogas e
homossexualidade. Disponível em: <http: homologacaoweb.aids.gov.br/sites/default/files/vulnerabilidade.rtf.>.
Acessado em 25 maio 2014.
24Disponível em: <http://www.aids.gov.br/pagina/historia-da-aids>. Acessado em 20 maio 2014.
126

disso foi a manifestação de casos entre as mulheres e em homens heterossexuais, fizeram com
que os órgãos de saúde pública mudassem o foco para a responsabilização individual, ou seja,
as pessoas tornaram-se responsáveis por sua própria exposição ao risco HIV. Assim, as vozes
das instituições de saúde pública direcionam o discurso não mais para grupos de risco, mas
agora o alvo são as atitudes ou comportamentos de risco25, isto é, para a prática do sexo seguro
com camisinha, transfusão de sangue testado, diminuição do número de parceiros, o não
compartilhamento de seringas, etc.

Essa orientação do discurso governista centrada na mudança do comportamento dos


indivíduos, os quais são vistos como os únicos responsáveis pela manutenção da própria saúde,
é percebida nos cartazes da AIDS no período do carnaval através das recorrências do seguinte
enunciado: “USE CAMISINHA”. Como forma de ilustrar visualmente esse posicionamento
dos órgãos de saúde pública, vejamos o cartaz a seguir:

FIGURA 26 - Cartaz AIDS/Carnaval 1999

Fonte: Portal DST/AIDS. Disponível em:< http://www.aids.gov.br/> Acessado em 12 jun. 2014.

O slogan dessa campanha publicitária do MS – Viver sem aids só depende de você –


expressa bem o que já foi dito anteriormente. A expressão “só depende” que é apresentada em
destaque vermelho, estratégia visual utilizada para dar maior ênfase ao termo e à ideia que
subjaz no cartaz, reafirma que as peças publicitárias produzidas giram em torno de um discurso
que delega à população a responsabilidade da diminuição ou não da infecção pelo vírus HIV na

25Disponível em:<http://www.dbbm.fiocruz.br/hec/epidem/3risco.html>. Acessado em 20 maio 2014.


127

sociedade. Dessa forma, acreditamos ser imprescindível construir o cenário mais amplo, como
também situado acerca da temática para uma melhor análise do gênero em estudo.

Partindo desse pensamento, destacaremos os posicionamentos axiológicos das


instituições religiosas, especificamente, a igreja católica que aponta como a solução do
problema da AIDSa castidade e a fidelidade das pessoas. O jornal Folha de São Paulo26, em
26/04/2014, através do artigo de Jean-Louis de La Vaisierre, trouxe uma retrospectiva
biográfica do Papa João Paulo II, considerado um dos chefes religiosos mais carismáticos do
mundo, o qual destacamos no texto a fala do religioso que condena o uso dos meios
contraceptivos e dos preservativos. A mesma imprensa jornalística, publica em 01/12/2005, em
sua página virtual, uma notícia sob o título “Papa propõe castidade e fidelidade para prevenir
a Aids”, referindo-se, agora, ao Papa Bento XVI sobre um discurso do pontífice à embaixada
da África do Sul na mesma época. Quatro anos mais tarde, o jornal registra o discurso do Papa
Bento XVI em que este declarou que a AIDS “é uma tragédia que não pode ser superada com
dinheiro e nem com a distribuição de preservativos”.

Seguindo a linha conservadora da igreja católica, o Papa Francisco, na cidade do


Vaticano, discursou para os bispos da Tanzânia, repetindo o discurso moralizante dos
representantes do catolicismo, defendendo a castidade na luta contra a AIDS, segundo o que foi
divulgado na Revista Exame27 em 07/04/2014. O discurso religioso católico está pautado em
suas regras morais quanto ao comportamento sexual que inclui a prática do sexo somente após
o casamento, proibição de meios contraceptivos (camisinhas, pílula anticoncepcional, etc.),
adesão aos atos de fidelidade e castidade. Esse discurso moral e autoritário apresenta-se
contrário às informações sobre a AIDS repassadas por outras áreas (médico-científica,
publicitária, governamental, ONG’s, etc.) que trabalham no combate da epidemia.

Abordamos a questão da inter-relação do contexto cultural com os gêneros do discurso,


quando analisamos o cartaz da AIDS/Carnaval 2004, no capítulo II, item 2.5 mostrando a
influência dos aspectos extralinguísticos na produção dos gêneros discursivos. Para demonstrar
a resposta do governo federal quanto à segurança do preservativo o qual foi posto em dúvida
pelo discurso religioso, utilizamos o seguinte cartaz:

26Disponível em:<http://www1.folha.uol.com.brl>. Acessado em 25 maio 2014.

27Disponível em:<http://www.exame.abril.com.brl>. Acessado em 25 maio 2014.


128

FIGURA 27 - Cartaz AIDS/Carnaval 2004

Fonte: Portal DST/AIDS. Disponível em:< http://www.aids.gov.br/> Acessado em 12 jun. 2014.

Se analisarmos o texto multimodal sem considerar o contexto de sua produção, não


conseguiríamos construir sentidos em níveis mais profundos, como por exemplo, perceber a
relação dialógica de forma responsiva do governo federal em relação às ideias divulgas pela
Igreja Católica. No momento em que ocorre a circulação do cartaz da figura 27, as instituições
religiosas, em especial a igreja católica, divulga a ideia de que o preservativo não é um método
contraceptivo seguro e que não consegue proteger o indivíduo de doenças sexualmente
transmissíveis.

Essas posições ideológicas motivaram o governo federal a dar respostas acerca da


segurança da camisinha, temática que foi explorada no supracitado cartaz. Observamos a ênfase
na expressão “USE E CONFIE” utilizadas por duas vezes e em cores de destaque (vermelho e
colorido), além disso, o enunciado está localizado na parte superior e central e na parte inferior
direita o que realça as palavras utilizadas. E quanto ao recurso imagético foi escolhida a versão
da camisinha simulando um aquário, com o fim de retratar a impermeabilidade do material do
preservativo.

Mesmo o Brasil sendo considerado um país laico, ainda é considerado uma nação de
católicos os quais representam 64,6% da população brasileira, segundo o censo do IBGE
201028. Disso, decorre que a ideologia pregada pela religião católica tem forte influência no

28Disponível em: <http://censo2010.ibge.gov.br/apps/atlas/>. Acessado em 25 maio 2014


129

comportamento e na formação de opinião dos fiéis. Por esse poder ideológico que as instituições
religiosas detêm na sociedade brasileira é que os discursos governistas nos cartazes, muitas
vezes, mantém uma relação dialógica com esses textos através de referências ao material
simbólico de diversas religiões. Vejamos o cartaz a seguir:

FIGURA 28 -Cartaz AIDS/Carnaval 2001

Fonte: Portal da Saúde do Ministério da Saúde. Disponível em:<www.aids.gov.br> Acessado em 04


jun. 2014.

No cartaz da figura 28 foram apresentadas simbologias representativas da dicotomia


bem e mal, anjo e demônio, céu e inferno. Esses signos religiosos estão presentes nos discursos
e ensinamentos de grande parte das religiões ocidentais (catolicismo, protestantismo, umbanda,
entre outros). Isso demonstra o caráter ideológico e dialógico responsivo na voz do governo
federal.

Nesse contexto de disseminação da AIDS, a epidemia revelou as dimensões sociais


ligadas a ela, o que exigiu a reelaboração de estratégias de forma a combatê-la. Segundo a
UNESCO Brasil (2004), foram identificados três níveis de vulnerabilidade29: individual, social
e programático. A vulnerabilidade individual está ligada ao acesso das pessoas à informação,
levando-se em conta a qualidade dessa informação e a capacidade de desenvolver esse
conhecimento em ações práticas no cotidiano dos sujeitos.

29Estarvulnerável no contexto do HIV é ter pouco ou nenhum controle do risco de infecção, enquanto que para as
pessoas infectadas significa ter pouco ou nenhum acesso a cuidados ou tratamento adequado. A vulnerabilidade
pode ser afetada por fatores individuais, sociais e programáticos (UNESCO Brasil, 2004).
130

Quanto à vulnerabilidade social, a UNESCO Brasil (2004) esclarece que a realização


dessa capacidade de transformação depende não somente do indivíduo, mas também, de outros
aspectos, tais como, o acesso a uma educação e à assistência médica de qualidades, a
disponibilidade de recursos materiais (renda) e a possibilidade de enfrentar as barreiras
culturais, ou seja, superar tabus nas discussões sobre temas como morte, sexo,
homossexualismo, drogas, prostituição, promiscuidade, etc.

A vulnerabilidade programática refere-se à dificuldade aos acessos a programas e


recursos capazes de minimizar ou eliminar os fatores de vulnerabilidade individual e social. Em
1985, o governo brasileiro, através da portaria 236/85, institui um programa federal de controle
de AIDS, que tem, entre outras atribuições, coordenar a nível nacional, ações de vigilância
epidemiológica da AIDS; determinar medidas de prevenção da AIDS no país, mediante a
execução de ações sobre casos confirmados, suspeitos, comunicantes. No ano ulterior é criado
o Programa Nacional de DST e AIDS. Grupos como os homossexuais e profissionais do sexo,
entre outros, recebem, portanto, atenção especial através de programas específicos.

O Programa Nacional de AIDS, em seu portal, considera que os grupos estigmatizados


passam a ser mais vulneráveis devido aos efeitos de exclusão. Porém, esse discurso não se
encontra coerente com a publicação da Resolução da ANVISA 30 (Agência Nacional de
Vigilância Sanitária), nº 153, de 14 de junho de 2004; o qual determina que estarão inabilitados
por um ano, como doadores de sangue ou hemocomponentes, os candidatos que nos 12 meses
precedentes tenham sido expostos a uma das situações abaixo: homens e/ou mulheres que
tenham feito sexo em troca de dinheiro ou de drogas, e os parceiros sexuais destas
pessoas;homens que tiveram relações sexuais com outros homens e ou as parceiras sexuais
destes. Em outras palavras, os homossexuais, bissexuais, profissionais do sexo, ou seja, os
grupos estigmatizados estão excluídos do processo de doação sanguínea. Como exemplo dessa
afirmativa, foi noticiado no portal G131, em 04/04/2013, que casal homossexual foi impedido
de doar sangue devido a sua orientação sexual.

O Ministério da Saúde, através da Portaria32 nº 1.353, de junho de 2011, em seu artigo


1º e parágrafo 5º, afirma que “a orientação sexual (heterossexualidade, bissexualidade,

30
Disponível em: http://www.aids.gov.br/sites/default/files/anexo_7_0.pdf. Acessado em 08 jun. 2014.
31Disponível em: http://g1.globo.com/sao-paulo/sao-jose-do-rio-preto-aracatuba/noticia/2013/04/fomos-
impedidos-de-doar-sangue-por-sermos-gays-alega-casal.html. Acessado em 08 jun. 2014.
32Disponível em:

http://www.aids.gov.br/sites/default/files/anexos/page/2011/48800/portaria_1353_140611_pdf_29584.pdf.
Acessado em 08 jun. 2014.
131

homossexualidade) não deve ser usada como critério para seleção de doadores de sangue, por
não constituir risco em si própria”. Mas, no entanto, permanece nesse mesmo documento os
mesmos supracitados critérios de inabilitação de doadores de sangue da Resolução da ANVISA.

O governo, através do órgão do MS, tem como prioridade trabalhos direcionados em


três vertentes na luta contra aAIDS: prevenção, combate ao preconceito e acesso ao tratamento.
Em relação ao preconceito, encontramos diversos discursos governamentais explícitos de
ataques à discriminação quanto à orientação sexual e aos soropositivos. No entanto, percebemos
através dessas leis apresentadas, que os grupos estigmatizados também são excluídos pelos
órgãos de saúde, os quais deveriam promover o fim do preconceito.

Utilizamos para efeito de ilustração a temática da doação de sangue, por ter grande
relevância na área da saúde em nossa sociedade, uma vez que os bancos de sangue sempre estão
fazendo campanhas para estocagem do material, na tentativa de conscientizar as pessoas da
necessidade de doadores sanguíneos para a preservação de vidas. Assim, concluímos que
quanto mais pessoas doarem sangue melhor serão os resultados no combate à escassez do
fluido. Seguindo tal raciocínio, não seria coerente excluir possíveis doadores levando-se em
consideração a sua orientação sexual, uma vez, que qualquer pessoa tem a probabilidade de
estar infectado pelo vírus HIV, independentemente de ser ou não homossexual.

