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TERESINA - PIAUÍ
2014
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TERESINA - PIAUÍ
2014
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AIDS NO CARNAVAL:
Em cartaz, um diálogo bakhtiniano sobre tema e leitor presumido
BANCA EXAMINADORA
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Prof. Dr. Francisco Alves Filho (Presidente)
Universidade Federal do Piauí (UFPI)
_____________________________________________________________
Profa. Dra. Silvana Maria Calixto de Lima (Examinadora Interna)
Universidade Estadual do Piauí (UESPI)
_____________________________________________________________
Prof. Dr. Alisson Dias Gomes (Examinador Externo)
Faculdade Santo Agostinho (FSA)
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AGRADECIMENTOS
Em primeiro lugar, agradeço a Deus, fonte de sabedoria, que me iluminou durante toda
essa caminhada pelas trilhas do conhecimento humano rumo à evolução do espírito.
Dedico essa e outras conquistas aos meus avôs maternos, Rosa Vieira da Conceição
Penha (in memoriam) e Basílio Raimundo da Penha (in memoriam), que foram os meus
primeiros educadores nesta escola da vida. Ensinaram-me, pelos próprios exemplos, que
quando colocamos amor em tudo que fazemos o resultado é sempre o sucesso.
Minha eterna gratidão aos meus pais, Maria Rosimar Penha Santos e Manoel Alves
dos Santos, os quais são companheiros fiéis em todos os momentos vivenciados por mim.
Chegar até aqui, dependeu diretamente do apoio e amor incondicional recebidos deles,
cotidianamente.
Meus agradecimentos às minhas tias, Celimar Penha e Cleonice Penha, aos meus
irmãos, Samara Penha Santos e Weider Penha Santos, aos meus sobrinhos, Nayara Mara Santos
Ibiapina e Aman Nayran Santos Ibiapina, e aos demais familiares pela presença constante em
minha vida, pelas orações energizantes, pelo auxílio e presteza nos momentos de turbulência os
quais passamos juntos.
Agradeço ao professor Chico Filho pela orientação que foi luz nos caminhos teóricos
trilhados, pelas manifestações de carinho e amizade em todo o percurso acadêmico. À
professora Silvana Calixto que foi de grande importância na contribuição de meu
amadurecimento intelectual. Ao professor Alisson Gomes pela presteza e acolhimento nessa
etapa de minha vida. E, aos demais educadores os quais tive a oportunidade de ser aluna e que
sempre me ensinaram que todos somos eternos aprendizes.
Rendo as minhas homenagens aos amigos-irmãos pela compreensão das minhas
ausências, pelas palavras de incentivo que sempre me fortaleceram nos momentos difíceis, pela
torcida incessante em minhas batalhas, pelo companheirismo e declarações de afetos.
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RESUMO
O número de pessoas, no Brasil, infectadas pelo vírus HIV é crescente a cada ano, mesmo com
a grande quantidade de informações divulgadas pelos meios de comunicação, entre os quais,
destacamos em nosso estudo os cartazes das campanhas publicitárias de combate à AIDS.
Refletindo acerca dessa problemática é que a presente pesquisa consiste em investigar a maneira
como é abordada a temática da AIDS e de que forma são construídos os leitores presumidos
nos discursos materializados, linguístico e imageticamente, através dos cartazes de luta contra
a AIDS, desenvolvidos no período do carnaval a partir do ano de 1999 até 2013 e distribuídos
pelo Ministério da Saúde. Neste trabalho, baseamo-nos, prioritariamente, nos pressupostos
teóricos do Círculo de Bakhtin (2012[1929]; 2011[1979]; 2010[1975]; 1976[1926])
concernente aos gêneros do discurso, que desenvolve suas bases epistemológicas refletindo
sobre a natureza socioideológica e discursivo-dialógica da linguagem. Subsidiando essa linha
de pensamento, encontramos nas teorias da esfera publicitária autores como HOLLIS (2010) e
MOLES (1974) que tratam da construção histórica e estilística do gênero cartaz, bem como,
SANT’ANNA (2006) que discute quanto à retórica visual envolvendo a articulação dos
elementos verbo-visuais, de modo estratégico, com o intuito de construir uma realidade que
atenda ao projeto discursivo do autor-criador. Seguindo a abordagem sociológica bakhtiniana,
partimos, inicialmente, da contextualização histórico-cultural em que o gênero cartaz encontra-
se inserido, de modo a analisar o enunciado a partir de sua realidade concreta que acontece
através da interação social entre os sujeitos da enunciação, ressaltando, assim, as posições
valorativas e axiológicas que são percebidos na construção dos sentidos do gênero discursivo.
A análise qualitativa sociointeracionista do corpus da pesquisa composto por 21 cartazes, que
fazem parte das peças publicitárias de 15 campanhas de combate à AIDS produzidas pelo
Ministério da Saúde de 1999 a 2013, permitiu-nos constatar que o conteúdo temático do gênero
em estudo é construído, predominantemente, por um discurso orientado para a
responsabilização individual da doença, abstendo-se o Estado da sua responsabilidade social
em relação à prevenção da saúde pública. Percebemos também, em nossas investigações, que o
público-alvo determinado pelo Ministério da Saúde, em sua grande maioria, não corresponde
aos leitores presumidos construídos nos cartazes através da inter-relação de complementaridade
entre os recursos verbais e pictóricos que compõem os textos.
ABSTRACT
The numbers of people in Brazil, infected with HIV is rising each year, even with the large
amount of information disseminated by the media, among which we point out in our study the
posters of advertising campaigns to fight AIDS. Reflecting on this issue is that the present
research consists in investigating how it is dealt the issue of AIDS and how it is constructed in
the presumed readers in materialized, linguistic and imagetically discourses, through posters in
the fight against AIDS developed during the carnival from 1999 to 2013 and distributed by the
Ministry of Health. In this work, we rely primarily on the theoretical assumptions of Bakhtin
Circle (2012[1929];2011[1979],2010[1975], 1976[1926]) concerning the speech genres, which
develops its epistemological bases reflecting on socioideological discursive and dialogic nature
of language. Subsidizing this line of thought, we find in the theories of advertising sphere
authors as HOLLIS(2010) and MOLES(1974) dealing with the historical and stylistic
construction of gender poster as well, SANT’ANNA(2006) who discusses how the visual
rhetoric involving the articulation of verbal- visual elements, strategically, in order to construct
a reality that meets the discursive project of the author-creator. Following Bakhtin’s
sociological approach, we set out initially, the historical and cultural context in which the genre
poster is inserted, in order to analyze the utterance from its concrete reality that happens through
social interaction between the subject of enunciation, emphasizing thus, the evaluative and
axiological positions that are perceived in the construction of the senses of discourse genre. The
qualitative sociointeractionist analysis of the corpus consists of 21 posters, which are part of
the 15 advertisements campaigns against AIDS produced by the Ministry of Health from 1999
to 2013, enabled us to conclude that the thematic content of the genre under study is built
predominantly by a discourse oriented towards individual accountability of the disease,
eschewing the State of its social responsibility towards public health prevention. We also realize
in our investigations, the audience determined by the Ministry of Health, in its majority, does
not correspond to the presumed readers built on posters across the inter- relationship of
complementarity between verbal and pictorical resourses that compose the texts.
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
SUMÁRIO
PRIMEIRAS PALAVRAS
CAPÍTULO I
METODOLOGIA BAKHTINIANA
O termo supracitado “coisas” faz referência aos objetos, eventos, experiências, etc. que
os indivíduos vivenciam, experimentam, conhecem no dia-a-dia, aos quais eles atribuem
significações nas mais diferentes esferas sociais. Essa postura metodológica dialoga com a
concepção teórica bakhtiniana que se apoia no caráter socioideológico da linguagem, o qual
analisa a língua a partir de sua realidade concreta que acontece através da interação dos sujeitos
sociais, levando-se em conta o contexto amplo e o imediato. Além disso, numa enunciação real,
a construção de sentidos do signo linguístico e imagético é inteiramente determinada pelas
relações sócio-históricas.
significação, vista em sua forma viva e dinâmica. Nessa perspectiva teórica, os gêneros se inter-
relacionam às esferas da atividade e comunicação humana, ou seja, estão interligados às
situações interacionais de cada campo social (científica, escolar, religiosa, jornalística,
publicitária, etc.).
Dentre inúmeros gêneros que circulam na esfera publicitária, tais como, o outdoor,
banner, anúncio, entre outros, o foco do nosso estudo está voltado para os cartazes que fazem
parte das campanhas publicitárias de combate à AIDS e que trazem em seu texto a assinatura
do Governo Federal. Esses cartazes têm como divulgador principal o Ministério da Saúde (MS)
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A escolha do recorte temporal estabelecido por nós, justifica-se por acreditar que, ao
estudarmos as modificações sofridas pelo gênero cartaz propagandístico de combate à AIDS,
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Outro motivo plausível que justifique a seleção do lapso temporal é que o Ministério
da Saúde, através do Portal DST/AIDS e Hepatites Virais, disponibiliza, através do seu
endereço eletrônico, o material dos cartazes a partir de 1999. Há uma dificuldade de
recuperação dos cartazes antes de 1999, uma vez que os materiais distribuídos durante as
campanhas publicitárias não são arquivadas de forma física, e sim, de modo virtual na página
do Ministério da Saúde.
A partir dessa concepção de que são através dos gêneros que os indivíduos agem na
transformação da sociedade é que selecionamos os cartazes que levam a assinatura do governo
federal do Brasil, pois as campanhas publicitárias de prevenção a AIDS nas outras esferas
governamentais (estadual e municipal) são orientadas e fiscalizadas pelo Ministério da Saúde.
Em outras palavras, as formas e estratégias de divulgação das campanhas são regulamentadas
pelo Ministério da Saúde, através da Coordenadoria Nacional de DST/AIDS, o qual fornece o
material de publicidade para reprodução pelas demais entidades governamentais: Secretarias
Estaduais e Municipais de Saúde.
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Temos como projeto discursivo central dessa dissertação alcançar resultados eficazes
no percurso da investigação do objeto desta pesquisa direcionados a observar a articulação
estratégica entre a linguagem verbal e visual na construção da temática do problema da infecção
do vírus HIV no Brasil e dos leitores imanentes que constituem os enunciados. Para realização
de tal propósito, a princípio, serão analisadas as seguintes categorias: conteúdo temático eleitor
presumido.
Tal análise não será feita apenas por meio do corpus da pesquisa, como também
através da análise documental, em busca de dados, informações, notícias sobre a doença em
questão, divulgadas em revistas, jornais, periódicos, leis, etc. de cada época para que possam
ser mais bem visualizadas as influências socioculturais sofridas pelos cartazes de campanhas
publicitárias da saúde através do tempo, como também as transformações pelas quais passou,
levando-se em conta a diversidade dos interlocutores presumidos e dos projetos discursivos
propostos.
Depois de selecionar o corpus para análise, buscaremos nos apropriar das teorias de
gêneros do discurso, apoiando-se, principalmente, nos estudos do dialogismo bakhtiniano. Em
decorrência da multissemiose do objeto a ser analisado, consideramos indispensável
correlacionar diversos postulados teóricos em busca de uma maior compreensão sobre a
estrutura e funcionamento do gênero em questão, além de contribuir teoricamente para o
desenvolvimento dos estudos na área do gênero discursivo. Para tanto, apoiamo-nos nas
pesquisas nas áreas de gêneros discursivos, da multimodalidade e da publicidade, com o intuito
de estabelecer relações epistemológicas entre as diversas disciplinas e apresentar resultados
mais condizentes com a realidade.
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Ao tempo que reconstruímos a história do vírus HIV no cenário brasileiro, desde o seu
aparecimento na década de 80 até os dias atuais, esperamos perceber os vários discursos
construídos por diversas esferas sociais (jornalística, médico-científica, religiosa, publicitária)
acerca da temática da AIDS, sendo importante na reconstrução social da realidade. Dessa forma,
definiremos a dimensão social do conteúdo temático em diversas esferas da atividade humana,
construindo, assim, o contexto mais amplo em que o gênero cartaz é produzido, posto em
circulação e recepcionado. Como afirma Brait (2013: 95), “para tentar compreender a maneira
como a produção de sentidos aconteceu e acontece, comecemos pela historicidade do texto e
pelo contexto que o abrigou”.
Nesse aspecto, buscaremos identificar que tipo apreciação valorativa foi utilizado em
determinados contextos para referir-se à temática da AIDS, através das análises dos elementos
verbais (dando uma atenção especial aos slogans), bem como dos elementos que compõem a
retórica visual dos cartazes (cores, layout, cenário, logotipos, imagens).Como os cartazes são
compostos de uma linguagem verbal entrelaçada pelo uso de imagens, ressaltamos a
importância de se fazer uma análise quanto ao aspecto visual dos mesmos, uma vez que a
disposição gráfica das imagens nos cartazes expressa a intencionalidade do enunciador. Ao nos
direcionarmos para uma análise dos elementos imagéticos dos cartazes, não podemos
negligenciar o material verbal, pois a combinação de ambos é fundamental para uma
interpretação mais aprofundada.
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CAPÍTULO II
A partir desse momento, nota-se uma grande preocupação por parte dos pesquisadores,
de forma particular os linguistas, de entender, explicar, organizar, descrever os diferentes
gêneros textuais que circulam nas mais diversas esferas da sociedade, buscando aprofundar as
questões teórico-metodológicas e didático-pedagógicas. A profusão de perspectivas teóricas e
de métodos de análise é salutar na medida em que traz um maior enriquecimento teórico sobre
o tema de gênero. Essa diversidade de posturas teóricas deve-se à própria natureza dos gêneros
discursivos com suas formas variáveis, intercambiáveis e transmutáveis, o que veremos mais
detalhadamente a seguir.
Nas próximas páginas, discorreremos acerca dos gêneros do discurso tomando por
base a abordagem bakhtiniana com vistas a compreender algumas das principais ideias
desenvolvidas pelo Círculo de Bakhtin1 concernente a dialogismo, às categorias constitutivas
dos gêneros, à relevância do contexto na análise de gêneros discursivos, à construção dos atores
sociais envolvidos na interação sociodiscursiva.
1Inicialmente faço uma observação quanto às citações neste trabalho referente às publicações do Círculo
de Bakhtin, pois como existe um problema de autoria quanto aos textos produzidos não se tendo uma posição
unívoca sobre o real autor, consideraremos o nome de Bakhtin para representar as posições teóricas do grupo de
filósofos que fizeram parte do pequeno círculo de intelectuais e artistas (Mikhail Mikhailovitch Bakhtin,
MatveiIssaévitchKagan, ValetinNikolaévitchVoloshinov, PávelNikolaévitch Medvedev, entre outros).
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2Bakhtin (2012[1929]), de forma muito simplificada, preceitua a expressão como sendo “tudo aquilo que tendo se
formado e determinado de alguma maneira no psiquismo do indivíduo, exterioriza-se objetivamente para outrem
com a ajuda de algum código de signos exteriores” (p. 115).
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quer seja o seu interlocutor, o contexto situacional presente no momento da enunciação, entre
outros.
De acordo com essa concepção da linguagem, o processo de construção linguística se
faz no interior da mente do indivíduo de forma monológica e particular. Desse princípio,
depreende-se que a linguagem é inata ao homem, ou seja, a pessoa já nasce com a capacidade
de expressar o seu pensamento a partir de uma organização lógica e mental da língua. Partindo
desse preceito, infere-se que o ato de se expressar bem está estritamente ligado ao ato de pensar
articuladamente e de forma organizada e, para isso, constitui-se necessário o domínio de
modelos formais e estanques da língua (léxico, sintaxe, gramática, fonética).
Bakhtin denominou essa tendência de subjetivismo idealista o qual ele sintetiza em
quatro proposições:
indivíduo é o que define a atividade mental. Disso resulta que o ato de expressão parte do
interior para o exterior.
Contrariando o que postula a teoria da expressão do pensamento, Bakhtin (2012[1929]:
116) afirma que “não é atividade mental que organiza a expressão, mas, ao contrário, é a
expressão que organiza a atividade mental, que modela e determina sua orientação”. Isso quer
dizer que os fatores externos com suas próprias regras são os que determinam de que forma o
conteúdo interior será expresso. O processo de sistematização daquilo que se quer comunicar
inicia-se com a apropriação do material externo e, no momento de exteriorizar um pensamento,
são analisadas as condições de enunciação para a realização do ato de expressar.
Nas palavras de Bakhtin (2012[1929]: 117), “a situação social mais imediata e o meio
social mais amplo determinam completamente e, por assim dizer, a partir do seu próprio
interior, a estrutura da enunciação”. Como bem sabemos, não dizemos tudo que queremos em
toda e qualquer situação e da forma que desejamos. Existem regras sociais estabelecidas na
comunidade em que fazemos parte e cristalizadas em nosso psiquismo que orientam a forma
como dizemos algo a alguém.