Na década de 90, morre o cantor e compositor Cazuza, aos 32 anos, em decorrência da


AIDS e o sociólogo Herbert de Souza (o Betinho) que defendia um tratamento digno aos
doentes. Quando se noticia a morte de celebridades no Brasil pelos meios de comunicação,
Fausto Neto (1999) destaca que a estratégia das mídias é trabalhar a temática da morte de forma
figurada (“AIDSpára tempo de Cazuza”, Correio Brasiliense, 08/07/90). Isso faz com que a
doença seja vista como aquela que pode atingir todas as classes sociais indistintamente, o que
gera um ambiente de pânico entre a população, uma vez que a AIDS não tem cura e adquirir o
vírus, nessa época, significava receber uma sentença de morte.

Nessa mesma época, o Brasil passa a produzir o AZT (coquetel que trata a AIDS) que
passa a ser disponibilizado na rede pública com a lei 9. 313/96 que fixa o direito ao recebimento
gratuito da medicação, tendo como consequência, a médio e longo prazo, a redução em 50% da
mortalidade dos pacientes, bem como, uma melhora significativa na qualidade de vida dos
portadores do HIV. Segundo o Departamento de DST/AIDS, o Brasil fabrica 11 dos 20
medicamentos antirretrovirais usados no tratamento da AIDS que são distribuídos pelo Sistema
Único de Saúde (SUS) gratuitamente aos portadores do HIV. Com essas ações na saúde pública
132

os dados demonstraram uma queda na mortalidade, diminuição nos casos de internações em


hospitais públicos, bem como, a redução de casos de infecção vertical (de mãe para filho
durante a gestação). Conforme Boletim Epidemiológico 2012, o coeficiente de mortalidade por
AIDS no Brasil vem diminuindo com uma média anual de 1,3%.

A AIDS ainda é uma doença considerada caso de saúde pública no Brasil, dado o
elevado índice de infecção do vírus HIV pela população brasileira. As fontes as quais alimentam
a base de dados do Ministério da Saúde (MS) sobre a incidência da doença na nossa sociedade
são obtidas através do Sistema de Informação de Agravos de Notificação (SINAN), Sistema de
Informações sobre a Mortalidade (SIM), Sistema de Controle de Exames Laboratoriais
(SISCEL) e o Sistema de Controle Logístico de Medicamentos (SICLOM). A inter-relação dos
dados obtidos pelos supracitados sistemas de informação está descrita na figura a seguir:

FIGURA 29 - Diagrama da Composição da Base de Dados Nacional de AIDS

Fonte: Boletim Epidemiológico 2012. Disponível em: <http://www.aids.gov.br>. Acesso em 19 maio 2014.

Através desses órgãos de informação, o governo monitora o número de pessoas


infectadas pelo vírus HIV, a evolução da doença no paciente e a taxa de mortalidade de
soropositivos. Além disso, consegue traçar o perfil dos grupos de pessoas com maiores
probabilidades de exposição ao vírus (por idade, sexo, região, orientação sexual, etc). Esses
dados estão organizados e analisados no caderno denominado Boletim Epidemiológico, lançado
anualmente através do portal do MS.

A partir dos resultados das análises feitas dessas informações é que se baseiam as
decisões tomadas na programação das ações de saúde. Como exemplo disso, temos as
133

campanhas de combate à AIDS do Ministério da Saúde que utilizam os dados do Boletim


Epidemiológico do ano anterior para se orientarem, principalmente, na determinação do
público-alvo. Esse documento é a bússola orientadora na escolha dos melhores caminhos a
serem seguidos para se obter êxito na luta contra a AIDS, uma vez que é através desses dados
que é construído o cenário epidemiológico da doença no Brasil. Vejamos um recorte feito dos
indicadores apresentados no Boletim Epidemiológico 2012, identificando o contexto atual da
doença:

QUADRO 1 - Resumo dos Indicadores Epidemiológicos de HIV e AIDS no Brasil de 1980 a 2012.

Taxa de
Óbitos Taxa de
CASOS incidência acumulados
POPULAÇÃO
UF ACUMULADOS de (1980 mortalidade
(2011)
(1980 a 2012)
aids a 2011) (2011)
(2011)

Nº % Nº % % Nº % %
BRASIL
192379287 100,0 656701 100,0 20,2 253706 100,0 5,6

Fonte: Boletim Epidemiológico 2012. Disponível em: <http://www.aids.gov.br>. Acesso em 19 maio 2014.

O Boletim Epidemiológico 2012 traça um panorama da doença no país, considerando


os casos acumulados de 1980 a 2012 no Brasil. Nesse período, foram notificados, oficialmente,
um total de 656. 701 (seiscentos e cinquenta e seis mil e setecentos e um) casos de AIDS, dos
quais 64,9% são do sexo masculino e 35,1% do sexo feminino. O mesmo documento declara
que se verifica nos últimos 10 anos registros, em média, de 36.903 (trinta e seis mil e novecentos
e três) novos casos de AIDS por ano, com tendência de aumento no Brasil como um todo.

Uma análise feita levando-se em conta o sexo, observamos uma redução gradual ao
longo do tempo na proporção entre homem/mulher, principalmente a partir do ano 2000, ou
seja, existe 1,7 casos de AIDS em homens para cada caso em mulheres, um fenômeno que o
MS denomina de “Feminização” da doença. Em relação à faixa etária, a doença se apresenta
mais incisiva nas idades de 15 a 24 anos e superiores a 50 anos. Quanto ao aspecto da orientação
sexual houve um aumento de cerca de 8% em heterossexuais e de 15% na proporção de casos
homossexuais e bissexuais.
134

Quanto ao último grupo, o Departamento de DST/AIDS identifica-o pela sigla HSH


(homens que fazem sexo com homens), uma vez que muitos homens não se consideram
homoafetivos por também se relacionarem com mulheres. Segundo Lago (1999), os homens
bissexuais foram responsabilizados pela disseminação da doença entre os heterossexuais. A
dificuldade da sociedade em debater a bissexualidade de pessoas convivendo relações
heterossexuais estáveis e o pouco interesse no campo das pesquisas diante da temática pode ter
sido a causa do crescente número de casos de incidência em mulheres casadas que adquiriram
o vírus HIV dos próprios companheiros.

Ao apresentarmos essas informações sobre a infecção da doença AIDS no contexto


brasileiro, evidenciando o fenômeno da feminização do vírus HIV nos grupos de jovens e
idosas, além de apresentar umíndice de crescimento da AIDS entre homossexuais jovens;
acreditamos ser importante a montagem do cenário epidemiológico brasileiro, de forma a
perceber a inter-relação do contexto cultural (amplo) com os cartazes de carnaval da AIDS do
MS, produzidos levando-se em conta o ambiente e o tempo históricos, a temática a ser veiculada
e os possíveis leitores os quais se busca atingir.

O panorama sócio-histórico e cultural da doença no Brasil emoldura o gênero cartaz


das campanhas publicitárias do Ministério da Saúde à época do carnaval, uma vez que os
cartazes se constituem na materialização dos vários discursos que permeiam a nossa sociedade,
os quais dialogam com as diferentes ideologias construídas sócio-historicamente nas mais
diversas esferas da atividade humana, ao tempo que a voz do governo federal assume uma
atitude responsiva frente a enunciados já ditos e/ou ainda por dizer.

Destacamos em nosso trabalho a dimensão extralinguística que é elemento


determinante nas análises dos gêneros discursivos que tem como pressuposto teórico-
metodológico os pensamentos bakhtinianos, que segue uma linha epistemológica de orientação
sociológica. À medida que formos investigando as categorias acerca do conteúdo temático e do
leitor presumido, retomaremos as informações que sejam necessárias às análises do gênero
cartaz destacadas nessa seção.

4.1.2HIV Positivo:campanhas educativas de prevenção aAIDS


135

A primeira campanha do Programa Nacional de AIDS trouxe como slogan “Quem vê


cara, não vê AIDS”, e foi lançada no carnaval de 1988. Nesse enunciado percebemos que a
AIDS tem a possibilidade de atingir todas as pessoas que se expõem ao risco. Contudo, há uma
distância enorme entre ter os conhecimentos necessários sobre a prevenção da AIDS e a prática
dos meios de proteção das doenças sexualmente transmissíveis. Algumas hipóteses são
levantadas quanto à falta de atitudes preventivas de DST’s, tais como: as pessoas não se sentem
expostas ao vírus HIV, imaginando que a AIDS é uma realidade distante; o medo de perder seu
meio de vida (profissionais do sexo) ou seu parceiro torna-se maior do que o temor da morte;
não se sente à vontade de usar a camisinha; confiam em seu companheiro por manterem uma
relação estável, etc.

Diante do que foi enunciado, acreditamos que os meios midiáticos pelo poder
persuasivo que detém e pela responsabilidade social de orientação dos indivíduos, devem,
quanto a questão da AIDS, focalizar na personalização dos riscos de contrair a doença, melhorar
a imagem dos preservativos, entre outras formas estratégicas.

FIGURA 30 - Primeira Campanha do Programa Nacional de AIDS (1988)


136

Fonte: Disponível em: <http://www.m-mc.org/>. Acessado em 20 maio 2014.

As campanhas de saúde pública, lançadas no passado, traziam muitas informações


sobre as formas de contágio da AIDS, como forma de apagar o discurso construído a partir dos
grupos de risco, em especial, ao dos homossexuais. Essa estratégia baseada na ideia de que
quanto mais informações as pessoas adquirirem mais elas mudariam o comportamento no
sentido de se proteger da infecção, não surtiu muito efeito, haja vista, nesse período, ainda um
crescente número de soropositivos. Os dados do MS sobre o número de portadores da doença
contabilizam, ao final da década de 80, 22. 343 (vinte e dois mil e trezentos e quarenta e três)
casos acumulados.

No cartaz da figura 30, é apresentado o rosto de uma mulher bonita e que não retrata
o imaginário que as pessoas criaram na mente de um indivíduo com HIV (a AIDS era
caracterizada, sobretudo, pela magreza e um rosto desfigurado, doente). O discurso repassado,
a partir de agora, principalmente com a distribuição dos remédios antirretrovirais, é que não é
possível identificar quem está infectado pelo vírus HIV, podendo qualquer pessoa ser um
possível transmissor da doença. Dessa forma, cada um torna-se o responsável pelo cuidado de
sua saúde, através da adoção de comportamentos saudáveis, especialmente em relação a sua
vida sexual.

A AIDS deve ser encarada como questão de saúde pública, e não tão-somente, como
tema a ser discutido na esfera médico-científica. Fausto Neto (1999) defende a ideia de que a
137

AIDS é uma enfermidade da atualidade midiática. Vários são os trabalhos encontrados na área
da comunicação, geralmente, abordando a importância ou o papel da esfera jornalística e
publicitária como meios de informação sobre a enfermidade dentro da sociedade, analisam as
estratégias discursivas utilizadas pelos meios de comunicação quanto ao combate à doença,
identificam os discursos construídos ao longo dos anos pela mídia em relação à AIDS, entre
outros.

Toscaniconsidera que as campanhas de alerta sobre a AIDS e em favor das camisinhas


continuam “piegas, burras e emperradas” (TOSCANI, 2000: 179), pois evitam mostrar o ato
sexual e o prazer que o acompanha, ou seja, não se atrevem a ultrapassar as barreiras dos tabus
sociais. O publicitário acredita no poder criativo e irredutível da imagem, carregada de uma
explosão de significados que não, necessariamente, precisam estar explicitadas por uma
legenda.

FIGURA 31 - Campanha da Benetton, 1993

Fonte: Disponível em: http://img205.imageshack.us/img205/6686/benetton08sf1.jpg. Acessado em 20 maio


2014.

Esse cartaz da Benetton, criado por OlivieroToscani, gerou muita polêmica em


diversos setores da sociedade. Entre os publicitários o discurso girava em torno da cassação da
licença do autor-criador. Jornalistas, intelectuais, religiosos, políticos, etc. de todos os lugares
do mundo discutiam em torno dos cartazes da Benetton que trazia uma tatuagem no corpo de
pessoas com a expressão “HIV POSITIVE”. Até a década de 80, as pessoas infectadas pelo vírus
HIV eram denominadas de aidéticos, termo que foi substituído por outros mais adequados como
soropositivos, HIV positivo, portadores de HIV.
138

Nesse cartaz é apresentada a imagem de parte do órgão sexual do indivíduo,


evidenciando na figura a pele de uma pessoa tatuada com uma frase que anuncia que o sujeito
é portador do vírus HIV. A principal mensagem percebida no cartaz da Benetton é que os
soropositivos estão marcados socialmente, pela sua orientação ou comportamento sexual.

Para Toscani (2000), os cartazes cumpriram seu papel social – incentivar a discussão
em torno da questão da exclusão dos soropositivos na sociedade, ao mesmo tempo, em que leva
à reflexão, entre os especialistas da comunicação, sobre a maneira de falar de sexo e da AIDS.
Nas palavras de Jon Baggaley (1992), a maior parte das campanhas lançadas através dos meios
de informação exerce pouco impacto em se tratando dos grandes problemas de saúde pública.
Com base em investigações sobre educação na área de saúde pública, o autor afirma que os
estudos indicam que utilizando um modo de exposição do conteúdo de forma mais clara e
objetiva, em vez de um enfoque dramático e mais espetacular, tem-se obtido resultados mais
favoráveis.

Além do mais, defendemos que as campanhas de fomento à saúde necessitam estar


combinadas com outros métodos: debate público de temas polêmicos, tais como: relações
sexuais, homossexualismo, promiscuidade, drogas, AIDS, etc.; atividades educativas nas
escolas, postos de saúde, instituições públicas e privadas; campanhas publicitárias veiculadas
de forma permanente; cooperação de todos os setores da sociedade na luta contra a AIDS, etc.

4.2O Tema da AIDS: análise temática da doença nos cartazes das campanhas publicitárias
do Ministério da Saúde de 1999 a 2013

Apresentamos na seção anterior os vários discursos sociais representados por


diferentes setores da sociedade. A classe médico-científica falava de uma doença misteriosa
que estava atacando os homossexuais, um discurso sem muitas informações sobre a doença. Na
área jornalística, noticiava-se sobre uma epidemia que se alastrava no mundo, sendo
denominado, entre outras designações, de “Peste Gay”, o que denota um discurso
preconceituoso e discriminatório. Nesse contexto, a igreja declara que a única solução para o
problema da AIDS é a adoção dos hábitos de fidelidade e castidade, ignorando totalmente os
comportamentos sexuais dos indivíduos.
A temática da AIDS foi sendo construída através dos diferentes discursos em distintas
esferas da atividade humana sendo influenciada pelos aspectos culturais, sociais e ideológicos;
139

ao mesmo tempo que influencia a formação da opinião pública dentro da sociedade. De acordo
com Bakhtin (2012[1929]:134), o conteúdo temático “procura adaptar-se às condições de um
dado momento da evolução”, ou seja, assim como os contextos sociais, políticos, culturais, etc.
vão se modificando ao longo do tempo em uma determinada comunidade, concomitantemente,
as formas de tratamento dado à determinado assunto também sofrem alterações.
Para ilustrar as transformações sofridas pelo tema da AIDS ao longo do tempo,
percebemos que quando do aparecimento da doença,esta se encontrava intimamente
relacionada a grupos de risco, dentre eles, ressaltamos o dos homossexuais, que foram alvos de
discursos discriminatórios. Com a constatação de que a doença não estava articulada com a
questão da homossexualidade, o foco passa a seremos comportamentos de risco, trabalhando
com a ideia da responsabilidade individual, ou seja, cada um é responsável por se colocar ou
não em situações de exposição ao vírus HIV.
Mesmo com todos os esforços das mais variadas áreas os números de pessoas
infectadas pelo vírus HIV/AIDS crescem a cada ano. Diante desse panorama, a AIDS passa a
ser abordada como uma questão de saúde pública, principalmente, pela Organização Mundial
de Saúde (OMS), o que significa que a responsabilidade do combate à doença não cabe somente
ao indivíduo, mas é uma responsabilidade, também, dos órgãos governamentais, ou seja, existe
uma responsabilização social.

4.2.1 Análise dos Slogans das Campanhas do Ministério da Saúde

Depois de contextualizar sócio-histórica e discursivamente a problemática da AIDS,


passamos à análise dos cartazes das campanhas publicitárias do Ministério da Saúde de 1999 a
2013 quanto ao seu conteúdo temático. Em outras palavras, passaremos a observar através dos
slogans das campanhas quais palavras são mais recorrentemente utilizadas, qual sentido
construído em dado contexto, de forma a identificar qual tom (apreciação valorativa) foi usado
para referir-se ao assunto, bem como, relacionar o aspecto linguístico ao material visual,
identificando a recorrência das imagens nos cartazes.
Construímos o quadro a seguir baseando-se na apresentação oficial dos slogans das
campanhas pelo Ministério da Saúde através do portal do Departamento de DST/Aids. Vejamos
o quadro a seguir:
QUADRO 2 – Slogan das Campanhas Publicitárias de 1999 a 2013
Nº ANO SLOGAN
140

01 1999 “Viver sem aids só depende de você”


02 2000 “Aids. Prevenir é tão fácil quanto pegar”
03 2001 “Não importa de que lado você está. Use camisinha.”
04 2002 “Sem camisinha nem pensar”
“Mostre que você cresceu e sabe o que quer. Neste carnaval, use
05 2003
camisinha”
06 2004 “Pela camisinha não passa nada. Use e confie”
07 2005 “Com esta roupa eu vou. Vista-se”
08 2006 “Camisinha. Não saia sem ela”
09 2007 "Com camisinha, a alegria continua durante e depois da festa"
10 2008 “Qual a sua atitude na luta contra a Aids?”
11 2009 “Sexo não tem idade para acabar. Proteção também não”
12 2010 “Camisinha. Com amor, paixão ou só sexo mesmo. Use sempre.”
13 2011 “Curta o carnaval. Sexo só se for com camisinha. Senão não dá.”
“Na empolgação pode rolar de tudo. Só não rola sem camisinha. Tenha
14 2012
sempre a sua”.
15 2013 “A vida é melhor sem Aids”

Inicialmente, analisamos os slogans das campanhas publicitárias, uma vez que esse
elemento propagandístico, geralmente, está relacionado à formação da identidade de um
produto/marca. Em relação à nossa pesquisa, o slogan representa a criação identitária do
discurso ideológico na voz do governo federal, através do órgão do Ministério da Saúde.
Dessa forma, identificamos, através dos enunciados, o tratamento dado ao assunto da AIDS,
levando-se em consideração o contexto sociocultural inerente ao período do carnaval, momento
em que são veiculados os cartazes em estudo. Na maioria dos cartazes existe a presença de
outros enunciados que subsidiam o lema principal, algumas vezes, esses períodos estão em
lugar de destaque no layout dos cartazes.
Observamos no quadro 2, referente àexpressão nominal, a ocorrência do léxico “AIDS”
por 3 (três) vezes, a palavra “Camisinha” apareceu por 9 (nove) vezes, o substantivo
“Sexo”foram 3 (três) aparições e a palavra “Carnaval” por 2 (duas) vezes. Verificamos que o
sintagma nominal com maior frequência é a palavra “Camisinha”. Se levarmos em
consideração as orações que fazem parte dos cartazes, além dos slogans, perceberemos que em
141

todas as campanhas aparecem o nome “Camisinha”, de forma que nas quinze campanhas em
análise visualizamos a referida palavra sendo repetida por 18 vezes.
A escolha por determinado material verbal não acontece de forma aleatória, mas sim,
a partir do repertório linguístico característico de dada audiência social, evidenciando seus
valores e posições axiológicas. O nome escolhido nos cartazes para designar um dos meios de
contracepção foi “Camisinha”, em vez de “Preservativo”, por exemplo. O primeiro termo se
popularizou após a nomeação do contraceptivo de “camisa-de-vênus”, em homenagem à deusa
do amor. Daí surge a denominação “Camisinha” que, nos últimos anos, faz parte da linguagem
de maior parte da população brasileira. Assim, a estratégia publicitária aqui utilizada é a criação
de uma relação de identificação com o seu interlocutor através de palavras de uso comum. O
léxico “Preservativo” cria certo distanciamento do autor-contemplador, uma vez que este termo
é menos usual entre os sujeitos-alvo das campanhas.
O contexto da peça publicitária da pesquisa está relacionado à festa do carnaval, isto
é, a uma festividade que faz parte da identidade cultural do Brasil caracterizada pelo
agrupamento de milhares de pessoas atrás de trios elétricos, ou como espectadores de desfiles
de carros alegóricos, como foliões de bailes nos clubes, entre outros. Simbolicamente um evento
ligado à folia, alegria, sexo, bebida, música, fantasias, imagens coloridas, etc. e, no entanto,
encontramos apenas 2 (duas) ocorrências da palavra “Carnaval”, mesmo as campanhas sendo
criadas para serem divulgadas nesse período.
Nesse caso, observamos que não há uma preocupação em particularizar o gênero, de
forma a ligá-lo ao contexto da situação mais imediata. Dessa forma, entendemos que o foco das
campanhas de combate aAIDS está na prevenção da doença por meio do uso do preservativo,
este que, através dos slogans em análise, é apresentado como único meio de prevenção do
contágio do vírus HIV/AIDS.
A AIDS é uma doença que tem na relação sexual como uma das formas de maior índice
de infecção do vírus HIV, porém, não é a única. Sabemos que existem outros meios de aquisição
da enfermidade, tais como: compartilhamento de seringas, transfusão sanguínea, aleitamento
materno; no entanto, identificamos que nos slogans a AIDS está exclusivamente ligada à prática
sexual. No carnaval, a euforia da festa, acompanhada de bebidas alcoólicas e de uma ideia de
libertinagem sexual são ingredientes propícios para comportamentos de risco. Contudo,
ressaltamos que o léxico “Sexo” é repetido explicitamente apenas 3 (três) vezes, o que nos faz
acreditar que essa palavra, no meio social, ainda se encontra carregada de conotações negativas.
Nas demais situações, a ideia do sexo está implícita, estando relacionada à palavra “camisinha”.
142

Para exemplificar tal afirmação, averiguamos a campanha de 2002 que traz como
slogan “Sem camisinha nem pensar”, o qual podemos inferir que não se pode, de jeito nenhum,
pensar em fazer sexo se não estiver com camisinha. Existe nesse enunciado um tom proibitivo,
do que não se pode fazer. Em 2003, a mensagem veiculada foi “Mostre que você cresceu e sabe
o que quer. Neste carnaval, use camisinha”, em outras palavras, a atitude de usar camisinha
nas relações sexuais é sinônimo de maturidade e independência.
Ressaltamos que o sexo, nos cartazes do carnaval, tem uma conotação ligada às
relações casuais, próprias dessa festividade. Para ilustrar tal afirmação destacamos a campanha
de 2011 que aconselha: “Curta o carnaval. Sexo só se for com camisinha. Senão não dá”; e do
ano de 2012 com a frase “Na empolgação pode rolar de tudo. Só não rola sem camisinha.
Tenha sempre a sua”. Um dos sentidos que pode ser atribuído à expressão “Curta o carnaval”
pode estar relacionado à prática do sexo seguro, enquanto que na campanha de 2012, o sexo
com camisinha está totalmente liberado, ou seja, pode acontecer de tudo. O pronome “tudo”
deixa a intenção do significado muito amplo, mas que conjugado às imagens, o texto nos dá
pistas de que se refere às orientações sexuais. Em outras palavras, o sexo pode acontecer entre
heterossexuais ou homens que fazem sexo com homens, não importando com quem você pratica
sexo, desde que use a camisinha pra se proteger.
De acordo com a teoria publicitária, oslogan, que exerce um papel fundamental na
atribuição de personalidade a uma ideia/produto, deve ter posição de destaque nos layoutsdos
cartazes. Observamos que nas campanhas referentes a 2003, 2008, 2009, 2010 e 2011 o lema
não ocupa um lugar de atração visual privilegiada. Nesses cartazes, os enunciados que
subsidiam os slogans são colocadas numa posição de maior visibilidade, uma vez que essas
frases utilizam o recurso da ambiguidade para dar maior ênfase ao projeto discursivo. Para
exemplificação vejamos o cartaz a seguir:

FIGURA 32 -Cartaz AIDS/Carnaval 2010


143

Fonte: Portal da Saúde. Disponível em:<www.aids.gov.br>. Acessado em 25 maio 2014.

O slogan da campanha de 2010 (“Camisinha. Com amor, paixão ou só sexo mesmo.