Vejamos, como exemplo, esta dissertação que está sendo escrita por mim, que
aparentemente seria uma atividade solitária, mergulhada na intimidade dos meus
pensamentos.No entanto, a substância do meu conteúdo interior é um reflexo dos mais diversos
discursos acumulados através de experiências construídas nas relações com o outro e que
formam todo meu conhecimento de mundo, meus valores culturais, crenças e ideologias.
Quanto à exposição desse material psíquico, faz-se necessário, primeiramente, uma análise das
reais condições de enunciação, principalmente, o papel social dos interlocutores e o grau de
intimidade entre ambos. Nessa atividade comunicativa, o locutor escolherá de que forma
exprimir o conteúdo interior formado dentre os modelos disponíveis no âmbito da esfera de
atividade (nesse exemplo, a acadêmica) conforme as normas sociais estabelecidas e
compartilhadas pela comunidade discursiva, podendo ser através da defesa oral da dissertação,
publicação em revistas, transformação em um livro, comunicação em congressos, etc.
Dessa forma, concluímos que mesmo sendo uma atividade considerada individual, a
atividade mental revela-se como produto da inter-relação social.
2.1.2 A linguagem como instrumento de comunicação
Nessa concepção a linguagem é vista, segundo Geraldi (2011: 41), “como código
(conjunto de signos que se combinam segundo regras) capaz de transmitir ao receptor certa
mensagem”. Isso significa dizer que nessa linha de pensamento a língua tem como função
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precípua ser uma ferramenta de comunicação entre o locutor e o locutário, em que alguém
utiliza a língua para enviar uma informação ao outro, e este último, decodifica os signos
linguísticos transformando-os em mensagens, sendo necessário que tanto o emissor quanto o
receptor compartilhem dos mesmos signos linguísticos. Ressalta-se, que nessa vertente, assim
como na anterior (linguagem como expressão do pensamento), os atores da interação
comunicativa encontram-se isolados social e historicamente.
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De acordo com Rodolfo Ilari (2011), este livro foi publicado em 1916, como obra póstuma do linguista suíço
Ferdinand de Saussure, pelos alunos da Universidade de Genebra que se valeram para isso das notas de aula. Essa
foi a obra que deu origem à chamada linguística científica.
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Conceber a linguagem como sistema pronto e acabado, regido por leis próprias,
limitando-se ao estudo das análises do funcionamento interno da língua, desconsiderando as
variedades linguísticas e desvinculada de qualquer contexto histórico e social, significa
entender a língua como um código preestabelecido que não se pode criar ou modificar, como
um instrumento que deve ser apropriado pelos sujeitos interagentes para que se possa
estabelecer a comunicação. Como esclarece Bakhtin (2012 [1929]: 81), do ponto de vista desta
orientação, “o indivíduo recebe da comunidade linguística um sistema já constituído, e qualquer
mudança no interior deste sistema ultrapassa os limites de sua consciência individual”.
Percebemos, assim, que a história da língua é também construída a partir dos “erros”
individuais. Se a cada época um desvio da regra encontra situação favorável a sua
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O trabalho em que nos baseamos para citar um breve percurso histórico do pronome de tratamento “Vossa Mercê”
foi de Clézio Roberto Gonçalves, intitulado DE VOSSA MERCÊ A CÊ:CAMINHOS, PERCURSOS E
TRILHAS, publicado nos Cadernos do CNLF, Vol. XIV, Nº 4, t. 3.
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generalização, então, este desvio torna-se uma norma linguística quando aceita e compartilhada
pelos demais sujeitos da comunidade linguística. Diante de tal exposição, o processo de
evolução da língua não perpassa apenas por uma ação individual, da atividade dos falantes, mas
são essencialmente regidas por leis sociais. Concernente a isso, não comungamos com a ideia
de imutabilidade da língua e de exclusão dos indivíduos no processo de transformação do
sistema linguístico.
Criticando pontos cruciais observados acerca de tal pensamento, Bakhtin afirma que
somente dentro de uma realidade social em que estejam situados o emissor, o receptor e o
próprio som é que se pode pensar a linguagem,
Claro, que não desprezamos o sistema, pois, tacitamente, sabemos que a língua não é
um todo desordenado, mas se realiza também por meio de um sistema de “regras” mais ou
menos variáveis. Assim como explica Irandé Antunes:
As pessoas, quando falam, não têm liberdade total de inventar, cada uma a seu
modo, as palavras que dizem, nem têm liberdade irrestrita de colocá-las de
qualquer lugar nem de compor, de qualquer jeito, seus enunciados. Falam,
isso, sim, toda elas, conforme as regras particulares da gramática de sua
própria língua. Isso porque toda língua tem sua gramática, tem seu conjunto
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Geraldi (2011) observa que nessa concepção a linguagem é percebida como sendo um
lugar de interação humana, isto é, a língua seria um meio pelo qual o indivíduo que fala pratica
ações significantes, um produto da socialização. Como afirma o filósofo russo, “a língua passa
a integrar a vida através de enunciados concretos (que a realizam); é igualmente através de
enunciados concretos que a vida entra na língua” (BAKHTIN, 2011[1979]: 265). Aqui,
percebemos o vínculo existente entre a vida e a língua, sobressaindo-se o caráter social da
linguagem, o qual teve sua importância reconhecida no Círculo Bakhtiniano:
Por isso, afirmamos que a linguagem representa uma ação dos sujeitos entre si e entre
eles e o mundo, uma vez que através dela realizamos ações como: informar, interpretar,
influenciar, transformar, significar, ressignificar, construir, desconstruir, etc.; ao mesmo tempo
que, proporcionalmente, atuamos sobre a própria linguagem, principalmente, no que diz
respeito à sua mudança, evolução e diversidade. Ao produzir um enunciado, o indivíduo não
está apenas repassando uma informação ou expressando um pensamento, mais do que isso, ele
está agindo sobre o seu interlocutor, construindo vínculos. Dessas observações, Bakhtin nos
esclarece que a verdadeira natureza da língua
Não podemos negar a importância dos processos mentais pelos quais é produzida a
linguagem e muito menos negligenciar a relevância de se compreender o sistema de signos
linguísticos nos estudos da linguagem. A inserção do aspecto social nas duas vertentes objetiva
analisar a língua numa dimensão mais sócio-histórica. O ato de dizer algo a alguém, enquanto
prática social, coloca em cena certos fatores que envolvem as atividades mentais, o código
linguístico e a própria situação de interação.
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As ações mesmo situando-se em um nível mais individual, o seu estatuto é social, uma
vez que faz parte da atividade. A expressão “ações de linguagem” equivale ao que Bakhtin
chamou de formas e tipos de interação de linguagem, as condições concretas de sua realização.
Nessa direção, Bakhtin argumenta que
qualquer locução realmente dita em voz alta ou escrita para uma comunicação
inteligível (isto é, qualquer uma exceto palavras depositadas num dicionário)
é a expressão e produto da interação social de três participantes: o falante
(autor), o interlocutor (leitor) e o tópico (o que ou o quem) da fala (o herói)
(BAKHTIN, 1976[1926]: 8).
A partir desse pensamento, reconhecemos que a língua não se limita a ser identificada
apenas como um signo convencionalizado, nem somente como uma forma de expressar o que
pensamos e desejamos, mas além de tudo isso, ela está intrinsicamente vinculada com a vida,
com o nosso agir no mundo, é o elo que liga o “EU” ao “NÓS”, é trabalho constituído das inter-
relações daqueles que fazem uso da linguagem, quer seja ela verbal ou não. Ressaltamos, aqui,
o termo “NÓS”, porque acreditamos que na interação com o outro, o “EU” se recria
continuamente em referência a um “TU”, e, dessa forma, vislumbramos no “TU” a presença
também do “EU”.
Para ilustrar melhor nosso pensamento, vejamos a seguinte situação: duas pessoas
estão na sala da casa de uma delas, e depois de alguns minutos em silêncio, uma delas verbaliza
a palavra “Legal” e a outra continua sem responder. Até aqui, tomando o material linguístico
“Legal” isolado de qualquer contexto, encontraríamos um signo o qual poderia ser atribuído
várias significações, ou seja, para o indivíduo que não participa da cena da enunciação não iria
compreender o real significado dessa palavra. Numa forma dicionarizada, poderá ser atribuído
diferentes significados a esse léxico (em conformidade com a lei, excelente, resposta afirmativa
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equivalente a um “sim”, etc.), mas não saberíamos, na realidade, qual conteúdo de sentido está
sendo veiculado na conversação.
Claro que teríamos muito mais elementos que reforçariam a ideia de um sentido
negativo que o falante impõe ao enunciado (avaliação da situação), como por exemplo, os
gestos e expressões faciais realizados ao enunciar tal palavra, que numa situação concreta
poderá ser uma informação a mais a ser observada pelo interlocutor para uma melhor
compreensão daquilo que não está dito explicitamente. Como assevera Bakhtin (1976 [1926]:
5), “a situação se integra ao enunciado como uma parte constitutiva essencial da estrutura de
sua significação”.
Para uma análise mais ampla da atividade comunicativa não podemos pensar apenas
na situação imediata, mas na relação dos interlocutores com um contexto maior, considerando
os atores da interação como participantes de um grupo social, em que permeiam valores,
crenças, discursos, ideologias, etc. Nesse sentido, o enunciador ao emitir verbalmente a palavra
“Legal” analisou não somente o contexto situacional (para quem o enunciado era dirigido, qual
a sua intenção, o que estava acontecendo no momento determinado, etc.), mas também, foi uma
forma de materializar as influências sofridas pelo mundo exterior o qual se encontra conectado.
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Dessa forma, reconhecemos uma linguagem que vai além das fronteiras da interação
comunicativa do dito, explorando as terras férteis do não-dito da enunciação concreta sócio e
culturalmente configurada. É conferido à língua um caráter não apenas de uma forma
linguística, mas de uma forma enunciativa havendo uma interdependência entre o contexto
interacional e cultural e o código em si. Em outras palavras, a “ação do sujeito no mundo se
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inscreve num quadro social, submetendo-se às regras de gestão histórico-cultural, mas que
nunca é ideologicamente neutra” (MORATO, 2011: 316).
Os signos derivam não de uma consciência individual, mas das relações existentes
entre os indivíduos, ou seja, os signos são essencialmente de natureza social. Nesse sentido
Bakhtin manifesta-se afirmando que “a realidade dos fenômenos ideológicos é a realidade
objetiva dos signos sociais” (BAKHTIN, 2012[1929]: 36). O signo ideológico é compreendido
pela sua parte material (significado linguístico) e por uma parte social (relacionado a usos em
cada domínio da atividade humana ideologicamente marcado). Como explicita Faraco (2009),
para Bakhtin a palavra ideologia faz referência às representações que os diferentes grupos
sociais constroem do mundo.
A ideologia é continuamente construída a partir das interpretações de realidades do
mundo exterior que nos rodeia, agregando significações aos objetos do mundo visível, e dessa
forma, tornando-os formas sígnicas. Essas interpretações da realidade são compartilhadas e
aceitas pelos indivíduos que formam uma comunidade social organizada, fazendo com que haja
certa regularidade dessas representações.
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Segundo Faraco, “Ideologia é o nome que o Círculo costuma dar, então, para o universo que engloba a arte, a
ciência, a filosofia, o direito, a religião, a ética, a política, ou seja, todas as manifestações superestruturais”
(FARACO, 2009:46).
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Cada signo ideológico não é apenas um reflexo, uma sombra da realidade, mas
também um fragmento material dessa realidade. Todo fenômeno que funciona
como signo ideológico tem uma encarnação material, seja como som, como
massa física, como cor, como movimento do corpo ou como outra coisa
qualquer. [...] O próprio signo e todos os seus efeitos (todas as ações, reações
e novos signos que ele gera no meio social circundante) aparecem na
experiência exterior (BAKHTIN, 2012[1929]: 33).
Esse cartaz foi bastante divulgado na internet através das redes sociais (facebook,
twitter, blogs, etc.) e demonstra claramente o caráter multissêmico do signo, bem como, a
dimensão ideológica do discurso. Neste caso, temos a imagem da maçã que representa um
objeto real, uma fruta que existe no mundo material e, que por si só, tomada isoladamente, não
encarna um material sígnico. Para que essa fruta se torne um signo é necessário atribuí-lo
significações situando-o em contextos determinados e globais. Ressaltamos, outrossim, que as
construções de sentido emergem no interior das relações sociais.
Eva- primeira mulher criada por Deus, conforme escritos bíblicos, que
desobedecendo às leis divinas cometeu o pecado original comendo a maçã do
conhecimento e, em consequência, expulsa do paraíso.
Isaac Newton- famoso cientista que elaborou as leis da gravidade inspiradas a
partir da queda de uma maçã em sua cabeça, relato contado ao logo dos tempos.
A banda The Beatles– A famosa banda de rock dos anos 60 considerada a maior
banda de todos os tempos. Paul, um dos integrantes, arrematou a tela de uma
maçã verde do artista belga RenèMagritte, o qual era grande admirador. Essa
maçã tornou-se símbolo da gravadora Apple Records e era impressa em todos
os selos dos seus Lp’s.
Steve Jobs- co-fundador das empresas Apple Inc. e responsável por várias
invenções na área da informática usadas hoje em dia como o IPhone, Ipad e o
famoso software Itunes. O desenho de uma maçã mordida está impressa em
todos os equipamentos das empresas Apple, tornando-se símbolo da mesma.
infantil da Branca de Neve, entre outros. Mas nossa intenção não é listar as inúmeras
possibilidades de sentido do signo, e sim, observar como se dá o processo de criação ideológica.
Para isso, partimos do princípio de que é através da linguagem que interagimos uns
com os outros em um tempo específico e em um lugar definido, construindo significações para
nosso agir no mundo. Ao interagirmos com o mundo e com as pessoas arquivamos vários
conhecimentos ao longo do tempo, tais como, conhecimento6 linguístico, enciclopédico e
interacional. Essas experiências são individuais, uma vez que a situação é única e processada
cognitivamente por alguém também único no mundo, mas ao mesmo tempo esse conhecimento
é socializado, pois somos indivíduos que fazem parte de uma sociedade que compartilha
valores, crenças, ideologias, língua, objetivos comuns. Observamos, assim, que o(s)
significado(s) que atribuímos à imagem é fruto de múltiplas experiências históricas e culturais
que fazem parte de um repertório social.
No mundo material, a maçã não deixará de ser uma fruta, mas quando inserida em
vários outros contextos ela adquire outros significados, ou seja, “passa a refletir e a refratar,
numa certa medida, uma outra realidade” (BAKHTIN, 2012[1929]: 31), deixando de ser um
corpo físico no mundo e passando a ser um símbolo, e como tal, revestido de um sentido
ideológico, o que vai além de suas particularidades reais. Corroborando com tal pensamento
Miotello esclarece que
6
Na construção de sentidos faz-se necessário ativarmos alguns conhecimentos básicos que são apresentados por
Cavalcante (2012) como sendo: o conhecimento linguístico - que compreende aquele que o leitor possui sobre o
uso das regras da língua, de seu complexo sistema. O conhecimento de mundo - aquele que se encontra
armazenado na memória permanente de um indivíduo – para percebermos os sentidos do texto. São os
conhecimentos do leitor ativados por experiências vivenciadas ao longo da vida: lugar social, vivências, relações
com o outro, valores da comunidade, conhecimentos textuais, etc. O conhecimento interacional - ocorre sempre
que, ao interagirmos por meio da linguagem, precisamos mobilizar e ativar conhecimentos referentes às formas de
interação. Através dele reconhecemos o gênero discursivo com o qual dialogamos.
40
Nesse sentido, a língua é percebida em sua natureza concreta, viva, dinâmica, em seu
uso real na vida humana, ou seja, em sua natureza dialógica. A palavra “dialogismo” nos remete
a pensar em diálogo como uma comunicação face a face, mas veremos que na teoria de Bakhtin
a ideia de dialogismo está ligada à própria concepção de língua como interação verbal entre os
sujeitos do jogo comunicativo. Nessa complexa e organizada teia, em que vários elementos
41
Isso significa dizer, segundo Fiorin, que “o enunciador, para constituir um discurso,
leva em conta o discurso de outrem, que está presente no seu” (FIORIN, 2006: 19). Se pararmos
um pouco pra refletir, tudo o que falamos numa dada situação, estamos, de certa forma,
reproduzindo o que já foi dito anteriormente por alguém, pois aquilo que enunciamos foi
construído a partir do que foi lido em uma revista, jornal, livro, artigos ou ouvido de uma
conversa entre amigos, numa sala de aula, nos noticiários da televisão, em síntese, das
experiências sociais vivenciadas. Vejamos no texto a seguir:
42
Quantos aos signos ideológicos, a figura 2 nos remete não apenas ao material
linguístico (em que Bakhtin privilegia a palavra como sendo um signo ideológico por natureza,
uma vez que ela funciona em qualquer situação social), como também, ao signo imagético
(cores, disposição das imagens, etc.). Ao interagir com o texto, espera-se que o leitor construa
sentidos de forma a compreender não somente o que está sendo expresso visualmente, como
também, consiga adentrar na esfera dos implícitos, das ideologias e dos discursos.