Use sempre.”) está localizado na parte direita inferior com tamanho de letra bem menor em
relação ao enunciado “O que você fizer eu tô dentro”. A frase em destaque no cartaz traz as
palavras “FIZER” e “DENTRO” com plurissignificações. Os referidos léxicos exibem tamanho
maior do que as outras palavras, além de apresentarem em cores diferentes. Nesse contexto, ou
seja, um preservativo sendo o emissor da fala, consideramos que ele é a materialização do autor-
criador, isto é, aquele que fala de uma certa posição axiológicainserida numa realidade de
valores. Nesse caso específico, temos a voz do governo sendo representada pela imagem da
camisinha que é o enunciador no texto e que acredita que só através do uso da camisinha é que
se pode evitar o contágio da AIDS.
Como vimos no segundo capítulo, item 2.6.1, ao produzirmos enunciados imprimimos
em nossos discursos uma avaliação entoativa, apresentando o modo de ver o mundo e
direcionando o olhar do autor-contemplador para a construção do conteúdo temático. Avaliando
a figura 32, os vários sentidos que carregam os léxicos “FIZER” e “DENTRO” orientam para
uma visão de mundo em que o sexo faz parte da vida das pessoas, não estando diretamente
relacionada à consumação do matrimônio ou necessariamente a uma relação estável, amorosa,
afetiva. As pessoas, no cenário atual, praticam sexo, não tão somente após o casamento, mas
também pela realização do prazer pelo prazer.
144

Geralmente, o advérbio “DENTRO” denota uma indicação de lugar, o que nos


possibilita inferir no sentido de que a camisinha estará sempre presente, ou seja, onde o
interlocutorestiver, ela lá deverá estar, uma vez que a expressão “tô dentro” é utilizada
popularmente como uma afirmação de companhia. Em outro sentido, somos levados a construir
um significado numa entonação mais sexual, significando que o contraceptivo deve ser usado
no ato da penetração. Chamamos também a atenção para a forma verbal “TÔ”, em vez de
“ESTOU”, o que sinaliza para uma relação de proximidade e identificação com o interlocutor,
através de uma linguagem informal com o intuito de se apresentar como um amigo com elevado
grau de intimidade e também para atingir um público mais amplo.
Continuando nossas análises, identificamos no citado cartaz que o verbo “FIZER” está
ligado a uma atitude, a uma ação, nesse caso, à prática sexual do interlocutor, a quem está sendo
dirigido o enunciado. Essa ideia é complementada pelo slogan“Camisinha. Com amor, paixão
ou só sexo mesmo. Use sempre”, que indica que não importa a razão pelo qual o autor-
contemplador mantém relações sexuais, com quem e de que forma, o que é importante é o uso
do preservativo.
Analisando asexpressões verbais das campanhas do MS de 1999 a 2013 verificamos
que os enunciados são formados, de maneira expressiva, pelo modo verbal imperativo com 22
ocorrências, entre elas, 13 foram do verbo “USE”, enquanto que apareceram apenas 8 (oito) de
verbos no infinitivo. Essa é uma indicação de que o discurso dos cartazes concentra-se num
tom de aconselhamento, pois a expressão “Use camisinha” está sempre entrelaçada por outros
discursos, tais como: “não importa de que lado você está”, “mostre que você cresceu e sabe o
que quer”, etc.. Esses outros enunciados têm como objetivo motivar o autor-contemplador para
uma mudança de hábito (uso da camisinha nas relações sexuais) através de uma linguagem
argumentativa.
Dessa forma, percebemos que é recorrente nas campanhas publicitárias do MS a
plurissignificação de certas palavras sempre direcionadas para um teor sexual. E as pistas
textuais para a construção desses sentidos estão ligadas à complementaridade entre os
enunciados (slogan e as outras frases); o jogo de linguagem (figuras de linguagem, frases
afirmativas e imperativas) entre o material verbal e o imagético, lembrando que as palavras
também se tornam imagens, como no referido exemplo, em que algumas palavras foram escritas
em tamanho e cores diferenciadas.
Ainda em se tratando de expressões nominais, observamos que a classe de adjetivos
não é recorrente na construção das orações. Essa classe de lexema exerce o papel de
caracterizar, qualificar, determinar um substantivo. Como comentado alhures, a palavra
145

camisinha é o objeto mais referenciado dentro das campanhas de prevençãoaAIDS, no entanto,


não detectamos em nosso trabalho nenhum adjetivo relacionado ao referente “camisinha”.
Identificamos dentre as quinze campanhas do MS o aparecimento de um adjetivo e
uma expressão com valor adjetivo, porém, ambos estão relacionados ao interlocutor. Vejamos
na campanha de carnaval de 2008 a frase: “Bom de cama é quem usa camisinha”. Nessa oração
temos a expressão “bom de cama” exercendo uma função adjetiva, ou seja, qualificando o
indivíduo que usa camisinha em alguém cuidadoso, prevenido, ou aquele que satisfaz o parceiro
sexualmente.
No cartaz do carnaval de 2009 a frase em destaque foi: “Use camisinha. É coisa de
mulher segura”. No enunciado em questão, o adjetivo “segura” é direcionado ao termo
“mulher”, mas essa mulher não é qualquer uma, mas refere-se àquela que usa camisinha. Assim
como a campanha de 2008, o objetivo não é qualificar o contraceptivo, mas sim enaltecer a
pessoa do receptor como estratégia de fazer com que o público-alvo queira ser identificado por
esse grupo.
Entendemos que se o foco das campanhas de carnaval do MS está no uso do
preservativo, disso decorre a necessidade de se construir uma imagem positiva da camisinha,
uma vez, que no início da divulgação do insumo sua imagem foi aliada à perda da sensibilidade
pelo órgão sexual masculino e, consequente, diminuição do prazer.
Reforçando o que foi dito anteriormente, a revista Exame33 divulgou em 06/06/2014,
a doação de 100 mil dólares da Fundação Bill & Melinda Gates para pesquisas da Universidade
de Wollongong, na Austrália, que prometem revolucionar os preservativos utilizando um
material (hidrogel) que imita a sensibilidade da pele.
Melhorar a ideia que o público tem em relação ao contraceptivo talvez seja uma
alternativa para influenciar as pessoas a enxergar o produto como algo atraente e seguro, e dessa
forma, conseguir maior adesão dos indivíduos sexualmente ativos.
Na próxima seção iremos analisar os enunciados verbais presentes nos cartazes, inter-
relacionando-os com o material imagético utilizado, e dessa forma, observar a existência ou
não de um discurso coerente. Para isso, destacaremos as imagens mais recorrentes nos textos,
a observação dos elementos que constroem a retórica visual, entre eles: a cor, ambiente,
logotipos e layout.

4.2.2A Inter-relação entre o Verbal e o Visual

33Disponívelem: <http://exame.abril.com.br/tecnologia/noticias/bill-gates-banca-nova-camisinha-que-imita-
sensacao-da-pele>. Acessado em 08 jun 2014.
146

Para Bakhtin (2011[1979]), a concepção de linguagem está ancorada nas interações


entre os sujeitos da enunciação através de enunciados concretos, ou seja, o filósofo alerta para
a importância de se considerar os papéis desempenhados pelos interlocutores, em que contexto
está emoldurado o texto, qual o propósito comunicativo formulado, entre outros aspectos, para
identificar em qual(is) verdade(s) está baseado o discurso.
É nessa perspectiva que iremos analisar as campanhas publicitárias em estudo,
observando as formas de inter-relação entre a linguagem verbal e não verbal na construção de
significados discursivo-ideológicos. Se nos detivermos somente ao enunciado dos slogans
ficaremos restritos a poucas possibilidades de criação de sentidos, bem como não
conseguiremos evidenciar os reais propósitos discursivos do autor-criador. Se o pensamento
bakhtiniano defende que é através das interações que se (re)constrói a realidade que nos
circunda, entendemos que também nas inter-relações das várias formas de linguagem num texto
estão materializadas os reflexos de ideologias construídas sócio-histórica e culturalmente.
Os cartazes são construídos pelos signos linguísticos e imagéticos, existindo entre
ambos uma correspondência de complementaridade. Em outras palavras, a relação entre si do
material verbo-visual, utilizada na interação concreta dos interlocutores, é indispensável no
percurso da produção de sentidos. O uso retórico da linguagem verbo-visual nos cartazes tem
como principal finalidade despertar o interesse do transeunte para a sua visualização e, posterior
leitura do texto em exposição. E num nível mais aprofundado, provocar mudanças nas
atitudes/ideias orientadas pelo discurso do falante. Para produzir o efeito de chamar a atenção
das pessoas, os publicitários se utilizam dos recursos de cores, cenário, imagens de destaque,
layout, logotipos.

A) CORES– são signos ideológicos importante na retenção do olhar do indivíduo


para o texto. Além disso, elas despertam sentimentos e emoções no interlocutor. Por exemplo,
a cor branca, dependendo do contexto, pode simbolizar paz, virgindade, pureza, limpeza, luto,
etc.
A partir de nossas observações, podemos afirmar que grande parte dos cartazes de
combate à AIDS divulgadas pelo MS há predomínio da presença da cor vermelha integrado
às imagens dos textos, quer seja através das ilustrações ou das letras em destaque nessa
tonalidade.
147

Segundo Pedro Renan34 (2012), o vermelho simboliza amor, paixão e excitamento,


mas também pode significar perigo, poder ou morte. No que se refere ao contexto político, na
Rússia, simboliza o Partido Comunista; e aqui no Brasil, o Partido dos Trabalhadores (PT). O
autor ainda destaca que de acordo com o contexto cultural de uma comunidade, as cores
podem ter significados diferenciados. O vermelho na China significa boa sorte, celebração e
felicidade. Na Índia traz a ideia de pureza e no Japão está relacionado à vida, mas também, à
raiva e perigo. No Egito, simboliza o destino e na Nova Zelândia, realeza e divindade. No
Brasil, o pigmento avermelhado pode refletir a ideia de sedução, perigo, proibição.
O uso recorrente dessa cor nas campanhas do MS, dentre os vários motivos, pode estar
ligado ao símbolo da AIDS que é representado por um laço vermelho, este visto como
significado de solidariedade e comprometimento na luta contra o vírus HIV. Este símbolo foi
criado em 1991, pela Visual AIDS, em que os profissionais de arte de Nova Iorque
homenagearam os amigos que morreram ou que estavam contaminados pela AIDS. Frank
Moore, um dos participantes do grupo, afirmou que a escolha do laço vermelho deve-se a
ligação da cor à ideia de sangue e paixão, enquanto que o laço foi inspirado no laço amarelo
que honrava os soldados americanos na Guerra do Golfo.

FIGURA 33 - Símbolo da AIDS

Fonte: Portal da Saúde do Ministério da Saúde. Disponível em: www.aids.gov.br. Acessado em 04 jun.
2014.

A imagem do laço representado na figura 33 na cor vermelha simboliza a luta contra


a AIDS, mas se esse laço estiver em outras cores terá seu significado alterado. Ele na cor preta
significa o luto; na cor rosa é símbolo da campanha “Outubro Rosa”, prevenção ao câncer de
mama; na cor verde identifica os que apoiam a causa da doação de órgãos; na cor azul significa

34Disponível
em: <http://www.logovia.com.br/blog/compartilhe/conheca-o-significado-cultural-das-cores/>.
Acessado em 04 jun. 2014.
148

a luta contra o fumo; o lilás está relacionado ao combate à violência de mulheres e crianças,
etc.
Ressaltamos que a cor vermelha, além de estar relacionada ao símbolo da AIDS,
também traz como conteúdo significativo a ideia de paixão e sangue. Em outras palavras, dois
fatores de exposição ao risco da infecção por HIV: contato com secreções (esperma) e sangue
contaminados. Além do mais, a supracitada cor é um tom de grande impacto visual, que chama
a atenção dos transeuntes. Vejamos na seguinte campanha:

FIGURA 34 -Cartaz AIDS/Carnaval 2002

Fonte: Portal da Saúde do Ministério da Saúde. Disponível em:<www.aids.gov.br> Acessado em 04


jun. 2014.

A prevalência da cor vermelha no cartaz é notória, como em alguns outros cartazes.


Pudemos também observar que nos 21 (vinte e um) cartazes em análise somente em apenas 2
(dois) não encontramos a presença do vermelho: campanhas de 2006 (composta pelas cores
amarela, lilás e branca) e de 2007 (com as cores verde, lilás e branca).
Diante do exposto, percebemos que a cor também se constitui como um signo
ideológico de suma importância na construção de sentidos.

B) ILUSTRAÇÃO/LAYOUT – A ilustração refere-se às imagens que servem para


reforçar ou demonstrar afirmações feitas no texto, enquanto que o layoutrepresenta a
organização dos elementos linguístico-imagéticos dispostos nos cartazes de forma a construir
um discurso harmônico. A escolha das imagens dispostas nos cartazes determina em quais
argumentos o conteúdo temático se desenvolverá. Inicialmente, podemos afirmar que em todos
os cartazes há a ilustração da camisinha em diferentes formas (abertas, lacradas, coloridas,
desenhadas, personalizadas, etc.).
149

Na maioria dos cartazes verificamos uma complementaridade entre os enunciados


verbais e o material imagético, contabilizando 9 entre as 15 campanhas, entre as quais são
referentes aos anos de 2001, 2002, 2003, 2004, 2005, 2009, 2010, 2011 e 2012. Isso significa
que as imagens ancoram o discurso veiculado pelo signo linguístico, auxiliando na composição
do conteúdo temático. Vejamos o exemplo abaixo:

FIGURA 35 -Cartaz AIDS/Carnaval 2001

Fonte: Portal da Saúde do Ministério da Saúde. Disponível em:<www.aids.gov.br> Acessado em 04


jun. 2014.

No cartaz do carnaval de 2001, a camisinha apresenta a dicotomia do discurso religioso


de anjo e demônio, bem e mal, céu e inferno. A ilustração traz uma camisinha com asas e auréola
de anjo num fundo azul o qual lembra o céu, o paraíso; em oposição ao outro lado, o de uma
camisinha com chifres e rabo vermelhos num cenário vermelho alaranjado que faz referência
ao fogo, inferno, satanás. O conteúdo imagético complementa o slogan que diz “Não importa
de que lado você está. Use camisinha”, que se encontra materializado na oposição das cores
vermelha e azul. Inferimos que a mensagem a ser repassada é a de que não interessa se a pessoa
é boa ou ruim, o importante é a atitude de usar a camisinha.

Segundo a revista Veja on-line, edição 1.688, de 21 de fevereiro de 2001, essa campanha
foi bastante criticada pela igreja católica, uma vez que essa instituição religiosa defende a ideia
de que a relação sexual serve para procriação após um casamento baseado na fidelidade. De
outra forma, a igreja entendeu que foi empregado no enunciado um tom de deboche ao abordar
valores sagrados do cristianismo, como a distinção entre o bem e o mal. Verificamos, assim,
que a abordagem da temática da AIDS referenciada numa apreciação religiosa é causa de muita
polêmica, o que nos faz acreditar que o tratamento dado a certos assuntos, ainda são
considerados tabus em nossa sociedade.
150

Agora é a vez de apresentarmos uma exemplificação em que o material visual tem pouca
ou nenhuma relação com os recursos linguísticos.

FIGURA 36: Cartaz AIDS/Carnaval 2008

Fonte: Portal da Saúde do Ministério da Saúde. Disponível em:<www.aids.gov.br> Acessado em 04


jun. 2014.

Na figura 36 temos como cenário um quadro de fundo em tom amarelado constituído


de flores, fadas, borboletas, estrelas o que nos remete a um mundo de contos de fadas. Porém,
este ambiente construído não mantém nenhuma relação de sentido com o conteúdo verbal em
destaque – “Bom de cama é quem usa camisinha”. Sendo que a expressão “bom de cama” pode
ser atribuído dois sentidos: um referindo-se a alguém que consegue satisfazer sexualmente o
seu parceiro, como também relativo à pessoa que pratica o sexo seguro. Reiteramos, assim, que
mesmo que a doença esteja estritamente ligada às relações sexuais, a ilustração de trocas de
caríciasentre personagens não é retratada nos cartazes, com exceção da campanha de 2012, o
qual apresenta diferentes casais (homossexual, heterossexual e travesti) em momentos de
intimidades.
Em relação à ambientação dos cartazes de carnaval de prevenção aAIDS, há o
predomínio da utilização de um pano de fundo composto apenas de cores, muitas vezes o plano
inferior é formado por apenas uma cor (ambiente monocromático) sem interferência de
151

imagens. Acreditamos que a escolha por esse tipo de cenário deve-se ao fato de dar maior
destaque para a imagem da camisinha e para a mensagem verbal a ser veiculada.
A ilustração em primeiro plano, geralmente é constituída pela imagem da camisinha
que encontramos materializada em 10 campanhas do MS, como apresentado na figura seguinte:

FIGURA 37 -Cartaz AIDS/Carnaval 2005

Fonte: Portal da Saúde do Ministério da Saúde. Disponível em:<www.aids.gov.br> Acessado em 04


jun. 2014.

Observamos que o cenário da figura 37 é construído numa base monocromática de cor


avermelhada, resultando numa maior evidência do produto (preservativo) e ideia (uso da
camisinha) a ser transmitido aos sujeitos contempladores. A única campanha que trouxe um
cenário mais próximo da realidade foi a do carnaval de 2012, ou seja, apresenta um ambiente
mais próximo do mundo em que vivemos. Nessa campanha foram elaborados três cartazes
diferenciados, tanto em relação ao cenário quanto às personagens envolvidas. Vejamos a seguir:
152

FIGURA 38 - Cartaz 2012-Heterossexual

Fonte: Portal da Saúde do Ministério da Saúde. Disponível em:<www.aids.gov.br> Acessado em 04


jun. 2014.
FIGURA 39 - Cartaz 2012-Homossexual

Fonte: Portal da Saúde do Ministério da Saúde. Disponível em:<www.aids.gov.br> Acessado em 04


jun. 2014.
FIGURA 40 - Cartaz 2012-Travesti

Fonte: Portal da Saúde do Ministério da Saúde. Disponível em:<www.aids.gov.br> Acessado em 04


jun. 2014.
153

Quanto ao cenário, a campanha traz no cartaz heterossexual um ambiente de uma praia


paradisíaca, no cartaz homossexual os personagens encontram-se numa cena de uma festa em
uma boate, e no cartaz do travesti o pano de fundo se constitui de uma rua enfeitada com
confetes, material típico das festas carnavalescas.

Na figura 38, temos na imagem um casal heterossexual numa praia deserta e ao pôr-
do-sol, sugerindo um ar de romantismo entre os dois. O rapaz sem camisa e com posições
corporais que indicam a realização de um beijo são indícios para o início de uma maior
intimidade, ou seja, geralmente, começa-se pelo beijo para se chegar a uma relação sexual. Essa
abordagem também é confirmada pela imagem do caranguejo mostrando um preservativo,
fortalecendo a mensagem repassada no texto que sexo sem camisinha não rola.Há uma
prevalência dos tons pastéis, estimulando a sensação de algo clássico, padrão, isto é, a relação
entre homem e mulher é vista como algo natural, assim como o próprio ambiente em que os
personagens se encontram – praia, mar, céu – um local paradisíaco.

Na figura 39, o clima de alegria e satisfação, caracterizado pelos sorrisos dos


personagens ao fundo da fotografia, é um das estratégias utilizadas para quebrar o medo e o
preconceito das pessoas com relação ao tema HIV/AIDS. Nesse cartaz o painel é feito com a
imagem de festa numa boate, pois o público homossexual jovem é identificado por frequentar
as casas de shows noturnas. Outro elemento que identifica esse grupo é o uso de muitos brilhos
na imagem (purpurinas, as luzes, o globo).

Já na figura 40, encontramos um travesti como um dos personagens da publicidade.


Pela primeira vez, o Ministério da Saúde divulga um cartaz evidenciando esse público da
sociedade. A imagem ao fundo retrata um lugar preparado para uma festa de carnaval, formado
por alguns enfeites coloridos.

Especificamente, a campanha de carnaval do MS de 2012 foi a que mais se diferenciou


em comparação às demais. Nesse trabalho publicitário foram utilizados personagens com
imagens que apresentavam trocas de carinho e de carícias, atos que denotam para a ideia de
uma relação sexual. Além disso, háa construção de uma ambientação mais realística, em que se
procura uma identificação do público-alvo com a cena em exposição.

Diferentemente dessa campanha, além da apresentação em primeiro plano da imagem


da camisinha como já discorremos, temos quatro campanhas da AIDS, trazendo como destaque
sempre a figura feminina sorrindo, que sempre aparece segurando um preservativo. O tom de
154

alegria que envolve essas campanhas está interligado ao fato de que o contexto imediato dos
cartazes está no envolvimento destes com as festas carnavalescas, período de divulgação das
peças publicitárias.

Concernente ao fato dos cartazes circularem no período do carnaval, poucos são os


elementos visuais que se relacionam com as festas carnavalescas. Identificamos alguns
símbolos que dão a ideia de carnaval nos cartazes de 1999 (desenho da camisinha colorido em
ritmo de festa), 2011 (fantasia confeccionada de camisinha) e 2013 (serpentinas).

C) LOGOTIPO – pode ser definido como a representação gráfica de uma marca


comercial, símbolo de uma instituição, etc. com o intuito de tornar conhecida, reforçar a
imagem ou personalizar a representação visual dessa marca ou instituição. Muitas vezes, nós
identificamos um produto, uma empresa ou órgão através da apresentação de um signo (quer
seja linguístico, imagético ou verbo-visual).
Inicialmente, registramos que durante o período de 1999 a 2013 passaram pelo
governo brasileiro três Presidentes da República: Fernando Henrique Cardoso (1995 – 2002),
Luís Inácio Lula da Silva (2003 – 2010) e a atual presidenta Dilma Rousseff, que iniciou seu
governo em 2011 e permanece até os dias atuais. Para cada um desses mandatos foram criados
logotipos diferenciados que se tornam marcas registradas de determinado governo, através dos
quais são transmitidas ideologias políticas em que se acredita. Percebemos, nos cartazes em
estudo, que justamente no primeiro ano governamental de cada chefe de estado, apresenta-se o
logotipo e slogan que orientam o discurso das ações públicas no Brasil.

FIGURA 41 -Logotipo do Governo Federal de 1995-2002

Fonte: Wikipédia. Disponível em:<http://pt.wikipedia.org/wiki/Governo_Fernando_Henrique_Cardoso >


Acessado em 04 jun. 2014.
155

FIGURA 42 -Logotipo do Governo Federal de 2003-2010

Fonte: Disponível em:<http://brasilumpaisdetodos.blogspot.com.br/ > Acessado em 04 jun. 2014.

FIGURA 43 -Logotipo do Governo Federal de 2011-atualidade

Fonte: Portal Brasil. Disponível em:<www.brasil.gov.br> Acessado em 04 jun. 2014.

Para ilustrar a relação do discurso político e a logomarca que identifica o governo em


exercício, observemos o logotipo do governo da atual presidenta, Dilma Rousseff, que traz
como slogan a frase “País rico, é país sem pobreza”, que, conforme o portal do governo federal
(www.brasil.gov.br) significa uma reafirmação desse governo mediante o compromisso de dar
prioridade à erradicação da miséria e redução da pobreza extrema no país. Isso justifica o
discurso pela chefe do executivo, concernente à manutenção e ampliação do Programa Bolsa
Família, que é uma política de transferência direta de renda às famílias em situação de pobreza
ou extrema pobreza.
Retomando as análises dos cartazes, percebemos que o logotipo do governo federal, a
assinatura do Ministério da Saúde e do SUS (Sistema Único de Saúde) são colocados sempre
juntos, numa posição privilegiada no quadro – canto inferior direito. Se fosse num anúncio
comercial corresponderia ao nome do produto ou à empresa que o comercializa. Isso pode ser
um indício de que as campanhas de utilidade pública contra a AIDS seguem alguns padrões
estéticos e compositivos da publicidade comercial (uso de frases curtas, jogo de linguagem,
material verbal sendo reforçado pelos recursos imagético, entre outros.). As assinaturas
conferem um grau de confiabilidade e segurança,além disso, o governo assegura sua
156

visibilidade diante da população passando a imagem de que está atento aos problemas da
sociedade e que não descuida da saúde deseu povo.

FIGURA 44 -Logotipos do Cartaz AIDS/Carnaval 2013 (parte inferior)

Fonte: Recorte do cartaz de 2013 (própria autora)

Outro elemento muito recorrente é a assinatura do “disque-saúde”, serviço de


informações gratuitas, disponibilizado pelo governo, com o intuito de esclarecer dúvidas da
população sobre a saúde. Inicialmente, o disque-saúde apresentava um número com 10
algarismos (0800 61 1997) o que tornava a sua memorização mais difícil pela população. Em
2012, esse número de telefone foi reduzido a três algarismos (136) que, presumidamente, está
no interesse das pessoas conservarem o número com maior facilidade na memória. Além disso,
a dimensão dos números foi aumentada, conservando o mesmo espaço em que aparecem
(superior esquerdo), significando uma necessidade à abertura de um canal de diálogo com o
interlocutor.