43
Mas além do aspecto visual, esses sentidos são reforçados pela dimensão linguística
através do enunciado “O ATAQUE À JUSTIÇA – para escaparem da cadeia, os réus e os
radicais do PT desafiam a Constituição e a harmonia entre os poderes”. Ao entrecruzarmos
imagem e conteúdo verbal, é de fundamental importância entender o contexto em que está
sendo produzido o texto em questão.
Ainda em relação à capa da revista Veja, o autor que fala no texto, ele o diz a partir de
uma posição social que exerce no momento da enunciação. Nesse caso, o sujeito falante enuncia
através de uma instituição jornalística, isto é, o discurso do jornalista entra em diálogo com os
discursos da empresa que estão impregnados de valores, julgamentos, posicionamentos e
ideologias que a identifica.
Bakhtin, então, fala de uma atitude responsiva ativa, o que coloca o ouvinte/leitor
numa posição de locutor-agente do discurso que pode se manifestar de várias formas:
compreensão responsiva ativa (quando o interlocutor age no momento da enunciação, dando
uma resposta de forma imediata. Por exemplo, alguém fala e o outro responde, ou executa uma
ação); compreensão responsiva muda (quando a resposta permanece ausente por um certo lapso
de tempo). Para ilustrar, podemos observar as cartas do leitor de uma revista que escreve dando
uma resposta a um artigo, mas isso não acontece de forma imediata; compreensão responsiva
retardada (quando o que foi lido ou ouvido terá retorno no discurso ou no comportamento do
interlocutor em algum momento de sua vida).
45
É consensual quando se afirma que Mikhail Bakhtin não formulou teorias específicas
para gêneros discursivos, mas suas posturas filosóficas, dentre elas, sobre dialogismo, são
extremamente relevantes para a construção de pressupostos teóricos de gêneros discursivos,
uma vez que seus estudos passam a vislumbrar a linguagem como produto de suas interações
sociais, como códigos histórico-culturais emergentes e como processo dialógico-interativo
dentro de um contexto comunicativo.
Iniciaremos nosso diálogo com Bakhtin a partir de um trecho do seu livro Estética da
Criação Verbal, reproduzido, especificamente, no capítulo intitulado “Os Gêneros do
Discurso”. A partir daí, discutiremos as ideias veiculadas na citação para que possamos
entender como se constrói, no pensamento bakhtiniano, o conceito de gêneros. Assim,
prenuncia Bakhtin:
principalmente no cenário de sala de aula, com um ensino baseado na análise de frases isoladas
e descontextualizadas para explicar alguma regra gramatical, o que demonstra ser uma análise
muito superficial e pobre da língua frente à riqueza e à diversidade da linguagem.
Partindo desse pressuposto, é necessário definir com precisão a distinção entre oração,
texto e enunciado e explicar qual a relação existente entre eles. A primeira diferenciação que
Bakhtin (2011[1979]) faz entre oração e enunciado é considerar a primeira como uma unidade
da língua, enquanto que a segunda é definida como uma unidade da comunicação discursiva. A
oração, enquanto unidade significativa da língua, está limitada a sua natureza gramatical,
“desprovida da capacidade de determinar imediata e ativamente a posição responsiva do
falante” (p. 287). Na oração “choveu muito ontem”, conseguimos atribuir sentido à unidade
linguística, ou seja, uma das possibilidades de significação no enunciado. Porém, não
poderíamos ocupar uma posição responsiva se não sabemos, por exemplo, quem é o falante,
com que propósito proferiu este enunciado e em que situação. Mas Bakhtin ainda acrescenta
que uma oração pode tornar-se um enunciado pleno, desde que adquira certas propriedades,
como a alternância dos sujeitos no discurso, contato imediato com a realidade (com a situação
extraverbal) e com outros enunciados e a capacidade de suscitar respostas.
Da mesma forma acontece com o texto, em que o filósofo, numa de suas anotações
traz a seguinte reflexão:
Observamos, aqui, que é ressaltada a natureza dialógica do texto, assim também sendo
considerado território comum de ideologias, uma vez que o caracteriza como sendo um
conjunto de signos. Além disso, percebemos que, sob o ponto de vista da produção, o texto tem
a possibilidade não só de uma materialização linguística (através de palavras), mas podendo ser
constituído de outras semioses (verbais, visuais, sonoras, verbo-visuais, etc.), ideia
compartilhada por nós e por outros estudiosos como Cavalcante, quando a referida autora define
textos como sendo
Essas considerações permitem-nos dizer que um cartaz, uma fotografia, entre outros
meios semióticos, podem ser considerados textos, desde que cumpridos alguns pré-requisitos.
Em outras palavras, a produção do material discursivo deve estar orientada para alguém,
executando ações na interação comunicativa e sendo determinada pelo contexto histórico e
sociocultural. Nesse sentido, buscamos ampliar as formas de enunciados que o círculo
bakhtiniano prioriza nas inter-relações sociais - linguagem verbal (oral e escrita), inserindo
nesse conjunto de enunciados os textos multimodais.
Bakhtin (2011[1979]: 308) elege dois elementos que determinam o texto como
enunciado: “a ideia (intenção) e a realização dessa intenção”, essa última refere-se às
finalidades discursivas (propósitos comunicativos na concepção sociorretórica) a serem
executadas. Cabe explicitar, aqui, que a intenção encontra-se no nível individual, ou seja, no
nível da locução ou ato de fala, enquanto que a realização dessa intenção é vista como “motivo
social”. Verificamos, assim, que há um elo entre o particular e o público, e uma transformação
das finalidades individuais para os fins sociais. Quando o sujeito utiliza um gênero para realizar
objetivos individuais, ele primeiro atende normalmente às exigências sociais do gênero, uma
vez que o indivíduo é marcado pelas ideologias e discursos da comunidade da qual faz parte.
Depois dessas considerações, podemos dizer que tanto a oração quanto o texto podem
se transformar em enunciados concretos, e por conseguinte, únicos. Podemos compreendê-los
da seguinte maneira:
dialógica constitutiva com outros textos/discursos que os antecedem e deles se derivam. Como
resume Bakhtin (2011[1979]), o texto só ganha vida em contato com outros textos, ou seja, o
texto não existe isoladamente, ele está sempre em diálogo com outros textos. É a língua na vida
e a vida na língua.
Concluímos, dessa forma, que um enunciado concreto está além de sua relação com o
sistema linguístico enquanto código, pois está nas interações com o objeto (tema do discurso),
com o enunciador (aquele que produz o discurso com alguma finalidade), com as situações
envolvidas no processo de construção de sentidos (circunstâncias históricas e sociais de
produção do enunciado), com o interlocutor (para quem é dirigida a mensagem e que tem o
papel de responder ativamente) e com outros enunciados. Nesse sentido, os enunciados são
únicos e irrepetíveis, uma vez que esses elementos mudam na mesma proporção e agilidade que
é a dinâmica da vida.
Outro fator a considerar é que esse enunciado é proferido por alguém que está inserido
em um dos campos da atividade humana, e, por isso, reflete as condições específicas e as
finalidades inerentes a cada campo. Achamos pertinente fazer um esclarecimento sobre em que
sentido o termo “campo” é empregado pelo teórico do círculo. Em um dos seus textos ele
enuncia que
Os gêneros secundários partilham com os primários não só sua estabilidade, mas além
disso, o dinamismo, o que significa dizer que em cada campo da atividade humana desenvolve
continuamente suas próprias formas de uso da língua, sujeitas a permanentes alterações,
transmutações, etc. Esse fato revela não só o caráter heterogêneo dos gêneros, mas também
evidencia em sua natureza a versatilidade, maleabilidade que os caracterizam. Essa diversidade
de gêneros à nossa disposição não aparece do nada, mas sim a partir de outros gêneros, havendo,
assim, uma ligação entre os gêneros predecessores e os seus sucessores.
Partindo do que foi dito, Bakhtin (2011[1979]: 261) afirma que “esses enunciados
refletem as condições específicas e as finalidades de cada referido campo[...]” (grifos nossos).
Reiteramos, aqui, a noção de gêneros sendo construído sócio-historicamente dentro de uma
situação de interação em determinada esfera da atividade humana e que são reconhecidos pelos
falantes da comunidade. Dessa forma, identificamos o enunciador inserido num grupo social
marcado discursivamente pelas ideologias, juízos de valor, práticas sociais, etc. Baseando-se
em Bakhtin, Rodrigues (2005: 167) afirma que “todo gênero tem um conteúdo temático
determinado: seu objeto discursivo e finalidade discursiva, sua orientação de sentido específica
para com ele e os outros participantes da interação”. Nas palavras de Sobral,
Isso significa dizer que quanto mais dominamos os gêneros maiores são as
possibilidades de se fazer uso da linguagem em diferentes situações comunicativas. Como
salienta Machado (2005), é com base nesses conhecimentos que o produtor escolhe um
determinado gênero que mais se adequa a determinada situação e, como o contexto situacional
nunca é o mesmo, por conseguinte, um gênero do discurso nunca será uma mera reprodução de
modelos preexistentes. Existe um processo de adaptação do gênero àquela situação particular,
o que gera novos exemplares de textos, mais ou menos diferentes do modelo predeterminado e
com estilo próprio. O acúmulo de processos de adaptação de um gênero discursivo é o que lhe
atribui um caráter dinâmico e histórico, isto é, os gêneros reconstroem-se historicamente a partir
de novas situações de interação verbal ou não verbal.
Nesses postulados é que se baseia a perspectiva bakhtiniana, uma vez que observamos
os gêneros do discurso nas práticas sociais, nas atividades humanas organizadas, ou seja, como
os textos são criados e recriados nas interações reais dos indivíduos (enunciados concretos).
Estes estão interligados pelo modo como interpretam o mundo a sua volta e pelos propósitos
52
De maneira a exemplificar o que foi exposto, vejamos o uso dos gêneros discursivos
na realização das práticas sociais e suas recorrências dentro da esfera acadêmica a nível de
mestrado. O mestrando, para receber o título de mestre, necessita que sua dissertação seja
avaliada por uma banca formada por três professores doutores. Mesmo que o indivíduo nunca
tenha passado pela experiência de uma defesa de mestrado, haverá outros sujeitos que fazem
parte dessa comunidade acadêmica que se submeteram a uma situação similar e, dessa vivência
compartilhada, percebemos certas regularidades que caracterizam a situação de defesa de
mestrado. Assistindo a um desses eventos ou sendo orientado por seu professor-pesquisador, o
sujeito apropria-se do conhecimento do gênero defesa de dissertação e reproduz as condições
que fazem com que essa atividade social seja possível de ser reconhecida por todos os membros
da comunidade discursiva. Miller, baseando-se nos posicionamentos de Alfred Schutz, lembra
que:
No centro da ação humana temos a forma como interpretamos a situação em que nos
encontramos envolvidos. Ressaltamos que quando falamos de “situação” estamos nos
reportando a construtos sociais (normas epistemológicas, ideológicas e sociais) aliados aos
eventos reais, objetivos e históricos. Para Devitt (2004: 15), “o gênero depende muito da
intertextualidade das práticas discursivas”7, o que significa dizer que o gênero orienta as
respostas adequadas a uma situação particular, uma vez que os interlocutores reconhecem
aquela dada situação, pois outros a têm respondido no passado e, portanto, guiam a respostas
ulteriores.
Em uma situação de comunicação, os signos linguísticos têm um papel indispensável
na interação, mas outros elementos, também importantes, fazem parte desse processo
interacional, como os interagentes atuando em diversos papéis sociais, o ambiente em que é
produzido e recebido os gêneros discursivos e as funções do discurso que são socialmente
compartilhados pelos membros de uma comunidade discursiva.
7Traduçãonossa: “Genre, thus, depends heavily on the intertextuality of discouse”. (DEVITT, 2004: 15)
54
apresentam-se com certa regularidade, ou seja, aqueles que conferem certa estabilidade ao
gênero.
Enfim, a definição de gênero bakhtiniana como “tipos relativamente estáveis de
enunciados”, orienta-nos a perceber o gênero como uma forma de organização das práticas
sociais, uma forma de agir no mundo e interagir com ele. Se através dos gêneros do discurso
realizamos ações comunicativas, atividades socialmente reconhecidas em situações recorrentes,
de forma a concretizar as finalidades discursivas, então, estudar os gêneros significa
compreender como as pessoas usam a linguagem para construir o mundo e a si mesmos.
Vimos no item anterior que a teoria bakhtiniana elenca três categorias essenciais como
constituintes dos gêneros do discurso: conteúdo temático, estilo e a construção composicional.
Para Bakhtin, esses elementos estão “indissoluvelmente ligados no todo do enunciado e são
igualmente determinados pela especificidade de um determinado campo da comunicação”
(BAKHTIN, 2011[1979]: 262). Essas categorias que integram os gêneros estão
indissociavelmente inter-relacionados uns aos outros, de forma que a mudança que ocorrer em
um dos elementos resulta na alteração dos demais. Como o próprio autor declara, “o estilo é
indissociável de determinadas unidades temáticas e – o que é de especial importância – de
determinadas unidades composicionais” (p. 266).
Nas palavras de Bakhtin, é evidenciado que essas categorias de análise dos gêneros
são determinadas pela esfera discursiva em que elas se encontram inseridas. Entendemos,
assim, que dependendo do campo comunicativo de que as categorias participam é que são
moldadas, construídas e reconstruídas conforme os projetos de discurso a que se deseja
alcançar. Não podemos entender que dentro de dada esfera da atividade humana existe - em
relação ao tema, estilo e composição – um modelo fixo e imutável. Quando nos referimos aos
gêneros como relativamente estáveis, estamos indicando que seus elementos constitutivos
também o são. Existe, sim, um núcleo comum que os identifica neste ou naquele campo
discursivo, porém, os contextos e as situações de uso os alteram, tornando-os únicos e
irrepetíveis.
55
O título que nós escolhemos para identificar essa parte do trabalho faz referência,
inicialmente, ao artigo assinado por Bakhtin/Voloshinov intitulado Discurso na vida e discurso
na arte, no qual, segundo Cereja (2012), os filósofos utilizam o termo “herói”, nesse texto, para
designar genericamente o conteúdo do enunciado. São várias as terminologias encontradas para
referir-se ao conteúdo temático, dentre elas, tópico ou objeto do enunciado, unidade temática,
criação ideológica, etc. Porém, não podemos fazer uso do termo “assunto” para significar
“tema”.
Nesse sentido, faz-se necessário fazer a distinção entre tema e assunto, uma vez que
quase sempre encontramos esses termos sendo utilizados de forma equivalentes. Podemos
dizer, de forma geral, que assunto é tudo aquilo sobre o qual estamos comunicando, enquanto
que o tema, segundo Alves Filho, refere-se ao “modo como recorrentemente as pessoas têm
falado sobre certos assuntos em gêneros específicos” (ALVES FILHO, 2011: 45).
Grillo (2006) considera o tema como um aspecto constitutivo dos gêneros, pois nestes
o tema adquire um caráter estável composto por regularidades produzidas pelo campo da
comunicação discursiva, pelo todo do enunciado, pela seleção e profundidade de abordagem
dos aspectos do real e pela avaliação verbal (e de outras semioses). Vejamos na figura a seguir:
57
Na figura 3, temos o gênero charge – pertencente à esfera jornalística - que visa criticar
algum fato específico através do uso do humor, abordando um assunto atual e de interesse
público. Após identificarmos o papel do gênero na prática comunicativa, vamos analisar em
que sentido a palavra “sede” está sendo empregada no texto. Nesse caso, percebemos que, aqui,
“sede” não se refere à vontade de tomar água ou outro líquido. Mas, nesse dado contexto,
possibilita-nos perceber no enunciado - “A gente tem sede de quê? estado laico, segurança,
educação, transporte, saúde” – que a palavra em destaque converge, claramente, para um
sentido de carência de políticas públicas em áreas essenciais do governo. A palavra “sede”, aqui
retratada, exibe ligações semânticas com aquela que lhe é própria, ou seja, numa perspectiva
que indica a falta, ausência de algo.
Assim sendo, podemos dizer que a significação está contida no tema, ou seja, aquela
sendo avaliada num contexto extraverbal produzindo sentidos específicos para determinadas
enunciações concretas. Como destaca o pensamento bakhtiniano,
Nesse sentido, é oportuno ainda destacar o papel da entonação (apreciação social) como
elemento importante nas produções de sentido. O Círculo de Bakhtin reconhece a ocorrência
da ideologia ou entoação avaliativa não só no campo da unidade temática, mas também se
apresenta nos domínios da forma composicional e do estilo.