FIGURA 45 -Logotipos do Cartaz AIDS/Carnaval 2013 (parte superior)

Fonte: Recorte do cartaz de 2013 (própria autora)

Além do número, é veiculado em conjunto, o endereço eletrônico


(www.saude.gov.br), os quais, nos cartazes do corpus do trabalho, aparecem no lado esquerdo
157

superior, o que lhes dá uma maior visibilidade, sem que possa tirar a atenção das mensagens
principais. Verificamos que no portal da saúde traz informações, de uma maneira generalizada,
sobre os diversos serviços que têm abrangência pelo Sistema Único de Saúde (SUS), sem
apresentar uma abordagem mais direta sobre a temática da AIDS no país. Vejamos:
FIGURA 46 -Portal da Saúde (SUS)

Fonte: Portal da Saúde. Disponível em:< http://portalsaude.saude.gov.br/> Acessado em 12 jun. 2014.

De outra maneira, a temática do vírus HIV é tratada no Portal DST/AIDS e hepatites


virais (www.aids.gov.br), o que seria mais conveniente apresentar o site deste último, como
forma de maiores esclarecimentos à população sobre a doença (formas de contágio, prevenções,
direitos dos soropositivos, programas de acompanhamento, etc.).

FIGURA 47 -Portal DST/AIDS

Fonte: Portal da Saúde. Disponível em:< http://portalsaude.saude.gov.br/> Acessado em 12 jun. 2014.


158

Assim, podemos inferir que o governo ao escolher evidenciar o portal da saúde, em


vez do site do Departamento de DST/AIDS, o qual está diretamente interligado com a temática
dos cartazes, pretenda propagar suas ações na área da saúde, de forma a construir uma imagem
de governo atuante, de ações e resultados, que traz diversos benefícios à população. Mas isso é
feito em detrimento da prioridade de levar informações da doença aos indivíduos.
Diante do que expomos, avaliamos que o conteúdo temático está intimamente
relacionado a uma situação concreta de comunicação discursiva e ao projeto discursivo do
enunciador. Nos cartazes pesquisados, criados para a divulgação no período das festas
carnavalescas, observamos que o foco está na prevenção da doença, através da recorrência
enunciativa do uso da camisinha, quer seja na forma verbal ou pictórica.
Esse enunciado dialoga com outros discursos, a exemplo da esfera médico-científica
que afirma que uma das formas de prevenção do contágio do vírus HIV é através do uso do
preservativo durante o ato sexual. Como também não deixa de ser uma resposta ao discurso
religioso propagado na sociedade, especialmente pela igreja católica, o qual determina que para
se evitar a infecção da doença, as pessoas devem ser fiéis ao seu companheiro ou aderir à
abstinência sexual, posicionando-se contrário ao uso da camisinha.
Outro ponto a ser considerado é o cenário em que estão dispostos os enunciados, pois
mesmo os cartazes sendo distribuídos na época do carnaval, são poucas ou inexistentes as
referências de elementos a essa festividade brasileira no gênero em estudo. O pano de fundo
dos cartazes não traz representações do mundo real, excetuando a campanha de 2012.
Geralmente, o cenário é baseado em um ambiente composto por cores, sem a apresentação de
objetos reais. Essa forma de apresentação dos textos denota uma postura de se evitar polêmicas
dentro da sociedade, uma vez que a escolha de uma contextualização para os enunciados
configura-se na materialização explícita dos próprios discursos.
Porém, mesmo o enunciador buscando uma postura de neutralidade nos discursos,
outros elementos verbo-imagéticos e contextuais identificam por quais lentes ele visualiza o
mundo, demonstrando que convicções axiológicas estão inseridas no gênero. A exemplo disso,
verificamos que palavras como “sexo” e “AIDS” têm pouca recorrência nos cartazes, o que
podemos inferir que são temas considerados tabus em nossa sociedade; assim como a imagem
de casais em momentos de intimidade que também são evitados nesses textos, reafirmando a
ideia de que o governo não se sente à vontade em trazer uma abordagem mais realística ao tema
da AIDS, já que essa doença está, geralmente, relacionada ao ato sexual.
Dessa forma, os cartazes do Ministério da Saúde de prevenção aAIDS, no período do
carnaval, abordam a doença numa perspectiva preventiva, em um tom de aconselhamento aos
159

autores-contempladores, instruindo a usarem preservativos nas relações sexuais, independente


de quem seja o parceiro ou tipo de ligação afetiva existente ou não entre eles. Diante disso,
aparecem em todos os textos a expressão “use camisinha”, bem como a imagem da própria
camisinha, muitas vezes sendo fortemente evidenciada, ocupando lugar de destaque nos
cartazes. Nesse sentido, percebemos que o discurso governamental está orientado para a
responsabilização individual da preservação da saúde, ou seja, o indivíduo é o único
responsável pela exposição ou não ao vírus HIV.
Identificamos, portanto, que o assunto da AIDS nos cartazes do MS tem recebido um
tratamento pouco realístico, sendo abordado com certo pudor, de forma a não causar impacto
quanto às posturas moralistas vigentes em nosso país,uma nação marcada culturalmente por
ideias machistas, e consequentemente, por uma sociedade recheada de atos preconceituosos,
principalmente, em relação à questão da orientação sexual.

4.3 Leitor Presumido: a construção dos sujeitos nos cartazes do Ministério da Saúde

Fundamentado nas teorias bakhtinianas, concebemos os gêneros discursivos


integrados à dinamicidade da inter-relação social dos indivíduos num constante diálogo
discursivo-ideológico entre os sujeitos participantes da comunicação. É nessa incessante
interação entre o “eu” e “outros discursos” que se constitui a base fundamental do conceito de
dialogismo para Bakhtin. No momento em que produzimos enunciados, estamos construindo
um texto a partir de determinada posição social, num contexto único e orientado para certo
público; além disso, nossas palavras carregam em si juízos de valor, posições axiológicas,
concepções de vida e os discursos dos “outros”.
Bakhtin, em seu escrito intitulado “Discurso na Vida e Discurso na Arte”, apresenta o
ouvinte como elemento preponderante na inter-relação discursiva, exercendo relevante
influência em relação aos demais elementos da interação comunicativa – o autor-criador e o
conteúdo temático.
O ouvinte, também nomeado por Bakhtin de autor-contemplador, é identificado como
uma categoria para quem é dirigido o discurso; é elemento relevante no processo de produção
enunciativa, pois ele assume um comportamento ativo na construção dos enunciados, quer seja
atribuindo significações ao texto, operando numa atitude responsiva ou modelando o discurso
do autor-criador, uma vez que este, na formulação dos enunciados, leva em consideração os
leitores presumidos dos discursos, na expectativa de possíveis respostas destes.
160

O filósofo russo, em seus textos, diferencia o leitor presumido do público-leitor. Nas


palavras bakhtinianas, o ouvinte/leitor imanente é co-participante do evento comunicativo,
ocupando uma posição própria e independente, ou seja, está inerente ao processo de produção
dos gêneros do discurso determinando a forma como esses enunciados serão materializados. De
outra forma, Bakhtin refere-se ao público leitor como sendo aquele elemento localizado fora do
texto, que não exerce uma influência direta e profunda na construção dos
enunciados/textos/gêneros.
Esclarecemos que, segundo Bakhtin, quando nos referimos aos sujeitos da
comunicação estamos nos reportando a indivíduos que ocupam posições socioavaliativas
assumidas dentro do discurso (autor-criador e autor-contemplador), e não a representações de
pessoas reais (autor-pessoa). Disso decorre que os indivíduos são produtos das representações
sócio-históricas e discursivas de seu tempo.
Embasados nessas ideias do Círculo Bakhtiniano, passamos a analisar os cartazes de
combate à AIDS, assinados pelo Ministério da Saúde no período de 1999 a 2013, destacando,
inicialmente, o público-alvo dos cartazes da AIDS que o MS informa, anualmente, através do
seu Portal DST/AIDS. Em seguida, definiremos os possíveis leitores das peças publicitárias que
se encontram materializados nos cartazes de combate à AIDS.
Para tal análise, relacionaremos o conteúdo imagético e linguístico dos cartazes com
o intuito de identificar os possíveis leitores desses textos, de forma a identificar o grau de
intimidade entre os interlocutores, bem como perceber as possíveis construções valorativas e
axiológicas do autor-contemplador pelo governo federal através de diálogos estabelecidos entre
esses enunciados e seus múltiplos contextos.
A seleção do material verbo-visual dos cartazes passa por um processo de pesquisa
quanto aos destinatários dos textos, o que revela a posição valorativa do autor-criador. A
escolha dos recursos linguístico-pictóricos e sua organização no texto são feitas levando-se em
consideração diversos fatores: conteúdo temático, projeto discursivo, leitor imanente, entre
outros.
Como bem lembra Bakhtin, ao escolhermos uma palavra, partimos das intenções que
presidem ao todo do nossoenunciado. Isso quer dizer que na elaboração dos textos, o autor-
criador cria uma imagem valorativa e axiológica dos possíveis leitores desses enunciados,
presumindo as prováveis respostas a serem formuladas. Assim, o enunciador posiciona-se na
interlocução como um sujeito também responsivo, ou seja, o falante, ao emitir o seu discurso a
outrem, ao mesmo tempo está respondendo, antecipadamente, a possíveis entoações valorativas
dos ouvintes quanto ao conteúdo temático em questão.
161

A princípio, baseando-se no discurso dos documentos oficiais, relacionamos no quadro


abaixo o público-alvo a quem são dirigidas as campanhas publicitárias do Ministério da Saúde
de combate à AIDS nos últimos 15 anos. Vejamos:

QUADRO 3 – Público-alvo das Campanhas Publicitárias de 1999 a 2013


Nº ANO PÚBLICO-ALVO
01 1999 Mulheres das classes C, D, E, entre 15 e 39 anos.
Homens, mulheres e jovens adultos das classes C, D, E, entre 15
02 2000
e 39 anos.
Homens, mulheres das classes C, D e E, heterossexuais, entre 20
03 2001
e 45 anos.
04 2002 Mulheres
05 2003 Adolescentes femininos de 13 a 19 anos.
06 2004 Homens.
07 2005 Homens entre 15 e 54 anos.
08 2006 Foliões.
09 2007 Foliões.
10 2008 Mulheres.
11 2009 Mulheres com mais de 50 anos.
12 2010 Jovens mulheres de 13 a 19 anos.
13 2011 Mulheres entre 15 e 24 anos das classes C, D e E.
14 2012 Jovens gays de 15 a 24 anos.
15 2013 População sexualmente ativa dos 15 aos 49 anos.

No quadro 3, organizamos uma listagem referente ao público-alvo de cada campanha


de DST/AIDS do carnaval através de informações colhidas no próprio portal do MS.
Percebemos, no entanto, que levando em consideração o sexo dos leitores presumidos,
identificamos 7 (sete) das 15 (quinze) campanhas tendo como destinatário direto o público
feminino, enquanto que para o sexo masculino apenas 2 (dois) cartazes estão direcionados a
este grupo, e encontramos apenas 1(um) cartaz destinado diretamente à população
homossexual. Nos outros 5 (cinco) restantes não se tem uma determinação quanto ao sexo dos
162

interlocutores, abrangendo tanto homens e mulheres, porém os possíveis leitores são


selecionados pelo seu perfil etário.
A determinação do público-alvo pelo Ministério da Saúde nas campanhas publicitárias
do carnaval é orientada pelos dados divulgados através do Boletim Epidemiológico, um
documento oficial que informa sobre a ocorrência de Doenças Sexualmente Transmissíveis
(DST’s) e HIV/AIDS no Brasil, de forma a construir um cenário epidemiológico, identificando
os fatores determinantes dessas infecções na população brasileira. Como exemplo, temos o
Boletim Epidemiológico de 2008, que traz em sua publicação a temática dos casos de AIDS em
indivíduos com mais de 50 anos, demonstrando uma tendência de aumento no diagnóstico da
doença entre mulheres nessa idade. Considerando essa informação, o governo lança a campanha
de 2009 destinada a atingir o público feminino com idade superior a 50 anos, utilizando-se
como slogana frase: “Sexo não tem idade para acabar. Proteção também não”.

FIGURA 48 -Cartaz AIDS/Carnaval 2009

Fonte: Portal DST/Aids. Disponível em:< http://www.aids.gov.br/> Acessado em 12 jun. 2014.

Na campanha do carnaval do ano de 2009 foram veiculados três cartazes diferenciados:


um apresentando uma mulher de pele negra, outra com um tom de pele mais clara e uma outra
que podemos identificar, pela cor branca dos cabelos, como representante de um grupo de
pessoas com idade mais avançada. Observamos que essa seria uma estratégia de abordar a
heterogeneidade da mulher brasileira, quer seja pela cor da pele ou idade; buscando uma maior
identificação com o seu público-alvo, por meio do reconhecimento deste nas imagens
veiculadas. Dessa forma, podemos considerar que os personagens apresentados pelos cartazes
seriam uma representação do grupo social de seu público-alvo. Nesse caso, temos o público-
alvo do MS correspondendo aos leitores imanentes identificados nos cartazes.
163

O slogan da campanha “Sexo não tem idade para acabar. Proteção também não”,
permite-os inferir que o autor-criador percebe que os grupos de mulheres consideradas de
terceira idade são formados por pessoas que têm vida sexual ativa. Isso é constatado pelo
Boletim Epidemiológico de 2008, quando afirma que o contágio pelo vírus HIV aumentou em
mulheres com idade superior a 50 anos. Mas também esse discurso está materializado nos
signos imagéticos do texto – essas mulheres segurando nas mãos uma camisinha.
Assim, os dados do Boletim Epidemiológico,principais referenciais na construção das
campanhas de luta contra a AIDS pelo Ministério da Saúde, estão diretamente interligados com
a escolha do público-alvo das campanhas de carnaval. Concernente a tal fato, afirmamos que
os cartazes do carnaval se configuram em uma resposta aos discursos de documentos de
pesquisa e análises de dados, tais como os Boletins Epidemiológicos.
Em outras palavras, as informações divulgadas pelo documento oficial servem de
orientação para a organização dos discursos construídos nas peças publicitárias de prevenção
ao contágio da AIDS, bem como para a construção do provável destinatário o qual se quer
atingir, com o intuito de conscientizar esse grupo social sobre a importância da prevenção de
doenças sexualmente transmissíveis.
Considerando o cartaz em análise, percebemos que o grupo das mulheres “maduras”
faz parte dos enunciados construídos pelo autor-criador, uma vez que este, em seu processo de
produção verbal, orienta-se pelos conhecimentos compartilhados pelos interlocutores acerca
desse grupo social, tais como, estilo de vida, expectativas pessoais, transformações na
sexualidade, etc. Isso significa dizer que o leitor presumido é um elemento intrínseco do gênero
discursivo, fator que o diferencia do público-leitor, ou seja, dos reais interlocutores do evento
comunicativo, pois, no contexto de circulação dos textos, outros grupos sociais terão acesso a
esses enunciados (jovens, homens, homossexuais, etc.).
Não podemos deixar de observar que os gêneros em análise encontram-se interligados
com a realidade sociocultural, uma vez que se evidencia a mudança de um panorama social
brasileiro – além da feminização da doença, temos a incidência do vírus HIV nos grupos de
idosos. Quanto a este último, há décadas atrás, os sujeitos de terceira idade eram vistos pela
sociedade como pessoas que tinham sua vida sexual finalizada, ou seja, devido a diversos
fatores, entre eles a impotência sexual relacionada à questão da idade, tínhamos a ideia de que
nossos pais e avós com mais de 50 anos, não teriam condições de se relacionarem sexualmente.
É nesse ambiente de intensas transformações sociais e culturais que os gêneros
dialogam com a situação concreta imediata, de forma a respondê-la considerando os vários
164

discursos ideologicamente marcados nos mais diversos grupos sociais, e, assim, tornando
possível a sua modificação e reconstrução num contexto espaço-temporal.
Enfim, observamos que os cartazes de prevenção a AIDS também são uma forma de
responder a situações concretas, ou seja, são respostas aos acontecimentos da vida, a outros
discursos bastante representativos em nossa sociedade. Para ilustrar o que enunciamos, vejamos
o cartaz a seguir:

FIGURA 49 -Cartaz AIDS/Carnaval 2004

Fonte: Portal DST/AIDS. Disponível em:< http://www.aids.gov.br/> Acessado em 12 jun. 2014.

Como abordado alhures, essa campanha foi construída a partir de um contexto social
permeado de muitas polêmicas referentes à segurança do preservativo. O discurso religioso,
representado pela instituição da igreja católica, fazia declarações sobre a ineficácia da
camisinha em proteger as pessoas da doença, contradizendo (ou dando uma resposta) ao que
preconiza o discurso médico-científico, que vê no preservativo a forma mais importante de
prevenção à AIDS. Mesmo o Ministério da Saúde negando que a campanha seja uma resposta
às afirmações da igreja, identificamos nas pistas linguísticas e extralinguísticas que o projeto
discursivo do cartaz está em responder a um discurso perpassado na sociedade, confirmando,
assim, a existência de um elo na cadeia infinita de discursos de diferentes sujeitos.
Quanto ao aspecto linguístico percebemos a ênfase nas palavras “use” e “confie” que
aparecem no mesmo cartaz por duas vezes. Além do mais, a primeira frase “Pela camisinha não
passa nada” está sendo veiculada no sentido de que pelo material (látex),do qual é
confeccionado o preservativo, é impermeável, inexistindo a possibilidade do vírus HIV
165

atravessá-lo. Quanto ao aspecto visual, o discurso de total segurança do contraceptivo é


reforçado pela imagem da camisinha representando um aquário.
No cartaz representado pela figura 49, o público-alvo que o MS se propôs a atingir foi
o grupo formado por homens (ver quadro 3), no entanto, analisando as pistas linguísticas e
imagéticas não identificamos nenhum elemento verbo-visual que fizesse referência ao sexo
masculino. O enunciado com a frase “Pela camisinha não passa nada. Use e confie” determina
que os leitores em potencial desse texto são caracterizados por pessoas de ambos os sexos as
quais possam duvidar da segurança do preservativo.
Diante do exposto, defendemos a ideia de que o ato de enunciar é também um ato de
argumentar, uma vez que enunciar é uma forma de agir sobre o outro discursivamente. Ao
interagirmos com o outro estamos respondendo a vários outros discursos das mais diversas
esferas da atividade humana, e é nessa teia discursiva que nos reconstruímos constantemente.
Conforme a premissa bakhtiniana, os enunciados são construídos por alguém e
destinados a alguém, ou seja, são imprescindíveis no mínimo dois interlocutores para que haja
interação comunicativa. Os sujeitos que participam da interlocução são indivíduos
socioculturais e históricos com formações ideológicas advindas de suas experiências
vivenciadas na comunidade discursiva à qual pertencem. Nas palavras de Bakhtin
(1976[1926]), o discurso está diretamente vinculado à vida em si e não pode ser divorciado dela
sem perder sua significação.
Nesse sentido, cabe ressaltarmos que a produção de enunciados está, principalmente,
orientada para atender as expectativas de possíveis leitores, isto é, estes exercem diretamente
grande influência na escolha das estratégias de organização dos textos, sejam elas quanto aos
recursos linguísticos (seleção lexical, relações sintático-semânticas, adequação de registro, etc.)
e/ou quanto aos signos imagéticos (layout, cenário, imagens, cores, etc.) com o intuito de que
o discurso do autor-criador seja compreendido pelo seu leitor/ouvinte em potencial. Este último
sendo composto por sujeitos sociais que no ato da construção de sentidos posicionam-se e
interagem dentro de um mundo de valores.
Observando o quadro do público-alvo das campanhas publicitárias, percebemos que
há uma forte recorrência dos cartazes da AIDS do MS endereçarem suas campanhas para o
leitor feminino, que no discurso institucional é explicado pelo fenômeno de feminização da
doença no cenário epidemiológico no país. Porém, em todos os cartazes analisados, temos como
destaque e referência o preservativo masculino, mesmo com a existência da camisinha
feminina, mas que, no entanto, não se tem uma maior notoriedade dentro da sociedade.
166

Quanto ao aspecto dos recursos imagéticos, identificamos apenas em 5 (cinco)


campanhas (2003, 2008, 2009, 2011 e 2012) a inter-relação do público leitor com as pistas
visuais que o represente, como foi ilustrado e analisado na figura 45. Desse modo, nas 10 (dez)
campanhas restantes não é possível estabelecer uma relação direta entre o material pictórico e
o público-alvo, como podemos observar na figura 46, por exemplo, o qual se tem a imagem de
um peixinho no interior de uma camisinha que representa a imagem de um aquário, e que
segundo o MS, essa campanha tinha como público-alvo o sexo masculino.
Isso indica que os órgãos de saúde do governo, mesmo definindo o público-alvo o qual
se quer atingir, escolhem como estratégia visual nos cartazes uma forma de retórica visual que
alcance, amplamente, os diversos grupos sociais, ou seja, os possíveis leitores. Em
consequência disso, não existe uma preocupação em organizar o texto conforme as
peculiaridades do público-alvo descrito nas campanhas, mas seu projeto discursivo está
centrado na busca de se atingir todos os públicos indistintamente pelos cartazes, uma vez que
estes gêneros têm como características principais a maleabilidade (podem ser visualizados em
diversos lugares, tanto em ambientes externos quanto internos); ação rápida e constante
(ocupam locais em que há muito fluxo de passagem de pessoas); impacto (impressionam pelas
cores e imagens que os constituem) e a simplicidade (formada por mensagens concisas, diretas
e breves, de fácil compreensão).
Acreditamos, assim, que se as campanhas estão destinadas a certo grupo social o qual
foi diagnosticado como uma população em crescente risco de contágio da doença, seria mais
coerente que os enunciados fossem produzidos com o propósito de que esse público se
reconheça e se identifique com o discurso verbo-visual dos cartazes numa tentativa de maior
sensibilização por parte desses indivíduos para a conscientização dos mesmos na importância
do seu papel social de adquirir hábitos preventivos em relação à conservação da própria saúde
e a dos outros.
Uma das formas dos leitores presumidos se identificarem com os cartazes é através
dos enunciados verbais: seleção lexical, construção sintático-semântico, etc.. E em nossas
análises, quanto ao material linguístico dos cartazes, verificamos que em apenas duas
campanhas (2003 e 2012) os signos linguísticos encontravam-se compatíveis com os possíveis
leitores, demonstrando um maior grau de proximidade com esses grupos (jovens femininos).
Em outras palavras, nesses cartazes são utilizados uma linguagem informal que denota certo
grau de intimidade com os interlocutores. A título de exemplificação apresentamos o seguinte
cartaz:
167

FIGURA 50 -Cartaz AIDS/Carnaval 2003

Fonte: Portal DST/AIDS. Disponível em:< http://www.aids.gov.br/> Acessado em 12 jun. 2014.

No enunciado “Sexo só com camisinha. Ou então só olha e baba, baby” temos a


expressão “baba, baby” que é título de uma música da cantora Kelly Key, que fez muito sucesso
nesse período entre os jovens. Esse bordão fez parte da linguagem da juventude brasileira, o
que demonstra que o governo se coloca como alguém que fala a língua do público-alvo, na voz
da cantora Kelly Key, denotando uma relação de alto grau de intimidade com esse público.
Porém, como foi relatado anteriormente, essa adequação entre a linguagem dos
cartazes e o seu público-alvo não acontece nas demais campanhas. A mensagem dos cartazes é
construída tomando por base uma linguagem formal, assim como a utilização, nos cartazes de
2005, 2006 e 2007, do termo “Vista-se”. Observamos que nessa construção frasal foi escolhido
a forma enclítica, em detrimento da forma proclítica que é mais usual na linguagem,
principalmente, pelas classes menos favorecidas. Assim, percebemos que há certo
distanciamento entre os enunciadores dos textos e seus leitores imanentes, não só no nível
linguístico, mas também, no território do visual, que, como já havíamos comentado, a grande
maioria dos cartazes não nos permite identificar o seu público-alvo através de seus recursos
imagéticos.
Partindo da constatação de que a maioria dos cartazes de combate à AIDS do MS está
endereçado ao público feminino, então, achamos necessário analisar de que forma o enunciador
constrói a imagem das possíveis leitoras nesses textos, ou seja, que entoação, valores culturais,
168

posições axiológicas encontram-se engendrados nos discursos que são perpassados através
desse material publicitário.
As campanhas publicitárias do Ministério da Saúde que têm como público-alvo
determinado a população feminina são as veiculadas durante o carnaval de 1999, 2002, 2003,
2008, 2009, 2010 e 2011. Primeiro fato a observar é que nesses cartazes o discurso está
centralizado na responsabilidade da mulher frente às atitudes de prevenção da AIDS, através
do uso do preservativo. Vejamos nesse cartaz:

FIGURA 51 -Cartaz AIDS/Carnaval 1999

Fonte: Portal DST/AIDS. Disponível em:< http://www.aids.gov.br/> Acessado em 16 jun. 2014.