Baseando-se na concepção dialógica, quando o sujeito diz algo ao outro ele “assume
uma posição social ativa com respeito a certos valores específicos e esta posição é condicionada
pelas próprias bases de sua existência social” (BAKHTIN, 1976[1926]:7). Essa apreciação
valorativa é dirigida a dois elementos: ao interlocutor, este que é um parceiro no processo de
produção de sentido e o qual se presume uma resposta na interação (responsividade ativa); e
outro ao próprio conteúdo do enunciado para qual é orientado o seu julgamento.
8
Marcuschi (2010) refere-se à expressão domínio discursivo para designar uma esfera ou instância de produção
discursiva ou atividade humana. Esses domínios não são textos nem discursos, mas propiciam o surgimento de
discursos bastante específicos. Do ponto de vista dos domínios, falamos em discurso jurídico, discurso jornalístico,
discurso religioso etc., já que as atividades jurídica, jornalística ou religiosa não abrangem um gênero em
particular, mas dão origem a vários deles. Constituem práticas discursivas dentro das quais podemos identificar
um conjunto de gêneros textuais que, às vezes lhe são próprios (em certos casos exclusivos) como práticas ou
rotinas comunicativas institucionalizadas (p. 24)
59
a forma precisa ser vista como funcional, como tendo uma finalidade, uma
razão de ser ou produzindo certo efeito de sentido. E, em contrapartida, o
conteúdo precisa ser visto como algo semiótico, já que as ideias são veiculadas
e mesmo pensadas através de signos (ALVES FILHO, 2011: 29).
Distinguimos, nas palavras do filósofo, três formas indissociáveis entre si, e ao mesmo
tempo, distintas: forma arquitetônica (forma do conteúdo), a forma material (aparato
linguístico) e a forma composicional (estrutura do gênero). Partimos da ideia de que todo
discurso é composto por um conteúdo, uma forma e um material, ou seja, quando
falamos/escrevemos o fazemos para dizer alguma coisa (conteúdo), utilizando algum signo
(material linguístico ou outros signos) e de certa maneira (forma do gênero).
A forma arquitetônica corresponde ao processo de construção do discurso, ou seja, ‘o
que eu quero expressar na enunciação’. A forma material significa a escolha de um aparato
sígnico para materializar o que se quer dizer (verbal, imagético, sonoro, etc.). E a forma
composicional é “a realização ou atualização de uma forma arquitetônica por meio da
organização de um material” (GRILLO, 2010: 53).
imprime, dessa maneira, uma entoação avaliativa (o sujeito falante diz algo ao outro a partir de
uma posição social numa dada situação concreta de interação) na forma do gênero. Como se
posiciona Sobral,
todo ato (e não só verbal) traz um tom avaliativo pelo qual o sujeito se
responsabiliza, envolve um dado conteúdo e um dado processo, que adquirem
sentido ao ser unidos pela entoação avaliativa em sua relação com a
responsabilidade ativa, ou seja, o fato de o interlocutor não ser um receptáculo
ou decodificador do enunciado do locutor, mas um “parceiro” da produção de
sentido (SOBRAL, 2009: 84).
Ressaltando a ideia de que nos manifestamos por meio dos gêneros discursivos
orientados a atender determinados propósitos comunicativos, nós moldamos nosso discurso
através de formas padronizadas e estereotipadas ou através de formas mais flexíveis e plásticas
dos gêneros do discurso que se encontram relativamente estabilizadas em nossa comunidade e
que a apreendemos por meio de nossas interações comunicativas ao longo de nossas vidas.
Disso decorre que existem gêneros com diferentes graus de mutabilidade quanto suas estruturas
composicionais, sendo uns mais rígidos em suas formas como, por exemplo, documentos
oficiais; enquanto outros apresentam uma maior plasticidade, dos quais podemos citar a carta
pessoal.
Não estamos querendo dizer que a forma composicional dos gêneros é imutável, mas
sim que alguns, por pertencerem a determinadas esferas, com finalidades discursivas
específicas, estão suscetíveis a mudanças mais lentas. Levando-se em conta o contexto
brasileiro, quanto à esfera jurídica, podemos observar que os documentos oficiais (ex. petição
inicial) apresentam uma organização composicional num nível de rigidez elevado, o que não
significa dizer que, em hipótese alguma, tenha certa modificação. No exemplo do gênero
“petição inicial”, sua estrutura formal encontra-se prescrita no Código de Processo Civil, de
1973, em seu artigo 282, da seguinte forma:
Como lembra o autor em sua pesquisa, a homepage do twitter 2006 tinha como
objetivo fazer com que as pessoas interagissem umas com as outras, respondendo a uma simples
pergunta: “O que você está fazendo?”. Assim, sua estrutura não oferecia muitos recursos
midiáticos para realização de outras tarefas (affordances), o que o diferencia da figura 5, página
do twitter do setor de comunicação da Universidade Federal do Piauí (UFPI). Nesse último,
encontramos a possibilidade de personalizar o plano de fundo, interconectar-se com outros sites,
conversas instantâneas (chat), postagens de fotos, vídeos, mensagens, entre outros. Na forma
composicional em que o gênero discursivo se apresenta atualmente, podemos dizer que os
criadores do programa twitter têm como um dos propósitos conseguir aderência de um maior
número de pessoas ao uso do sistema e, para isso, quanto mais serviços forem oferecidos pelo
programa, mais usuários se sentirão atraídos pela utilização do gênero.
Uma vez que ‘as formas retóricas que estabelecem gêneros são respostas
estilísticas e substantivas às demandas situacionais percebidas’, um gênero se
torna um complexo de traços formais e substantivos que criam um efeito
particular numa dada situação (MILLER, 2009: 24).
[...] os estilos de linguagem ou funcionais não são outra coisa senão estilos de
gênero de determinadas esferas da atividade humana e da comunicação. Em
cada campo existem e são empregados gêneros que correspondem às
condições especificas de dado campo; é a esses gêneros que correspondem
determinados estilos (BAKHTIN, 2011[1979]: 266).
Nesse sentido, percebe-se que o estilo a que o autor se refere não está associado
aoestilo individual, este que está dissociado do contexto sócio-histórico-cultural e voltado para
um estético absoluto, próprio dos estudos na área da arte (estilística tradicional). Bakhtin, no
entanto, refere-se ao estilo como uma das categorias dos gêneros discursivos e que podem estar
incorporado pelo estilo individual, pois “a própria escolha de uma determinada forma
gramatical pelo falante é um ato estilístico” (BAKHTIN, 2011[1979]: 269). A noção de estilo,
no bojo do pensamento bakhtiniano, refere-se aos meios linguísticos, às escolhas de linguagem
através das quais o discurso é materializado sob as formas típicas de enunciados.
Dessas posturas, implica dizer que a questão de estilo deixa de ser trabalhada apenas
a nível da individualidade e amplia-se incluindo-se, assim, o aspecto interacional, partindo da
concepção dialógica da linguagem proposta por Bakhtin. Para que possamos compreender
melhor, Faraco explicita as ideias bakhtinianas quando reafirma que:
Não podemos desconsiderar o caráter individual do estilo, este podendo ser em maior
ou menor grau dependendo do gênero do discurso. Nesse sentido, alguns gêneros favorecem
uma maior liberdade da expressão estilística, como são os gêneros literários; outros trazem em
sua composição uma dificuldade para elaboração do estilo individual, como é o caso de gêneros
que requerem uma forma mais padronizada (documentos oficiais, ordens militares, etc.), e
nesses últimos, a criação individual quase inexiste.
Segundo as ideias bakhtinianas, o estilo se origina das esferas coletivas, sociais,
históricas, culturais e dialógicas, o que não contraria o seu aspecto individual, uma vez que o
sujeito é produto das relações sociais. Ou seja, a multiplicidade de gêneros imbricados na
sociedade corrobora para uma infinidade de possibilidades para a expressão da individualidade
da linguagem numa determinada função (científica, técnica, publicitária, oficial, cotidiana) e
determinadas condições de comunicação discursiva, específicas de cada campo.
Analisar o estilo de um texto está muito além de fazer uma análise linguística (dialetos
sociais, aspectos lexicais, gramaticais, escolhas verbo-visuais, etc.), o que mais importa, nesse
contexto, é identificar sob qual ângulo dialógico esses recursos estilísticos se confrontam num
texto/enunciado, de forma a definir o estilo empregado por determinada esfera discursiva –
estilo dos gêneros do discurso.
Vale considerar que as escolhas dos materiais estilísticos para compor os enunciados
dependem do tipo de relação existente entre os sujeitos interactantes da enunciação (quer sejam
reais ou presumidos), o discurso do outro, etc.. De outra forma, o estilo de um enunciado é
determinado em razão do grau de proximidade entre os sujeitos interagentes da enunciação, da
relação entre o autor e o objeto do discurso (conteúdo temático) e dos contextos em que
acontece o jogo comunicativo.
construção composicional), o estilo também reflete as entoações avaliativas, uma vez que as
palavras estão impregnadas de juízos de valor e emergem da relação entre a imagem social do
falante e do modo de recepção do(s) seu(s) interlocutor(es).
Até em gêneros com mais alto grau de formalidade, como no exemplo já citado, o
gênero “petição inicial”, em que o centro da atenção está para o conteúdo do objeto, exige-se,
ainda, um conhecimento do sujeito enunciatário. Mesmo em gêneros tidos como rígidos, ainda
sim, neles encontramos expressa, mesmo que minimamente, o estilo do sujeito enunciador e do
gênero discursivo, tendendo este último para uma uniformização. O que estamos querendo dizer
é que “a escolha de todos os recursos linguísticos é feita pelo falante sob maior ou menor
influência do destinatário e da sua resposta antecipada” (BAKHTIN, 2011[1979]: 306).
Mas o que entendemos por contexto e qual a sua relação com os gêneros do discurso?
Muitos autores na área da linguística apontam para uma necessidade de considerar elementos
não linguísticos na análise dos gêneros, principalmente, dando uma especial atenção para o
70
Para ilustrarmos a influência do contexto no texto e sua importância para a análise dos
gêneros, vejamos o cartaz propagandístico do Ministério da Saúde no ano de 2004:
FIGURA 6 – Cartaz AIDS/ Carnaval 2004
71
9
LÓPEZ TRUJILLO, Alfonso, entrevista à Rádio Vaticano, agência Zenit(6/11/2003), www.zenit.org .apud
LIMA, Luís Corrêa. Políticas Públicas e Conflito Moral: a igreja católica e a camisinha. Em Debate 05 (2007).
Rev. do Depto. de Serviço Social PUC-Rio http://www.maxwell.lambda.ele.puc-rio.br.
72
Mesmo o governo federal negando que a campanha propagandística seja uma forma
de rebater as declarações da Igreja Católica, encontramos pistas textuais e contextuais que
confirmam que essa foi uma estratégia utilizada pelo Ministério da Saúde para dar uma resposta
não só para os discursos das instituições religiosas, mas também como forma de fortalecer e
expandir o próprio discurso na sociedade. Ratificamos, assim, o inegável elo existente entre
contexto e discurso.
Mesmo que não soubéssemos do fato ocorrido em 2003 (declaração do cardeal), não
deixaríamos de construir sentido ao texto, mas essa leitura seria restritiva a pensar somente que
o cartaz teve como propósito apenas levar “informação e orientação direta à respeito da
segurança do preservativo, quando usado de maneira correta e consistente, aumentando a
confiança no produto, ampliando o uso e a proteção à população”, segundo declaração do
Ministério da Saúde através do portal do Departamento de DST- AIDS referindo-se à
campanha de 2004. E, dessa forma, não poderíamos enxergar com lucidez as múltiplas facetas
da linguagem, em que significar lhe é próprio.
Como agentes em contínua interação com o outro e com o mundo, faz parte de nosso
conhecimento cultural a orientação da religião católica de que o sexo deve ser praticado após o
matrimônio, este sendo constituído de um homem e uma mulher. Agindo contrariamente a esses
dogmas, o infiel incorre em pecado, tendo como consequência arcar com os castigos divinos, a
ira de Deus.
Em contraposição a esse pensamento, temos nas campanhas publicitárias de prevenção
a AIDS o forte apelo para o uso constante da camisinha nas relações sexuais, uma vez que se
verifica uma crescente população de jovens que se iniciam na vida sexual cada vez mais cedo
e com frequentes mudanças de parceiros, o que trouxe como resultado um aumento significativo
das doenças sexualmente transmissíveis, entre elas, a AIDS.
73
Percebemos que esses dois discursos fazem parte da construção do gênero Cartaz
Propagandístico apresentado na figura 6, o que nos leva a enfatizar a relevância do contexto
interacional e cultural na análise dos gêneros discursivos. Veremos, mais adiante, que os
cartazes do Ministério da Saúde são produzidos conforme o contexto situacional (os papéis
sociais, a linguagem, fatos reais, históricos e objetivos envolvidos em cada ação, levando-se em
conta as informações do Boletim Epidemiológico10) e contexto cultural (segundo os valores,
crenças, discursos circundantes na sociedade).
Devitt (2004) defende a ideia de cultura como sendo muito mais do que uma
interpretação do contexto pelo gênero, mas como um elemento dinâmico de construção do
próprio gênero. Segundo a pesquisadora, outro elemento que integra a definição de gênero é a
influência de outros gêneros.
10
Caderno que o Ministério da Saúde anualmente divulga contendo informações sobre a ocorrência de Doenças
Sexualmente Transmissíveis (DST) e HIV/AIDS no Brasil. Os dados dos sistemas de informação e as pesquisas
realizadas permitem a compreensão do cenário epidemiológico e dos fatores determinantes dessas infecções na
população brasileira.
11
O SMS consiste num simples método de comunicação que envia texto entre telefones celulares, PC ou gadget
para um ou múltiplos aparelhos celulares.
74
utilizando o celular como ferramenta. Não irei fazer uma análise comparativa ou histórica
desses dois gêneros, mas o objetivo é mostrar que quando um gênero surge, ele não é criado do
nada, mas toma por base outros gêneros já existentes. Além disso, há um contexto cultural,
situacional e de gêneros modificando os gêneros e sendo modificado por eles. Nessa ilustração,
as inovações tecnológicas mudaram o contexto cultural (os indivíduos interagem uns com os
outros utilizando cada vez mais os meios tecnológicos), o contexto de situação (criação de
linguagem própria, uso de serviços de voz, imagem, vídeo, etc.) e o contexto de gêneros
(advento do gênero SMS); ao mesmo tempo em que o uso desse gênero modifica os vários
contextos.
contexto situacional, cultural e de gêneros. Esses três contextos estão intimamente inter-
relacionados num processo dinâmico e simultâneo.
Para passarmos para o próximo tópico, não poderia de deixar de citar Bakhtin quando
este, no tocante aos contextos, argumenta que
Compreendemos que a palavra a que o pensador faz referência não deve ser entendida
apenas em seu sentido restrito como somente um léxico, um elemento gramatical, mas sim,
podendo ser ampliada referindo-se a enunciados/textos/gêneros. Nesse sentido, os discursos
estão intimamente ligados a situações específicas de enunciação, o que lhes confere um caráter
concreto e irrepetível, dialógico e ideológico. Entretanto, Bakhtin, além de evidenciar a
plurissignificação dos textos nos mais diferentes contextos, também ressalta que há neles certa
regularidade, ou seja, os gêneros adquirem certa estabilidade em contextos parecidos.
Isso significa dizer que quando construímos enunciados estamos falando de uma
determina posição social a partir de um dado campo da comunicação discursiva, e, por isso
mesmo, a minha palavra que surge a partir da palavra do outro, expressa uma entoação
avaliativa em relação ao conteúdo semântico-objetal. Em outras palavras, as vozes sociais, os
discursos “outros” constituem o “nosso” discurso.
Dessa forma, os atores sociais que fazem parte da cena da enunciação são constituídos
de sujeitos agentes cujas inter-relações constroem histórica e culturalmente a sociedade. Sobral
(2009), embasando-se em Bakhtin, apresenta três características essenciais do sujeito:
77
posição avaliativa que se personifica na voz dos autores, quer sejam eles criadores ou
contempladores.
No texto “Discurso na arte, discurso na vida”, Bakhtin/Voloshinov destaca três
elementos essenciais constituintes de uma complexa rede de relações axiológicas: o falante
(autor), o interlocutor (leitor) e o tópico (o que ou quem da fala – o herói). No mesmo artigo o
pensador esclarece que quando fala em autor e leitor não está se referindo às pessoas reais, ou
seja, aos indivíduos que escrevem/falam ou que leem/ouvem, mas em sujeitos vistos a partir de
posições socioavaliativas que assumem dentro dos discursos.
Nas palavras de Faraco (2012), Bakhtin faz a distinção entre autor-pessoa e autor-
criador, sendo que neste último é que se direcionam as análises devido a sua natureza
axiológica. O autor-pessoa é identificado como o próprio escritor/artista (concebida como voz
primeira), o qual consideramos não somente os escritores de obras literárias ou artísticas, mas
também os falantes de enunciados do cotidiano. Quanto ao autor-criador (a voz segunda), assim
caracteriza Faraco:
O sujeito bakhtiniano é uma pessoa do mundo real que influenciado pelo contexto
sócio-histórico e ideológico do seu tempo, ao produzir enunciados/textos/gêneros, age
localizando-se no mundo e interagindo com ele, imprimindo nos discursos suas posturas
axiológicas e sua avaliação entoativa. Dessa forma, o autor-criador apropria-se de vozes sociais
e, a partir daí, apresenta o modo de ver o mundo na construção do conteúdo (herói),
direcionando o olhar do leitor e, sendo determinado pelas possíveis atitudes responsivas ativas
do(s) interlocutor(es).
Pensando nisso, os enunciados são construídos de respostas sobre respostas, ou seja,
de múltiplas inter-relações responsivas. Quando construímos nosso discurso, na verdade,
estamos respondendo a outros discursos já ditos (quer seja de forma imediata, muda ou
retardada, já explorado alhures) ou antecipando uma resposta daqueles que estão porvir, e por
conseguinte, apresentando juízos de valor. Em outras palavras, o enunciado tem relação
imediata com o objeto, com o sujeito-autor e, mais importante, com outros enunciados. Nesse
sentido baseamo-nos em Bakhtin quando este afirma que
79
cada elemento de uma obra nos é dado na resposta que o autor lhe dá, a qual
engloba tanto o objeto quanto a resposta que a personagem lhe dá (uma
resposta à resposta); neste sentido, o autor acentua cada particularidade da sua
personagem, cada traço seu, cada acontecimento e cada ato de sua vida, os
seus pensamentos e sentimentos, da mesma forma como na vida nós
respondemos axiologicamente a cada manifestação daqueles que nos rodeiam
(BAKHTIN, 2011[1979]: 3).
Partindo do conhecimento de que uma grande parte dos textos do Círculo de Bakhtin
eram análises e reflexões, levando-se em conta, privilegiadamente, os gêneros literários, o autor
nos autoriza a ampliarmos suas incursões filosóficas a outros gêneros quando escreve o artigo
dos “Gêneros do Discurso”, o qual faz parte do livro “Estética da Criação Verbal”. Além disso,
outro fator preponderante é a presença constante em seu discurso de referências e comparações
à vida real, cotidiana e às relações sociais. Afirmamos reiteradamente que o discurso quando
analisados em diferentes contextos implica, também, em alterações em seus sentidos. Sendo
assim, procuraremos adequar as ideias de Bakhtin em outras modalidades discursivas,
assumindo o risco de provocar mudanças, mesmo que mínimas, em sua interpretação.
Dito isso, Sobral (2009: 61) afirma que “falar de autor no âmbito das teorias do Círculo
implica pensar no contexto de ação dos sujeitos, e nas complexas tarefas que realizam ao
enunciar”. Quando estamos diante de um enunciado/texto/gênero procuramos, em algum
momento, saber quem é o autor desses discursos, quem escreveu ou disse sobre determinado
tema, ou seja, sentimos a necessidade de identificar o “homem que fala e sua palavra”. Para
isso, Bakhtin (2010[1975]), destaca, precisamente, três momentos:
1. O homem que fala e sua palavra são objetos tanto de representação verbal como
literária.
2. O sujeito que fala é um homem essencialmente social.
3. O sujeito que fala é sempre, em certo grau, um ideólogo e suas palavras são sempre
um ideologema.
Partindo das reflexões bakhtinianas, compreendemos que o sujeito que fala e o seu
discurso estão representados através do material verbal (consideramos também as outras formas
de linguagens, como por exemplo, a imagem, o som, as cores, etc.) dentro de enunciados. O
discurso do sujeito falante não é apenas transmitido ou reproduzido, mas é uma forma de
representar a realidade (refração). Como assevera Faraco,
80
O Círculo vê na cadeia discursiva uma teia de vozes sociais num elo de atos
responsivos. Nas palavras de Faraco (2009), todo dizer é orientado para o já-dito, todo dizer é
orientado para uma resposta, todo dizer é internamente dialogizado. Nessa segunda acepção, de
que os discursos são orientados para uma resposta, de que os enunciados são construídos
esperando uma réplica, de que são influenciados por uma resposta antecipada, inferimos, assim,
que nos enunciados encontra-se intrínseco um destinatário real ou presumido.
É de grande interesse saber qual a percepção que o autor-criador tem de seu ouvinte,
pois isso nos dará pistas de como foi modelado o discurso do sujeito falante de forma a perceber
os propósitos comunicativos (convencer, persuadir, informar, contrapor, etc.) a que o gênero
deve atender. Saber o grau de intimidade existente entre o sujeito falante e o sujeito ouvinte é
essencial para estruturação dos enunciados de forma a orientar seus discursos para conseguir
obter êxito ao projeto discursivo proposto.
Desse princípio, Bakhtin diz que “este ouvinte pode ser apenas o portador dos
julgamentos de valor do grupo social ao qual a pessoa ‘consciente’ pertence” (BAKHTIN,
1976[1926]: 13). Assim, podemos dizer que o conteúdo será continuamente construído e
reconstruído por meio da co-criação dos contempladores inseridos nos mais diversos contextos
da vida sociocultural. Para ilustrar o que foi dito, vejamos o cartaz a seguir:
metade das pessoas que têm AIDS no mundo são mulheres”), uma vez que os órgãos
governamentais têm acesso às pesquisas sobre a incidência do contágio do vírus HIV na
sociedade. A imagem dos símbolos desses organismos já é uma forma de apresentar o próprio
discurso, quer seja como enunciador ou como co-enunciador.
Além das múltiplas vozes, nesse contexto reconhecemos que existe uma postura
ideológica sendo perpassada aos interlocutores. Da imagem de uma personagem feminina
segurando uma camisinha podemos inferir que o discurso perpassado é a de que as mulheres
devem tomar certas atitudes, como por exemplo, sempre trazer consigo um preservativo na
bolsa, fazer o exame de AIDS mesmo sendo casada e negociar o uso da camisinha com o
parceiro. Atitudes, estas, que são dificultadas quando inseridas numa sociedade ainda
impregnada de valores machistas.
CAPÍTULO III
Hollis (2010) nos informa que antes do século XX, os “artistas comerciais” eram os
responsáveis pelo projeto de um pôster12 (criavam o layout, ilustravam e reproduziam), ou seja,
até o final do século XIX muitos desses artistas trabalhavam sozinhos na criação dos cartazes.
Nessa época, “as artes gráficas eram essencialmente produzidas em branco e preto e impressas
em papel” (p. 3). Os cartazes eram impressos utilizando-se a tipografia ou recorrendo à técnica
da xilogravura13.
12O pôster também pode ter um significado diferente de cartaz, no sentido de que a palavra, no Brasil é usada
quando nos referimos a peças mais "artísticas" ou de decoração de ambientes (como pôsteres de bandas, artistas,
carros). O cartaz é mais específico para designar o meio de comunicaçãocriado a partir das folhas colocadas em
espaços públicos, visando a propaganda(como um cartaz de um político), Publicidade (como um cartaz de uma
festa) ou simplesmente a comunicação. Disponível em http://pt.wikipedia.org/wiki/Cartaz. Acessado em 10 abr.
2014.
13Xilogravura é a técnica de gravura na qual se utiliza madeira como matriz e possibilita a reprodução da imagem
gravada sobre papel ou outro suporte adequado. É um processo muito parecido com um carimbo. Disponível em
http://pt.wikipedia.org/wiki/Xilogravura. Acessado em 14 abr. 2014.
14Litogravura (ou litografia)trata-se de um método de impressão a partir de imagem desenhada sobre base, em
geral de calcário especial, conhecida como "pedra litográfica". Após desenho feito com materiais gordurosos
(lápis, bastão, pasta etc.), a pedra é tratada com soluções químicas e água que fixam as áreas oleosas do desenho
sobre a superfície. A impressão da imagem é obtida por meio de uma prensa litográfica que desliza sobre o papel.
Disponível em http://www.itaucultural.org.br/. Acessado em 14/04/2014.
86
A partir do final do século XIX foi que se começou a reunir em somente uma folha
palavras e ilustrações, ganhando um alto grau de sofisticação nas mãos de artistas plásticos da
época. Segundo Richard Hollis, a atenção dos espectadores era atraída pelo colorido dos
cartazes, o que se tornou possível com a impressão litográfica. Além disso, as ilustrações eram
um reflexo do estilo artístico da época e da influência das tecnologias disponíveis para a
produção e reprodução do material.
Hollis (2010) observa que o apelo estético era a maior preocupação do artista, sendo a
personagem favorita de seus cartazes uma mulher feliz, elegante e que parece estar sempre em
movimento. A figura solitária e o reducionismo de palavras continuaram sendo a fórmula mais
utilizada na combinação palavra e imagem. Era raro o uso de imagens para representar
concretamente um produto ou como representação simbólica de uma ideia (metáfora visual),
pois a criação das peças publicitárias tinha uma orientação voltada mais para o aspecto artístico
do que para o econômico. Aqui, o objetivo do designer15 era prender a atenção dos transeuntes
e tornar sua obra inesquecível.
15Odesigner gráfico é aquele profissional que traz ordem estrutural e forma à informação visual
impressa.Exemplos de produtos do trabalho de um designer gráfico são as páginas diagramadas de um livro ou
uma revista, a configuração visual de uma embalagem, logotipos de empresas e instituições, fontes tipográficas,
entre outros. Portanto, designer de livros, designer de tipos, diagramador, designer de embalagem ou designer de
cartaz, por exemplo, seriam diferentes atuações de designers gráficos. Disponível em:
http://pt.wikipedia.org/wiki/Designer_gr%C3%A1fico. Acessado em 11/04/2014.
87
Fonte: Cartaz de Jules Chéret, 1889, Disponível em http://www.jules-cheret.org/. Acessado em 11 abr. 2014.
Outros artistas foram influenciados pelas técnicas utilizadas por Jules Chéret, como
Pierre Bonnarde e Toulouse-Lautrec. Foi com este último que os cartazes ganharam
popularidade ao retratar cenas da vida noturna parisiense. Hollis (2010: 6) acrescenta que seus
“contornos firmes e as cores uniformes refletem a paixão do artista pelas xilogravuras
japonesas”, o que contribuiu para as transformações estéticas do cartaz.
O uso do espaço em retângulo vertical, com imagens retratadas de baixo para cima e
figuras cortadas, técnicas que lembram a espontaneidade das fotografias instantâneas, fez com
que fosse considerado um artista de vanguarda do Modernismo e da Art Nouveau (Arte Nova),
além disso, Toulouse-Lautrec revoluciona a publicidade quando utiliza a estética e o design
para transmitir informações. Ou seja, a forma que compõe o cartaz está estritamente relacionada
à sua função: apresentar e promover um produto ou evento. Dentre os seus trabalhos, produziu
inúmeros cartazes de divulgação de espetáculos de cabaré através da litografia, em que cria um
efeito de gradações de tom em cima de pedras litográficas.
Fonseca (1995: 17) relata que “o cartaz elevou-se assim a uma verdadeira arte
expressiva, embora mantivesse seu caráter objetivo e utilitário”. Com a arte publicitária de
Toulouse-Lautrec, todos se interessaram em divulgar seus eventos e produtos fazendo uso dos
elementos imagéticos e das cores.
A Arte Nova foi um dos estilos artísticos que iniciou a modernização do Design
Gráfico. Surge no final do século XIX e início do século XX no contexto histórico da Segunda
Revolução Industrial e dos avanços tecnológicos na área gráfica. Na concepção estilística dos
cartazes, esse estilo propunha liberdade estética e ousada criatividade que traziam como
inspiração as figuras femininas de longos cabelos ondulados e enfeitados por flores e traços
orgânicos.
decorativo da chamada Arte Nova, destacamos os trabalhos do artista Alphonse Mucha, que
exibe em seus cartazes, além das mulheres de contornos suaves e longas madeixas
encaracoladas, a criação de novos designs para as letras que são desenhadas em formas
geométricas. Como esclarece Hollis,
Observamos que nesse período a criação dos cartazes ainda está fortemente ligada ao
campo das artes, ou seja, os cartazes obedecem a uma finalidade mais estética do que comercial.
Com a chegada da Segunda Guerra Mundial, o cartaz alcançou seu apogeu na história,
até então. Os governos dos países envolvidos no conflito precisavam criar campanhas com o
objetivo de motivar a população e possibilitar o aumento da produção. Em vez dos cartazes
anunciarem produtos,começaram a promover esforços militares através do apelo ao
recrutamento e da veiculação de informações, com mensagens diretas e eficazes. Foi um
momento de grande liberdade criadora de jovens designers. “Os diagramas, as ilustrações e as
legendas ajudavam a informar e a instruir” (HOLLIS, 2010: 28), ou seja, os signos e símbolos
veiculados eram códigos facilmente entendidos pela população, além do uso de imagens e
slogans diretos e fortes reportando para um sentimento de exacerbado nacionalismo.
Já nos anos 60 e 70, os cartazes foram brevemente marcados pela era psicodélica, pelo
movimento punk, pelas agremiações estudantis, ou seja, pelo surgimento de uma série de
movimentos de cunho político e social. Durante esse período os cartazes exerceram um
importante papel nos apelos à paz e ao desarmamento, especialmente no caso da Guerra do
Vietnã.
A mais forte influência do uso dessas tecnologias apareceu com Wolfgang Weingart,
de acordo com Hollis (2010: 19), que diz que o designer tipográfico “distorcia e espichava
94
com seu forte apelo visual estético, o cartaz sempre foi uma referência no
desenvolvimento da publicidade impressa moderna, tendo se destacado
quanto à sua estrutura, por acompanhar as revoluções técnicas de cada época
na qual esteve inserido, mantendo suas características e, notadamente, seu
apelo visual retórico para com os passantes que cruzam o seu caminho
(NICOLAU; POSHAR, 2013: n. p.)
sensível ao toque que dispõem dessa e outras opções de serviços bancários, de forma interativa,
mas que, no entanto, estão restritos a escolhas de alternativas preestabelecidas pelo programa
de computador.
O cartaz, nesse cenário multimídia, também vem sofrendo mudanças em seu suporte
e, por conseguinte, nas suas formas composicionais, estilísticas e nas relações de interação com
o seu interlocutor. Surge, assim, o cartaz digital em que há uma combinação de várias
linguagens tecnológicas: dinamicidade entre sons, imagens, cores, gestos e toques. Dessa
forma,
Cartazes acionados por telas sensíveis ao toque, outros que reagem a movimentos e,
ainda, existem aqueles que capturam e/ou emitem áudio; são uma realidade que vivenciamos
no mundo moderno. No Brasil, o uso dessas tecnologias nos cartazes, atualmente, ainda se
encontra escasso. Nas grandes cidades, esses cartazes multimídias estão disponíveis,
principalmente, nos pontos de transportes públicos (ônibus, metrô, etc.), aeroportos, shoppings,
etc.
Conforme observa Nicolau e Poshar (2013), mesmo com todos esses recursos
tecnológicos digitais, as principais características dos cartazes mantiveram-se inalteradas,
desenvolvendo outras formas comunicativas com o seu público através da inter-relação de
diferentes linguagens midiáticas, em proporções incomparáveis em relação aos cartazes
impressos. Vejamos um exemplo desses cartazes:
96
Observamos, ao longo desse breve percurso histórico, que o cartaz teve grande
importância no registro das grandes transformações sociais, políticas e culturais, pelos quais o
mundo passou. Ele foi um meio de expressão e divulgação das ideologias que marcaram cada
época, além de ser um instrumento de identidade gráfica, ou seja, um gênero discursivo que
revela não apenas os aspectos artístico-estilísticos, mas também as limitações tipográficas de
vários momentos históricos. Dessa forma, o cartaz acompanha e adapta-se aos contextos
socioculturais e tecnológicos de cada tempo.
Utilizando-se dos recursos das artes gráficas ou das tecnologias digitais, o cartaz, além
de se configurar como um instrumento propagandístico voltado para a informação, instrução,
divulgação e promoção, construiu, ao longo do tempo, uma reputação artística de difusão de
ideologias, ao mesmo tempo em que inova em suas formas de interatividade comunicativa.
Além da sua importância como meio de publicidade e de informação visual, o cartaz possui um
valor histórico como meio de divulgação de importantes movimentos de caráter político,
artístico ou social.
da Saúde sobre a temática da AIDS no período do carnaval, pois, assim, teremos uma melhor
visualização das ilustrações que compõem os cartazes de forma a analisá-los mais
minunciosamente.