Na frase “Viver sem aids só depende de você”, temos o termo “só depende” em
destaque vermelho, cor que além de dar maior visibilidade às palavras, está também relacionada
à simbologia da AIDS. Isso significa que o enunciador quis enfatizar a ideia da
responsabilização individual, atribuindo à mulher o papel de evitar o contágio do vírus HIV
exigindo que o seu parceiro sexual use a camisinha, mesmo que este preservativo seja de uso
masculino.
Essa organização do discurso voltada para a responsabilização feminina ocorre nos
demais cartazes, sempre colocando a mulher numa posição de tomada de decisão quanto ao uso
do preservativo. Podemos visualizar nas construções de enunciados dos cartazes direcionados
ao público feminino, tais como: “Sem camisinha nem pensar” (Carnaval de 2002), “Sexo só
com camisinha. Ou só olha e baba, baby” (Carnaval de 2003), “Qual a sua atitude na luta
contra a aids?” (Carnaval de 2008), “Use camisinha. É coisa de mulher segura” (Carnaval de
2009), “Sem camisinha não dá” (Carnaval de 2011).
Esse poder atribuído às mulheres quanto às decisões tomadas referente à sexualidade
feminina está relacionada ao contexto cultural que atualmente vivenciamos. Antigamente, as
169

mulheres tinham como função social desempenhar o papel de esposa e mãe, as quais exerciam
as tarefas de cuidar do ambiente doméstico, eram responsáveis pela educação dos filhos e servir
sexualmente aos maridos. Quanto a este último aspecto, o sexo era praticado como meio de
reprodução da espécie humana, em que nessa relação não era permitido à mulher sentir ou
expressar o prazer. Além disso, o valor de uma pessoa do sexo feminino estava atrelado à sua
virgindade, como apregoava o Código Civil Brasileiro em seu art. 219, inciso IV, o qual
autorizava o marido anular o casamento caso descobrisse que a mulher não era mais virgem.
Apesar de um histórico de lutas e conquistas dos movimentos feministas no Brasil que
eclodiram ao final do século XIX e início do século XX, foi com a Constituição Federal de
1988 em seu art. 5º, inciso I, com a declaração da igualdade de direitos entre homens e mulheres,
que percebemos que o cenário feminino brasileiro ganha um grande impulso em direção às
mudanças nos mais diversos setores da sociedade: exercício de direitos que antes eram
exclusivamente masculinos, como por exemplo, o direito de votar e ser votada; direito ao
divórcio, à educação e ao trabalho; liberdade sexual, entre outros.
Nesse sentido, a mulher brasileira atual é formada, em sua grande maioria, por pessoas
que lutam por seus direitos sociais, econômicos e políticos; por respeito e independência numa
sociedade marcada por uma visão machista e preconceituosa; pela liberdade de viver a sua
sexualidade em sua plenitude, conforme lhe convém; buscam o poder de decisão sobre o próprio
corpo; e pelo fim das inúmeras violências sofridas nos mais diversos ambientes, sejam eles
profissionais ou familiares.
Diante do exposto, acreditamos que esse seja um dos fatores que explica o fato dos
enunciadores dos cartazes, mesmo perpassando por três governos diferentes, consolidarem um
discurso sempre voltado para o compromisso da mulher em assumir a obrigação de prevenir o
contágio da AIDS, de forma a reduzir os índices de soropositivos no país, ou seja, apregoam
uma responsabilização feminina da doença.
Quanto ao aspecto do recurso visual, as mulheres, nos cartazes das campanhas
publicitárias do MS, ocupam a posição central do gênero, sendo apresentadas sempre com
sorriso no rosto e expressando um momento de alegria, além de portarem o preservativo como
ferramenta primordial da prevenção a AIDS. O centro, campo de visão privilegiado nos
cartazes, tem como efeito imediato atrair a atenção dos interlocutores para a visualização dos
cartazes, composto por ilustrações que seduzem mais pelo seu aspecto colorido.
A expressão de alegria combina com o contexto das festas carnavalescas, mas o
vestuário (excetuando o cartaz do ano de 2011) não condiz com o período em que são
divulgadas as peças publicitárias, bem como, o cenário e os slogans criados nesses cartazes.
170

Acreditamos que essa desconexão dos recursos linguísticos e imagéticos com o contexto
situacional do evento comunicativo provoca um distanciamento das relações entre o enunciador
e seu leitor presumido.
As mulheres, expostas nos cartazes, são sempre mostradas sozinhas, sem nenhuma
conotação para o caráter da sensualidade. Assim, percebemos que não está sendo retratada na
retórica visual dos cartazes a sexualidade feminina em sua essência, a qual está relacionada aos
elos de afetividade, desejos, orientação sexual, demonstração de carinhos, entre outros. Vimos,
dessa forma, uma tendência dos enunciadores buscarem uma posição de certa neutralidade a
essa temática a fim de se evitarem posturas polêmicas que poderiam ser suscitadas no seio da
sociedade, o que confirma que certos temas são ainda tratados com certo pudor e medo.
Nesse sentido, observamos que os leitores imanentes que fazem parte, de forma
intrínseca, na construção dos enunciados, definindo o conteúdo temático, estilo e forma
composicional do gênero, não estabelecem uma correspondência linguística e imagética com o
público-leitor definido pelas campanhas publicitárias do Ministério da Saúde. Eles se
encontram inseridos nos discursos produzidos com o propósito de responder, em graus de
concordância ou discordância, a certas ideologias, valores sociais, axiologias que são formadas
cultural e sócio-historicamente na comunidade discursiva em que os gêneros discursivos
circulam.
171

ALGUMAS REFLEXÕES

Apresentamos neste trabalho um percurso teórico concernente à área de gêneros


discursivos, baseando-se, predominantemente, nas concepções epistemológicas do Círculo de
Bakhtin(2012[1929]; 2011[1979]; 2010[1975]; 1976[1926]), sem, no entanto, deixarmos de
citar autores que se destacam no estudo de gêneros, tais como, Miller (2009), Devitt (2004),
Bronckart (1999), Dionísio (2011), entre outros. Consideramos ser de suma importância para a
construção teórica desta pesquisa, evidenciarmos olhares comuns entre os diferentes caminhos
da teoria de gêneros, uma vez que acreditamos que pela própria natureza do objeto em estudo,
com suas formas variáveis e transmutáveis, reflete, dessa forma, na variedade de diálogos
enriquecedores ao trabalho.
Sobre a contribuição específica de Bakhtin, podemos destacar a sua visão sócio-
histórica da linguagem, o que significa dizer que toda ação humana no mundo está ligada à
linguagem e, esta, por sua vez, encontra-se contextualizada num sistema social, submetida a
regras histórico-culturais e ideologicamente marcada.Nessa linha de pensamento, a língua é
analisada a partir de sua realidade concreta que acontece através da interação social entre os
sujeitos da enunciação, agregando ao seu conteúdo significativo valores ideológicos,
constituindo-se como legado histórico-cultural da humanidade.
Contemplamos em nosso estudo a esfera publicitária que tem o poder da persuasão e,
assim, influenciar na construção e disseminação de ideias e ideologias que vão, aos poucos,
integrando-se ao nosso cotidiano e aos nossos discursos. Especificamente, os cartazes, em sua
grande maioria, tendem a privilegiar a composição imagética na constituição dos discursos,
pois os materiais pictóricos demonstram maior força para a visibilidade do texto, ou seja,
utilizam-se da metáfora visual para atingir seus objetivos de forma rápida e eficiente.
Partindo dessas reflexões, é que analisamos os cartazes de prevenção a AIDS
produzidos pelo Ministério da Saúde desde 1999 a 2013 no período do carnaval, perfazendo
um total de 21 cartazes divulgados em 15 campanhas publicitárias. O gênero cartaz é
constituído da inter-relação dos signos linguísticos e imagéticos, os quais a interação dos
elementos verbo-visuais reflete e refrata, em certa medida, a realidade sócio-cultural, e dessa
forma, defendemos a existênciade uma relação de complementaridade entre eles, e não de
superioridade de um recurso em detrimento ao outro.
172

Ao analisarmos os contextos sociais e imediatos desse gênero discursivo e multimodal


permitiu-nos constatar que houve transformações significativas na abordagem da temática da
AIDS desde o seu surgimento na década de 80. No início da divulgação da doença o discurso
perpassado pelos meios de comunicação, confirmados em jornais e revistas, estava carregado
de avaliações discriminatórias, relacionando a epidemia diretamente ao grupo de homossexuais,
uma vez que foi denominada de “Peste Gay”.
A partir dos anos 90, outros grupos sociais foram atingidos pelo vírus HIV, como por
exemplo, profissionais do sexo, hemofílicos, heterossexuais, mulheres, etc.; o que levou que os
órgãos de saúde pública focassem suas ações discursivo-ideológicas para a responsabilização
individual. Dessa forma, o discurso não mais fazia referência a “grupos de risco”, mas para
“comportamentos de risco”, que nos cartazes é enfatizado pela recorrência linguística da
expressão “Use camisinha” e da permanente exposição visual da figura do preservativo nos
cartazes em análise.
Percebemos, em nossas averiguações, que ao se delegar a responsabilidade da infecção
pelo vírus HIV para o indivíduo, o governo federal não se coloca numa posição deco-
responsável pela disseminação da doença no país. O tom imperativo utilizado nos cartazes
demonstra que a responsabilização pela epidemia é individual.
Detectamos também na pesquisa que os discursos construídos nos cartazes
propagandísticos são uma forma de dar respostas a outros discursos atravessados no meio
social. Como exemplo, temos o discurso religioso que contradiz o que apregoa o Ministério da
Saúde em relação ao uso do preservativo como forma de evitar o contágio da AIDS. As
instituições religiosas, principalmente a católica, defendem a ideia de prevenção da doença
através da fidelidade entre o casal ou a adesão à abstinência sexual.
Outro ponto a considerar é que não percebemos uma preocupação em particularizar o
gênero, de forma a relacioná-lo ao contexto mais imediato da interação verbal, pois mesmo os
cartazes sendo divulgados no período das festas carnavalescas não identificamos uma
incidência mais significativa quanto ao uso dos recursos verbo-visuais relacionados a essa
festividade. Isso significa dizer que os cartazes de luta contra à AIDS no período do carnaval
não leva em conta a situação imediata em que são formados os enunciados verbo-visuais do
gênero.
Quanto à inter-relação dos elementos linguísticos e imagéticos, detectamos uma
correspondência de complementaridade entre eles. Em outras palavras, os signos visuais
materializados nos cartazes ancoram o discurso veiculado pelo signo linguístico, auxiliando na
composição do conteúdo temático. Nessa perspectiva, observamos que há nos cartazes um
173

predomínio na utilização de logotipos de diversos órgãos ligados à saúde pública (SUS,


Ministério da Saúde, Governo Federal), o que entendemos como uma forma de assegurar a
visibilidade, diante da sociedade, de uma imagem de governo atento e preocupado com os
problemas da saúde pública.
174

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ANEXOS
180

CARTAZ DO MINISTÉRIO DA SAÚDE – CARNAVAL 1999

CARTAZ DO MINISTÉRIO DA SAÚDE – CARNAVAL 2000


181

CARTAZ DO MINISTÉRIO DA SAÚDE – CARNAVAL 2001

CARTAZ DO MINISTÉRIO DA SAÚDE – CARNAVAL 2002


182

CARTAZ DO MINISTÉRIO DA SAÚDE – CARNAVAL 2003

CARTAZ DO MINISTÉRIO DA SAÚDE – CARNAVAL 2004


183

CARTAZ DO MINISTÉRIO DA SAÚDE – CARNAVAL 2005

CARTAZ DO MINISTÉRIO DA SAÚDE – CARNAVAL 2006


184

CARTAZ DO MINISTÉRIO DA SAÚDE – CARNAVAL 2007

CARTAZ DO MINISTÉRIO DA SAÚDE – CARNAVAL 2008


185

CARTAZES DO MINISTÉRIO DA SAÚDE – CARNAVAL 2009


186

CARTAZ DO MINISTÉRIO DA SAÚDE – CARNAVAL 2010

CARTAZ DO MINISTÉRIO DA SAÚDE – CARNAVAL 2011


187

CARTAZES DO MINISTÉRIO DA SAÚDE – CARNAVAL 2012


188

CARTAZES DO MINISTÉRIO DA SAÚDE – CARNAVAL 2013

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