O uso das imagens remonta ao homem primitivo quando este utilizava as paredes das
cavernas como suporte dos seus desenhos em que difundia mensagens sobre a caça de alguns
animais, por exemplo. Segundo Lommel (1978), nos tempos primitivos, quando o homem era
mais fraco que a sua presa, era exigido dele uma atitude mental específica que deveria
compensar o seu senso de inferioridade. O caçador mata animais pela necessidade de
sobrevivência e, ao reproduzi-los através de pinturas, esperava obter o controle sobre o
conteúdo espiritual do animal representado. Vejamos a figura a seguir:
ideológico por natureza, ou seja, “possui significado e remete a algo situado fora de si mesmo”
(p. 31). Nessa acepção, o Círculo de Bakhtin privilegia a “palavra” como sendo o signo
ideológico por excelência, pois a considera como um “signo neutro”, uma vez que ela é
utilizada em todas as esferas discursivas, preenchendo qualquer função ideológica específica.
Bakhtin (2011[1979]: 37) ainda nos afirma que “cada domínio possui seu próprio material
ideológico e formula signos e símbolos que lhe são específicos e que não são aplicáveis a outros
domínios”.
Na campanha publicitária promovida pela WWF (World WideFund for Nature)- uma
organização internacional, não governamental que atua nas áreas da conservação, investigação
e recuperação ambiental – verificamos que o aspecto linguístico se resume a uma única frase:
“Beforeit’s too late” (Depois é tarde demais). Esse enunciado inserido no todo do contexto
imagético torna-se importante para que o interlocutor produza os sentidos desejados pelo autor-
criador (WWF) acerca da temática da devastação florestal. Como afirma Dionísio (2011: 140),
“aspectos verbais e pictorais se complementam de tal forma que a ausência de um deles, mesmo
sendo o de menor incidência, afeta a unidade global do texto”.
Observamos, outrossim, que um léxico pode significar não só pelo seu conteúdo
semântico que carrega em si mesmo, mas também, pela sua expressividade visual nos textos,
utilizando-se de diversos artifícios estilísticos, como: tamanho, posição, tipografismos das
letras, etc. Disso, salientamos, conforme Hollis (2010), que as palavras existem não só como
um meio de transmissão de mensagens, mas, além disso, ela própria pode adquirir uma
expressão única. Como forma de exemplificação, a seguir, temos a marca dos produtos da The
Coca-Cola Company e um trabalho do designer gráfico, Ji Lee.
Fonte: Trabalho do designer Ji Lee, um amante das palavras e imagens. Disponível em:
http://www.pcom.com.br/blog/palavras-em-imagens-%E2%80%93-word-as-image/. Acessado em 10abr, 2014.
Na figura 21, as letras que formam a palavra foram, propositalmente, alteradas para
criar efeitos de sentido ao texto. A palavra “vampire” (vampiro, em português) está disposta de
forma invertida, escrita num fundo preto e as pontas da letra “M” foram pintadas de vermelho,
com o intuito das letras fazerem referência à ideia de vampiro que temos construída em nossas
mentes, através de filmes, estórias, etc. (gostam da escuridão, dormem como morcegos – de
cabeça para baixo, tem duas presas enormes que sevem para se alimentar de sangue humano).
Assim, temos a imagem representando o conteúdo semântico do léxico, ou seja, a tipografia e
a disposição gráfica são semioticamente significativos. Dessa forma, entendemos que as
palavras se tornam signos imagéticos dependendo do gênero em que está sendo veiculada, da
finalidade discursiva pelo qual foi criada, dos contextos de produção, circulação e recepção,
entre outros.
Dessa forma, entendemos que os signos são interdependentes das situações concretas
de produção, circulação e recepção dos textos. Ressaltamos, aqui, que a nossa concepção de
texto está relacionada ao pensamento de Bakhtin (2011[1979]: 307) quando este o define, em
sentido amplo, como um “conjunto coerente de signos”, ao mesmo tempo que determina que
dois elementos são essenciais para identificá-lo como tal: “a sua ideia (intenção) e a realização
dessa intenção” (p. 308). Dessa forma, definimos um cartaz como um texto multimodal em que
utiliza a linguagem de diversas semioses (linguísticos, cores, imagens, sons, movimentos, etc.)
construindo plurissignificações em situações específicas de uso, orientados para a consecução
de finalidades discursivas.
Pelo exposto, percebemos que o texto está intrinsicamente ligado ao discurso, ou seja,
a uma situação dialógica em que operam estrategicamente os elementos verbo-visuais e
contextuais para a produção de sentidos. Nesse sentido Bakhtin (2011[1979]) afirma que o
enunciado se torna pleno em sua concretude quando enformado pelos elementos
extralinguísticos (dialógicos) e por estar ligado a outros enunciados, ou seja, os textos estão
sempre em intercomunicação com outros textos e com os diversos contextos nos quais estão
inseridos.
Cada elemento visual que compõe o texto multimodal é dotado de múltiplos sentidos
e que a interação desse conjunto semiótico para construção de um enunciado pleno e concreto
contribui para a orientação do sentido o qual se pretende transmitir em determinada situação
concreta. As cores, texturas, perspectivas, ângulos, entre outras estratégias imagéticas, não são
selecionados aleatoriamente, mas produto de análises dos contextos (de situação, cultural e de
gênero) em que o texto circulará.
Ao olhar um cartaz na rua, temos nossa atenção despertada para mensagens que
convidam a participar de um evento, experimentar um determinado produto, utilizar algum
serviço ou estimular a mudanças de comportamento e hábitos. As pessoas que interagem com
104
os textos conseguem facilmente reconhecer que se trata de uma propaganda, isto é, percebem
que aquelas mensagens têm a finalidade de convencer a comprar um produto, criar uma imagem
favorável de uma instituição, promover a prática de atos saudáveis, etc.. Mas, por outro lado,
não é tão fácil identificar as ideias perpassadas por essas mensagens, de forma não tão explícita,
quando o objetivoé convencer os indivíduos a se comportarem e/ou pensarem de determinada
maneira.É nesse último caso que Garcia (1994) denomina de propaganda ideológica,sendo que
esta tem a função de
formar a maior parte das ideias e convicções dos indivíduos e, com isso,
orientar todo o seu comportamento social. As mensagens apresentam uma
versão da realidade a partir da qual se propõe a necessidade de manter a
sociedade nas condições em que se encontra ou de transformá-la em sua
estrutura econômica, regime político ou sistema cultural (GARCIA, 1994, p.
10-11).
atinja seus objetivos com eficiência, ela lida como o que já é aceito socialmente, ou seja, é a
sociedade que orienta a linguagem, a visão de mundo e as atividades na publicidade (CONAR,
BOLETIM 44: 1991). Como argumenta o publicitário Toscani, a propaganda
criação de um vínculo com esse leitor e, assim, tentar convencê-lo a aderir a ideias, hábitos
perpassados pelos discursos que estão estrategicamente organizados, de forma implícita e/ou
explícita, nos textos.
Fonte:http://www.correiodeuberlandia.com.br/renataweb/2011/03/02/sandy-a-garota-da-devassa/.
Acessado em 20/04/2014.
recepção da propaganda, pois essa é uma das estratégias da linguagem publicitária para chamar
atenção ao produto a ser divulgado.
Além disso, temos o slogan da cerveja apresentado no cartaz: “Todo mundo tem um
lado Devassa”, em que se faz um jogo linguístico com os sentidos do léxico “Devassa”, que ao
mesmo tempo que faz alusão ao nome da cerveja também refere-se ao sentido de alguém
libertino, vulgar, sensual, etc. É do conhecimento de algumas pessoas, através de declarações
da cantora na mídia, de sua insatisfação da imagem de menina perfeita, boazinha, construída na
sociedade. Na referida propaganda, é construída uma imagem da Sandy totalmente contrária ao
que possuía no imaginário popular. Temos, então, não mais uma menina ingênua, e sim, uma
mulher sensual usando vestido decotado, unhas vermelhas, maquiagem bem marcada, com
expressão sexy e, além de tudo, com um copo de cerveja na mão.
Essa representação de uma nova Sandy dialoga com o slogan do produto, que transmite
a ideia de que todo mundo, até aquelas com imagem de “boa moça”, tem um lado sensual,
libidinoso, devasso. Quando se utiliza a expressão “Todo mundo” esse é mais um dos recursos
dos publicitários para envolver todos os interlocutores e sentirem-se participantes do anúncio.
Espera-se que o leitor, através do conteúdo linguístico e de seus conhecimentos de mundo,
interacionais e linguísticos; consiga inferir os seguintes sentidos para o texto publicitário:
a) Todo mundo toma a cerveja devassa
b) Todos têm um lado libertino, até mesmo as que têm imagens de “santinhas”
c) Ao tomar a cerveja, você libera o seu lado devasso.
O leitor precisa inferir a partir do conhecimento enciclopédico para entender os
implícitos da propaganda, pois nem tudo está dito explicitamente pelo enunciador. Assim,
percebemos que a metáfora visual construída no cartaz é uma das estratégias utilizadas pelo
propagandista com o intuito de divulgar o produto, convencer o público consumidor de forma
criativa e argumentativa.
16
Perelman e Olbrechts-Tyteca (2005) diferenciam o ato de persuadir e o ato de convencer. Persuasão diz respeito
à intensão de atingir um público determinado através de argumentos plausíveis que envolvam a vontade e os
sentimentos dos interactantes. Nesse sentido, a persuasão tem caráterideológico, subjetivo e temporal.
Diferentemente, o convencimento rege-se de provas objetivas e de um raciocínio lógico na construção dos
argumentos, de forma a atingir um auditório universal.
109
organizada de forma a persuadir o leitor a aderir às ideias ali veiculadas, mesmo o gênero
discursivo tendo como principal objetivo social o de informar.
Nesse sentido, poderíamos dizer que o ato de persuadir constitui-se como propósito
próprio (e não exclusivo) da esfera publicitária reconhecida socialmente, mas não o é de outras
esferas. Dessa forma acreditamos que estamos falando não apenas de um único e pré-
determinado propósito discursivo, mas de um conjunto de propósitos realizados por cada gênero
dentro da esfera social, mesmo que nem todos sejam facilmente identificados numa análise
superficial do gênero.
Se admitimos que num gênero existem vários níveis de propósito, isso nos permite
referir-se a eles na forma plural da palavra – propósitos discursivos. De acordo com Rodrigues
(2005), os “propósitos discursivos” não são indiferentes às características particulares da esfera
a que pertencem, mas por outro lado, as evidenciam. Isso significa dizer que as finalidades
discursivas de uma esfera são consideradas importantes na orientação quanto ao tipo de
abordagem dada ao tema, às escolhas dos recursos pictórico-verbais utilizados e à construção
composicional no gênero.
17Entendemos Comunidade Discursiva como sendo um grupo de indivíduos que a sua disponibilidade uma série
de gêneros apropriados ao seu uso típico, de forma que possam servir aos objetivos daquela comunidade. “O uso
recorrente de tais formas discursivas cria solidariedade entre os membros, conferindo-lhes sua arma mais poderosa
para manter os estranhos à comunidade a uma distância segura” (BATHIA, 2009).
110
Essas são algumas características que contribuem para que o cartaz, enquanto gênero
discursivo de uma prática social, esteja permeado de estratégias persuasivas. Mesmo que
caracterizada por uma interação comunicativa mediada, os elementos composicionais do
enunciado estão interligados com o intuito de convencer o leitor-consumidor a adquirir um
produto, uma ideia ou adotar um comportamento. Nesse sentido, imagem e verbo dialogam
entre si, discursam com outros textos e com os interlocutores numa situação concreta de uso do
gênero, suscitando uma atitude responsiva do auditório social.
Disso decorre que a produção de cartazes para determinados fins, envolve diferentes
etapas. Uma instituição que deseja motivar mudanças de comportamento da população, como
por exemplo, informar sobre a importância do uso do capacete no trânsito, o primeiro passo é
entrar em contato com os profissionais da área da publicidade através das agências de
propaganda, setor de comunicação do órgão, etc.. Vejamos o cartaz a seguir:
No cartaz retratado pela figura 23, a voz social que se sobressai no texto é o da
instituição governamental, o qual traz sua assinatura na campanha representada pelos logotipos
do Governo Federal, Ministério das Cidades, DENATRAN, PARADA. Além do material
visual, identificamos, também, pelo material linguístico: “Custo para sua vida: incalculável”. O
pronome “sua” pressupõe que a mensagem está sendo direcionada a alguém de forma a denotar
proximidade, construindo a ideia de que a vida dos usuários de motocicletas é valiosa para os
órgãos públicos. Além disso, observamos que a imagem transmite a informação da importância
do uso do capacete ilustrado pela foto do objeto e pelo conteúdo verbal em que apresenta o
valor do equipamento de segurança. O tom dado ao tema é de clima de medo frente a uma
situação de acidente fatal no trânsito.
estabilizou ou diminuiu), como também pode ser feita uma pesquisa de amostragem entre os
autores-contempladores sobre as reações diante do texto divulgado.
Em princípio, identificamos que uma das finalidades dos cartazes é levar uma
mensagem ao seu leitor através de uma variedade de mecanismos linguísticos e não-linguísticos
com o intuito de persuadi-lo a executar determinada ação no mundo. O cartaz tornou-se um
instrumento social que serve, principalmente, para auxiliar na divulgação de uma ideia/produto
alcançando um grande número de pessoas devido a sua linguagem próxima do cotidiano dos
interlocutores e das estratégias visuais utilizadas a partir das realidades dos autores-
contempladores.
Quando ouvimos a palavra “retórica”, lembra-nos das ideias esboçadas no livro a “Arte
Retórica” de Aristóteles, o qual apresenta três gêneros retóricos: deliberativo – que serve para
aconselhar/desaconselhar, referindo-se a um tempo futuro; o judiciário - que tem a função de
acusar ou defender, refletindo-se sobre o passado; e o epidíctico – que agrega um caráter de
elogio ou censura, situando-se no presente. Nesse livro, o filósofo realizou um estudo dos
processos de eloquência, gênero literário mais florescente em Atenas no séc. IV a. C.,
concernente à arte de bem falar. No entanto, não lhe interessava construir um manual para a
prática da oratória, mas distinguir o que é suscetível de persuasão em cada gênero.
Partindo desse pressuposto, Moles (1974) faz referência a uma “Retórica Visual”, que,
de acordo com os meios de comunicação empregados, pode ser dividida em retórica oral, ligada
ao discurso, tanto na forma oral ou escrito; e retórica visual, referindo-se ao conteúdo
imagético. O autor ainda ressalta que o jogo retórico se estabelece na competitividade
discursivo-ideológica entre o emissor da mensagem, que ao dizer alguma coisa o faz através de
estratégias para convencer o receptor, enquanto este tem a liberdade de não se deixar seduzir
pela mensagem, resistindo às suas influências persuasivas.
forma como a mensagem será expressa tendo como fim, dentre outros, “demonstrar ou reforçar
afirmações no texto”.
Na área que está fora do campo de visão do leitor, a solução para o designer gráfico
tornar esse campo mais atrativo é utilizar recursos imagéticos, tais como fotos, desenhos,
quadros, letras grandes, etc.. Atrair e guiar a forma adequada de como deve ser lido um texto é
118
função primordial do layout. Outras finalidades básicas do layout estão entre “tornar mais
compreensivo, mais sugestivo, o teor da mensagem, criando um clima afetivo-estético no
espírito do leitor, capaz de torná-los mais receptivo à mensagem” (SANT’ANNA, 2006: 176).
Para o autor,
Além das cores apresentarem-se como signos ideológicos, elas despertam sentimentos
e sensações. Por exemplo, o vermelho traduz paixão e entusiasmo ou simboliza guerra ou
perigo; o azul é frio e calmante, passa a impressão de céu e espaço aberto. Os cartazes como
publicidade ao ar livre são percebidos nas vias públicas pelo seu tamanho, cores, imagens que
“exercem impacto sobre o público e pela repetida exibição conseguem influir, fixar uma
mensagem breve e veicular uma impressão” (SANT’ANNA, 2006: 235).
Aliando-se ao layout, às cores, às imagens para compor a retórica visual dos cartazes,
temos, ainda o slogan. Este último se apresenta como sendo uma sentença ou máxima que
expressa uma qualidade, uma vantagem do produto, ou uma norma de ação do anunciante ou
do produto para servir de guia ao consumidor (SANT’ANNA, 2006). A frase deve ser curta (de
4 a 6 palavras, mais ou menos), simples, concisa, clara, expressiva, com força sugestiva, além
de sintetizar a ideia do discurso.
Outras estratégias textuais utilizadas para seduzir o leitor são o uso de figuras de
linguagem, da função conativa e estética da linguagem, construção de frases afirmativas e
imperativas, ligação das palavras no nível sintático-semântico e inter-relacionadas com o
conteúdo pictórico, entre outros.
discurso através das mais diversas estratégias persuasivas com a finalidade de influenciar o seu
auditório social.
121
CAPÍTULO IV
18
HumanImmunodeficiencyVirus (HIV), em inglês, o que significa Vírus da Imunodeficiência Humana. Segundo
o Departamento de DST/AIDS, o “HIV é um retrovírus, classificado na subfamília dos Lentiviridae. Esses vírus
compartilham algumas propriedades comuns: período de incubação prolongado antes do surgimento dos sintomas
da doença, infecção das células do sangue e do sistema nervoso e supressão do sistema imune. Causador da aids,
ataca o sistema imunológico, responsável por defender o organismo de doenças. As células mais atingidas são os
linfócitos T CD4+. E é alterando o DNA dessa célula que o HIV faz cópias de si mesmo. Depois de se multiplicar,
rompe os linfócitos em busca de outros para continuar a infecção”. Disponível em: <http://www.aids.gov.br/>.
Acessado em 21 maio 2014.
19AcquireImmunodeficienceSyndrome (AIDS) que, em português, significa Síndrome de Imunodeficiência
Adquirida (SIDA). O Ministério da Saúde informa que aaids é o estágio mais avançado da doença que ataca o
sistema imunológico.Comoo vírus HIV ataca as células de defesa do nosso corpo, o organismo fica mais vulnerável
a diversas doenças, de um simples resfriado a infecções mais graves como tuberculose ou câncer. Disponível em:
<http://www.aids.gov.br/>. Acessado em 21 maio 2014.
122
Diante do exposto, cada um dos supracitados contextos será, por nós, analisado de
maneira a orientar e validar os resultados a serem obtidos nesta pesquisa, que tem como objetivo
principal discutir como o governo, representado pelo órgão federal do Ministério da Saúde, tem
se referido à doença AIDS de forma a constituir determinados sentidos ao tema dentro da
sociedade, bem como, a forma que constrói a imagem dos autores-contempladores nos cartazes
das campanhas publicitárias divulgadas no período do carnaval de 1999 a 2013. Em outras
palavras, propomo-nos a investigar os tipos de discursos ideológicos que estão sendo veiculados
pela peça publicitária em relação ao conteúdo temático e ao leitor presumido das campanhas.
123
O aparecimento da AIDS no cenário mundial, no período dos anos 80, trouxe uma
nova preocupação para diferentes grupos sociais (médicos, cientistas, jornalistas, governos,
etc.). Os meios de comunicação divulgam sobre a epidemia de uma nova doença causada por
um vírus que ataca o sistema imunológico humano, levando o indivíduo infectado à morte em
pouco tempo. A informação sobre a doença espalhou-se na mídia internacional e os discursos
20Caderno que o Ministério da Saúde anualmente divulga contendo informações sobre a ocorrência de Doenças
Sexualmente Transmissíveis (DST) e HIV/AIDS no Brasil. Os dados dos sistemas de informação e as pesquisas
realizadas permitem a compreensão do cenário epidemiológico e dos fatores determinantes dessas infecções na
população brasileira.
124
reportagens, etc., estabelecendo uma ampla conversação sobre a temática da AIDS entre
diversas esferas da sociedade. Dessa forma, “a AIDS tem seu percurso definido pelo discurso
da atualidade” (FAUSTO NETO, 1999: 26).
Mais tarde, com o avanço nas pesquisas sobre as formas de contágio do vírus HIV e
com a percepção de que outros grupos estavam sendo afetados pela doença, como exemplo
23A primeira modalidade de relação dos indivíduos com a AIDS foi na forma de grupos de risco. A característica
principal desse modelo é que a doença é coisa dos "outros". Os "outros", no caso, são aqueles que manifestam
sexualidade desviante (homossexuais), excessiva e pecaminosa (prostitutas), ou então, que praticam crime (uso de
drogas injetáveis). Ora, a maioria de nós julga-se distante dessas realidades. E, em princípio, talvez estejamesmo,
pelo menos na aparência. A nomeação dos grupos de risco e a identificação da epidemia nos "outros" são manobras
que fazem com que a AIDS seja tratada como algo episódico e distante, associada a promiscuidade, drogas e
homossexualidade. Disponível em: <http: homologacaoweb.aids.gov.br/sites/default/files/vulnerabilidade.rtf.>.
Acessado em 25 maio 2014.
24Disponível em: <http://www.aids.gov.br/pagina/historia-da-aids>. Acessado em 20 maio 2014.
126
disso foi a manifestação de casos entre as mulheres e em homens heterossexuais, fizeram com
que os órgãos de saúde pública mudassem o foco para a responsabilização individual, ou seja,
as pessoas tornaram-se responsáveis por sua própria exposição ao risco HIV. Assim, as vozes
das instituições de saúde pública direcionam o discurso não mais para grupos de risco, mas
agora o alvo são as atitudes ou comportamentos de risco25, isto é, para a prática do sexo seguro
com camisinha, transfusão de sangue testado, diminuição do número de parceiros, o não
compartilhamento de seringas, etc.
sociedade. Dessa forma, acreditamos ser imprescindível construir o cenário mais amplo, como
também situado acerca da temática para uma melhor análise do gênero em estudo.
Mesmo o Brasil sendo considerado um país laico, ainda é considerado uma nação de
católicos os quais representam 64,6% da população brasileira, segundo o censo do IBGE
201028. Disso, decorre que a ideologia pregada pela religião católica tem forte influência no
comportamento e na formação de opinião dos fiéis. Por esse poder ideológico que as instituições
religiosas detêm na sociedade brasileira é que os discursos governistas nos cartazes, muitas
vezes, mantém uma relação dialógica com esses textos através de referências ao material
simbólico de diversas religiões. Vejamos o cartaz a seguir:
29Estarvulnerável no contexto do HIV é ter pouco ou nenhum controle do risco de infecção, enquanto que para as
pessoas infectadas significa ter pouco ou nenhum acesso a cuidados ou tratamento adequado. A vulnerabilidade
pode ser afetada por fatores individuais, sociais e programáticos (UNESCO Brasil, 2004).
130
30
Disponível em: http://www.aids.gov.br/sites/default/files/anexo_7_0.pdf. Acessado em 08 jun. 2014.
31Disponível em: http://g1.globo.com/sao-paulo/sao-jose-do-rio-preto-aracatuba/noticia/2013/04/fomos-
impedidos-de-doar-sangue-por-sermos-gays-alega-casal.html. Acessado em 08 jun. 2014.
32Disponível em:
http://www.aids.gov.br/sites/default/files/anexos/page/2011/48800/portaria_1353_140611_pdf_29584.pdf.
Acessado em 08 jun. 2014.
131
homossexualidade) não deve ser usada como critério para seleção de doadores de sangue, por
não constituir risco em si própria”. Mas, no entanto, permanece nesse mesmo documento os
mesmos supracitados critérios de inabilitação de doadores de sangue da Resolução da ANVISA.
Utilizamos para efeito de ilustração a temática da doação de sangue, por ter grande
relevância na área da saúde em nossa sociedade, uma vez que os bancos de sangue sempre estão
fazendo campanhas para estocagem do material, na tentativa de conscientizar as pessoas da
necessidade de doadores sanguíneos para a preservação de vidas. Assim, concluímos que
quanto mais pessoas doarem sangue melhor serão os resultados no combate à escassez do
fluido. Seguindo tal raciocínio, não seria coerente excluir possíveis doadores levando-se em
consideração a sua orientação sexual, uma vez, que qualquer pessoa tem a probabilidade de
estar infectado pelo vírus HIV, independentemente de ser ou não homossexual.
Nessa mesma época, o Brasil passa a produzir o AZT (coquetel que trata a AIDS) que
passa a ser disponibilizado na rede pública com a lei 9. 313/96 que fixa o direito ao recebimento
gratuito da medicação, tendo como consequência, a médio e longo prazo, a redução em 50% da
mortalidade dos pacientes, bem como, uma melhora significativa na qualidade de vida dos
portadores do HIV. Segundo o Departamento de DST/AIDS, o Brasil fabrica 11 dos 20
medicamentos antirretrovirais usados no tratamento da AIDS que são distribuídos pelo Sistema
Único de Saúde (SUS) gratuitamente aos portadores do HIV. Com essas ações na saúde pública
132
A AIDS ainda é uma doença considerada caso de saúde pública no Brasil, dado o
elevado índice de infecção do vírus HIV pela população brasileira. As fontes as quais alimentam
a base de dados do Ministério da Saúde (MS) sobre a incidência da doença na nossa sociedade
são obtidas através do Sistema de Informação de Agravos de Notificação (SINAN), Sistema de
Informações sobre a Mortalidade (SIM), Sistema de Controle de Exames Laboratoriais
(SISCEL) e o Sistema de Controle Logístico de Medicamentos (SICLOM). A inter-relação dos
dados obtidos pelos supracitados sistemas de informação está descrita na figura a seguir:
Fonte: Boletim Epidemiológico 2012. Disponível em: <http://www.aids.gov.br>. Acesso em 19 maio 2014.
A partir dos resultados das análises feitas dessas informações é que se baseiam as
decisões tomadas na programação das ações de saúde. Como exemplo disso, temos as
133
QUADRO 1 - Resumo dos Indicadores Epidemiológicos de HIV e AIDS no Brasil de 1980 a 2012.
Taxa de
Óbitos Taxa de
CASOS incidência acumulados
POPULAÇÃO
UF ACUMULADOS de (1980 mortalidade
(2011)
(1980 a 2012)
aids a 2011) (2011)
(2011)
Nº % Nº % % Nº % %
BRASIL
192379287 100,0 656701 100,0 20,2 253706 100,0 5,6
Fonte: Boletim Epidemiológico 2012. Disponível em: <http://www.aids.gov.br>. Acesso em 19 maio 2014.
Uma análise feita levando-se em conta o sexo, observamos uma redução gradual ao
longo do tempo na proporção entre homem/mulher, principalmente a partir do ano 2000, ou
seja, existe 1,7 casos de AIDS em homens para cada caso em mulheres, um fenômeno que o
MS denomina de “Feminização” da doença. Em relação à faixa etária, a doença se apresenta
mais incisiva nas idades de 15 a 24 anos e superiores a 50 anos. Quanto ao aspecto da orientação
sexual houve um aumento de cerca de 8% em heterossexuais e de 15% na proporção de casos
homossexuais e bissexuais.
134
Diante do que foi enunciado, acreditamos que os meios midiáticos pelo poder
persuasivo que detém e pela responsabilidade social de orientação dos indivíduos, devem,
quanto a questão da AIDS, focalizar na personalização dos riscos de contrair a doença, melhorar
a imagem dos preservativos, entre outras formas estratégicas.
No cartaz da figura 30, é apresentado o rosto de uma mulher bonita e que não retrata
o imaginário que as pessoas criaram na mente de um indivíduo com HIV (a AIDS era
caracterizada, sobretudo, pela magreza e um rosto desfigurado, doente). O discurso repassado,
a partir de agora, principalmente com a distribuição dos remédios antirretrovirais, é que não é
possível identificar quem está infectado pelo vírus HIV, podendo qualquer pessoa ser um
possível transmissor da doença. Dessa forma, cada um torna-se o responsável pelo cuidado de
sua saúde, através da adoção de comportamentos saudáveis, especialmente em relação a sua
vida sexual.
A AIDS deve ser encarada como questão de saúde pública, e não tão-somente, como
tema a ser discutido na esfera médico-científica. Fausto Neto (1999) defende a ideia de que a
137
AIDS é uma enfermidade da atualidade midiática. Vários são os trabalhos encontrados na área
da comunicação, geralmente, abordando a importância ou o papel da esfera jornalística e
publicitária como meios de informação sobre a enfermidade dentro da sociedade, analisam as
estratégias discursivas utilizadas pelos meios de comunicação quanto ao combate à doença,
identificam os discursos construídos ao longo dos anos pela mídia em relação à AIDS, entre
outros.
Para Toscani (2000), os cartazes cumpriram seu papel social – incentivar a discussão
em torno da questão da exclusão dos soropositivos na sociedade, ao mesmo tempo, em que leva
à reflexão, entre os especialistas da comunicação, sobre a maneira de falar de sexo e da AIDS.
Nas palavras de Jon Baggaley (1992), a maior parte das campanhas lançadas através dos meios
de informação exerce pouco impacto em se tratando dos grandes problemas de saúde pública.
Com base em investigações sobre educação na área de saúde pública, o autor afirma que os
estudos indicam que utilizando um modo de exposição do conteúdo de forma mais clara e
objetiva, em vez de um enfoque dramático e mais espetacular, tem-se obtido resultados mais
favoráveis.
4.2O Tema da AIDS: análise temática da doença nos cartazes das campanhas publicitárias
do Ministério da Saúde de 1999 a 2013
ao mesmo tempo que influencia a formação da opinião pública dentro da sociedade. De acordo
com Bakhtin (2012[1929]:134), o conteúdo temático “procura adaptar-se às condições de um
dado momento da evolução”, ou seja, assim como os contextos sociais, políticos, culturais, etc.
vão se modificando ao longo do tempo em uma determinada comunidade, concomitantemente,
as formas de tratamento dado à determinado assunto também sofrem alterações.
Para ilustrar as transformações sofridas pelo tema da AIDS ao longo do tempo,
percebemos que quando do aparecimento da doença,esta se encontrava intimamente
relacionada a grupos de risco, dentre eles, ressaltamos o dos homossexuais, que foram alvos de
discursos discriminatórios. Com a constatação de que a doença não estava articulada com a
questão da homossexualidade, o foco passa a seremos comportamentos de risco, trabalhando
com a ideia da responsabilidade individual, ou seja, cada um é responsável por se colocar ou
não em situações de exposição ao vírus HIV.
Mesmo com todos os esforços das mais variadas áreas os números de pessoas
infectadas pelo vírus HIV/AIDS crescem a cada ano. Diante desse panorama, a AIDS passa a
ser abordada como uma questão de saúde pública, principalmente, pela Organização Mundial
de Saúde (OMS), o que significa que a responsabilidade do combate à doença não cabe somente
ao indivíduo, mas é uma responsabilidade, também, dos órgãos governamentais, ou seja, existe
uma responsabilização social.
Inicialmente, analisamos os slogans das campanhas publicitárias, uma vez que esse
elemento propagandístico, geralmente, está relacionado à formação da identidade de um
produto/marca. Em relação à nossa pesquisa, o slogan representa a criação identitária do
discurso ideológico na voz do governo federal, através do órgão do Ministério da Saúde.
Dessa forma, identificamos, através dos enunciados, o tratamento dado ao assunto da AIDS,
levando-se em consideração o contexto sociocultural inerente ao período do carnaval, momento
em que são veiculados os cartazes em estudo. Na maioria dos cartazes existe a presença de
outros enunciados que subsidiam o lema principal, algumas vezes, esses períodos estão em
lugar de destaque no layout dos cartazes.
Observamos no quadro 2, referente àexpressão nominal, a ocorrência do léxico “AIDS”
por 3 (três) vezes, a palavra “Camisinha” apareceu por 9 (nove) vezes, o substantivo
“Sexo”foram 3 (três) aparições e a palavra “Carnaval” por 2 (duas) vezes. Verificamos que o
sintagma nominal com maior frequência é a palavra “Camisinha”. Se levarmos em
consideração as orações que fazem parte dos cartazes, além dos slogans, perceberemos que em
141
todas as campanhas aparecem o nome “Camisinha”, de forma que nas quinze campanhas em
análise visualizamos a referida palavra sendo repetida por 18 vezes.
A escolha por determinado material verbal não acontece de forma aleatória, mas sim,
a partir do repertório linguístico característico de dada audiência social, evidenciando seus
valores e posições axiológicas. O nome escolhido nos cartazes para designar um dos meios de
contracepção foi “Camisinha”, em vez de “Preservativo”, por exemplo. O primeiro termo se
popularizou após a nomeação do contraceptivo de “camisa-de-vênus”, em homenagem à deusa
do amor. Daí surge a denominação “Camisinha” que, nos últimos anos, faz parte da linguagem
de maior parte da população brasileira. Assim, a estratégia publicitária aqui utilizada é a criação
de uma relação de identificação com o seu interlocutor através de palavras de uso comum. O
léxico “Preservativo” cria certo distanciamento do autor-contemplador, uma vez que este termo
é menos usual entre os sujeitos-alvo das campanhas.
O contexto da peça publicitária da pesquisa está relacionado à festa do carnaval, isto
é, a uma festividade que faz parte da identidade cultural do Brasil caracterizada pelo
agrupamento de milhares de pessoas atrás de trios elétricos, ou como espectadores de desfiles
de carros alegóricos, como foliões de bailes nos clubes, entre outros. Simbolicamente um evento
ligado à folia, alegria, sexo, bebida, música, fantasias, imagens coloridas, etc. e, no entanto,
encontramos apenas 2 (duas) ocorrências da palavra “Carnaval”, mesmo as campanhas sendo
criadas para serem divulgadas nesse período.
Nesse caso, observamos que não há uma preocupação em particularizar o gênero, de
forma a ligá-lo ao contexto da situação mais imediata. Dessa forma, entendemos que o foco das
campanhas de combate aAIDS está na prevenção da doença por meio do uso do preservativo,
este que, através dos slogans em análise, é apresentado como único meio de prevenção do
contágio do vírus HIV/AIDS.
A AIDS é uma doença que tem na relação sexual como uma das formas de maior índice
de infecção do vírus HIV, porém, não é a única. Sabemos que existem outros meios de aquisição
da enfermidade, tais como: compartilhamento de seringas, transfusão sanguínea, aleitamento
materno; no entanto, identificamos que nos slogans a AIDS está exclusivamente ligada à prática
sexual. No carnaval, a euforia da festa, acompanhada de bebidas alcoólicas e de uma ideia de
libertinagem sexual são ingredientes propícios para comportamentos de risco. Contudo,
ressaltamos que o léxico “Sexo” é repetido explicitamente apenas 3 (três) vezes, o que nos faz
acreditar que essa palavra, no meio social, ainda se encontra carregada de conotações negativas.
Nas demais situações, a ideia do sexo está implícita, estando relacionada à palavra “camisinha”.
142
Para exemplificar tal afirmação, averiguamos a campanha de 2002 que traz como
slogan “Sem camisinha nem pensar”, o qual podemos inferir que não se pode, de jeito nenhum,
pensar em fazer sexo se não estiver com camisinha. Existe nesse enunciado um tom proibitivo,
do que não se pode fazer. Em 2003, a mensagem veiculada foi “Mostre que você cresceu e sabe
o que quer. Neste carnaval, use camisinha”, em outras palavras, a atitude de usar camisinha
nas relações sexuais é sinônimo de maturidade e independência.
Ressaltamos que o sexo, nos cartazes do carnaval, tem uma conotação ligada às
relações casuais, próprias dessa festividade. Para ilustrar tal afirmação destacamos a campanha
de 2011 que aconselha: “Curta o carnaval. Sexo só se for com camisinha. Senão não dá”; e do
ano de 2012 com a frase “Na empolgação pode rolar de tudo. Só não rola sem camisinha.
Tenha sempre a sua”. Um dos sentidos que pode ser atribuído à expressão “Curta o carnaval”
pode estar relacionado à prática do sexo seguro, enquanto que na campanha de 2012, o sexo
com camisinha está totalmente liberado, ou seja, pode acontecer de tudo. O pronome “tudo”
deixa a intenção do significado muito amplo, mas que conjugado às imagens, o texto nos dá
pistas de que se refere às orientações sexuais. Em outras palavras, o sexo pode acontecer entre
heterossexuais ou homens que fazem sexo com homens, não importando com quem você pratica
sexo, desde que use a camisinha pra se proteger.
De acordo com a teoria publicitária, oslogan, que exerce um papel fundamental na
atribuição de personalidade a uma ideia/produto, deve ter posição de destaque nos layoutsdos
cartazes. Observamos que nas campanhas referentes a 2003, 2008, 2009, 2010 e 2011 o lema
não ocupa um lugar de atração visual privilegiada. Nesses cartazes, os enunciados que
subsidiam os slogans são colocadas numa posição de maior visibilidade, uma vez que essas
frases utilizam o recurso da ambiguidade para dar maior ênfase ao projeto discursivo. Para
exemplificação vejamos o cartaz a seguir:
33Disponívelem: <http://exame.abril.com.br/tecnologia/noticias/bill-gates-banca-nova-camisinha-que-imita-
sensacao-da-pele>. Acessado em 08 jun 2014.
146
Fonte: Portal da Saúde do Ministério da Saúde. Disponível em: www.aids.gov.br. Acessado em 04 jun.
2014.
34Disponível
em: <http://www.logovia.com.br/blog/compartilhe/conheca-o-significado-cultural-das-cores/>.
Acessado em 04 jun. 2014.
148
a luta contra o fumo; o lilás está relacionado ao combate à violência de mulheres e crianças,
etc.
Ressaltamos que a cor vermelha, além de estar relacionada ao símbolo da AIDS,
também traz como conteúdo significativo a ideia de paixão e sangue. Em outras palavras, dois
fatores de exposição ao risco da infecção por HIV: contato com secreções (esperma) e sangue
contaminados. Além do mais, a supracitada cor é um tom de grande impacto visual, que chama
a atenção dos transeuntes. Vejamos na seguinte campanha:
Segundo a revista Veja on-line, edição 1.688, de 21 de fevereiro de 2001, essa campanha
foi bastante criticada pela igreja católica, uma vez que essa instituição religiosa defende a ideia
de que a relação sexual serve para procriação após um casamento baseado na fidelidade. De
outra forma, a igreja entendeu que foi empregado no enunciado um tom de deboche ao abordar
valores sagrados do cristianismo, como a distinção entre o bem e o mal. Verificamos, assim,
que a abordagem da temática da AIDS referenciada numa apreciação religiosa é causa de muita
polêmica, o que nos faz acreditar que o tratamento dado a certos assuntos, ainda são
considerados tabus em nossa sociedade.
150
Agora é a vez de apresentarmos uma exemplificação em que o material visual tem pouca
ou nenhuma relação com os recursos linguísticos.
imagens. Acreditamos que a escolha por esse tipo de cenário deve-se ao fato de dar maior
destaque para a imagem da camisinha e para a mensagem verbal a ser veiculada.
A ilustração em primeiro plano, geralmente é constituída pela imagem da camisinha
que encontramos materializada em 10 campanhas do MS, como apresentado na figura seguinte:
Na figura 38, temos na imagem um casal heterossexual numa praia deserta e ao pôr-
do-sol, sugerindo um ar de romantismo entre os dois. O rapaz sem camisa e com posições
corporais que indicam a realização de um beijo são indícios para o início de uma maior
intimidade, ou seja, geralmente, começa-se pelo beijo para se chegar a uma relação sexual. Essa
abordagem também é confirmada pela imagem do caranguejo mostrando um preservativo,
fortalecendo a mensagem repassada no texto que sexo sem camisinha não rola.Há uma
prevalência dos tons pastéis, estimulando a sensação de algo clássico, padrão, isto é, a relação
entre homem e mulher é vista como algo natural, assim como o próprio ambiente em que os
personagens se encontram – praia, mar, céu – um local paradisíaco.
alegria que envolve essas campanhas está interligado ao fato de que o contexto imediato dos
cartazes está no envolvimento destes com as festas carnavalescas, período de divulgação das
peças publicitárias.
visibilidade diante da população passando a imagem de que está atento aos problemas da
sociedade e que não descuida da saúde deseu povo.
superior, o que lhes dá uma maior visibilidade, sem que possa tirar a atenção das mensagens
principais. Verificamos que no portal da saúde traz informações, de uma maneira generalizada,
sobre os diversos serviços que têm abrangência pelo Sistema Único de Saúde (SUS), sem
apresentar uma abordagem mais direta sobre a temática da AIDS no país. Vejamos:
FIGURA 46 -Portal da Saúde (SUS)
4.3 Leitor Presumido: a construção dos sujeitos nos cartazes do Ministério da Saúde
O slogan da campanha “Sexo não tem idade para acabar. Proteção também não”,
permite-os inferir que o autor-criador percebe que os grupos de mulheres consideradas de
terceira idade são formados por pessoas que têm vida sexual ativa. Isso é constatado pelo
Boletim Epidemiológico de 2008, quando afirma que o contágio pelo vírus HIV aumentou em
mulheres com idade superior a 50 anos. Mas também esse discurso está materializado nos
signos imagéticos do texto – essas mulheres segurando nas mãos uma camisinha.
Assim, os dados do Boletim Epidemiológico,principais referenciais na construção das
campanhas de luta contra a AIDS pelo Ministério da Saúde, estão diretamente interligados com
a escolha do público-alvo das campanhas de carnaval. Concernente a tal fato, afirmamos que
os cartazes do carnaval se configuram em uma resposta aos discursos de documentos de
pesquisa e análises de dados, tais como os Boletins Epidemiológicos.
Em outras palavras, as informações divulgadas pelo documento oficial servem de
orientação para a organização dos discursos construídos nas peças publicitárias de prevenção
ao contágio da AIDS, bem como para a construção do provável destinatário o qual se quer
atingir, com o intuito de conscientizar esse grupo social sobre a importância da prevenção de
doenças sexualmente transmissíveis.
Considerando o cartaz em análise, percebemos que o grupo das mulheres “maduras”
faz parte dos enunciados construídos pelo autor-criador, uma vez que este, em seu processo de
produção verbal, orienta-se pelos conhecimentos compartilhados pelos interlocutores acerca
desse grupo social, tais como, estilo de vida, expectativas pessoais, transformações na
sexualidade, etc. Isso significa dizer que o leitor presumido é um elemento intrínseco do gênero
discursivo, fator que o diferencia do público-leitor, ou seja, dos reais interlocutores do evento
comunicativo, pois, no contexto de circulação dos textos, outros grupos sociais terão acesso a
esses enunciados (jovens, homens, homossexuais, etc.).
Não podemos deixar de observar que os gêneros em análise encontram-se interligados
com a realidade sociocultural, uma vez que se evidencia a mudança de um panorama social
brasileiro – além da feminização da doença, temos a incidência do vírus HIV nos grupos de
idosos. Quanto a este último, há décadas atrás, os sujeitos de terceira idade eram vistos pela
sociedade como pessoas que tinham sua vida sexual finalizada, ou seja, devido a diversos
fatores, entre eles a impotência sexual relacionada à questão da idade, tínhamos a ideia de que
nossos pais e avós com mais de 50 anos, não teriam condições de se relacionarem sexualmente.
É nesse ambiente de intensas transformações sociais e culturais que os gêneros
dialogam com a situação concreta imediata, de forma a respondê-la considerando os vários
164
discursos ideologicamente marcados nos mais diversos grupos sociais, e, assim, tornando
possível a sua modificação e reconstrução num contexto espaço-temporal.
Enfim, observamos que os cartazes de prevenção a AIDS também são uma forma de
responder a situações concretas, ou seja, são respostas aos acontecimentos da vida, a outros
discursos bastante representativos em nossa sociedade. Para ilustrar o que enunciamos, vejamos
o cartaz a seguir:
Como abordado alhures, essa campanha foi construída a partir de um contexto social
permeado de muitas polêmicas referentes à segurança do preservativo. O discurso religioso,
representado pela instituição da igreja católica, fazia declarações sobre a ineficácia da
camisinha em proteger as pessoas da doença, contradizendo (ou dando uma resposta) ao que
preconiza o discurso médico-científico, que vê no preservativo a forma mais importante de
prevenção à AIDS. Mesmo o Ministério da Saúde negando que a campanha seja uma resposta
às afirmações da igreja, identificamos nas pistas linguísticas e extralinguísticas que o projeto
discursivo do cartaz está em responder a um discurso perpassado na sociedade, confirmando,
assim, a existência de um elo na cadeia infinita de discursos de diferentes sujeitos.
Quanto ao aspecto linguístico percebemos a ênfase nas palavras “use” e “confie” que
aparecem no mesmo cartaz por duas vezes. Além do mais, a primeira frase “Pela camisinha não
passa nada” está sendo veiculada no sentido de que pelo material (látex),do qual é
confeccionado o preservativo, é impermeável, inexistindo a possibilidade do vírus HIV
165
posições axiológicas encontram-se engendrados nos discursos que são perpassados através
desse material publicitário.
As campanhas publicitárias do Ministério da Saúde que têm como público-alvo
determinado a população feminina são as veiculadas durante o carnaval de 1999, 2002, 2003,
2008, 2009, 2010 e 2011. Primeiro fato a observar é que nesses cartazes o discurso está
centralizado na responsabilidade da mulher frente às atitudes de prevenção da AIDS, através
do uso do preservativo. Vejamos nesse cartaz:
Na frase “Viver sem aids só depende de você”, temos o termo “só depende” em
destaque vermelho, cor que além de dar maior visibilidade às palavras, está também relacionada
à simbologia da AIDS. Isso significa que o enunciador quis enfatizar a ideia da
responsabilização individual, atribuindo à mulher o papel de evitar o contágio do vírus HIV
exigindo que o seu parceiro sexual use a camisinha, mesmo que este preservativo seja de uso
masculino.
Essa organização do discurso voltada para a responsabilização feminina ocorre nos
demais cartazes, sempre colocando a mulher numa posição de tomada de decisão quanto ao uso
do preservativo. Podemos visualizar nas construções de enunciados dos cartazes direcionados
ao público feminino, tais como: “Sem camisinha nem pensar” (Carnaval de 2002), “Sexo só
com camisinha. Ou só olha e baba, baby” (Carnaval de 2003), “Qual a sua atitude na luta
contra a aids?” (Carnaval de 2008), “Use camisinha. É coisa de mulher segura” (Carnaval de
2009), “Sem camisinha não dá” (Carnaval de 2011).
Esse poder atribuído às mulheres quanto às decisões tomadas referente à sexualidade
feminina está relacionada ao contexto cultural que atualmente vivenciamos. Antigamente, as
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mulheres tinham como função social desempenhar o papel de esposa e mãe, as quais exerciam
as tarefas de cuidar do ambiente doméstico, eram responsáveis pela educação dos filhos e servir
sexualmente aos maridos. Quanto a este último aspecto, o sexo era praticado como meio de
reprodução da espécie humana, em que nessa relação não era permitido à mulher sentir ou
expressar o prazer. Além disso, o valor de uma pessoa do sexo feminino estava atrelado à sua
virgindade, como apregoava o Código Civil Brasileiro em seu art. 219, inciso IV, o qual
autorizava o marido anular o casamento caso descobrisse que a mulher não era mais virgem.
Apesar de um histórico de lutas e conquistas dos movimentos feministas no Brasil que
eclodiram ao final do século XIX e início do século XX, foi com a Constituição Federal de
1988 em seu art. 5º, inciso I, com a declaração da igualdade de direitos entre homens e mulheres,
que percebemos que o cenário feminino brasileiro ganha um grande impulso em direção às
mudanças nos mais diversos setores da sociedade: exercício de direitos que antes eram
exclusivamente masculinos, como por exemplo, o direito de votar e ser votada; direito ao
divórcio, à educação e ao trabalho; liberdade sexual, entre outros.
Nesse sentido, a mulher brasileira atual é formada, em sua grande maioria, por pessoas
que lutam por seus direitos sociais, econômicos e políticos; por respeito e independência numa
sociedade marcada por uma visão machista e preconceituosa; pela liberdade de viver a sua
sexualidade em sua plenitude, conforme lhe convém; buscam o poder de decisão sobre o próprio
corpo; e pelo fim das inúmeras violências sofridas nos mais diversos ambientes, sejam eles
profissionais ou familiares.
Diante do exposto, acreditamos que esse seja um dos fatores que explica o fato dos
enunciadores dos cartazes, mesmo perpassando por três governos diferentes, consolidarem um
discurso sempre voltado para o compromisso da mulher em assumir a obrigação de prevenir o
contágio da AIDS, de forma a reduzir os índices de soropositivos no país, ou seja, apregoam
uma responsabilização feminina da doença.
Quanto ao aspecto do recurso visual, as mulheres, nos cartazes das campanhas
publicitárias do MS, ocupam a posição central do gênero, sendo apresentadas sempre com
sorriso no rosto e expressando um momento de alegria, além de portarem o preservativo como
ferramenta primordial da prevenção a AIDS. O centro, campo de visão privilegiado nos
cartazes, tem como efeito imediato atrair a atenção dos interlocutores para a visualização dos
cartazes, composto por ilustrações que seduzem mais pelo seu aspecto colorido.
A expressão de alegria combina com o contexto das festas carnavalescas, mas o
vestuário (excetuando o cartaz do ano de 2011) não condiz com o período em que são
divulgadas as peças publicitárias, bem como, o cenário e os slogans criados nesses cartazes.
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Acreditamos que essa desconexão dos recursos linguísticos e imagéticos com o contexto
situacional do evento comunicativo provoca um distanciamento das relações entre o enunciador
e seu leitor presumido.
As mulheres, expostas nos cartazes, são sempre mostradas sozinhas, sem nenhuma
conotação para o caráter da sensualidade. Assim, percebemos que não está sendo retratada na
retórica visual dos cartazes a sexualidade feminina em sua essência, a qual está relacionada aos
elos de afetividade, desejos, orientação sexual, demonstração de carinhos, entre outros. Vimos,
dessa forma, uma tendência dos enunciadores buscarem uma posição de certa neutralidade a
essa temática a fim de se evitarem posturas polêmicas que poderiam ser suscitadas no seio da
sociedade, o que confirma que certos temas são ainda tratados com certo pudor e medo.
Nesse sentido, observamos que os leitores imanentes que fazem parte, de forma
intrínseca, na construção dos enunciados, definindo o conteúdo temático, estilo e forma
composicional do gênero, não estabelecem uma correspondência linguística e imagética com o
público-leitor definido pelas campanhas publicitárias do Ministério da Saúde. Eles se
encontram inseridos nos discursos produzidos com o propósito de responder, em graus de
concordância ou discordância, a certas ideologias, valores sociais, axiologias que são formadas
cultural e sócio-historicamente na comunidade discursiva em que os gêneros discursivos
circulam.
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ALGUMAS REFLEXÕES
REFERÊNCIAS
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ANEXOS
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